Será que os EUA mataram o homem que queria tirar o stress de sexo e usar orgasmos para curar o mundo?
Esse foi o maior incidente de perseguição científica da história norte-americana.
Em julho de 1947, o Dr. Wilhelm Reich — um psicanalista brilhante, porém, problemático que já tinha sido o estudante mais promissor de Freud; que já havia enraivecido os nazistas e os stalinistas bem como as comunidades psicanalítica, médica e científica; que sobreviveu a duas guerras mundiais e fugiu para Nova York — estava morrendo em sua cela numa prisão em Lewisberg, Pensilvânia, acusado pelo governo de ser uma fraude médica engajada num “golpe sexual”.
Esse “golpe” um dia seria chamado de “revolução sexual”. Mas ainda era 1947 nos Estados Unidos — um país que não estava nem pronto para a psicanálise, uma ciência ainda nascente que a Harper's e o The New Republic categorizaram, juntamente com as teorias de Reich, como sendo não melhores do que a astrologia (a Harper's tinha decidido que Reich era o líder de um “novo culto de sexo e anarquia”).
Se o público norte-americano não estava pronto para o Dr. Freud, imagine para o Dr. Reich — um homem que pesquisava a força energética do orgasmo em si em seu instituto Orgonon, próximo de Rangely, Maine.
Reich tinha levado as teorias de Freud mais longe. Longe demais, de acordo com o FDA (a Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos). Começando com a conexão de Freud entre repressão sexual e neurose, Reich teorizou que era a inabilidade física de se render ao orgasmo o que gerava a neurose e, por fim, levava as pessoas ao fascismo e ao autoritarismo. Reich migrou da cura de Freud pela fala para algo chamado análise do caráter, uma terapia criada para ajudar seus pacientes a superarem bloqueios físicos e respiratórios que os impediam de experienciar o prazer. Finalmente, ele afirmou que o orgasmo era uma expressão do orgônio, uma força cheia de alegria da própria vida. Com aparelhos do tamanho de cabines telefônicas chamados acumuladores de orgônio, ele aproveitaria essa força para curar a neurose, doenças e até para afetar o clima e ajudar a agricultura.
Por causa dessas linhas de pesquisa, o FDA exigiu que Reich comparecesse ao tribunal para defender a si mesmo em 1954. Ele se recusou, afirmando que alegações da verdade científica deveriam ser resolvidas pela experiência, não num tribunal. O tribunal respondeu emitindo uma liminar contra a venda e transporte de seus aparelhos através das fronteiras dos estados e passou a queimar sistematicamente seus livros e periódicos. Não apenas o trabalho escrito de Reich, mas qualquer material escrito que contivessea palavra “orgônio” deveria ser destruído (paranoico e encurralado, Reich recusou a ajuda oferecida pela ACLU, a União Americana pelas Liberdades Civis, acreditando que a organização estava cheia de comunistas subversivos). Agentes da FDA também destruíram seus aparelhos e laboratório com machados — mas isso não foi tudo. A FDA levaria a perseguição da psicanálise austríaca muito mais longe.
O que havia nesse homem e em suas teorias que evocou o ódio de quase toda facção política e científica de sua época? O que havia em sua “revolução sexual” que valeu um arquivo do FBI de 789 páginas sobre Wilhelm Reich? O que provocou uma campanha sistemática de ataques que dificilmente faria pensar na América sã e racional que tinha acabado de vencer uma guerra contra os nazistas queimadores de livros — ataques que fariam lembrar a Inquisição, a morte de Giordano Bruno na fogueira ou o final de Frankenstein, com aldeões enraivecidos segurando tochas e forcados queimando o castelo do cientista louco?
O Combate Sexual da Juventude
Reich nasceu em 24 de março de 1897, numa fazenda na Galícia, Áustria-Hungria, no que hoje é a Ucrânia. Ele abraçou sua sexualidade bem cedo, tentando, sem sucesso, fazer sexo com a babá de seu irmão quando tinha quatro anos e meio, e finalmente conseguindo com a cozinheira da família aos 11. Aos 12, Reich descobriu sua mãe fazendo sexo com um de seus tutores. Quando ele contou ao pai, o homem espancou repetidamente a mãe de Reich até que ela cometesse suicídio. Reich se culpou pelo caso.
Dos 15 aos 17, ele fez diversas visitas a bordéis e registraria fantasias sexualizadas com sua mãe em seu diário aos 22 anos (naquele mesmo ano, ele conheceu Sigmund Freud, cujas teorias do complexo de Édipo podem ter influenciado essa confissão). Lore Reich Rubin, a segunda filha de Reich, diria mais tarde ao jornalista Christopher Turner que acreditava que Reich tinha sido vítima de abuso sexual na infância.
Enviado para o Exército durante a Primeira Guerra Mundial, Reich viu “a desumanidade do homem para com o homem” em primeira mão na frente italiana. Depois disso, ele estudou medicina na Universidade de Viena, onde ficou insatisfeito com o que considerava uma abordagem “mecanicista” da vida na dissecação fria de cadáveres por seus colegas estudantes. Assim, ele começou uma busca pela energia criativa que sentia como sendo subjacente à vida. Em1919, ele conheceu Sigmund Freud. Bem recebido no movimento psicanalítico em expansão, Reich recebeu a permissão para começar a atender pacientes aos 22 anos — ele logo ficaria marcado como o pupilo estrela de Freud, alguém talvez destinado à liderança.
Freud tinha identificado a raiz da neurose na sexualidade reprimida e a força motora da vida como sendo a libido — afirmando que “nenhuma neurose é possível com um vita sexualis normal”. Seus dois grandes estudantes, Jung e Reich, deveriam levar sua teoria mais longe. Entretanto, enquanto Jung abordaria o caminho da mitologia, simbolismo e do oculto, Reich se aventuraria numa direção completamente diferente: o corpo.
Para além do reino da repressão psíquica, Reich postulou que o trauma também era reprimido fisicamente. Uma criança que sofreu abuso, por exemplo, e que não possuía o desenvolvimento emocional para processar tal evento, iria “armazenar” o trauma como tensão muscular, o que poderia causar dores crônicas mais tarde na vida e formar o físico e o caráter geral do indivíduo, sua abordagem para a existência. Reich acreditava que o caráter fascista era criado por um trauma inicial e que uma atitude repressiva ou abusiva para com a sexualidade se manifestava como uma “rigidez” física e emocional na vida adulta — Reich se preocupava com nada menos do que a erradicação do fascismo e do autoritarismo.
A abordagem de Reich da terapia, portanto, iria além da simples cura pela fala: ele também usaria massagens profundas e frequentemente dolorosas nas áreas de tensão muscular do paciente para liberar o trauma enterrado e trabalhar com os pacientes para aprofundar sua respiração e expressar suas emoções ignoradas, até mesmo sua raiva reprimida. Foi essa abordagem, combinada à atitude pró-sexualidade de Reich, que escandalizou o público e colocou sua carreira num foguete para lugar nenhum. (Embora bastante conservador em algumas áreas — ele se opunha à pornografia e à homossexualidade, por exemplo — Reich teve casos com várias pacientes no começo de sua carreira, ao final das terapias. Isso não era incomum nos primórdios da psicanálise; mesmo Freud discutiu a inevitabilidade dos casos amorosos. Em sua busca por liberar a energia da vida, Reich mais tarde receberia pacientes parcialmente ou totalmente despidos, quebrando totalmente a neutralidade analítica).
Reich logo descobriu que trabalhar os bloqueios tanto na psique quanto na musculatura poderia criar uma imensa liberação emocional em seus pacientes, desencadeando inclusive sentimentos de exaltação física e êxtase (Reich chamou essas sensações físicas de “correntes orgonóticas”). Conforme sua prática continuou, ele veio a teorizar que, abaixo das camadas de repressão muscular, havia o que ele chamava de “potência orgásmica” e que era a repressão muscular que blindava seus pacientes da total liberação orgásmica — uma experiência completa de vida.
Um diagrama do funcionamento reativo e econômico-sexual do livro A Função do Orgasmo.
Em 1948, ele codificaria sua teoria em sua maior obra, A Função do Orgasmo, na qual afirmava que o orgasmo existia não somente como função reprodutiva, mas como uma maneira de o corpo regular a tensão e atingir a liberação emocional. A total liberação orgásmica — na qual o indivíduo não procura reprimir a função de forma física e psicológica — era vista por Reich como uma chave para a saúde mental. Como ele escreveu no livro: “Doenças psíquicas são o resultado de distúrbios na capacidade natural de amar” (Reich se casaria e se divorciaria três vezes — com a psiquiatra e ex-paciente Annie Pink, de 1924 a 1934, com quem ele teve duas filhas; com a dançarina Elsa Lindenberg, com quem ele teve um casamento aberto de 1933 até 1939, e com Ilse Ollendorff, com quem teve um filho, Peter, de 1946 a 1951. Paradoxalmente, Reich é lembrado como sendo cruel, infiel e ciumento em seus relacionamentos).
Freud era ambivalente sobre as ideias de seu discípulo. Em 1926, ele escreveu: “Não me oponho de maneira alguma à sua tentativa de resolver o problema da neurastenia explicando isso com base na ausência de primazia sexual”. No entanto, ele retirou seu apoio às teorias mais extremas de Reich dentro da comunidade psicanalítica mais ampla, talvez pensando na preservação de suas próprias vitórias culturais duramente conquistadas no campo da sexualidade. Sem o apoio de Freud, a comunidade psicanalítica logo lavou as mãos sobre o jovem analista.
Então, as coisas deram uma guinada para pior para Reich. Lutando com as reações contrárias a ele durante 1926, ele pediu para ser analisado por Freud. Seu mentor e figura paterna recusou seu pedido de ajuda. Reich ficou profundamente magoado. Logo em seguida, seu irmão morreu de tuberculose; Reich também contraiu a doença e passou um ano num sanatório em Davos, Suíça. Chocado por essa sequência de eventos, ele se tornou um radical e logo se juntou ao Partido Comunista. Testemunhando pessoalmente quando a polícia indiscriminadamente matou 84 trabalhadores e feriu 600 na Revolta de Julho de 1927, em Viena, Reich se convenceu de que havia algo muito errado com o mundo. A polícia não havia sido somente brutal, segundo ele observou, mas robótica, como se estivesse num transe — blindados.
Trabalhando nas ruas, Reich fez a conexão entre a repressão sexual com a repressão econômica que via ao redor. Ele abriu diversas clínicas em Viena, oferecendo análise, assim como educação sexual e contraceptivos para jovens da classe trabalhadora (na época, os liberais defendiam o uso de contraceptivos somente para pessoas casadas).
Reich com sua primeira esposa, Annie, que o conheceu como paciente aos 18 anos.
ELE ARGUMENTOU FORTEMENTE CONTRA A MONOGAMIA, DEFENDENDO “RELACIONAMENTOS AMOROSOS DURADOUROS” QUE NÃO ESTAVAM CODIFICADOS PELA LEI, MAS UNIDOS PELO AMOR.
Reich se mudou para Berlim em 1930, bem em tempo de testemunhar a ascensão dos nazistas – o ápice da blindagem de caráter. No entanto, apesar de continuar a desenvolver suas teorias e a escrever os comunistas também mostravam pouco interesse por seu material. Seu contrato com os Editores Psicanalíticos Internacionais foi cancelado depois que ele começou a defender a educação sexual e os contraceptivos para adolescentes em vez da abstinência – ele chegou a sugerir que a expressão sexual desmistificada para crianças podia ser crucial para criar adultos saudáveis e que suas perguntas deveriam ser respondidas de maneira franca. Em 1932, num livro chamado O Combate Sexual da Juventude, o Dr. Reich protestou contra as mensagens mistas sob as quais os adolescentes lutavam para entender sua sexualidade.
“Os jovens são contaminados por um lado por moralistas e defensores da abstinência e, por outro lado, pela literatura pornográfica”, escreveu. “Ambas as influências são extremamente perigosas, a última não menos do que a primeira.” Naquele momento, na Alemanha, as apostas eram altas, observou o psiquiatra aos 27 anos: “A miséria sexual dos jovens modernos é imensurável, mas muito disso está fora de vista, abaixo da superfície”. Seus oponentes tomaram essa declaração com o significado de que as crianças deveriam assistir o coito dos pais, apesar de Reich jamais ter defendido isso.
Ele persistiu, argumentando fortemente contra a monogamia e defendendo “relacionamentos amorosos duradouros” que não seriam codificados pela lei, mas unidos pelo amor; qualquer outra coisa levaria a um “embotamento sexual”. Ele atacou o status de dependência econômica das mulheres, que mantinha elas presas em casamentos forçados. E, o mais radical de tudo, ele sugeriu que as crianças deviam ser criadas por uma comunidade estendida, libertando-as, assim, das neuroses de seus país biológicos. (Essas atitudes eram até certo ponto influenciadas por experimentos sociais similares que ocorriam na União Soviética.)
Dr. Reich estava entrando num território tabu que poucos ousaram violar, um território que permaneceria tabu até muito depois dele. Mas suas experimentações – e, particularmente, a resposta que ele engendrou – o mudaram, para melhor ou pior. Quando ele se encontrou com Freud novamente em 1930, seu ex-mentor parecia agora diminuído. Dr. Freud, escreveu ele, era um “animal enjaulado”.
Em 1933, a postura sexual do Dr. Reich levou os nazistas a uma ação. Ele e sua amante escaparam para a Dinamarca – para serem expulsos pelo Partido Comunista Dinamarquês. Então, eles partiram para a Suécia, onde Reich foi colocado sob vigilância; depois de a polícia ver vários pacientes entrando e saindo de seu hotel, eles ficaram convencidos de que ele era um cafetão. As autoridades negaram sua permanência no país. Mais choques se seguiriam: não só seu contrato de publicação do livro Análise de Caráter tinha sido cancelado, como, em 1934, quando ele apareceu na conferência anual da Associação Internacional de Psicanálise em Lucerna, ele foi informado que tinha sido expulso no ano anterior. Comoconvidado, ele apresentou um trabalho na conferência, mas o episódio marcou o fim de seus laços com a comunidade científica predominante para sempre.
“Disseram-me que meu trabalho em psicologia de massas, que era direcionado contra a irracionalidade do fascismo, tinha me colocado numa posição demasiada exposta”, ele escreveria mais tarde. “Por isso, minha filiação [...] não era mais sustentável. Quatro anos mais tarde, Freud fugiu de Viena por Londres, onde os grupos de psicanálise foram destruídos pelos fascistas [...] Subsequentemente, evitei contato com meus antigos colegas. O comportamento deles não era nem melhor nem pior do que o normal em casos assim. Isso era baixo e desinteressante. Uma boa dose de banalidade é tudo o que é preciso para abafar um assunto.”
Discussão na conferência de Lucerna, agosto de 1934: Erwin Stengel, Grete Bibring, Rudolph Lowenstein e Wilhelm Reich.
“Consegui um Acumulador de Orgônio – E Isso Fez Eu me Sentir Incrível”
Foi na Noruega, onde ele se estabeleceu nos cinco anos seguintes, que o Dr. Reich desenvolveu uma nova teoria: ele passou a acreditar que o orgasmo carregava uma energia real, batizadade orgônio e expressa não somente pela resposta orgásmica, mas, na verdade, na energia vital em si. Essa energia, em sua visão, permeava a natureza e o cosmos, expressando-se em fenômenos atmosféricos como a aurora boreal. (Freud tinha postulado uma teoria semelhante em 1890, mas desistiu da ideia.) Mais tarde, o Dr. Reich afirmou que o orgônio poderia ser observado de forma objetiva e que era composto de partículas azuis chamadas bions que ele havia observado no microscópio. Essa talvez seja a teoria mais controversa de Reich – uma tentativa de mover a psicanálise para além do reino das “ciências humanas” e direcioná-la para o campo da física e da biologia. Para a comunidade de psicanálise, isso era pura heresia.
Depois de enfurecer os psicanalistas, os comunistas e os fascistas, Dr. Reich agora se preparava para enfrentar o ataque direto da comunidade científica como um todo. Cientistas noruegueses travaram uma guerra contra ele na imprensa liberal, rejeitando sua pesquisa (e se recusando a submetê-la a um estudo detalhado de controle) e buscando deportá-lo. O governo norueguês, que já tinha sido criticado por deportar Trotsky, permitiu a estadia de Reich – mas o proibiu de praticar a psicanálise.
Quando a Segunda Guerra Mundial estourou, Reich, então com 36 anos, fugiu para os Estados Unidos, estabelecendo residência em Forest Hills, Queens, e realizando experiências onde injetava bions em ratos com câncer. Mas Reich continuou a ser um ímã de infortúnio. No dia 12 de dezembro de 1941, cinco dias antes do ataque a Pearl Harbor e um dia depois que a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos, ele foi preso pelo FBI na Ilha Ellis. Mais tarde, isso se revelou um caso de identidade trocada com um dono de livraria comunista de New Jersey também chamado Wilhelm Reich – mas o FBI só iria reconhecer o erro dois anos depois, em novembro de 1943. Pelo resto daquele mês, Reich foi deixado dormindo no chão da cela juntamente com os membros presos do Bund Germano-Americano, uma organização nazista norte-americana que Reich estava convencido que queria matá-lo.
O FBI liberou Reich depois que ele ameaçou começar uma greve de fome, mas ele continuou na “lista de figuras chave” da Unidade de Controle de Inimigos Estrangeiros e ficou sob vigilância do Estado. O incidente demonstrou a Reich que ele podia ter deixado a Europa para trás, mas que não havia escapatória da psicologia de massas do fascismo.
Reich se tornou mais comprometido do que nunca com a causa de quebrar a blindagem emocional da humanidade. Em seguida, ele começaria a projetar o que se tornaria sua maior controvérsia: uma tentativa de aproveitar e concentrar orgônio com gaiolas de Faraday adaptadas, que ele chamou de acumuladores de orgônio. Isolados com materiais orgânicos como madeira e papel, o que Reich acreditava que forçava a energia do orgônio a oscilar dentro da caixa, o acumulador, segundo ele, podia curar distúrbios mentais e físicos – potencialmente até o câncer. No dia 13 de janeiro de 1941, Reich levou o dispositivo até Albert Einstein, que o testou entusiasmadamente e notou que os acumuladores criavam um aumento de temperatura. Mas quando o assistente de Einstein, o físico polonês Leopold Infeld, sugeriu que o acumulador de orgônio estava produzindo calor simplesmente por causa do gradiente térmico da sala, já que isso era elevado do chão, Einstein rejeitou as caixas e se recusou completamente a admitir novos testes com elas. Para Reich, isso foi um eco amargo da rejeição de Freud, o desprezo de outro guardião estabelecido e potencial figura paterna.
Reich adquiriu terras em Rangely, Maine, e abriu seu instituto “Orgonon”, onde ele continuaria suas pesquisas. Além do orgônio, ele identificou uma segunda força – a DOR ou “Deadly Orgone Radiation” (“Radiação Mortal de Orgônio”), um tipo de antimatéria orgásmica presente na (e responsável pela) degradação ambiental, que ele acreditava cobrir o mundo. Ele logo passou a ver seu trabalho em oposição direta ao que o governo norte-americano tinha feito em Hiroshima e Nagasaki: ele estava numa corrida armamentista pela energia da vida, não pela energia da morte.
Foi aí que Reich começou a construir enormes armas de orgônio que ele chamava de “cloudbusters” e que, segundo ele, podiam reverter a desertificação e criar chuva. Apesar de o governo usar a tecnologia de semeadura de nuvens desde os anos 1940 para tirar água de nuvens com iodeto de prata ou gelo seco, Reich usou uma abordagem menos convencional. Sua técnica de semeadura de nuvens pretendia tirar energia “ôrgonica” diretamente da atmosfera através de uma série de canos e depositá-la no solo ou num corpo de água, como um para-raios, criando nuvens na esteira do orgônio canalizado. Fazendeiros começaram a pagar para que ele produzisse chuva para suas plantações – supostamente com sucesso, pelo menos de acordo com os seus próprios relatórios.
Durante essa época, Reich afirmou que seus experimentos com as cloudbusters tinham gerado interesse de visitantes inesperados: ele acreditava que OVNIs alienígenas, ou “alfas de energia” na terminologia de Reich, estavam atacando a terra com DOR. Reich disse ter visto várias naves alienígenas sobre o Orgonon; uma vez, segundo o analista, ele e seu filho usaram uma cloudbuster para defender a Terra numa “batalha interplanetária em larga escala” no Arizona.
A resposta do FDA aos empreendimentos de Reich foi declará-lo uma “fraude de primeira magnitude” e obter uma liminar proibindo o envio interestadual de acumuladores de orgônio e qualquer literatura relacionada. Quando um dos associados de Reich desobedeceu a liminar, contra a vontade de Reich, e transportou um acumulador através das fronteiras estaduais, Reich foi preso por desacato e sentenciado a dois anos de cadeia.
Reich sendo escoltado para a Penitenciária Federal de Lewisburg, março de 1957.
Na Prisão Federal de Lewisburg, Reich ficou conhecido entre os outros prisioneiros como o “homem da caixa de sexo”. Em novembro de 1957, aos 60 anos, ele morreu de ataque cardíaco, dias antes de ser colocado em liberdade condicional. Nenhuma publicação psiquiátrica ou científica cobriu seu falecimento. Além de alguns jornais anarquistas, seu trabalho ganhou um obituário de apenas um parágrafo na Time:
“Faleceu. Wilhelm Reich, 60 anos, psicanalista outrora famoso, depois, mais conhecido por suas teorias não ortodoxas sobre sexo e energia; de ataque cardíaco; na Penitenciária Federal de Lewisburg, Pensilvânia; onde ele cumpria uma pena de dois anos por distribuir sua invenção, o 'acumulador de orgônio' (violando uma liminar do FDA), um aparelho do tamanho de uma cabine telefônica que supostamente reuniria energia da atmosfera e podia curar, quando o paciente se sentava dentro dele, gripes comuns, câncer e impotência.”
Uma década depois, no meio dos anos 1960, a Time ponderou que “Dr. Wilhelm Reich talvez tenha sido um profeta”, e “Agora, às vezes, parece que toda a América é uma grande caixa de orgônio”. Mas, em 1957, o mundo pouco se importou. Em vez de testar suas teorias ou simplesmente descartá-las, a FDA queimou Reich numa grande fogueira.
Eu Ainda Sonho com Orgonon
Em sua busca por desenterrar as raízes das neuroses sexuais da humanidade, Reich desafiou quase todo o tabu da civilização ocidental, enfureceu quase toda força estabelecida da época e morreu na prisão por seus esforços. No entanto, sua influência pode ser ainda maior do que geralmente é creditado a ele.
Enquanto Reich definhava na prisão, a revolução sexual que ele tinha ajudado a iniciar estava começando a se manifestar. Elvis fez sua estreia na TV em 1956, mexendo seus quadris de uma maneira que, decididamente, irradiava orgônio, demonstrando o tipo de libertação de blindagem de caráter que Reich provavelmente queria de seus pacientes. No meio dos anos 1960, com o lançamento da pílula anticoncepcional, a revolução sexual estava em pleno andamento. (Aliás, “revolução sexual” é um termo cunhado por Reich.)
“QUANDO ENTREI NO ACUMULADOR E ME SENTEI, NOTEI UM SILÊNCIO ESPECIAL QUE, ÀS VEZES, SE SENTE NAS FLORESTAS PROFUNDAS [...] MINHA PELE ARREPIOU E EXPERIMENTEI UM EFEITO AFRODISÍACO SIMILAR AO DE UMA ERVA BOA E FORTE. O ORGÔNIO É DEFINITIVAMENTE UMA FORÇA COMO A ELETRICIDADE.” – WILLIAM S. BURROUGHS
Estudantes que participavam dos protestos em Paris e Berlim em 1968 jogavam cópias do Psicologia de Massas do Fascismo de Reich nos capacetes dos policiais. Jack Kerouac e Allen Ginsberg abraçaram as teorias de Reich; William S. Burroughs investigou os acumuladores de orgônio por anos e escreveu extensivamente sobre eles em seu trabalho. Ele chegou mesmo a construir sua própria caixa acumuladora, onde ele entrava para escrever (enquanto fumava haxixe).
“Quando entrei no acumulador e me sentei, notei um silêncio especial que às vezes se experimenta nas florestas profundas, às vezes numa rua da cidade, um zumbido que é mais vibração rítmica do que um som”, escreveu ele em Junky. “Minha pele arrepiou e experimentei um efeito afrodisíaco similar ao de uma erva boa e forte. Não há dúvida, o orgônio é uma força definitiva como a eletricidade. Depois de usar o acumulador por vários dias, minha energia voltou ao normal. Comecei a comer e não consegui dormir mais de oito horas. Eu estava no período pós-cura.” Assim como fez com a ayahuasca, Burroughs tentou curar a si mesmo do vício em heroína e da síndrome de abstinência com o acumulador. (Apesar de tentar quase todas as curas para vício em heroína do planeta, Burroughs nunca conseguiu permanecer limpo por muito tempo e morreu num programa de manutenção com metadona.)
Kurt Cobain visitou William Burroughs em 1993. “Sentei na máquina de orgônio e havia viúvas negras lá dentro, ele [Burroughs] ainda tinha uma e eu estava com medo, porque tenho aracnofobia. Ele teve que matar todas as aranhas para mim.”
Saul Bellow, J.D. Salinger, Michael Foucault e Norman Mailer também desenterraram Reich; como Burroughs, Mailer construiu seus próprios acumuladores e saiu em busca de liberar a si mesmo por meio do que ele descreveu como um “orgasmo apocalíptico” – em seu ensaio “The White Negro”, Mailer fala do antiautoritário como aquele que “busca amor [...] amor como a busca de um orgasmo mais apocalíptico do que aquele que o precedeu”. Mesmo Sean Connery mergulhava em orgônio em seu próprio acumulador enquanto filmava alguns de seus filmes do James Bond.
O New York Times, numa crítica literária de A Psicologia de Massas do Fascismo, pediu uma reavaliação séria do trabalho do analista. Reich logo ficou tão em moda entre os intelectuais que, em 1968, Roger Vadim atormentou Jane Fonda com uma máquina do prazer criadora de orgônio em Barbarella, e Woody Allen fez uma paródia do acumulador de orgônio como o “Orgasmatron” em O Dorminhoco, de 1973. Quase uma década depois, Kate Bush e Terry Gilliam contariam a história de Reich no vídeo “Cloudbusting” de Bush, onde Donald Sutherland interpreta Reich e Bush faz o papel de seu filho Peter.
Clipe de “Cloudbusting” de Kate Bush, 1986, dirigido por Julian Doyle e concebido por Bush e Terry Gilliam.
A ambivalência compreensível da disciplina psicanalítica sobre Reich não tinha mudado, mas a cultura sim. As ideias de Reich encontraram um interesse mais amplo. Como Norman Mailer resumiria depois para seu analista Walter Kendrick: “O que era importante para mim era a força, a clareza, o poder dos primeiros trabalhos [de Reich] e a audácia. E também o fato de que acredito, num sentido básico, que ele estava certo”.
As ideias de Reich nunca foram reavaliadas pela comunidade científica – nem pelos psicanalistas, que ainda o consideram uma mácula em sua história. Ainda assim, suas ideias terapêuticas se infiltraram numa comunidade psicanalítica mais ampla e tomaram novas formas, sob novos nomes, contribuindo para a psicologia corporal, psicologia do ego, a terapia Gestalt de Fritz Perls (que tenta tratar o paciente como um todo, não só seus sintomas individuais) e a terapia do grito primal de Janov (que, como a terapia de Reich, utiliza o grito e a vocalização para abrir a blindagem do paciente).
Em muitos aspectos, a influência de Reich pode ser detectada de modo mais flagrante na grande variedade de terapias corporais de “bem-estar” e mesmo na grande popularidade da massagem e da ioga. A ideia de Reich de que o homem era pego na “armadilha” da blindagem de seu próprio caráter encontrou um lar nos movimentos nascentes da Nova Era e do Potencial Humano.
A casa, laboratório e escola de Wilhelm Reich é agora um museu em Rangeley, Maine. A antena astrolábio (esquerda) está montada no topo do observatório para detectar Energia de Orgônio. O lago Rangeley pode ser visto abaixo. Uma das “cloudbusters” de Reich (direita), no observatório. Fotos por Michael Kassner, CLUI.
Os livros de Reich continuam sendo publicados pela Farrar, Strauss e Giroux, e o American College of Orgonomy, em Princeton, Nova Jersey, continua sua linha de pesquisa, publicando o Journal of Orgonomy, realizando palestras públicas e oferecendo aulas de sensibilização. Terapeutas reichianos, apesar de em número cada vez menor, continuam a praticar suas ideias. O mundo dos reichianos, no entanto, continua fechado, seja por falta de interesse do público ou pela mentalidade de cerco dos defensores restantes de Reich. Alguns reichianos desonestos, como James De Meo, continuam a tentar novos experimentos, mas gerando cada vez menos publicidade. Os arquivos do Dr. Reich são mantidos pela Wilhelm Reich Infant Trust no Orgonon. Seu local de descanso final está na propriedade de 175 acres de floresta. O local é aberto a visitas.
Apenas 50 anos depois da revolução sexual que Reich previu, vivemos numa sociedade hiperssexualizada – um lugar onde somos constantemente barrados pelo oposto de repressão sexual. Tudo à nossa volta parece dificilmente acumular algum orgônio – propaganda, música pop, televisão, revistas, pornografia na internet.
Mas mesmo que a humanidade do século XXI possa parecer mais sexualmente liberada, Reich provavelmente teria visto o superestímulo da mídia como somente outra forma de “fugir” do contato amoroso com outro ser humano. Fervorosamente contra a pornografia, Reich talvez enxergasse uma civilização debruçada sobre computadores e bancadas de fábricas exploradoras, trocando a conexão com o físico pela conexão com um smathphone, e concluiria que a “praga emocional” continua viva e bem. Talvez ele enxergasse uma população mais blindada do que nunca, imersa num ambiente cheio de variantes da DOR, fora de contato com a vida, e necessitando talvez de uma liberação sexual completamente nova – um retorno ao mundo físico.
Jason Louv dirige o blog futurista Ultraculture.org, e canaliza dados do lado negro no @jasonlouv.
www.vice.com
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