O dom profano – considerações sobre carisma, o livro de José Sócrates, é apresentado nesta sexta-feira em Lisboa pelo socialista Sérgio Sousa Pinto.
Esta é apenas uma de muitas observações que o socialista faz no segundo livro que publica. Como quase tudo o que envolve aquele que ficou conhecido como o “animal feroz”, a polémica estalou logo com a primeira obra e com o Ministério Público a suspeitar que não terá sido o próprio a escrevê-la.
Na noite que antecedeu a chegada do livro às bancas, o ex-primeiro-ministro – que tanto suscita ódios como admirações incondicionais – esteve na televisão e afirmou que António Costa ainda “é um líder em formação”. Quanto a Marcelo, foi mais longe no aviso: “O excesso mata qualquer ideia de carisma” e “enfraquece”. O Presidente “devia ter isso em atenção”, alertou o antigo líder do PS.
Mas, afinal, a que conclusões chega José Sócrates no segundo livro dedicado, entre outros, à família que “tudo suportou”? E no qual também não esquece o histórico socialista Mário Soares (que sempre o apoiou), colocando-o ao lado de “líderes carismáticos e democráticos” como Lula, Roosevelt, Gandhi, Luther King, Obama e Mandela. Líderes que, defende, “nunca recorreram à procura histérica de bodes expiatórios nem à ideia de complotsformados secretamente por inimigos escondidos e conjurados”.
Logo nas primeiras páginas, pode ler-se que “tudo o que diz respeito à personalidade política parece ser hoje fruto de um cálculo claramente racional, de estudos de opinião, de trabalho de staff técnico”. Um pouco mais à frente, um alerta: “Assim que o público percebe que por detrás do pano nada existe, o personagem torna-se vazio”.
Sócrates não desvaloriza “a dimensão estética da política nem a força que a presença física e a forma podem dar à palavra”, mas “o que torna excepcionais estes momentos não é a forma, é o conteúdo”, lê-se. “Não é a maneira como se diz; é o significado e a consequência do que é dito. O carisma da forma é fugaz; o carisma do conteúdo é outra coisa. (…) Não, não tem a ver com a beleza da forma, mas talvez com a beleza da coragem.”
O autor destas linhas é o mesmo que, em 2011, foi apanhado desprevenido, em pleno noticiário da TVI, antes de fazer uma declaração ao país. O jornalista passa a emissão para São Bento: “Vai falar o primeiro-ministro”. Estava em causa o anúncio oficial do pedido de ajuda externa. Mas o que se vê é José Sócrates a perguntar: “Ó Luís, vê lá como é que fico melhor a olhar para… Assim fica melhor ou fica melhor assim?” E roda a cabeça, ou o olhar, uns milímetros imperceptíveis. O jornalista desculpa-se em directo: “Não foi de propósito, assistimos sem querer a preparativos do primeiro-ministro para falar ao país.”
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O mesmo político que agora questiona no livro: “Será que estamos condenados ao kitsch político de ouvir um candidato dizer exactamente aquilo que os auditórios querem ouvir, depois dos estudos de opinião e dos focus groups terem indicado as mensagens certas e as palavras de ordem adequadas? Haverá ainda espaço para o novo, o risco, o diferente – numa palavra, para a política?” Mais, lê-se ainda: “Tudo nesta história é produto da televisão, que é o verdadeiro e moderno instrumento da criação da Fama.”
“Todos se calam” mas Sócrates não
Poucos governantes terão tido tanto mediatismo como o antigo-primeiro-ministro, que esteve detido preventivamente na prisão de Évora, no âmbito da Operação Marquês, por suspeita de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Foi, aliás, naquela prisão que esboçou o livro.
O nome de Sócrates tornou-se um incómodo para o PS, dividido nessa altura entre o silêncio e o apoio. Logo no dia seguinte à detenção que aconteceu a 22 de Novembro 2014, António Costa fez questão de enviar uma mensagem aos militantes na qual dizia que “os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a acção política do PS”.
Houve directos do aeroporto, na noite da detenção, quando chegava de Paris. Directos à porta da prisão, mais tarde à porta de casa. Da prisão, Sócrates escreveu cartas para serem publicadas em órgãos de comunicação social. Depois de ser libertado, participou em eventos, alguns em sua homenagem.
O antigo líder socialista, que deu a única maioria absoluta ao partido em eleições legislativas até agora, nunca se conformou com a detenção nem com o facto de não ter sido ainda deduzida a acusação. Num desses almoços, em Lisboa, que juntou mais de 400 pessoas, garantiu: “A minha voz está de volta ao debate público.” Avisou de forma clara: “Se o objectivo de alguém foi” que ela “fosse calada”, tal não vai acontecer. “Eu não me vou calar”, repetiu.
Agora, no livro, Sócrates defende que “o carisma democrático não é o da vingança ou do ressentimento” e que “o elemento essencial do carisma democrático” passa por uma “autoridade que resulta da acção: quando todos se calam, quando todos aceitam e se resignam, quando ninguém sabe o que fazer (…) alguém decide levantar-se e agir”.
José Sócrates, que foi primeiro-ministro entre 2005 e 2011, entre outros cargos que exerceu, pergunta nesta obra: “haverá ainda algum papel para o extraordinário, no mundo do ordinário racional que caracteriza a política contemporânea?”.
O dom profano – considerações sobre carisma vai ser apresentado nesta sexta-feira, às 18h30, no Auditório I da FIL – Centro de Exposições e Congressos de Lisboa. Será o socialista Sérgio Sousa Pinto a apresentar a obra na qual Sócrates questiona ainda: “Quantos personagens carismáticos terão existido – cheios de aura, de qualidades verdadeiramente extraordinárias – sem que ninguém se tenha dado conta (…)?”. E cita Fernando Pessoa: “‘Génio? Neste momento/Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,/ E a história não marcará, quem sabe?, nem um’”.
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