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Já muito se escreveu sobre a Cristina. É necessário.
É uma entre tantas trabalhadoras vítimas de assédio laboral e de despedimentos ilícitos, mas é, sobretudo, um exemplo de tenacidade que dá força a trabalhadores que, como ela, fragilizados pela dependência económica, lutam pelos seus direitos.
Recordo-me de a ouvir dizer: "Ajudem-me a recuperar o meu posto de trabalho. É o meu sustento." Eis o motivo pelo qual não posso deixar de frisar a matriz do Direito do Trabalho: o da proteção da parte mais fraca numa relação marcadamente desigual.
A consagração do direito fundamental à segurança no emprego confina o despedimento, essa arma poderosa da entidade patronal, aos limites de uma justa causa, já de si ‘ampliada’ pelas leis do mercado (daí termos modalidades como o despedimento coletivo, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação determinadas por razões estruturais, tecnológicas ou de mercado, empurrados, por alguma doutrina, para a ‘justa causa objetiva’).
A entidade patronal, que insiste em violações laborais grosseiras, é a corticeira Fernando Couto – Cortiças, S.A. Estranhamente premiada com prémios PME Líder e outros quejandos. Falo de uma empresa condenada por assédio laboral e violação de normas de saúde e segurança no trabalho.
A mesma que, depois de declarado o despedimento ilícito e determinada a reintegração da trabalhadora, a voltou a despedir por denunciar práticas assediantes. Fê-lo em clara violação do novo regime jurídico do assédio, plasmado na Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, que prevê, justamente, a proteção do trabalhador e das testemunhas nestes casos, para evitar que o medo, somado à necessidade económica, torne o exercício do direito letra morta.
A empresa não desarma. Quer dar um sinal aos trabalhadores. Quer mostrar-lhes que não podem reivindicar os seus direitos, nem ser testemunhas de colegas vítimas de violações laborais e nem sequer lutar pelo seu posto de trabalho (o tal que lhes garante a subsistência) ou sabem o que os espera. E é por isso que não podemos deixar a Cristina sozinha.
Por muito que a empresa tenha o poder de despedir e que possa manipular os colegas/testemunhas que temem represálias. Por muito que torne difícil à Cristina, muitos currículos entregues depois, voltar a ser contratada no setor e na região.
Por muito que tenha o tempo como aliado: aumenta o desgaste; o subsídio de desemprego não é eterno e, enquanto dura, mingua o rendimento, sobretudo quando se trata de uma família monoparental e a idade, somada à exposição pública, dificulta a integração no mercado de trabalho.
A Cristina sabe que não é uma indemnização que a vai compensar pela possibilidade de anos sem trabalho até à reforma.
Olhada com suspeição, apesar dos maus tratos a que foi sujeita, é nossa obrigação mostrar-lhe que lutar pela reintegração no posto de trabalho, tutela jurídica que há quem questione, mas que, na verdade, é a única que repõe a situação do trabalhador no ponto em que se encontrava antes da prática ilícita, é justo.
Em Deux jours, une nuit, de Jean Pierre e Luc Dardenne, uma trabalhadora, interpretada pela incontornável Marion Cotillard, constata, ao regressar ao trabalho na sequência de baixa médica, por depressão, que os colegas iriam ter que optar: ou aceitavam o seu despedimento, e tinham um prémio pelo trabalho extra que desenvolveram na sua ausência, ou abdicavam do prémio. Resta-lhe tentar convencer os colegas a abdicarem do prémio.
Também, no filme A lei do mercado, Stéphane Brizé nos propõe um argumento em que a manipulação patronal, através da quebra de vínculos de solidariedade, está no centro. Um segurança de supermercado, interpretado pelo experiente Vincent Lindon, depois de ultrapassar o flagelo do desemprego, vê-se confrontado com uma proposta indecorosa: espiar colegas de trabalho com vista ao seu despedimento.
A opção é contribuir para despedir ou ser despedido.
É esta a lei do mercado. Por isso, mesmo quando a lei vai mais longe, atalhar caminho no combate ao assédio é tão difícil.
Estou certa que a justiça continuará, no caso da Cristina, a cumprir o seu papel. Importa que seja célere o suficiente para evitar a continuação da vitimização desta trabalhadora e eficaz na punição de uma empresa, reiteradamente infratora, para que se produza o necessário efeito dissuasor.
À Cristina (e a todas as ‘Cristinas’) devemos, no mínimo, manter viva a solidariedade contra o assédio e as violações laborais. Para não repetir.
É uma entre tantas trabalhadoras vítimas de assédio laboral e de despedimentos ilícitos, mas é, sobretudo, um exemplo de tenacidade que dá força a trabalhadores que, como ela, fragilizados pela dependência económica, lutam pelos seus direitos.
Recordo-me de a ouvir dizer: "Ajudem-me a recuperar o meu posto de trabalho. É o meu sustento." Eis o motivo pelo qual não posso deixar de frisar a matriz do Direito do Trabalho: o da proteção da parte mais fraca numa relação marcadamente desigual.
A consagração do direito fundamental à segurança no emprego confina o despedimento, essa arma poderosa da entidade patronal, aos limites de uma justa causa, já de si ‘ampliada’ pelas leis do mercado (daí termos modalidades como o despedimento coletivo, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação determinadas por razões estruturais, tecnológicas ou de mercado, empurrados, por alguma doutrina, para a ‘justa causa objetiva’).
A entidade patronal, que insiste em violações laborais grosseiras, é a corticeira Fernando Couto – Cortiças, S.A. Estranhamente premiada com prémios PME Líder e outros quejandos. Falo de uma empresa condenada por assédio laboral e violação de normas de saúde e segurança no trabalho.
A mesma que, depois de declarado o despedimento ilícito e determinada a reintegração da trabalhadora, a voltou a despedir por denunciar práticas assediantes. Fê-lo em clara violação do novo regime jurídico do assédio, plasmado na Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, que prevê, justamente, a proteção do trabalhador e das testemunhas nestes casos, para evitar que o medo, somado à necessidade económica, torne o exercício do direito letra morta.
A empresa não desarma. Quer dar um sinal aos trabalhadores. Quer mostrar-lhes que não podem reivindicar os seus direitos, nem ser testemunhas de colegas vítimas de violações laborais e nem sequer lutar pelo seu posto de trabalho (o tal que lhes garante a subsistência) ou sabem o que os espera. E é por isso que não podemos deixar a Cristina sozinha.
Por muito que a empresa tenha o poder de despedir e que possa manipular os colegas/testemunhas que temem represálias. Por muito que torne difícil à Cristina, muitos currículos entregues depois, voltar a ser contratada no setor e na região.
Por muito que tenha o tempo como aliado: aumenta o desgaste; o subsídio de desemprego não é eterno e, enquanto dura, mingua o rendimento, sobretudo quando se trata de uma família monoparental e a idade, somada à exposição pública, dificulta a integração no mercado de trabalho.
A Cristina sabe que não é uma indemnização que a vai compensar pela possibilidade de anos sem trabalho até à reforma.
Olhada com suspeição, apesar dos maus tratos a que foi sujeita, é nossa obrigação mostrar-lhe que lutar pela reintegração no posto de trabalho, tutela jurídica que há quem questione, mas que, na verdade, é a única que repõe a situação do trabalhador no ponto em que se encontrava antes da prática ilícita, é justo.
Em Deux jours, une nuit, de Jean Pierre e Luc Dardenne, uma trabalhadora, interpretada pela incontornável Marion Cotillard, constata, ao regressar ao trabalho na sequência de baixa médica, por depressão, que os colegas iriam ter que optar: ou aceitavam o seu despedimento, e tinham um prémio pelo trabalho extra que desenvolveram na sua ausência, ou abdicavam do prémio. Resta-lhe tentar convencer os colegas a abdicarem do prémio.
Também, no filme A lei do mercado, Stéphane Brizé nos propõe um argumento em que a manipulação patronal, através da quebra de vínculos de solidariedade, está no centro. Um segurança de supermercado, interpretado pelo experiente Vincent Lindon, depois de ultrapassar o flagelo do desemprego, vê-se confrontado com uma proposta indecorosa: espiar colegas de trabalho com vista ao seu despedimento.
A opção é contribuir para despedir ou ser despedido.
É esta a lei do mercado. Por isso, mesmo quando a lei vai mais longe, atalhar caminho no combate ao assédio é tão difícil.
Estou certa que a justiça continuará, no caso da Cristina, a cumprir o seu papel. Importa que seja célere o suficiente para evitar a continuação da vitimização desta trabalhadora e eficaz na punição de uma empresa, reiteradamente infratora, para que se produza o necessário efeito dissuasor.
À Cristina (e a todas as ‘Cristinas’) devemos, no mínimo, manter viva a solidariedade contra o assédio e as violações laborais. Para não repetir.
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