Quando, ontem, a Rita me telefonou a dizer que o Zé Paulo Gascão tinha falecido, estava eu a olhar uma paisagem fabulosa com um sol que descia da montanha e se alargava pelo infinito da paisagem até onde o horizonte abarcava. Era uma luz intensa que inventava um dia claro. Então, pensei na dualidade que é a contingência do viver nosso: dum lado, a celebração da vida; do outro a notícia da finitude, a morte.
Estas situações, sempre dolorosas, convocam-nos ao silêncio, que é um reduto pessoal intocável, e só depois as palavras vêm ao nosso encontro, como se quiséssemos produzir memória.
Não era de todo inesperada a notícia, pois todos sabíamos a gravidade da doença que, desde há meia dúzia meses, se atravessara no seu caminho.
Quando ele me disse, fiquei tão atónito - estava à espera de um daqueles telefonemas para discutirmos o mundo - houve tamanho peso de silêncio na conversa que foi ele que me animou lembrando:
- Se puder andar cá mais uns anitos para acrescentar ao muito que já vivi, já é muito bom.
Infelizmente, foi excessivamente rápida a partida.
Telefonava-me e dizia:
- Está tudo a correr bem.
Numa das últimas vezes até me disse com um sorriso:
- Tenho que desligar, vou para a quimio...
E eu:
- É pá! força...
- Não há problema, eu até adormeço!
- Se puder andar cá mais uns anitos para acrescentar ao muito que já vivi, já é muito bom.
Infelizmente, foi excessivamente rápida a partida.
Telefonava-me e dizia:
- Está tudo a correr bem.
Numa das últimas vezes até me disse com um sorriso:
- Tenho que desligar, vou para a quimio...
E eu:
- É pá! força...
- Não há problema, eu até adormeço!
Com o Zé Paulo, vivi muitas jornadas de companheirismo e acção cívica. Éramos muito jovens, o Zé Paulo mais velho, vinham as férias e lá estava ele no café nacional, no cine ou em passeios à roda do Fundão (não fosse o diabo da Pide tecê-las!) a doutrinar o pessoal da minha geração sobre o que se podia fazer contra o cinzentismo ditatorial do salazarismo, ele que vinha das lutas estudantis em Lisboa, nos anos 60.
Era preciso transformar as coisas e nós criávamos a esperança de podermos vir a ser agentes da mudança. Lembro-me do meu tio me contar que, num desses primeiros de Maio fortemente reprimidos, ter visto o Zé Paulo no Rossio. Estava lá e pouco depois eram centenas a celebrar o primeiro de Maio, em que a palavra de ordem era Liberdade. Veio a polícia de choque e foi uma carga violentíssima. Ele estava lá.
Quando falávamos nessas coisas, um amigo muito querido, meu e dele, o dr. José Salvado Sampaio, dizia-lhe a brincar:
- Este tipo é magrinho e tão ágil que escapa por entre os bastões da polícia de choque...
Havia muitas histórias a contar, de antes e depois do 25 de Abril, mas o que quero sublinhar por hoje, nesta nota apressada, é a coerência e a fidelidade aos princípios de uma fraterna igualdade que o Zé colocou na sua acção cívica e política. Essa postura realizou-a como militante e dirigente do PCP, o seu partido de sempre.
- Este tipo é magrinho e tão ágil que escapa por entre os bastões da polícia de choque...
Havia muitas histórias a contar, de antes e depois do 25 de Abril, mas o que quero sublinhar por hoje, nesta nota apressada, é a coerência e a fidelidade aos princípios de uma fraterna igualdade que o Zé colocou na sua acção cívica e política. Essa postura realizou-a como militante e dirigente do PCP, o seu partido de sempre.
O Zé Paulo era uma admirável conversador, gostava das coisas boas da vida, tinha uma cultura de história política profunda, o que lhe dava uma particular autoridade para discutir as coisas. Ele gostava, aliás, de uma bela discussão. Emprestava ao diálogo uma formação cultural muito ampla, ganha também no convívio nos anos sessenta, muito jovem, com escritores como Carlos de Oliveira e José Cardoso Pires, por exemplo, que achavam piada à sua inquietação juvenil de cariz revolucionária.
Foi a ele que Carlos de Oliveira indicou o nome de Alexandre Pinheiro Torres para coordenar o suplemento do JF, "Argumentos", que conduziria à suspensão do Jornal, por via da notícia do prémio atribuído a Luandino Vieira.
Partilhei muitas dessas cumplicidades e hoje, ao pensar nele, lembro a sua ligação ao "Jornal do Fundão", de que foi colaborador e sempre solidário, pertencendo ao restrito grupo de amigos que ia muitas vezes à Censura, à pústula com cheiro a latrina da Rua da Misericórdia, levar as provas do JF, quando este era visado de forma feroz, em Lisboa.
Polémico por natureza, companheiro de Miguel Urbano Rodrigues, na sua aventura de radicalidade ideológica, fez nos últimos anos um caminho singular no combate de ideias, como editor do Diário.info ou como organizador dos Encontros Internacionais Contra a Barbárie, em Serpa e Lisboa. Lamentava os desvios à direita e o carácter unipolar capitalista da organização mundial.
Numa nota publicada no Diário. info escreve-se sobre a morte do editor daquela publicação digital que "José Paulo Gascão foi ao longo de sua vida um militante incansável na crítica da condição humana e na luta pela sua emancipação, quer no seu país natal quer em intervenção no plano internacional. Comunista desde jovem, participou no movimento de resistência antifascista estudantil e da oposição democrática e desempenhou um papel muito activo e de responsabilidade após o 25 de Abril de 1974".
Como íamos dizendo, Zé Paulo, como quem conta uma história à mesa do café, e se tu gostavas de as contar!, não é um abraço de despedida que aqui fica, mas um aceno de palavras colocadas sobre um cravo vermelho, que era uma flor de que gostavas. Como íamos dizendo...
Segunda-feira, 10 de Dezembro
Segunda-feira, 10 de Dezembro
www.fernandopaulouro.com
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