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terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

ADITOS, ADITOS POR TODA A PARTE – ERGUER UM MURO EM VOLTA DA CRISE DOS OPIÁCEOS? HÁ UMA VERDADEIRA EMERGÊNCIA NACIONAL NOS ESTADOS UNIDOS, MAS NÃO É O MURO DA FRONTEIRA MÉXICO-ESTADOS UNIDOS – por RAJAN MENON

aviagemdosargonautas.net




Quando dos ataques terroristas mataram quase 3.000 americanos no dia 11 de setembro de 2001, o país lançou prontamente uma Guerra Global contra o Terrorismo que, até agora, custou milhões de milhões de dólares e não mostra sinais de acabar tão cedo. Naqueles anos, somas surpreendentes foram dadas ao Pentágono e ao resto do estado de segurança nacional para lidar com a crise uma vez que que a guerra contra o terrorismo, por outro lado, parecia estar a espalhar-se e, no processo, milhares de outros americanos morreram (assim como, é claro, centenas de milhares de não-americanos em todo o Grande Médio Oriente).

Enquanto isso, ano após ano, outro tipo de terror atingiu este país, com dezenas de milhares de americanos a morrerem anualmente por sua causa. Esse reinado de terror em particular não foi lançado por um pequeno grupo de extremistas islâmicos, mas por um conjunto de empresas americanas, como o sitio TomDispatch explica tão vivamente hoje com o trabalho de Rajan Menon. 

As suas vítimas morrem de dependência de opiáceos a um nível anual 20 vezes superior aos mortos do 11 de Setembro, uma estatística que nos deve deixar a todos meio atordoados. Neste processo, estamo-nos a tornar em algo como uma nação de adictos. E, claro, porque estes “ataques” duram todos os anos e porque provaram ser tão devastadores, este país mobilizou-se com uma rapidez e segurança que até eclipsa a guerra contra o terrorismo: foi criada uma vasta estrutura de tratamento que agora faz com que o estado de segurança nacional seja um anão, com milhões de milhões de dólares a serem gastos em… whoops, espere um segundo, nada disso aconteceu!

Desde que Donald Trump entrou na Sala Oval, no entanto, finalmente houve um presidente que ficou “duro” com os opiáceos.. 

Infelizmente, tem sido da mesma forma com que ele ficou “duro” na fronteira – e os efeitos têm sido semelhantes. 

Ele declarou uma emergência de saúde pública (mas não uma “emergência nacional”, como ele ameaçou fazer face ao muro da fronteira), fez um discurso presidencial importante sobre a crise de opiáceos, criou uma comissão, realizou uma “cimeira”, e tudo se somou a mais (ou talvez menos) do mesmo, de tal forma que o membro da comissão Trump sobre os opiáceos e ex-deputado democrata Patrick Kennedy chamou a isso uma “charada”. 

Os fundos que foram agendados para a campanha contra a adição em opiáceos – uma promessa de US$ 6 mil milhões em dois anos (menos anualmente, ou seja, do que Trump está a pedir como afetação para o seu muro ) – foram modestos na melhor das hipóteses, mesmo quando o presidente propôs cortar o orçamento do Organismo Nacional de Políticas contra as Drogas, deixando a Administração de Fiscalização de Drogas com apenas um diretor interino.

Apesar de toda a conversa, pense nos opiáceos americanos como sendo os afegãos ou os iraquianos do nosso mundo nos Estados Unidos. Eles podem morrer e morrem e, como mostra Menon, nada muda grande coisa.


***

Erguer um muro em volta da crise dos opiáceos?

Há uma verdadeira emergência nacional nos Estados Unidos, mas não é o muro da fronteira México-Estados Unidos.

Rajan Menon, Walling in the Opioid Crisis? There Is a Real National Emergency in America, It’s Just Not the Wall

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

O presidente Donald Trump tem repetidamente ameaçado declarar uma situação de emergência nacional se o Congresso se recusar a aprovar US$ 5,7 mil milhões de despesa para construir o “grande e grande muro”, que ele prometeu aos seus apoiantes durante a campanha eleitoral de 2016. Num discurso apocalíptico televisionado no início de janeiro, Trump chegou até a avisar – falsamente, como os verificadores de factos revelaram durante o discurso – que um tsunami de criminosos de alto gabarito e traficantes de drogas estavam a varrer a fronteira entre os EUA e o México.

Fabricar emergências nacionais é inconsciência, especialmente quando há emergências reais que requerem muita atenção e muito rapidamente.

Eis um exemplo: desde 1999, 400 mil americanos morreram de overdoses de opiáceos, incluindo analgésicos obtidos legalmente por prescrição médica ou ilegalmente, bem como com a utilização de heroína, um opiáceo ilegal. O Centers for Disease Control (CDC) observa que os medicamentos de prescrição médica estiveram envolvidos em 218.000 dessas fatalidades.

Até mesmo o presidente rotulou a dependência em opiáceos de “emergência de saúde pública” depois de uma comissão que ele nomeou em março de 2017 publicar um relatório em que se detalhava as suas terríveis consequências. Os esforços de Trump levaram o Congresso a alocar US$ 6 mil milhões para combater a crise em 2018 e 2019, e o presidente procurou outros US$ 7 mil milhões para 2019. Desde então, no entanto, a sua atenção voltou-se para a “emergência” ao longo da fronteira com o México, o equivalente, em comparação, a uma picada de mosquito num elefante.

A sua urgência inicial em relação à epidemia de opiáceos parece ter-se dissipado, embora não a sua tendência a fazer falsas afirmações. Num comício de maio de 2018, por exemplo, ele declarou que, graças à utilização dos US$ 6 mil milhões, “os números estão muito baixos”. Se o presidente se queria referir a mortes por overdose, no entanto, a sua afirmação era manifestamente falsa. Dados do CDC mostram que, entre 2016 e 2017, as mortes por overdose de opiáceos diminuíram apenas 58, de 17.087 para 17.029. Quanto às mortes por overdose de opiáceos de todos os tipos (legais e prescritas por médicos ou ilegais, como a heroína), elas aumentaram 12%.

Os críticos do Congresso alegam que o conjunto de recomendações da comissão não foi implementado energicamente, observando em particular o corte de US$ 340 milhões proposto por Trump no orçamento do Organismo Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca, que coordena a campanha governamental contra os opiáceos. E dada a escala da epidemia, os especialistas afirmam que $6 mil milhões em dois anos não chegam nem de perto nem de longe para o que é necessário gastar de modo a ter efeitos visíveis.

A ratoeira face à base social de apoio a Trump

Os analgésicos opiáceos de alta voltagem já foram rotulados como “heroína das zonas montanhosas”, mas esse termo tornou-se arcaico e enganador. Até hoje o uso indevido de tais medicamentos teve tendência a ser proporcionalmente maior entre os pobres e em áreas com alto nível de desemprego, mas agora o seu consumo está a difundir-se  por outras classes e regiões. No final da década de 1990, a onda de mortes por overdose começou em comunidades rurais e pequenas cidades economicamente deprimidas – em particular nos Apalaches. Desde então, no entanto, a crise espalhou-se pelos subúrbios e cidades de todo o país.

Ainda assim, existe uma forte correlação entre a dependência de opiáceos, as taxas de mortalidade por overdose e as dificuldades económicas, especialmente em pequenas cidades e regiões rurais, incluindo as comunidades madeireiras do Maine, as áreas dependentes da pesca comercial, e as cidades carboníferas dos Apalaches. Na zona rural de New Hampshire, onde passo parte do ano, não demorará muito para se começar a ouvir falar de, ou conhecer, pessoas cujas vidas foram destruídas pela dependência de opiáceos. Essas comunidades foram as primeiras vítimas da epidemia porque o seu declínio económico produziu desespero, falta de esperança e diminuição da autoestima. Além disso, muitas pessoas sofriam de dor crónica, seja por acidentes de trabalho ou por trabalhos fisicamente exigentes.

O Presidente Trump deveria estar particularmente atento à crescente dependência de opiáceos no país. Muitos dos lugares mais duramente atingidos são as regiões dos próprios eleitores que ajudaram Trump a ganhar a eleição. Durante a campanha presidencial de 2016, Trump apresentou-se como o seu defensor, lamentando as dificuldades de trabalhadores de fábricas, mineiros, madeireiros e outros, vítimas de despedimentos ou de cortes salariais e a viverem em comunidades nas quais os empregos mais bem pagos dos quais dependiam, muitas vezes durante gerações, estavam a desaparecer.

Estatísticas Impressionantes

Dados do Instituto Nacional de Saúde revelam que as mortes por overdose de todas as categorias de drogas opiáceas – legais e ilegais – subiram de 10.000 em 1999 para 49.068 em 2017, com números consistentemente mais altos para os homens. Mas as mortes por heroína (15.958 em 2017) devem ser incluídas na mistura porque o uso dessa droga e de opiáceos prescritos está interligado.

Embora sejam menos de 5% dos consumidores de opiáceos que abusam de medicamentos para a dor a deslocarem-se para o consumo de heroína, quase 80% dos consumidores de heroína começam por abusar dos opiáceos. Além disso, tanto as pessoas viciadas em analgésicos assim como os consumidores recreativos costumam combiná-los com a heroína para aumentar os seus níveis de intensidade máxima.

Os viciados tendem a depender da heroína apenas quando já não podem comprar opiáceos, mas ainda estão desesperados para alimentar o seu vício e assim evitar a “doença da droga- achamada ressaca”. (Os seus sintomas de abstinência incluem náuseas, calafrios e diarreia, bem como ansiedade extrema e ataques de pânico). Os traficantes de heroína cobram uma fração por dose do valor que os fornecedores ilícitos de analgésicos populares à base de oxicodona e hidrocodona exigem por comprimido.

Considere Oxycontin. Uma pílula de 80 miligramas custa cerca de US$ 6,00 numa farmácia, mas chega a custar US$ 80 na rua. Compare isso com os $15-$20 que lhe exigem por uma dose de heroína. A diferença de preço é importante. Muitos viciados em opiáceos acabam por colocar a maior parte dos seus ganhos na compra ilegal dos comprimidos, esgotando as suas contas poupança. Como resultado, alguns acabam por recorrer à venda de bens pessoais ou até mesmo de peças de máquinas roubadas, tubagens e fios de cobre (para os quais há um grande mercado negro).

Infelizmente, mesmo as 49.068 mortes em 2017 não fornecem o quadro completo. Outras fatalidades resultam da combinação de analgésicos com cocaína (4.184) ou benzodiazepinas (cerca de 9.000). Acrescente isso ao mix e o número total de vidas perdidas com a epidemia neste país atingiu 62.252 em 2017, o último ano para o qual temos dados completos. Esse número sobe ainda mais se incluirmos as quase 16.000 mortes resultantes da heroína.

Para obter uma melhor perspetiva global quanto ao significado do número total de mortes relacionadas com opiáceos, considere o seguinte: os acidentes de viação mataram 40.100 pessoas em 2017. A Guerra do Vietname, que durou uma década, resultou em 58.220 mortes americanas. Mais de cinco vezes mais americanos morreram de analgésicos opiáceos apenas em 2017 do que nos ataques de 11 de setembro e nas guerras no Iraque e no Afeganistão juntas.

Quanto às consequências económicas, um relatório de 2017 do Conselho de Assessores Económicos do presidente calculou os custos totais da crise, incluindo serviços médicos, perda de rendimentos e de produtividade, e custos de aplicação da lei, em US$ 504 mil milhões em 2015.

Combinando esses dados ajustados com estimativas alternativas de VVE, calculamos o custo de vidas perdidas por overdoses envolvidas em opiáceos em 2015.5 A Tabela 1 mostra as nossas estimativas de custo de mortalidade sob diversas hipóteses alternativas de VVE; naturalmente, valores mais altos da perda induzida pela morte prematura produzem estimativas mais altas do custo de mortalidade total de overdoses envolvidas em opiáceos.

A estimativa de custo preferencial da CEA, de US$ 504,0 bilhões, excede em muito as estimativas publicadas em outros lugares.”

Por outras palavras, ao contrário do que está a acontecer na fronteira sul, esta não é uma falsa emergência.

O Caminho para a Crise

Na América do século XIX, os opiáceos eram amplamente prescritos para tratar muitas aflições: dor provocada por feridas ou por lesões sofridas por veteranos da Guerra Civil, dores menstruais, asma, ansiedade e até mesmo dores de dentição dos bebés. Mas à medida que os médicos se tornaram mais conscientes de uma onda crescente de adição, o governo federal impôs regulamentações restritivas sobre esses medicamentos, culminando com a Lei Harrison sobre Narcóticos de 1914.

Embora essa legislação não tenha eliminado totalmente o uso de opiáceos, ela marcou um ponto de viragem. A opinião médica não voltaria a ter uma visão favorável dessas drogas até a década de 1970, quando inúmeros analgésicos opiáceos chegaram ao mercado. A Administração Federal de Medicamentos (FDA) aprovou Lortab em 1982, Vicodin em 1983, MS Contin em 1987 e Percocet em 1999. O fentanil foi introduzido pela primeira vez em 1959 e a sua variante em adesivo sobre a pele recebeu aprovação oficial em 1990 para o tratamento da dor aguda.

A epidemia atual não começou a aumentar até que a Purdue Pharma, propriedade da família Sackler, desenvolveu Oxycontin, um analgésico à base de oxicodona. Após a aprovação da FDA em dezembro de 1996, este produto ficou disponível, em diferentes doses do princípio ativo, variando de 10 a 160 miligramas. Em comparação com os tratamentos opiáceos anteriores, a Oxycontin estava num campeonato próprio quando se tratava da sua potência. Os médicos rapidamente começaram a prescrevê-lo, não poucos com um abandono impressionante: um só médico assinou 335.000 prescrições ao longo de oito anos. No intervalo de cinco anos após o seu aparecimento, as prescrições tinham disparado de 670.000 para 6,2 milhões.

Purdue alegou que o Oxy, como ele veio a ser conhecido, era especial e melhor do que os seus antecessores, porque trabalhava através de uma extensão, com 12 horas de libertação da droga, o que efetivamente eliminaria a adição: a droga não iria fornecer um rápido ponto alto nem tinha que ser tomada muito frequentemente. Na verdade, a eficácia da droga muitas vezes era bem inferior ao tempo considerado de 12 horas. Purdue estava ciente disso, mas manteve-se agarrada à sua argumentação.

Em 2001, as vendas da Oxycontin ultrapassaram $1 milhar de milhões por ano. O boom não era espontâneo, mas devia muito à promoção zelosa do produto de Purdue. Um exército de delegados da propaganda médica depois de serem treinados para convencer os médicos da segurança e eficácia da droga, muitas vezes ofereciam a esses mesmos médicos refeições gratuitas, presentes de férias, de natal, muitas coisas mais. Esses agentes de vendas não tinham falta de incentivo; eles recebiam grandes bónus ligados ao seu sucesso. Os melhores desempenhos ganharam mais do que os seus salários anuais em dinheiro extra.

Purdue também treinou milhares de médicos, enfermeiras e farmacêuticos em numerosos conclaves em belos locais – todos organizados e pagos pela empresa – para espalhar a palavra de que o Oxy era eficaz e seguro, não apenas contra a dor extrema produzida por cirurgia ou doença terminal, mas também contra as variedades mais mundanas de dor causada, por exemplo, por lesões nas costas ou artrite.

A estratégia provou ser extremamente bem sucedida. As receitas de vendas subiram porque a pílula foi amplamente prescrita não apenas por aqueles que tratavam pacientes terminais, mas também por médicos de família que já eram responsáveis por quase metade de todas as prescrições da Oxycontin até 2003.

A devastação torna-se evidente

Os médicos receitaram cada vez mais Oxy para tratar a dor (muitas vezes de lesões relacionadas com o trabalho) e os seus pacientes rapidamente se tornaram viciados. Apanhados pela droga, alguns fingiram continuar a sentir dor num esforço frenético para obter novas receitas médicas. As “compras médicas” também se tornaram comuns. Outros roubaram pílulas de parentes ou amigos ou compraram-nas a traficantes ilegais, incluindo aqueles que vendem pela internet, entre outros lugares, em sites dos media sociais como o Facebook. Os viciados também inalaram comprimidos pulverizados ou os liquefaziam e os injetaram por via intravenosa, correndo o risco de apanhar a hepatite B ou C ou o HIV/AIDS por meio de agulhas partilhadas. Outros ainda se voltaram para a heroína.

Obviamente, nem todos que tomaram Oxycontin para a dor ficaram viciados, e foram muito menos os que morreram de overdose. Mas, quando a adição atacava, podia arruinar vidas, já que alguns adictos até alimentavam o seu hábito através de pequenos crimes ou de prostituição. Os filhos de viciados muitas vezes sofreram negligência ou maus-tratos também – cerca de 676.000 deles em 2016 – ou ficaram à responsabilidade dos avós ou acabaram em lares adotivos.

À medida que se tornava cada vez mais evidente o desastre montado, alguns médicos intrépidos, juntamente com os pais ou outros familiares de pessoas que tinham morrido de overdoses, começaram a soar o alarme. Mas Purdue tinha uma formidável máquina de relações públicas, os grandes dólares necessários para contratar advogados de alto nível e a determinação de ripostar. Quanto à influência em Washington, a riqueza da empresa e o seu acesso ao poder excedeu em muito qualquer coisa que os seus adversários pudessem reunir.

No entanto, à medida que a onda da adição ou dependência começou a varrer o país e o número de mortes aumentou, houve investigadores médicos que começaram a destacar os riscos colocados pelo Oxy e a questionar a sua eficácia em comparação com os opiáceos menos potentes. A FDA, o Departamento de Justiça e os procuradores-gerais de vários estados também começaram a prestar atenção ao problema. 

Em 2007, na sequência de acusações de que não tinha conseguido fornecer avisos adequados sobre o risco de dependência, Purdue pagou 634,5 milhões de dólares como parte de um acordo de confissão com os agentes federais. Três dos seus funcionários seniores foram multados num total de US$ 34,5 milhões, que Purdue cobriu (embora tenham evitado a prisão). A própria empresa não foi acusada de nenhuma irregularidade.

Numerosos estados também iniciaram ações judiciais contra a empresa, insistindo que ela estava ciente dos perigos da adição provocada pela utilização de Oxycontin, mas fez alegações enganosas ou falsas para negar ou minimizar os riscos. Em 2007, Purdue negociou um acordo de $19,5 milhões com 25 estados e o Distrito de Columbia, novamente sem admitir qualquer irregularidade. Em 2015, o acordo foi firmado com o Kentucky por US$24 milhões. Em 2018, mais seis estados iniciaram ações judiciais contra a empresa.

Em 2010, a FDA aprovou uma versão do Oxy resistente à adição – ou seja, mais difícil de inalar ou injetar – e a versão original foi retirada do mercado. Como parte dos seus acordos legais, Purdue também concordou em parar de lançar medicamentos opiáceos para os médicos e cortou na sua equipa de vendas.

Para que o leitor não sinta qualquer simpatia pelo gigante farmacêutico em crise, saiba disso: em 2001, a adição à oxicodona (o agente ativo em Oxycontin) já tinha aumentado cinco vezes. No entanto, Purdue e os seus especialistas em contratação minimizaram o perigo e continuaram a promover a droga vigorosamente. 

De acordo com um relatório do Departamento de Justiça, a empresa também sabia desde cedo que a droga estava a ser inalada ou liquefeita e injetada, mas não achou útil divulgar notícias sobre o abuso. Purdue também se sentava sobre as provas compiladas pelos seus próprios investigadores quanto ao tráfico criminoso de Oxy e sobre os casos de médicos ou de farmácias que os vendiam de forma imprudente.

Quanto a essas multas, elas representaram uma grande mudança para a empresa, que até 2017 tinha acumulado US$ 35 mil milhões em rendimentos, em grande parte devido às vendas da Oxycontin nos Estados Unidos e em outros lugares. E a família Sackler? Nenhum de seus membros foi acusado, muito menos condenado por qualquer coisa; e, com um património líquido de US$ 14 mil milhões, em 2015 eles fizeram parte da lista da Forbes das 20 famílias mais ricas da América.

Alguém que seja preso por um delito de drogas não violento ou até mesmo por roubo em lojas pode enfrentar anos de prisão, mas os titãs de uma empresa responsável por um desastre de saúde pública conseguiram um êxito notável.

O que vem a seguir?

A atual crise de opiáceos transcende Purdue. Por um lado, existem inúmeros medicamentos opiáceos amplamente prescritos além do Oxy, embora o número de prescrições anuais de analgésicos opiáceos tenha diminuído desde 2012. De acordo com um relatório emitido pelo Surgeon General, elas totalizaram 289 milhões nesse ano, em comparação com 76 milhões em 1991. O CDC relata que estas caíram para 191 milhões em 2017. Mas, como a agência observa, isso ainda contribui para uma impressionante taxa de 58,7 prescrições para cada 100 pessoas nos Estados Unidos, o que permanece inigualável no consumo global de medicamentos opiáceos para a dor.

Desde talvez 2013, outro problema amplificou a crise dos opiáceos: o abuso, o fabrico ilícito e o contrabando de fentanil, um analgésico opiáceo sintético cuja potência excede a da morfina em 50 a 100 vezes e a da oxicodona em 1,5 vezes. Uma dose de dois miligramas pode ser fatal.

As mortes relacionadas com opiáceos sintéticos, principalmente o fentanil, atingiram 29.406 em 2017, um aumento de quase seis vezes desde 2014. O CDC descobriu que o fentanil, por si só, estava implicado em pelo menos três quintos das mortes por overdose de opiáceos em 10 estados durante o último semestre de 2016. O impacto da droga e a sua disponibilidade generalizada em sítios Internet ilícitos apenas aumenta o risco de dependência e de mortes. Enquanto isso, as mortes por overdose de heroína, que começaram a aumentar acentuadamente ao mesmo tempo que as mortes relacionadas com opiáceos, atingiram 15.958 em 2017 – um aumento de três vezes desde 2014.

Para piorar as coisas, existem numerosos análogos de Fentanil, incluindo o 3-metilfentanil, quatro vezes mais poderoso que o próprio Fentanil. Embora a sua fabricação ilegal remonte aos anos 70, voltou recentemente à rua e através da Internet. Depois há o Carfentanil. Utilizado para acalmar elefantes e outros animais de grande porte, é 100 vezes mais forte que Fentanyl e também começou a fazer a sua marca mortal. No primeiro semestre de 2017, as mortes relacionadas ao Carfentanil quase dobraram, chegando a 815. Até que ponto é mortal? Para sedar um elefante adulto, a dose segura é de 13 miligramas. Apenas 0,05 miligramas matam um ser humano, alertam os cientistas.

Essas duas drogas e outros análogos de Fentanyl são fabricados e traficados ilegalmente por redes subterrâneas nos Estados Unidos ou diretamente para utilizadores individuais. A China tornou-se uma das principais fontes de tais carregamentos ilegais. 

Ao contrário do que afirma o presidente Trump – como parte de sua campanha para o “muro grande, largo e bonito” – apenas uma pequena proporção dessas drogas ilícitas, incluindo a heroína, é levada para os Estados Unidos por imigrantes indocumentados através da fronteira. A maior parte da droga que entra pelo México vem escondido em veículos que atravessam os pontos de entrada legais. Há muitos outros modos de contrabando também. Um relatório do Senado constatou que o serviço postal dos EUA se tornou um canal involuntário, assim como transportadoras comerciais como a FedEx e a UPS. Vendedores ilegais também operam através de sites da Internet e da Dark Web. Quando se trata de tais drogas, um muro não fará nenhuma diferença.

A crise dos opiáceos entrou agora numa fase ainda mais perigosa. Os analgésicos opiáceos prescritos pelo médico já não são o seu principal motor e, mesmo quando o são, são muitas vezes combinados com cocaína ou benzodiazepinas. Além disso, em 2016, o fentanil e a heroína ilegais foram responsáveis por dois terços das mortes relacionadas com opiáceos. 

O fentanil e o carfentanil e os seus parentes químicos produzidos e traficados ilicitamente podem, no final, eclipsar a catástrofe do Oxycontin.

E novas formas de analgésicos de alta potência irão, sem dúvida, surgir também. Veja-se Dsuvia, que recebeu a aprovação da FDA no final de 2018, no meio de uma considerável controvérsia criada pelo medo da adição. 

É 500 vezes mais forte que a morfina e 10 vezes mais potente que o fentanil. Quanto tempo levará para que Dsuvia produza o seu próprio problema de dependência e de tráfico ilegal?

Um problema de solução difícil

A gravidade do problema dos opiáceos requer uma solução multifacetada e sustentada. O tratamento da dependência teria de ser de melhor qualidade e mais equitativo. Uma vez que o abuso de opiáceos e a dependência são particularmente predominantes em partes do país que sofrem de reduções nos níveis de emprego e de baixos rendimentos, teriam de se tornar um ponto focal para o investimento público e a reconversão profissional. O fluxo migratório de opiáceos provenientes do estrangeiro teria de ser estancado através de medidas que ultrapassassem a punição. 

As empresas que põem em perigo a saúde pública devido à sua negligência, à sua maldade e ganância teriam de enfrentar mais do que um simples golpe nos nós dos dedos.

Além disso, a ordem política manipulada pelo dinheiro e lobistas teria de ser renovada. De 2000 a 2018, as empresas fabricantes de produtos farmacêuticos e de saúde gastaram um total de US$ 3,8 mil milhões a fazerem lobing em Washington, empregando 1.407 lobistas, dos quais não poucos já haviam trabalhado em várias funções no governo federal, inclusive como membros do Congresso. Só em 2018, o valor destinado ao lobing e apenas pelas empresas farmacêuticas que estavam entre os dez maiores gastadores chegou aos US$ 58 milhões – e neste valor não estão incluídos os US$ 21,8 milhões arrecadados pela Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA), que representa empresas farmacêuticas e de biotecnologia.

Dada a escala, as suas múltiplas causas e consequências da crise de opiáceos, os US$ 6 mil milhões que lhe foram destinados não são, nem remotamente, suficientes para enfrentar um problema com esta dimensão, enquanto as ações que a administração Trump e o Partido Republicano fizeram para paralisar o Affordable Care Act só prejudicaram o esforço. Enquanto isso, todos os dias, 130 pessoas nos Estados Unidos morrem de overdoses de opiáceos e 70% das pessoas que lutam contra a dependência não recebem tratamento de longo prazo, mesmo que os medicamentos necessários estejam disponíveis.

Então, o Presidente Trump, se quer enfrentar uma emergência nacional genuína e está ansioso para gastar outros US$ 5,7 mil milhões ou muito mais num projeto que, no final, fará com que pareça bem melhor para todos, incluindo a sua base eleitoral, devem enfrentar então a epidemia dos opiáceos – e esquecer aquele muro inútil.

Fonte: Rajan Menon, Addicts, Addicts, Everywhere…, publicado em TomDispach, em 31 de Janeiro de 2019. Texto disponível em:

Rajan Menon, um colaborador regular do sitio TomDispatch, é professor de Relações Internacionais na Anne and Bernard Spitzer Chair in Political Science, na Powell School, City College of New York, e investigador do Saltzman Institute of War and Peace Studies da Columbia University. O seu último livro é The Conceit of Humanitarian Intervention.

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