O palácio |
O quarto de Leonardo |
O atelier de Leonardo |
Levava consigo a célebre Mona Lisa e milhares de desenhos e outros manuscritos. O mestre da Renascença passava, assim, a ser o pintor do rei de França. O seu atelier no palácio de Francisco I já está aberto ao público.
Em Setembro faz 500 anos que Leonardo da Vinci, um dos mestres incontestados do Renascimento, chegou a casa do seu último mecenas, o monarca francês Francisco I. Foi no Palácio de Clos Lucé, no Vale do Loire, a escassos 700 metros do castelo real de Amboise, que o artista italiano viveu os últimos três anos, dividindo o seu tempo entre a arte e a ciência. Trabalhava nos jardins e no atelier, rodeado de algumas das pinturas que fez questão de manter até ao fim, entre elas a célebre Mona Lisa, o retrato que ainda hoje continua a intrigar académicos e curiosos, dando origem a um sem-número de teorias, umas mais fundamentadas do que outras.
Diz-se que recebia com frequência o rei, que para ali chegar percorria um túnel subterrâneo que liga o castelo ao palácio de meados do século XV e assim mantinha discretas as suas visitas ao pintor.
As divisões que Leonardo (1452-1519) terá ocupado em Clos Lucé estão agora totalmente restauradas. Desde Junho, é possível percorrer três novas salas em que foi recriado o ambiente de trabalho do mestre, e que estavam até aqui encerradas. O seu atelier, a biblioteca e o gabinete de curiosidades (um espaço onde arte e ciências naturais se encontravam, “antepassado” daquilo a que hoje chamamos “museu”) foram recompostos com todo o cuidado, procurando reproduzir mobiliário, desenhos, frescos e até a luz ao mais ínfimo pormenor, recorrendo a documentação da época.
Sobre a mesa vêem-se agora pigmentos vários – sanguínea e terra de Siena, entre muitos outros – e utensílios para trabalhar em papel e metal: há compassos e réguas, penas de ganso e pontas de prata, mas há também velas, lupas e pontas-secas que usava, certamente, para a gravura. Nas prateleiras estão arrumadas reproduções dos livros que nunca deixava para trás, grossos volumes em papel velino de obras de cientistas-historiadores como Claudio Ptolomeu e Plínio, o Velho.
François Saint-Bris, presidente do Palácio de Clos Lucé, faz parte da família que em 1854 comprou esta propriedade carregada de história e abriu as suas portas ao público. Depois de 15 anos de trabalhos, que custaram 12 milhões de euros, inteiramente autofinanciados (este palácio-museu recebe 360 mil visitantes por ano), a última casa de Leonardo, a mesma onde o rei francês passou boa parte da infância, tem agora uma atmosfera muito próxima da que teria no Renascimento, disse ao diário francês Le Monde o presidente e proprietário: “Era preciso devolver a Leonardo o que lhe era devido – o espírito e a aparência do século XVI.”
As obras de conservação e restauro que permitem mostrar Clos Lucé como ele seria quando o mestre da Renascença ali viveu e trabalhou fazem parte de um ambicioso projecto de intervenção que começou em 2003 com o restauro das fachadas do palácio e da capela e a criação do Parque Cultural Leonardo da Vinci, com 20 modelos das suas máquinas à escala natural. Seguiram-se melhoramentos no exterior do edifício e nos jardins – em 2008 foi inaugurado um espaço com muitas das mais de 300 espécies botânicas desenhadas pelo artista – até que, nos últimos seis anos, os trabalhos passaram a concentrar-se no interior.
O quarto onde terá morrido e de onde se via muito bem o castelo do rei ficou terminado em 2011, enriquecido com preciosos móveis da época, escreve o diário francês, chamando a atenção para um contador napolitano em ébano e marfim que aparece em grande destaque nas fotografias do site oficial do palácio. Quatro salas na cave mostram o Leonardo-engenheiro em 40 modelos das suas máquinas construídos a partir dos esboços e das anotações que deixou. São aeroplanos, tanques, helicópteros, automóveis, máquinas visionárias que reflectem o génio de um homem que viveu sempre à frente do seu tempo e que, muito provavelmente, gostaria de ver instalado nos domínios de Clos Lucé, recentemente acrescentados, o centro de investigação em arte e ciência que a família Saint-Bris, segundo o jornal britânico The Telegraph, planeia ali ter construído até 2025.
Três pinturas na bagagem
Leonardo da Vinci tinha 64 anos quando atravessou os Alpes de mula, carregando três das pinturas em que trabalhou até morrer, a 2 de Maio de 1519. Segundo os relatos conhecidos, tê-lo-ão acompanhado nessa longa viagem o seu fiel criado milanês, Battista de Villanis, e Francesco Melzi, o discípulo dilecto a quem deixaria em testamento os seus manuscritos e desenhos. É que, além das pinturas – Mona Lisa, São João Baptista e A Virgem e o Menino com Santa Ana –, Leonardo levava consigo milhares de notas e esboços sobre astronomia, hidráulica, anatomia, arquitectura, cosmologia, geologia e até paleontologia reunidos nos seus famosos cadernos, hoje espalhados por várias instituições em todo o mundo, como as bibliotecas Britânica (Londres) e Ambrosiana (Milão), o Museu Victoria & Albert (Londres) e o Castelo Sforzesco (Milão), a impressionante casa dos duques de Milão (um deles, Ludovico Sforza, foi o grande patrono do mestre da Renascença).
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