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quinta-feira, 11 de agosto de 2011


foto da net da responsb.de António Garrochinho

O NAUFRÁGIO VISTO DA PRAIA
“À ironia das coisas, Hegel chamava dialéctica” (1)
Uma embarcação afunda-se à vista da população que assiste impotente. A tripulação tenta bombear a água que inunda o porão, mas os braços aqui ocupados faltam para outras manobras. E só há meios para salvar os passageiros da 1ª classe.
Os armadores assistem, preocupados com saber quem e como lhes vai ser pago o prejuízo. Srs. professores aparecem a explicar á população que o que está a ocorrer mostra claramente as leis da física a funcionar, às quais não nos devemos opor. Senão…é o que se vê. Conclusão, aprendam, se não for a bem será a mal.
Comentadores, repetem mais ou menos as mesmas coisas e vão preparando a população para sofrer as consequências e pagar os prejuízos. “São as leis da física…não há nada a fazer. Temos (os outros, claro) que nos conformar com elas”. Os responsáveis políticos dirão o mesmo, já não se percebe quem repete quem. E afirmam (não é preciso provar nada) que caso contrário haverá “risco sistémico”. A população não sabe muito bem o que seja – nem eles – mas a palavra intimida: tem algo de catastrófico, nunca se sabe…
Há quem diga que é necessário fiscalizar devidamente as condições de navegabilidade e a segurança das embarcações, a competência de comandantes e pilotos: os barcos não têm condições para manobrar devidamente e fazer face aos elementos. Os jornalistas cortam rapidamente este diálogo por ordem da régie. Esclarecem que se trata de vozes extremistas que se auto marginalizam. Para contentar a opinião pública, renovam-se, com o habitual ar sério e determinado, promessas de um porto de abrigo e meios de socorro - no futuro... Os dirigentes políticos apelam à solidariedade e aos sacrifícios que têm de ser distribuídos entre todos, pois o governo não tem dinheiro.
De facto, feitas as contas com o que foi entregue e há ainda para entregar aos armadores, pagar dívidas, muito pouco resta. E não menos importante há que pagar devidamente – ao nível do que se pratica nos países mais avançados - aos preclaros especialistas, muito competentes, que superintendem o sector, apesar de terem deixado chegar a situação ao ponto em que se encontra.
A solução, insistem professores, comentadores e políticos, tem de ser, por muito que custe, a tripulação esforçar-se mais a dar à bomba. Está visto que não trabalham o suficiente e suficientemente bem para fazer face às leis da física – e contra estas nada se pode, só o esforço de todos. Há que ter esperança, pois esta tripulação já deu provas noutras ocasiões de saber ultrapassar as dificuldades.
O comentador sorridente vai falando para os que empobrecem, para os que ficam sem meios de subsistência, dando conselhos para serem pobres e viverem felizes. Trata-se de   convencer as pessoas que os que vivem mal é por serem estúpidos ou não quererem trabalhar.
Porém os armadores, para além do ar duro que fazem. estão felizes, apesar dos naufrágios que ocorreram no último ano e da pobreza que provocaram, aumentaram a sua riqueza em 18%. Puderam aumentar os preços, reduzir salários e vão poder despedir ainda mais facilmente. Os seus apaniguados atribuem culpas à incompetência e desleixo das tripulações. Ganham de mais e trabalham de menos, é o que é, há quem repita.
Um dirigente sindical entrevistado defendeu que a solução residia em alterar a construção das embarcações e a forma como eram governadas. A civilização só avança controlando as leis da física e usando-as no sentido do progresso humano. Não teve porém oportunidade de esclarecer como, pois foi-lhe retirada a palavra. Excedera o tempo concedido. Instados a comentar aquelas afirmações, não fosse alguém acreditar que tal era possível, os comentadores foram taxativos: tratava-se de questões ideológicas e interesses corporativos e puseram liminarmente de parte estas hipóteses, pois seria ir contra a livre iniciativa e a liberdade de escolha - dos armadores, claro, não da tripulação - e foram insistindo no tirar água mais depressa, verificando-se mais uma vez como era necessário e urgente proceder a reformas estruturais e alterar as leis do trabalho.

1 – Bertold Brecht, sa vie, son art, son œuvre – Frederic Ewen . Ed. du Seuil – 1973 – p. 316

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