É isto que está em causa: uma questão política e não económica. Schauble não gosta de socialistas, mesmo que moderados, e menos ainda de bloquistas ou comunistas. Por isso, há que deitar abaixo um Governo com estas características. E Schauble sabe que cada vez que diz que está preocupado com um possível segundo resgate a Portugal, as taxas de juro da dívida portuguesa nos mercados secundários sobem e a profecia fica mais perto de se cumprir.
Ora o ministro alemão tem feito isto de forma repetida, sem que ninguém lhe ponha travão nem freio na língua, apesar de em casa ter uma bomba-relógio muito mais perigosa para a estabilidade europeia do que Portugal, o Deutsche Bank. Mas não só ele. Esta semana tivemos outro alemão proeminente, Otmar Issing, ex-economista-chefe do BCE, a afinar quase ipsis verbis pelo mesmo diapasão: “Portugal é um caso que demonstra que todos os problemas [da zona euro] não são problemas da política monetária e de ganhar algum tempo. Portugal não só tem desperdiçado tempo, no que diz respeito a fazer as reformas necessárias, mas também, desde que o novo governo tomou posse, tem ido na direção errada. Agora pagam o preço dessas políticas, que vão em sentido contrário em relação àquilo de que Portugal precisa para manter o país alinhado com a estabilidade da zona euro”, disse Issing à Bloomberg.
E quais são os factos em que Schauble e Issing fazem assentar as suas afirmações? Quando a Comissão Europeia vem reconhecer que o Orçamento do Estado português para 2017 “parece cumprir os critérios”; quando das sete cartas que Bruxelas enviou a Estados membros a pedir esclarecimentos, os dois mais suaves foram para a Bélgica e Portugal; quando este ano Portugal vai sair do Procedimento por Défice Excessivo, porque ninguém coloca em causa que o défice fique nos 2,5%; quando este valor é o mais baixo em 42 anos de democracia; quando ninguém coloca em causa o cenário macroeconómico do OE português para o próximo ano; quando o crescimento volta a assentar nas exportações e no investimento – em que se baseiam Schauble e Issing para dizerem publicamente o que dizem e a desfaçatez com que o fazem?
Era bom que a Comissão Europeia se demarcasse destas afirmações. Era bom que Bruxelas tivesse a coragem de valorizar o que deve ser valorizado, mesmo que não aprecie a receita que está a ser aplicada, mas que aparentemente está a conseguir os resultados que a Comissão desejava. E sobretudo era bom, que ficasse claro para toda a gente que Schauble e Issing não gostam é da cor do Governo português. E detestam-no tanto que nem sequer falam sobre o que importa: os resultados na frente orçamental que estão a ser alcançados.

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 28/10/2016)