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quinta-feira, 4 de julho de 2019

Antigo sem-abrigo denuncia “negócio da pobreza”



Há muitas instituições que ganham com os sem-abrigo e que por isso não têm interesse na mudança desta realidade, conta ao i.
Daniel Horta Nova, um antigo jornalista em vários jornais diários do Porto, caiu na rua e tem lutado não só para dar conta da sua experiência quando foi sem--abrigo, como para auxiliar as cerca de cinco mil pessoas que estão agora nessa situação. 
Em 2017, Daniel Horta Nova percorreu de bicicleta o país de norte a sul e fez um levantamento exaustivo da realidade, tendo já no final desse périplo entregue na Assembleia da República um abaixo-assinado com propostas para erradicar tal problema.
O antigo jornalista concluiu que “o fenómeno dos sem-abrigo constitui um negócio para bastantes Instituições Particulares de Solidariedade Social, mas não só”. “Há instituições a fazerem diariamente telemarketing e a convencer os idosos a doarem o que quiserem, desde cinco euros a dois mil euros, por exemplo, invocando ser para apoiar os sem- -abrigo, mas ninguém sabe qual o verdadeiro destino da maioria desse mesmo dinheiro”, afirma Daniel Horta Nova, reclamando “a extrema necessidade de tais instituições serem fiscalizadas, porque as contas, no final, muitas vezes não batem certo”.
“A maioria das instituições limita-se a distribuir comida e alguns produtos de higiene de que são meros intermediários, mas não fazem mais nada, preferem manter as coisas como estão, não só porque dão trabalho a resolver, como porque lhes interessa manter este estado de coisas. Até para não aumentar as taxas de desemprego convém que fiquem ocultos”, reforça o ativista, que tem fundado várias instituições para estudar a situação das Vidas (Sem) Abrigo e em especial para tirar da rua quem ali caiu e vai sobrevivendo no esquecimento.
Congratulando-se pelo facto de a Assembleia da República ter acolhido diversas propostas daquele seu relatório, Daniel Horta Nova frisa que é preciso dar relevância à “questão principal para o problema de quem vive na rua, a sua saúde mental, para evitar que voltem a cair na rua”.
“Essa foi a principal medida adotada entre as que propus, mas também foram acolhidas a questão da proximidade, isto é, para permitir maior assistência direta na rua, fazer ali, na rua, a verdadeira triagem dos casos, das doenças e até mesmo da higiene, porque é na rua, não nos gabinetes, que se constatam as realidades”, esclarece também Daniel Horta Nova. 
“As coisas estão muito piores” 
Autor do livro de poesia Farrapos de Alma, que retrata bem primeiro o que sentiu e depois o que viu, Daniel Horta Nova, de 58 anos, agora radicado em Portalegre, onde está a desenvolver um projeto social de integração para os sem-abrigo, não tem dúvidas que “as coisas estão muito piores, não só no Norte, no Porto em concreto, como em Lisboa, onde ainda há dias [foi] surpreendido, na rua, com um ‘bairro social’ de papel e de cartão”.
“Claro que agora em períodos eleitorais sucessivos as coisas vão melhor um bocadinho e só por alguns dias, fica sempre muito bem ir visitar os sem-abrigo e os pobrezinhos, bater à porta da pobreza e dos desafortunados, mas depois volta tudo ao mesmo, eu posso dizer, sem exagero, que é uma palhaçada, isto é mais um oportunismo”, diz Daniel Horta Nova, reiterando que “a pobreza é um bom negócio para muito boa gente, por isso as coisas não vão mudar”: “É preciso acima de tudo honestidade e enfrentarem os verdadeiros problemas”.
Sugestão a Marcelo Rebelo de Sousa
Daniel Horta Nova gostaria, por exemplo, que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nas suas visitas aos sem-abrigo, tão mediatizadas em direto nos principais canais televisivos, optasse por “aparecer de surpresa, porque aí, sim, é que iria ver a realidade”.
“Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto Presidente da República, aparece às vezes de noite aos sem-abrigo, eu sei que nessas ocasiões a comida até é melhorada, dá uns abraços e uns sorrisos, tira umas selfies, isso fica muito bem para as televisões, aliás, é tudo muito bonito, mas depois as coisas ficam na mesma”, salienta Daniel Horta Nova.
Por isso apela a que se “ouça quem anda no terreno, não aqueles que só distribuem comida, sempre a olhar para o relógio, a ver que nunca mais acaba o seu horário ou o seu turno, o problema é não ouvirem pessoas competentes e dedicadas, como é o caso no Porto de um homem excecional, o doutor António Pinto, técnico da Junta de Freguesia de Campanhã”. 
Com conhecimento de causa, até porque integrou uma anterior comissão para dar apoio aos sem-abrigo, o ex-jornalista salienta que “o Estado que decidiu investir, em 2009, 75 milhões de euros para atacar o problema, foi o mesmo Estado que depois cancelou o respetivo programa, em 2013, por falta de verbas, isto diz tudo da verdadeira estratégia”.
“As coisas são muito bonitas no papel, mas depois na prática ninguém sabe o que se passa e quase ninguém quer saber o que se passa, só querem números, relatórios e estatísticas”, diz Daniel Horta Nova, acrescentando que “na verdade, ninguém dá nada a ninguém, quer se queira, quer não, a maioria das pessoas age só mais por interesses ou para ficar bem na fotografia, deixam as pessoas morrer na rua, como aconteceu recentemente com o Quim, no Porto, um amigo meu, em relação ao qual houve então muitos apelos para o ajudarem”.


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