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quarta-feira, 10 de julho de 2019

SE ME DESPEJAREM VÃO TER QUE ME LEVAR À FORÇA




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De um lado está o senhorio com ameaças de cortar água e luz, mandar demolir o edifício e integrar os moradores mais idosos num lar. Do outro estão 16 famílias residentes no prédio Santos Lima, em Marvila, Lisboa. Há mais de um ano que se recusam a sair. Vivem na zona oriental da capital há dezenas de anos e sabem que os preços da habitação na freguesia inflacionaram mais do dobro em poucos meses. Os proprietários, duas empresas de compra e venda de imóveis, alegam que o prédio pode ruir, mas a Câmara já intimou os proprietários a fazer obras de recuperação do edifício sem despejar os moradores. O impasse não tem fim à vista

Primeiro as boas notícias: Portugal foi considerado em 2019 o melhor destino europeu pelo terceiro ano consecutivo nos World Travel Awards e Lisboa teve direito ao “óscar” de melhor destino para escapadelas. Quem a visita procura o bom clima e a imensa história, sem se aperceber das consequências do crescimento desenfreado do turismo. Nos últimos anos, centenas de famílias residentes na capital têm sido vítimas da pressão imobiliária e os despejos sucedem-se para que os prédios se transformem em estabelecimentos comerciais.

Marvila, bairro típico da zona oriental da capital, não escapou. No antigo pólo industrial da freguesia, na rua do Açúcar, o edifício Santos Lima foi vendido em 2017 por 2,4 milhões de euros. Uns meses mais tarde foi posto à venda por quase o triplo desse valor. Para os investidores, parecia uma pechincha. 

Este edifício “abandonado”, como era descrito nos anúncios, facilmente podia transformar-se num hotel, um serviço bastante necessário num bairro de rápida gentrificação.

No entanto, o Santos Lima era e é casa de 16 famílias que há mais de um ano lutam contra um senhorio que apenas procura o despejo. Em 2018, as empresas Buy2Sale e Preciousgravity Lda, donas do prédio, fizeram um pedido na Câmara Municipal de Lisboa (CML) em que alegavam que o edifício corria risco de ruir e que os inquilinos precisavam de ser desalojados para que as obras pudessem avançar.

Mas a CML, após uma vistoria ao Santos Lima, intimou os proprietários a realizarem obras sem ter de proceder à desocupação. Estes tentaram impugnar o relatório, sem sucesso. Foi-lhes dado 90 dias úteis para que as obras começassem, mas tal ainda não se verificou. A esperança dos inquilinos é que a Câmara tome posse administrativa do imóvel, permitindo-lhes assim passar mais alguns anos nas casas onde alguns nasceram e esperam acabar os seus dias.

Das 17 famílias que residiam no Santos Lima em 2017, restam 16. Um dos inquilinos, face à pressão por parte dos donos do prédio, decidiu sair. Desde ameaças de que o edifício seria demolido, de cortar a água e a luz ou de que os mais idosos seriam colocados em lares, muitas foram as estratégias usadas para forçar a desocupação do imóvel nesta zona de rápida gentrificação. Só em 2018, o preço médio das casas em Marvila subiu cerca de 80% e parece ser objectivo da Buy2 Sale a venda rápida do imóvel e não a sua reabilitação. 

Apesar de a decisão camarária ter sido uma vitória, o futuro é ainda incerto para as quase 40 pessoas que fazem do Santos Lima a sua casa.
Um pouco por toda a cidade há casos assim e este trabalho documental procura servir de memória futura às mudanças que afetam Lisboa agora.

O prédio Santos Lima, na rua do Açúcar, em Marvila, foi vendido em 2017 às empresas Buy2Sale e Preciousgravity Lda por mais de 2 milhões de euros. Poucos meses depois foi posto à venda como edifício devoluto por quase três vezes o valor inicial. Há quase 70 anos que o edifício não é reparado

Diogo joga consola enquanto a avó Manuela Lopes, de 75 anos, conhecida como Nelita, prepara o jantar na cozinha. São uma das 16 famílias que habitam no Santos Lima

Nelita prepara uma sopa na sua pequena cozinha. Com menos de 300 euros de reforma, cuida de dois netos e de uma vizinha de 92 anos que sofre de cegueira. Também ela tem vários problemas de saúde e grande parte dos seus rendimentos é utilizada na compra de medicamentos

Nelita cumprimenta um vizinho. Em 2019, apenas 16 das 42 frações estão ocupadas. As famílias que ainda aqui vivem têm sido vítimas de bullying imobiliário há quase dois anos

Os novos donos do prédio passaram vários meses a verificar o estado do edifício, mas neste processo acabaram por piorar as condições de habitabilidade

Emília Raposo tem 92 anos. Há cerca de uma década que perdeu a visão e depende da ajuda de Nelita nas tarefas domésticas

“Nasci aqui, criei três filhos neste pequeno apartamento. A vida era melhor antes, nunca tivemos problemas. Se me puserem daqui para fora, como é que vou sobreviver numa casa sozinha?”, pergunta Emília

No prédio Santos Lima há várias frações abandonadas. Os moradores têm receio de que estas sejam ocupadas. "As portas para a rua estão sempre abertas, não sabemos quem é que pode entrar e meter-se nos apartamentos vazios", afirma Eduardo Nicola, um polícia de trânsito reformado que tem representado os outros inquilinos na luta contra o despejo

“Há dias em que não me apetece nem comer. Isto dá cabo da saúde de uma pessoa”, desabafa Nelita

“Os donos do prédio andaram a destruir tudo. Agora alegam que o Santos Lima precisa de obras profundas e que para isso os moradores têm de sair”, diz Eduardo Nicola

Os netos de Nelita passam grande parte do seu tempo na casa da avó. “Foi eu que os criei. Ainda são muitos novos, mas vão se apercebendo dos problemas do prédio”, diz a avó

Felismina relaxa depois de um dia de trabalho no seu apartamento. “Desde que recebemos a ordem de despejo, tenho andado à procura de casas, mas está tudo demasiado caro”, confessa a moradora do prédio Santos Lima

Uma das frações devolutas. A vistoria da CML obrigou os proprietários a iniciarem obras de recuperação do prédio sem proceder ao despejo. No entanto, no início de julho de 2019 as obras ainda não tinham começado

Uma das filhas da Felismina brinca com a prima no prédio Santos Lima. São uma família de cinco e vivem aqui há quase 10 anos. Dependem do salário mínimo que Felismina ganha como auxiliar numa escola. Se forem despejados, dificilmente irão encontrar uma casa que possam pagar

Zé Maria, 87 anos, viveu no Santos Lima a vida toda, tal como os seus pais. Este antigo militar, que cumpriu serviço na Índia, diz que a sua única vontade é passar os últimos dias na casa onde sempre viveu

Pormenor do apartamento de Felismina. Tal como um peixe num aquário, também ela se sente presa numa situação de impasse sem fim à vista

Do prédio Santos Lima vê-se “Prata”, uma urbanização de luxo que está a nascer na zona industrial de Marvila. Este edifício é o primeiro de 12, o objectivo da construtora é “revolucionar Lisboa”

Fotos e textoGonçalo Fonseca Web DesignPedro LourençoeTiago Pereira Santos Web DeveloperMaria Romero Editor de FotografiaJoão Carlos Santos CoordenaçãoJoana Beleza e Germano OliveiraDireçãoJoão Vieira Pereira
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