Centeno foi alfa e ómega, a esquerda manteve pontes, a direita está em disputa. O estado da nação foi uma espécie de pré-campanha. Siga o guião
1.
António Costa chegou ao plenário e a primeira coisa que fez foi ligar, por telefone fixo, a Jerónimo de Sousa. Depois, a sua primeira frase do púlpito foi para agradecer aos parceiros de governo por terem “ousado derrubar um muro anacrónico” e votado “uma alternativa de Governo”.
Em jeito de balanço, o tom do debate de Costa para Jerónimo e (sobretudo) Catarina Martins foi bastante cordato - muito mais do que nos últimos debates quinzenais.
2.
Depois de ter pedido mais a Costa nas leis laborais (onde não há caminho possível) e também nos manuais escolares gratuitos (onde ainda pode haver), Jerónimo de Sousa fechou a sua interpelação ao primeiro-ministro com olhos na próxima legislatura: “Andar para trás não, é preciso avançar. E temos muito caminho para avançar”.
Depois da derrota nas autárquicas, depois da derrota nas europeias, o PCP parece inabalável. Do púlpito, Jerónimo de Sousa até apontou os primeiros pontos para um novo entendimento, sem pedir de mais: aumentos de salários, de pensões, de investimento. E fixou a nota da geringonça num satisfaz bem: “Este foi um tempo de avanços”.
3.
Catarina Martins foi um pouco mais exigente: de olhos postos no pós-legislativas, seguiu Francisco Louçã na acusação de que o PS não pode ficar por sua conta (“O Governo falhou nas áreas onde os acordos foram menos concretos”).
No debate do estado da nação, ficou clara a estratégia do Bloco para a campanha: atacar o pedido de maioria absoluta do PS; lembrar na estrada, uma a uma, as propostas de Centeno em 2015 que a esquerda bloqueou (como o congelamento das pensões); e vincar, uma a uma, as medidas que o Bloco impôs ao PS durante estes quatro anos. Objetivo? Apelar a um novo tipo de “voto útil”, aquele que pretende obrigar o PS a manter-se ligado à esquerda. “Já ninguém é obrigado a escolher o mal menor. O que conta é escolher o programa”. Palavra de Catarina.
4.
Costa adivinhou o discurso e levou resposta preparada ao Bloco: não é sério um parceiro assumir só a parte boa, “temos que assumir por inteiro o passivo e o ativo desta legislatura”. E até deu um exemplo de uma medida boa que chegou de outro lado da geringonça: “O investimento na ferrovia, por exemplo, não estava no acordo com o BE, mas estava no acordo com o PEV.” Foi a farpa mais aguda da tarde.
Do lado do PS, o discurso para a campanha era já conhecido: vincar a estabilidade política, as contas certas, devolução de rendimentos, a “vitória da confiança” e “os riscos de voltar para trás”, expressão usada por Carlos César quase no final do debate”. Mas também uma pequena dose de humildade: “Sabemos que o país não é um oásis”, assumiu Costa, sabendo que haverá muitas queixas para justificar (sem poder disfarçar) durante os mais de dois meses de campanha.
E depois? A avaliar pelo debate final da legislatura, ainda há caminhos possíveis para seguir à esquerda (na habitação, investimento no SNS, cuidadores informais, aumentos de pensões e apoios sociais, entre outros). E a herança de Passos ainda serve de cimento. Mas as negociações à esquerda, sendo necessárias, podem vir a ser redobradamente difíceis, porque Bloco e PCP já têm marcados no caderno o que querem evitar.
5.
E à direita? Assunção Cristas levou um trunfo na manga: uma redução enorme do IRC, de 21% para 12,5% em seis anos. A ideia era marcar a diferença, pelo menos, face ao PSD (que só propõe uma redução de quatro pontos numa legislatura). Mas diferença também no tom: Cristas falou em tom cordato, sublinhando que o seu CDS foi oposição “em muitos casos com esse encargo quase exclusivo”.
O diagnóstico dos anos Costa não é diferente do PSD. Mas à direita, claramente, vamos ter uma disputa de estilos e ideias.
6.
Quanto ao PSD, não levou para o debate o quadro macro-económico que Rui Rio apresentou na semana passada, nem sequer as primeiras ideias do partido para as legislativas. Mas, se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé: Rocha Andrade, do PS, aproveitou para perguntar aos sociais-democratas, afinal, o que querem: mais despesa pública (como se ouviu no debate, a propósito do investimento no SNS) ou menos despesa (como o PS leu no quadro macro da semana passada)?
7.
Se Marcelo classificou Costa como o otimista irritante, Fernando Negrão quis acabar a legislatura a roubar-lhe o ceptro. Depois de apresentar o que chamou de “livro negro da governação socialista” - pouco investimento, cativações, muitos impostos, dívida crescente, falta de meios na saúde e segurança social, incúria nas funções que envolvem a segurança do Estado, umas críticas contraditórias com outras -, o líder parlamentar social-democrata testou um grand finale: “Começámos esta legislatura como o partido mais votado. É dessa forma que esperamos começar a próxima legislatura, desta vez com a força suficiente para assumirmos um projeto alternativo.” Não, o optimismo não foi um acaso: “Podem ter uma surpresa em outubro, o PSD ganhará as eleições”, confirmou mais à frente no debate. Da bancada ouviram-se palmas (mas já quase não há críticos de Rui Rio por lá).
8.
“1322 dias depois”, nas contas que o próprio fez, Mário Centeno representou o Governo no fecho do último debate da legislatura. O ministro das Finanças que Costa foi tirar de um gabinete do Banco de Portugal fez a apologia dos resultados do Governo (“nunca nos últimos 30 anos isto foi conseguido, chegou a dizer), dirigiu-se aos 10 milhões de portugueses para garantir que “não voltaremos atrás” e sublinhar que “não podemos desistir”. Tentou desconstruir as críticas de que tem sido alvo, área a área, garantindo ter reduzido impostos, investido nas escolas, universidades, saúde, cultura, transportes. Atacou a direita. E até quis “agradecer” aos parceiros do Governo - por quem foi duramente criticado, até neste debate. Centeno foi muito aplaudido pela bancada do PS (de pé). E, sendo o último a falar, não teve direito a perguntas. Nem aquela decisiva para a campanha: voltará a ser ministro das Finanças?
expresso.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário