A CRISE, OS CÊNTIMOS E TAMBÉM O JOSÉ SARAMAGO
Também através do desprezo, ou do pouco apreço, pelas miseráveis moedas de cêntimo, quer dizer, pelos cobres, se pode avaliar o auto convencido grau de enriquecimento que se apoderou dos portugueses quando da Europa começaram a chegar remessas de dinheiro, não para vivermos como ricos mas mais para arrumarmos a casa de modo a não nos envergonharmos perante os sócios mais abastados que nós.
Com efeito, a certa altura dessas remessas, muitas vezes malbaratadas, comecei a verificar que encontrava frequentemente, desprezadas nas calçadas das nossas cidades, as referidas moedinhas, de um cêntimo e mesmo as de dois e de cinco,.
E, porque supersticiosos todos somos, mesmo os que, como eu, dizem que o não são, também eu sempre tive a mania de que achar moedas de cobre dá sorte e assim fui recolhendo as abandonadas e mal amadas pequenas moedas europeístas. A certa altura, mais tarde, cheguei até a criar uma pequena caixa para começar a guarda os miseráveis “tostanitos,” à qual, por graça, dei o nome de “Levantado do Chão”, título duma obra do grande escritor José Saramago.
Desculpem-me lá todos aqueles que, sem o terem lido mas escondendo razões estritamente políticas, já sabem que não gostam da sua literatura., porque o escritor não põe vírgulas. Quer dizer, aos poetas concedem tudo e chamam até liberdades poéticas a esse tudo. Aos prosadores nada, liberdades prosaicas não admitem. E esta??
Só que, nos últimos anos, ainda antes de os jornais começarem a espatifar a palavra crise, notei que as moedas de cêntimo estavam a rarear nos nossos empedrados. A rarefação acentuava-se ao som da gritaria lancinante dos meios de comunicação, que são os pregoeiros da desgraça, mas que no caso vertente constituíram ao mesmo tempo cautelosos avisadores dos maus dias que já iam entrando.
Porque anteriormente à constatação deste rarear ainda não tinha começado a juntar os cobres na caixinha “Levantado do Chão”, neste momento o seu recheio, a mesquinha recolha dos últimos dois anos, são os oito miseráveis cêntimos que apresento na fotografia junta.
Terão os cagagésimos passado a ter mais valor ou passaram as pessoas a ter mais consciência das realidades?
Eduardo Brazão Gonçalves
blog A defesa de Faro
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