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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Inefável jornada


Se tudo tivesse acontecido do jeito que imaginávamos, como saberíamos o que sabemos hoje? Se a vida tivesse seguido sempre conforme o planejado, como saberíamos que a vista desse lado é tão bonita, se nem imaginávamos que houvesse vista desse lado? Nem sonhávamos que houvesse uma outra vista, além daquela que conhecíamos.
E se tivéssemos decorado as falas e as cenas fossem sempre as mesmas? Não teríamos aprendido a atuar durante o imprevisto, o inesperado; não aprenderíamos a remar diante de águas adversas com a destreza não de quem conhece o inesperado, mas sim, com a destreza de quem conhece a si mesmo.
Se a vida tivesse seguido seu curso reto, não teríamos vislumbrado a majestosidade da curva, não teríamos aprendido a lidar com as iniquidades.
Se nossos cálculos tivessem sido exatos, não conseguiríamos hoje imaginar as inúmeras probabilidades e suas variáveis, suas nuances e inexatidões, não teríamos aprendido que a vida tem várias vertentes e muitos braços.
Se tivéssemos nos limitado a atravessar o deserto como queríamos no início, não teríamos conhecido os rios, as brumas, os mares, florestas, geleiras e oceanos; não teríamos nos encharcado nas chuvas das paixões, nas torrentes de amor úmido. Não teríamos ferido nossos corpos com espinhos, nem sentido o perfume da flor exótica.
Não.
Se a vida nos tivesse sido precisa, lógica, pensada, calculada e obtida, não teríamos chegado tão longe, nem saberíamos o quanto de coragem habita em nós; tampouco saberíamos que tipo de alma é a nossa. Ficaríamos boiando no lago raso e tranquilo, sob o sol morno, embalados pela brisa ilusória do remanso. Jamais mergulharíamos ou sentiríamos a água cobrindo nossos cabelos. Nem saberíamos a quantidade de força que temos dentro de nós, para nos manter vivos por dias e dias naufragando em busca da terra. Não sentíriamos a euforia inebriante de ter vencido uma luta sangrenta.
Se tivéssemos permanecido naquele torpor sonolento, deitados à relva macia, não teríamos aprendido a andar como cegos na escuridão, enxergando através da pele, nem teríamos aguçado nossos instintos para o perigo. Não teríamos nunca compreendido o momento fatal de dilacerar a nós mesmos quando necessário.
Mas - e porque - nos lançamos ao viver e aceitamos morrer, eis que nos é dada a chance de conhecer o mundo, o homem e a vitória, através e apesar da nossa dor.

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