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sábado, 29 de outubro de 2016

A ideia de mudar a hora nasceu na cabeça de gente madrugadora


A prática da hora de Verão começou na Alemanha da Primeira Guerra, como forma de poupar no combustível e aproveitar ao máximo a gratuita luz do Sol. A medida tem 100 anos.
Portugal interrompeu a mudança da hora durante 1922, 1923, 1925, 1930 e 1933 

  • Neste domingo de madrugada, mais precisamente às 2h00, o relógio é atrasado uma hora, passando a ser 1h00 da manhã. Nos Açores a mesma mudança acontece à 1h00 e passa a ser meia-noite. A hora legal muda do regime de Verão para o de Inverno. E tudo começou com uma ideia que nasceu na cabeça de gente madrugadora que se lembrou que a luz do sol era gratuita, pelo que era preciso aproveitá-la. A prática tem 100 anos em Portugal e no mundo.




Benjamin Franklin terá sido o primeiro a verbalizar a ideia, em 1784. Houve um dia, numa estada em Paris, que este cientista, inventor e político americano, foi acordado do seu sono por um barulho. Eram 6 da manhã, constatou. Espreitou para fora e reparou que o sol já tinha nascido, mas que todos, ao contrário de si, ainda dormiam. Ocorreu-lhe que, ao estarem na cama, estavam a desperdiçar a económica, aliás, gratuita, luz natural do sol.
Apressou-se a tornar a sua ideia pública. No seu Ensaio sobre poupança da luz solar, publicado no Journal de Paris, advogou que havia que mudar a hora, para rentabilizar a luz solar. No seu artigo faz elaborados cálculos sobre a quantidade de velas que seriam poupadas, se as pessoas se levantassem mais cedo e fossem para cama também mais cedo.
Propôs aliás, de forma irónica, medidas muito concretas para pôr toda a gente em sintonia com o aparecimento e desaparecimento do astro-rei. A saber: “Assim que o sol nascer, todos os sinos de todas as igrejas devem tocar e, se isso não foi suficiente, devem ser disparadas balas de canhão em todas as ruas, para acordar os preguiçosos e levá-los a abrir os olhos em seu próprio benefício.”
Ao mesmo tempo, o autor defendeu que, mal o sol se pusesse, era importante que as actividades parassem. “Depois do pôr do sol os guardas devem impedir a circulação de todas as carruagens nas ruas, à excepção de médicos e parteiras.”

1916, a primeira vez

Em 1905 foi a vez de o construtor britânico William Willet (curiosidade: é bisavô do vocalista dos Coldplay, Chris Martin) vir dizer algo parecido no escrito Desperdício de luz solar. Consta que a ideia lhe surgiu depois de uma cavalgada de madrugada, lá está, ainda antes de ter tomado o pequeno-almoço. Constatou então que muitos londrinos ainda dormiam e que desperdício era não estarem a aproveitar tanta claridade. A solução que propôs foi o adiantamento do relógio nos meses de Verão. Passaria o resto da sua vida a defender esta causa. Mas morreria em 1915, um ano antes da sua concretização.
Será na Alemanha e não em Inglaterra que o horário de Verão será adoptado pela primeira vez, a 30 de Abril 1916, adiantando-se os relógios uma hora. A medida seria aplicada por razões práticas em plena Primeira Guerra Mundial: era uma forma de poupar no uso de iluminação artificial e economizar combustível para o esforço da guerra, refere um resumo histórico sobre os 100 anos da hora de Verão no site do Observatório Astronómico de Lisboa.
No mês seguinte foi a vez de o Reino Unido aprovar o Summer Time Act. Portugal começou a aplicar a hora de Verão nesse mesmo ano, através dos decretos n.º 2433 e n.º 2712. Aí se ditava que a hora seria adiantada 60 minutos às 23h00 de 17 de Junho até à 1 hora do dia 1 de Novembro. A consulta da tabela portuguesa de mudanças de hora desde essa data até hoje permite-nos perceber que, ao longo dos anos, se sucederam variações e intermitências na prática. Portugal interrompeu, por exemplo, a mudança da hora durante 1922, 1923, 1925, 1930 e 1933, anos em que se manteve a hora de Verão durante todo o ano.
E houve ainda anos em que a alteração foi feita em meses variados. Houve anos em que Portugal saía do horário de Verão no final de Setembro, enquanto noutros países isso se fazia em Outubro. “Durante este mês era uma confusão nas transacções”, lembra Rui Agostinho, director do Observatório Astronómico de Lisboa. “Andou-se a experimentar”, “a tentar perceber como é que as pessoas se sentiam”, diz o astrofísico.
Depois, houve mesmo um período, que foi de 1992 a 1996, em que o Governo português decidiu adoptar a hora de Bruxelas. Os argumentos eram políticos e da esfera dos negócios. Alegava-se a dependência da Bolsa de Frankfurt, recorda. O que aconteceu, na altura, foi que Portugal ficou, na prática, duas horas desfasado da sua hora solar, lembra. Percebeu-se que isso trazia mal-estar às pessoas e acabou por ser abandonado, recorda o também professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O que acontece actualmente é que Portugal está desfasado da hora solar em 1h37 minutos; com a mudança da hora no domingo essa diferença passa a ser apenas de 37 minutos, explica.

Poupar petróleo

Ao contrário de Portugal, muitos países abandonaram a hora de Verão após o fim da Primeira Guerra e apenas a retomaram na Segunda Guerra Mundial. Depois deste conflito, as discussões em torno de vantagens e desvantagens têm sido muitas, recorda-se no site do Observatório Astronómico de Lisboa.
O facto de a mudança não ser feita em simultâneo leva, por exemplo, a dificuldades de comunicação e transportes; por outro lado, uma mudança simultânea sem levar em consideração as diferentes latitudes  faz com que em alguns locais a hora de Verão se prolongue para semanas em que a duração da luz do dia já é pequena.
Mas uma coisa parece certa: tanto Benjamin Franklin como William Willet tinham razão quando alegavam benefícios económicos. “Os efeitos na poupança energética são em geral significativos.” Por exemplo: a adopção da hora de Verão nos Estados Unidos, durante a crise do petróleo de 1973, levou a uma poupança de energia equivalente a 10.000 barris de petróleo por dia.
Com a adesão de Portugal à União Europeia as regras passaram a ser uniformes, tornou-se uma regra de adesão, refere Rui Agostinho. “Um bem mais alto sobrepôs-se: a gestão da União Europeia como um todo, a vida colectiva.” Em 1996, a UE padronizou a hora de Verão entre os Estados-membros.
Mas, ao contrário do que se possa pensar, a maioria dos países do mundo não muda a hora: são 68% os que não o fazem, o que representa 80% da população mundial, refere o site da BBC.
Rui Agostinho diz que nas zonas equatoriais as diferenças entre Verão e Inverno são menos acentuadas, o que faz com que estes países não tenham grande coisa a ganhar com as mudanças de hora.

No início era o Sol

Mas houve um tempo em que na vida das pessoas não havia relógios e elas se regiam pelo Sol propriamente dito, começando o dia quando ele começava, terminando-o quando ele se punha.
A adopção do horário de Verão (e, logo, da mudança quando chega ao Inverno) foi em 1916, mas houve uma outra alteração ainda mais radical: o início da chamada “hora legal” que, em Portugal, foi adoptada em 1912, depois da instauração da República. A Convenção de Washington, em 1884, tinha criado os fusos horários, mas apenas cerca de 30 países tinham aderido a este sistema de uniformização da hora — Portugal não foi um deles.
Antes de 1912 acontecia que em Portugal “cada localidade media as suas horas, de acordo com a observação que fazia das estrelas”. Estes observatórios ficavam muitas vezes em mosteiros e casas senhoriais. “Os minutos não batiam certo”, diz Rui Agostinho. O tempo no país era desfasado.
Mas essa diferença horária não trazia grandes problemas, porque não havia grandes movimentações de pessoas e comunicações, nota. Precisamente por causa dessa falta de uniformização do tempo é interessante perceber como há toda uma polémica em torno da hora a que teve lugar o maremoto de 1775, lembra.
Foi com o alargamento das transacções comerciais e dos transportes e telecomunicações que se impôs a necessidade criar algum tipo de sincronia; daí surgiu a hora legal portuguesa. O relógio oficial da hora legal esteve durante muitos anos no Cais do Sodré, em Lisboa.
O estabelecimento da hora legal foi também uma forma de a recém-instaurada República se demarcar dos tempos passados da Monarquia. Era como se estivesse a dizer que, com o novo regime, tinham começado os tempos modernos e acabado os antigos. O outrora chamado Real Astronómico da Ajuda deixou de ser “real” e a observação e a medição que a instituição fazia dos astros tornou-se quase indiferente. Já não eram apenas os astros a reger os horários.

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