Parecem mexilhões, estão no meio de colónias de mexilhões, mas não são mexilhões. São, na verdade, pequenos robôs com sensores de temperatura, que foram colocados, em sete pontos da costa algarvia, para analisar os efeitos das alterações climáticas na região.
Estes “robomexilhões”, como são chamados, foram instalados por Katy Nicastro e Gerardo Zardi, dois investigadores italianos do CCMAR, da Universidade do Algarve, que fizeram parte de um projeto global que analisou, através da utilização destes dispositivos, os efeitos das alterações climáticas, em colónias de mexilhões, em 71 pontos diferentes do planeta.
Nos Estados Unidos, estes sensores estiveram ativos ao longo de 18 anos, recolhendo as variações de temperatura a cada 10 minutos. Esta investigação foi liderada pelo professor Brian Helmuth da Northeastern University, Marine Science Center, de Massachusetts.
«Estes “robomexilhões” foram usados no passado, em grande escala, na América do Norte, América do Sul, Europa, África e Austrália, em 71 locais diferentes. Foi um esforço de 50 cientistas, incluíndo nós os dois, que ficámos na África do Sul», explicou ao Sul Informação Gerardo Zardi.
Portugal ficou excluído deste estudo, por isso, em Junho, «começámos a colocá-los na Ria Formosa, porque os “robomexilhões” tanto podem ser usados em larga escala, como em pequena escala, como é o caso do Algarve. Temos “robomexilhões” na costa Sudoeste, na costa Sul do Algarve e na Ria Formosa», revelou Katy Nicastro ao nosso jornal.
Este «é o início de um projeto a longo prazo, que vai permitir recolher boa informação», sendo que, «já temos informação do Verão, mas não é suficiente. Os primeiros resultados do Algarve estarão disponíveis, pelo menos, daqui a um ano, porque precisamos de tempo para comparar».
Em relação aos dados recolhidos no projeto a nível global, e que originaram uma publicação de um artigo na revista “Scientific Data”, estes «têm surpreendido os investigadores», segundo o CCMAR.
Katy Nicastro explicou que, normalmente, «há a noção que as regiões que são mais afetadas pelas alterações climáticas são os extremos, como os pólos, ou o Equador. No entanto, o que vemos aqui, são áreas no centro da distribuição das espécies, que são muito afetadas pelas alterações climáticas».
Gerardo Zardi acrescenta que «se pensava que estas zonas não estariam a ser afetadas pelas alterações climáticas, mas estão. É importante saber exatamente onde, para podermos agir, repopular e monitorizar».
A importância de monitorizar as alterações climáticas do “ponto de vista” dos mexilhões é explicada por Zardi: «normalmente, procuramos o efeito das alterações climáticas nos organismos a partir de uma perspetiva humana, mas nunca a vemos da perspetiva dos organismos. Isso é o que acontece neste caso. A perspetiva é a dos mexilhões e isto ajuda-nos a perceber o que estes seres experienciam».
Segundo o investigador, a análise dos impactos das alterações climáticas nas colónias de mexilhões têm várias vantagens: «as colónias de mexilhões funcionam um pouco como uma floresta, porque criam espaço para outras espécies, como caranguejos e lagostas. Quando eles morrem, também as outras morrem. São bio-engenheiros».
Depois, «há também o lado económico. Toda a gente come mexilhões, queremos defender a espécie, porque é uma grande fonte de comida em todo o mundo».
Os “robomexilhões”, que estão a ser utilizados nas análises no Algarve, são feitos utilizando a concha de um mexilhão real, ao contrário dos que foram utilizados na experiência global, que eram feitos com conchas de plástico e tinham uma luz verde que piscava a indicar atividade.
A similaridade com os mexilhões reais pode trazer inconvenientes e os investigadores explicam como os identificar. «Às vezes, há pescadores que os retiram, apesar de, obviamente, não serem comestíveis. Onde há mais pescadores é onde perdemos mais sensores. Fazemos, por isso, o apelo para que não os retirem. Os “robomexilhões” são colados com uma quantidade razoável de cola, é visível, e é assim que podem ser reconhecidos», explica Katy Nicastro, que acrescenta que não é tanto pelo valor de um destes sensores, mas pelo valor do conhecimento científico que se perde.
«O mais importante é a informação. Se perdemos três ou quatro “robomexilhões”, é uma grande perda», conclui.
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