A ideia geral que se tem do povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial é a de um grupo de pessoas submissas, que são empurradas por tudo e todos sem dizer nada e a indústria do cinema tem alguma responsabilidade no perpetuar deste cliché.
Para o historiador Bruce Henderson, o esquecimento a que foram renegados os rebeldes do gueto de Varsóvia, por exemplo, ou os prisioneiros de Auschwitz que tentaram combater os seus captores, serviu de inspiração para o extenso trabalho de investigação onde procurou casos como estes — de judeus que ripostaram. O que encontrou foram os Ritchie Boys, os verdadeiros “Sacanas Sem Lei” que Quentin Tarantino (um dos poucos realizadores que conseguiu mostrar o tal reverso da moeda) transformou em filme.
O episódio retratado no diário espanhol El Mundo fala da extensa investigação de Henderson que terminou com ele a cruzar-se com a história dos judeus que conseguiram fugir ao Terceiro Reich, foram para os EUA e depois regressaram ao combate.
Estes quase dois mil “Ritchie Boys” (assumiram o nome do campo onde se formaram como soldados, em Maryland) acabaram por ser uma mais-valia importante para o exército norte-americano que sentia grandes dificuldades em comunicar com outras nacionalidades — muito por culpa dos problemas com idiomas “extra” anglo-saxónicos e referências culturais.
As suas descobertas, que foram compiladas num livro que acaba de sair, “Sons and Soldiers”, começam nos primeiros passos destes recrutas e acompanha a sua história até aos campos de batalha mais fatídicos.
Na grande maioria, estes Ritchie Boys escaparam da Alemanha sozinhos, quando ainda eram menores e no meio da perseguição aos judeus promovida pelo regime nazi. As restritivas políticas migratórias dos EUA, nessa época, impediram que muita famílias judias pudessem fugir juntas. Por isso, muitos decidiram enviar apenas os filhos e filhas, que não tiveram uma integração fácil no quotidiano norte-americano.
Quando Hitler declarou guerra aos EUA em dezembro de 1941, muitos desses jovens refugiados já tinha atingido a maioridade. O afastamento forçado das suas famílias tinha alimentado um ódio profundo aos nazis — queriam vingança.
Aos poucos, o Pentágono foi-se apercebendo desta realidade cada vez mais gritante e lembrou-se de canalizar esta cólera: deu-lhes nacionalidade norte-americana, pô-los no exército e lançou-os a combater aqueles que os tinham separado das suas famílias e dos seus países.
Num relato emotivo e documentado, cheio de detalhes curiosos, Henderson relata a participação na guerra destes soldados das unidades especiais do exército norte-americano que se especializaram em interrogar alemães. Eram militares diferentes de todos os outros: se fossem capturados, eram imediatamente fuzilados (se fossem alemães, pois eram considerados traidores) ou enviados para campos de concentração (caso fossem judeus). Quase 60% de todas as informações secretas que recaíram nas mãos dos Aliados foram conseguidas pelos Ritchie Boys, através de interrogatórios.
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Costumavam atuar em grupos de quatro ou seis homens. Numa primeira fase, tentavam sacar informações sem recurso a tortura, já que rapidamente se aperceberam que ela não funcionavam — os torturados acabavam por dizer tudo o que os torturadores queriam só para sobreviverem.
Em vez disso faziam-se passar por russos (de quem os nazis tinham medo porque os podiam mandar para a Sibéria) e arranjavam forma de ludibriar as tropas alemãs.
Todo o livro está cheio de detalhes e acompanha a história dos seis protagonistas (dos quais quatro ainda estão vivos), relatando situações que oscilam entre o drama e o delírio, como aquela em que se cruzaram com um tanque ou veem-se incumbidos de escoltar a Marlene Dietrich — o filme de Tarantino inspirou-se neste último episódio quando criou a personagem de Diane Kruger: a estrela Bridget Von Hammersmark.
observador.pt
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