Acusados de abusos sexuais e pedofilia, muitas vezes envolvendo crianças, foram expulsos do sacerdócio mas são bem-vindos ao Opus Bono Sacerdotti, uma organização sem fins lucrativos que, ao longo dos últimos 20 anos, ajudou e até empregou padres envolvidos em escândalos sexuais, oferecendo-lhes a oportunidade de continuarem a viver uma vida relativamente normal, ainda que sob o manto do anonimato quando não da clandestinidade. Jason Sigler, classificado como “pedófilo em série” pelo tribunal que o condenou à prisão, recebeu dinheiro desta organização e Gregory Ingels, acusado em 2003 de ter abusado de um adolescente de 15 anos nos anos 1970, tornou-se conselheiro legal do Opus Bono depois de ter sido impedido de continuar a exercer. São apenas dois exemplos.
O Opus Bono Sacerdotti opera quase em segredo a partir de casas modestas em zonas rurais no estado do Michigan, e a primeira paragem para estes padres excluídos é um pequeno armazém sem grandes condições, onde permanecem até ser possível encontrar soluções mais permanentes. Comida, alojamento, transporte, empregos, dinheiro e ajuda legal são alguns dos serviços que a organização presta a estes padres que além de terem sido banidos do exercício da vocação, são muitas vezes impedidos também de continuarem a viver nas suas comunidades. A agência de notícias Associated Press chegou a estas informações através da entrega, junto de diversos organismos, de pedidos oficiais de libertação de informação de serviço público, além de ter entrevistado dezenas de padres, dirigentes do clero, advogados, vítimas e outros especialistas.
Somadas, as histórias revelam um trabalho contínuo mas muito discreto do Opus Bono, mas revelam, igualmente, um outro dado mais preocupante: mesmo os lugares cimeiros da hierarquia da Igreja Católica nos Estados Unidos, que muitas vezes criticam publicamente estes padres e prometem acabar com a leniência quanto a comportamentos análogos, continuam a encontrar-se com padres acusados de abusos, a enviar avultadas somas para a organização e a promover encontros com eles no seio do clero.
A história começa na igreja da Abençoada Virgem Maria, em Detroit, liderada até há umas semanas pelo padre Eduard Perrone, conhecido pelas suas posições conservadoras. Tão conservadoras que, disseram alguns dos seus fiéis à AP, já se recusou a casar mulheres com vestidos de noiva considerados demasiado reveladores.
Muito antes de ter formado esta associação de apoio a padres, Perrone já tinha aceitado ajudar dois padres a lutar contra as acusações de que eram alvo, em outros estados. Um deles admitiu violar 50 crianças entre os anos 80 e 90, segundo documentos consultados pela AP no tribunal do Texas onde foi julgado. Um outro padre, Komlan Dem Houndjame, originalmente do Togo, também foi recebido na igreja de Perrone, mas a paróquia pediu-lhe para regressar ao seu país depois de ter recebido queixas de abuso sexual alegadamente praticado não só em Detroit como no estado da Flórida, onde tinha exercido antes.
A mulher que acusou Houndjame de violação foi aconselhada por Perrone a “ignorar tudo e continuar a caminhar sem ligar” às investidas do padre. Outras duas mulheres acusaram Houndjame de abusos sexuais mas os seus testemunhos nunca foram ouvidos em tribunal. Em vez de regressar ao Togo, o padre foi tentar a reabilitação numa clínica mas acabou por ser preso pelas autoridades. Perrone pediu, então, a toda a comunidade clerical que se unisse para defender o bom nome de Houndjame e da Igreja e um dos padres que respondeu ao repto foi Joe Maher, que serviu como porta-voz do padre acusado e até o convidou para viver com a sua família na Califórnia. Ilibado por falta de provas consistentes, Houndjame saiu em liberdade e Maher tornou-se o herói de outros homens a braços com acusações de condutas sexuais criminosas.
O telefone não parava de tocar. Os padres desesperados por um serviço de relações públicas igualmente competente tinham o número da recém-criada associação, mas todas as chamadas iam diretamente para Maher.
Recentemente, dois dos fundadores do grupo, Joe Maher e Peter Ferrara, foram afastados do Opus Bono porque um procurador geral do estado do Michigan considerou que a organização teria utilizado de forma imprópria os fundos que as pessoas doavam e que enganava as pessoas quanto ao destino do dinheiro que estavam a entregar. Um terceiro fundador, Eduard Perrone, foi retirado do sacerdócio por “possibilidade credível” de que tenha também ele abusado adolescentes, acusação que o ex-padre nega.
À agência, vários líderes católicos, do Vaticano à hierarquia da Igreja nos Estados Unidos, negaram ter qualquer relação oficial com o Opus Bono Sacerdotti, mas a agência conseguiu encontrar provas de uma rede de ligações entre as hierarquias da igreja e os membros desta organização. Em 2003, uma organização que era até então algo marginal começou a ser apoiada por alguns católicos bastante influentes nos Estados Unidos, como é o caso de Richard John Neuhaus, editor de uma revista católica da ala mais conservadora e ex-conselheiro de George W. Bush, e do cardial Avery Dulles, teólogo igualmente conservador e filho de um ex-secretário de Estado. Mas sabe-se, também, que Maher se encontrou com membros do Vaticano em Roma e que eles também visitaram algumas das casas que o Opus Bono mantinha. Edwin O'Brien, antigo bispo de Baltimore e atualmente funcionário do Vaticano, admitiu ter enviado dinheiro para a organização “pelo cariz solidário dos seus atos”, mas nega ser “apoiante”. Esta história repete-se ao longo de linhas e linhas de casos de pessoas influentes que negam ter ligações de algum morto consistentes à associação.
Em fevereiro de 2017 foi a própria filha de Maher, Mary Rose, atualmente com 27 anos e que testemunhou toda a operação mantida pelo pai, que escreveu ao procurador-geral oferecendo provas contra o Opus Bono. Criada como uma espécie de contra-ponto à Rede de Sobreviventes aos Abusos de Padres, a organização, escreveu Mary Rose Mayher, não passava de uma operação de lavagem de dinheiro: “Uma pequena incursão nos registos do Opus Bono revelará milhões de dólares de fraude, anos de fraude por correio, e o sistemático uso danoso das doações das pessoas”.
A investigação a um negócio que pagava de salário a Maher e Ferrara mais de 200 mil dólares ao ano (300 mil no caso do último) durou mais de um ano e foi conduzida por um homem que costumava frequentar a igreja de Eduard Perrone, William Bloomfield. Acabou com o Opus Bono a ter de pagar apenas 10 mil dólares em despesas de investigação. Bloomfield demitiu-se do cargo de procurador e está a trabalhar com a igreja. Há livros seus à venda na igreja da Abençoada Virgem Maria.
Maher e Ferrara estão proibidos de gerir empresas sem fins lucrativos no Michigan, mas Maher criou uma outra organização, a Men of Melchizedek, uma referência a uma figura no Antigo Testamento que era rei e padre ao mesmo tempo, que terá precisamente o mesmo objetivo que o Opus Bono. Está registada no Indiana e tem o nome de Maher como presidente.
expresso.pt
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