Em 1960 os EUA impuseram um bloqueio económico, comercial e financeiro a Cuba, com pesadas sanções para todos os países e empresas que se relacionem com este pequeno país das Caraíbas e, sobretudo, com consequências que pretendem prejudicar a vida quotidiana do povo cubano nos mais elementares aspectos. Quem embarga a venda de alimentos e de medicamentos a um povo, assim como todo o tipo de necessidades básicas à vida, não comete, nem que seja na forma tentada, um genocídio? Particularmente quando o impositor tem o poder e a força coerciva dos EUA e é sabido que do bloqueio têm resultado as mais diversas carências.
O bloqueio decorre do empenhamento precoce do Governo dos EUA em acabar com um novo sistema político que na pequena ilha a sul do império se construía desde 1959, na sequência de um processo revolucionário em que Cuba deixou de ser o bordel dos EUA, o antro da máfia norte-americana, e em que todos os recursos eram explorados e pertença das grandes multinacionais norte-americanas, com o compadrio de um governo fantoche e corrupto, que mantinha uma severa ditadura. O povo cubano vivia na miséria, sobreexplorado, sem cuidados de qualquer tipo, e os focos de contestação eram rapidamente eliminados. Cuba era então um país literalmente colonizado pelos EUA.
O bloqueio económico surge assim como o esforço de causar tantas privações que os cubanos se revoltassem contra o novo sistema socialista e tudo voltasse ao que era dantes. Paralelamente ao embargo houve a habitual intervenção da CIA, com as muitas tentativas de assassinato do Chefe de Estado, a destruição total de colheitas agrícolas através da criminosa aplicação de químicos, uma invasão militar falhada, o financiamento de focos de contestação interna e externa, o investimento em propaganda, à escala mundial, contra o governo cubano, entre outras, em promiscua concubinagem com a oligarquia cubana que se havia instalado em Miami após a revolução. É a democracia Made in USA e a sua necessidade imperativa de manter o controlo e o poder económico sobre os demais países, designadamente no contexto da América Latina, sustentando governos corruptos e explorando os seus recursos ao máximo, ao mesmo tempo que condena os povos e os países à penúria. Existe designação correcta para esta tipologia de acção, denomina-se terrorismo de Estado. Muitos outros exemplos nos tem revelado a história do século XX e já o alvor do séc. XXI, sobre a ingerência formal e informal – via CIA e outras – do Governo dos EUA na vida e no destino dos outros povos, com as mais dramáticas consequências e sempre em prejuízo dos mesmos, como foram todos os países da América Central e do Sul, o Médio Oriente, sobremaneira desde a década de 90, e como são os casos recentes da Líbia, da Síria, do Brasil e da Venezuela.
Todavia, as inúmeras restrições impostas pelo bloqueio foram relativamente colmatadas com o engenho e algum desenvolvimento científico de Cuba – como são exemplo os progressos e inovações na área da medicina – com um sistema de repartição justo, e com as necessidades básicas asseguradas pelo Estado, que garantiu igualmente o cumprimento de um modelo social que promove o bem-estar e o desenvolvimento integral de cada indivíduo – universalidade do acesso à saúde, a todos os níveis de educação, cultura, desporto. Mas a subsistência a 56 anos de um fortíssimo bloqueio económico, comercial e financeiro, imposto pelo mais poderoso Estado do mundo, não é um processo histórico que sucede por obra do acaso. As acções de minimização atrás referidas foram e são claramente insuficientes para que um povo assim permaneça durante mais de meio século. O triunfo do povo cubano sustenta-se na acção e na coesão colectiva, numa profunda consciência do acerto das suas decisões históricas, no empenho e no compromisso com as opções tomadas e, fruto disso, numa poderosa resistência. O povo cubano decidiu libertar-se, primeiro do colonialismo espanhol, e, depois, do neocolonialismo norte-americano, tomando para si as rédeas do seu próprio destino. Este direito à autodeterminação e independência efectivas teve, ainda tem, um elevado preço. Só um povo consciente das suas opções, e que coerentemente decide mantê-las, é capaz de semelhante resistência. O povo cubano não sobrevive, resiste, para que a história não retroceda. Esta resistência é parte essencial do processo revolucionário, o garante da defesa e do desenvolvimento do mesmo.
Ontem, pela 25ª vez desde 1992, a Assembleia-Geral da ONU aprovou uma resolução que apela ao levantamento do embargo dos EUA a Cuba. 191 dos 193 países-membros votaram a favor e nenhum contra. A novidade nesta votação foram as duas abstenções, que tradicionalmente eram os votos contra. Os Estados Unidos da América e o seu país capacho Israel abstiveram-se. Por que razão mantém então os EUA um estrangulador bloqueio ao povo cubano se já nem tem condições para continuar a defendê-lo diplomaticamente? É hipócrita e criminoso, pois em cada dia que passa os cubanos são condicionados por diversas carências resultantes do bloqueio.
Do mesmo modo, são hipócritas as declarações do Governo dos EUA sobre o assunto. No momento da votação, a Embaixadora dos EUA na ONU reconheceu que “não estava a surtir efeito a política norte-americana de isolar Cuba” e que “em lugar de isolar Cuba (…) a nossa política isolava os EUA. Inclusive aqui, nas Nações Unidas”. Porque é demasiado evidente, há muito, a perversidade deste bloqueio e a imbecilidade que representa a sua manutenção, dado que até uma parte significativa do tecido empresarial, nos EUA, já discorda do bloqueio, pois a sua continuidade, depois de observado o seu fracasso, mantém as empresas norte-americanas fora do leque das relações comerciais com Cuba.
Procurando justificar a posição do seu governo sem perder a face, em estilo contorcionista, ainda adiantou que Washington permanece preocupado com as “graves violações dos direitos humanos” em Cuba. Esta declaração é especialmente curiosa, além de falsa e desavergonhada, vinda do Governo de um país que mantém milhares de pessoas no corredor da morte, que tem milhões de cidadãos americanos a morrer de fome e por falta de assistência médica no seu próprio território, que inventa artifícios para iniciar guerras em várias partes do mundo, que tortura seres humanos na base militar/prisão de Guantanamo – território cubano cedido aos EUA no tempo do ditador Fulgêncio Batista – e que é o único responsável por um desumano bloqueio económico ao povo cubano, que se constitui como uma violenta violação dos direitos humanos.
O bloqueio económico imposto a Cuba, mais de cinco décadas e meia depois, é um redundante fracasso da política agressiva e imperialista dos EUA e cairá de podre, pois até os Estados de todo o mundo, representados na ONU, são unanimes na sua condenação. Aparentemente, em Portugal, só o Bloco de Esquerda assim não o entende, o que embora triste, é naturalmente inexpressivo e não surpreende. O povo cubano, no prenúncio da eventual cessação do bloqueio a curto ou médio prazo, sairá de cabeça erguida e de honra e orgulho reforçados perante si próprio, desde logo, e perante o mundo, porque afinal não há inevitabilidades históricas, e a vontade dos povos pode prevalecer. A determinação do povo cubano, que preferia morrer de pé que viver ajoelhado, tem sido um farol para muitos outros povos, mostrando que é possível resistir e que vale sempre a pena lutar, porque a dignidade não tem preço.
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