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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

o direito de sonhar

de Eduardo Galeano
tradução livre de patricia mc quade


Ninguém sabe como será o mundo depois do ano 2000. Temos uma única certeza: se ainda estivermos aqui, já seremos pessoas do século passado y, pior ainda, seremos pessoas do milênio passado.

Entretanto, mesmo que não possamos adivinhar o mundo que será, podemos sim imaginar o que queremos que seja. O direito de sonhar não está estampado nos trinta direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram em 1948. Mas se não fosse por ele, e pelas águas que dá de beber, os outros direitos morreriam de sede.

Deliremos, pois, por um momento. O mundo, que está de pernas para o ar, se firmará sobre seus pés.

• Nas ruas, os automóveis serão pisados por cachorros.

• Os cozinheiros não acreditarão que as lagostas adoram ser fervidas vivas.

• A polícia não será a maldição de quem não pode comprá-la.

• O ar estará limpo dos venenos das máquinas, e não haverá mais poluição do que aquela que emana dos medos humanos e das humanas paixões.

• Os historiadores não acreditarão que os países adoram ser invadidos. Os políticos não acreditarão que os pobres adoram comer promessas.

• A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viverem separadas, voltarão a se juntar, bem coladinhas, costa com costa.

• As pessoas não serão dirigidas pelo automóvel, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas pelo supermercado, nem serão assistidas pelo televisor.

• O mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza, e a indústria militar não terá mais remédio do que declarar para sempre sua falência.

• Uma mulher, negra, será presidente do Brasil e outra mulher, negra, será presidente dos Estados Unidos da América.
Uma mulher índia governará Guatemala e outra, Peru.

• O televisor deixará de ser o membro mais importante da família, e será tratado como o ferro de passar ou a máquina de lavar roupas.

• Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão.

• Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória.

• As pessoas trabalharão para viver, em lugar de viverem para trabalhar.

• Os meninos de rua não serão tratados como se fosse lixo, porque não haverá meninos de rua.

• A Santa Madre Igreja corrigirá algumas erratas das tábuas de Moisés:
O sexto mandamento ordenará: “Festejarás o corpo”.
O nono, que desconfia do desejo, irá declará-lo sagrado.

• Em nenhum país irão presos os rapazes que se neguem a fazer o serviço militar, senão aqueles que queiram fazê-lo.

• As crianças ricas não serão tratadas como se fosse dinheiro, porque não haverá crianças ricas.

• A igreja também ditará um décimo primeiro mandamento, que se esqueceu o Senhor: “Amarás a natureza, da qual fazes parte”.

• Os economistas não chamarão nível de vida ao nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas.

• A educação não será um privilégio de quem possa por ela pagar.

• Todos os penitentes serão celebrantes, e não haverá noite que não seja vivida como se fosse a última, nem dia que não seja vivido como se fosse o primeiro.

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texto traduzido do site: pro diversitas

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já dez anos quase concluidos de século XXI se passaram e continuo inclinada ao meu direito legítimo de sonhar. sonho com a segunda década deste ainda novo século cheia de transformações na mentalidade das pessoas e na realidade de vida vivida, morta e ressuscitada com mais justiça e liberdade para todos.
blog suja de piche

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