A alfarrobeira deixou de ser vista como a "arvore das patacas" para o agricultor, mas ainda domina a paisagem algarvia. A cultura tradicional faz-se de sequeiro, mas existe agora a possibilidade de vir a ser regada com águas residuais tratadas. Além do aumento e da maior rapidez da produção, evita-se o despejo dos esgotos nos rios e ribeiras. No barrocal de Salir, concelho de Loulé, vai ser desenvolvido uni projecto experimental.
Manuel Costa, agrónomo, viu um colega dinamarquês a usar lamas provenientes de uma Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) para fertilizar o terreno onde plantava relva. O acto, em si, não lhe pareceu nada estranho. O que lhe causou admiração foi quando viu a proveniência do produto, escrito nas embalagens -importado dos Estados Unidos da América. "Os deuses devem estar loucos", comentou. É que, em Portugal, diz, "mandamos as lamas para os aterros e não aproveitamos o seu potencial nutriente na agricultura". Com um doutoramento na área agro- ambiental, tenciona pôr em prática os conhecimentos para regar alfarrobeiras, com os efluentes, tratados, provenientes da ETAR de Salir - evitando que o esgoto vá parar à ribeira da Benémola, onde nasce o principal aquífero do Algarve.
Durante seis anos, o investigador andou a "pregar no deserto" para convencer as entidades oficiais da necessidade de usar os efluentes das ETAR na rega de pomares e hortaliças. "Tem sido uma luta inglória", desabafa. Só .-recentemente é que encontrou quem acreditasse que valeria a pena investir nesta área.
Luís Caliço, ex-atleta olímpico, agarrou na ideia. "Acho interessante, mais pelo valor ambiental do que pelo rendimento que espero tirar das alfarrobeiras", disse o antigo profissional de windsurf, que participou nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988.0 preço de arroba de alfarrobas é 4,2 euros, quando em tempos passados já chegou aos dez euros.
O vice-presidente do Agrupamento de Alfarroba e Amêndoa do Algarve (Agrupa),
Horácio Piedade, comenta que em "menos de seis euros a arroba não paga a mão-de-obra na apanha". O representante dos produtores sublinha: "O fruto não fica na arvore porque são os proprietários que apanham e não fazem contas ao trabalho".
Investimento de 75 mil euros
A oportunidade de pôr em prática a investigação desenvolvida na Universidade do Algarve surge num terreno de 16 hectares, situado junto à ETAR de Salir. Em vez dos efluentes serem lançados na ribeira, serão reutilizados na rega de duas mil árvores. A propriedade, situada numa encosta, pedregosa, está coberta por velhas e caducas alfarrobeiras, deixadas ao abandono, sobrevivendo em disputa com os carrascos e outras espécies autóctones, onde se escondem os coelhos. Dentro de três a quatro anos, prevê o agrónomo, "teremos árvores, verdinhas como laranjeiras, carregadas de fruto".
Luís Caliço, profissionalmente ligado à área de compra e venda de propriedades, vê nesta intervenção agro-ambiental a concretização de um sonho familiar. "O meu pai já tinha um projecto para recuperar as alfarrobeiras, mas não passou do papel". Manuel Costa, que também fez um mestrado em Biologia na Noruega, sublinha: "Esta agua [efluentes] contém o alimento perfeito para as árvores, azoto e fósforo". E não há perigo de contaminação do solo? "Não, porque no Algarve não há fábricas e, por isso, a percentagem de metais pesados nos esgotos é residual."
O projecto, candidato a fundos comunitários, representa um investimento de 75 mil euros. "Se eu fosse americano, o financiamento estava garantido", diz Manuel Costa, recordando a cena que observou em Loulé, quando foi montado um relvado [entretanto, substituído por um passeio em pedra] em volta da estátua na rotunda principal da cidade. "Quando vi o meu colega Ijahn Jansen usar lamas importadas dos EUA, ainda olhei duas vezes para ver se tinham sido enriquecidas, mas não, eram mesmo lamas de ETAR". Em Portugal, acrescenta, "mandamos as lamas para aterro e compramos azoto, fósforo e potássio, produzidos pelas fábricas", A aplicação de lamas e efluentes tratados na rega, desde que devidamente controlada, \ enfatiza, "dispensa a aplicação de i adubos". Mas, lamenta: "Nós temos l a tendência para não usar o que é fácil e barato".
O dirigente da associação ambientalista Almargem, Luís Brás, destaca a "velha batalha" que tem travado para que os campos de golfe passem a ser regados a partir dos efluentes tratados das ETAR. Dos 41 campos de golfe existentes na região, sublinha, apenas o campo dos Salgados (Albufeira) cumpre uma norma que jã existe na legislação, mas não é aplicada. A declaração de impacto ambiental dos projectos aprovados depois de 2004, nota, "exige a reutilização das águas residuais na rega, concedendo um período de transição para se adaptarem".
No entanto, uma vez que é mais barata, a agua proveniente dos furos ou dos perímetros de rega (barragens) acaba por ser a principal fonte de abastecimento. A empresa Águas do Algarve, há cinco anos, anunciou a intenção de avançar com um investimento nesta área, mas, aparentemente, por falta de interesse dos potenciais consumidores, o projecto ficou parado.
Luís Caliço prevê que as alfarrobeiras regadas "ainda possam vir a ser uma boa cultura". Portugal ocupa o terceiro lugar na produção a nível mundial (40 mil toneladas), atingindo um volume de negócios de 32 milhões de euros. O principal produtor é Marrocos, com 100 mil toneladas, Espanha vem a seguir, com 7O mil toneladas.
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1 comentário:
Viva!!!
Parabens pelo artigo!!!
Sabe onde posso vender as alfarrobas a esse preço ou a um melhor.
Obrigado
Rui Sequeira
largueza07@hotmail.com / blogdolargueza.blogspot.com
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