São 50 imagens inéditas, a preto e branco, recolhidas desde 2016. Mostram o espírito do lugar e a visão original de um autor que faz da fotografia de rua a sua arte. Obra será apresentada hoje, quarta-feira, dia 3 de julho, às 18h30 no Mercado Municipal de Loulé.

Uma luz sempre inquieta ilumina e esconde os rostos do povo. Os torreões e arcadas de traça islâmica e o pulsar dos frescos nas bancas, tudo rouba o olhar, até o mais experiente.
Mas são estes elementos que atraem gente de todas as idades, contextos e origens a participar em photowalks (passeios fotográficos) organizados, desde 2016, pelo projeto municipal Loulé Criativo, aos sábados de manhã, sob orientação do fotógrafo e arquiteto paisagista algarvio Vitor Pina.
As cerca de 20 sessões que já realizou (e continuará a realizar) são a base do livro «Gentes no Mercado de Loulé», editado pela autarquia para celebrar os 111 anos daquele ex-libris da cidade, do concelho e até do Algarve.


«No fundo, um photowalk é um passeio que usa a fotografia como mote. Aprendes a olhar pormenores que normalmente te escapam sobre o viver da cidade. É uma experiência que tem duas dimensões. Tento ensinar a minha perspetiva de fotografar na rua, o que não quer dizer que seja a mais correta. É apenas a minha maneira de fotografar».
«É difícil aprender tudo sobre fotografia em três horas. No fundo, tento ensinar a tirar partido da máquina fotográfica com aquilo que vês, numa situação em que amanhã podes ir para Nova Iorque e lembrar-te de algumas dicas, alguns truques. A pessoa, ao começar a aperceber-se do que se passa na rua, começa a antecipar os momentos certos. Consegue ter uma perceção do que vai acontecer», explica Vitor Pina ao «barlavento».



Tudo começou «em modo de experiência, se não estou enganado, em 2016», ao ritmo de uma sessão por mês. Vitor Pina criou um percurso que começa no Largo de São Francisco, entra no Mercado e depois deambula pelo centro histórico de Loulé. O certo é que têm aparecido interessados «de todo o lado do mundo».
«Quando eu arranquei não sabia se ia ter sucesso. Podia não haver continuidade ou interesse. O que tem acontecido é que a atividade tem mantido a curiosidade, muita gente vem, muitos de Loulé, muitos locais, do Algarve todo e muitos estrangeiros», diz.
«A piada desta atividade é ser única no país e ter continuidade. Já tivemos uma doutoranda em Turismo Criativo que veio do Canadá só para ver as atividades do Loulé Criativo, uma delas a minha, que publicaram numa revista. Fotografia não é algo palpável. Há pouco tempo também veio um doutorando da Universidade de Aveiro», revela.



A chamada Loulé Street Photography é uma atividade aberta a todos. «Tanto pode vir alguém que fotografe muito bem, como alguém que mal sabe mexer na máquina. Eu quis fazer este photowalkdiferente da maioria dos workshops, porque na maior parte só se leva a teoria, aquela fórmula matemática que ninguém consegue aplicar na rua: o triângulo do ISO, da velocidade e da abertura. O que eu tento fazer é uma situação real. Vamos e vais ver-me a trabalhar», descreve.
«A minha fotografia não é intrusiva. Uma das coisas que eu ensino, que é o mais difícil, é aprender a fotografar todos os aspetos da rua. Pensa-se que fotografar são só aspetos técnicos e isso é o menos importante. Essa informação está gratuita na Internet e em todo o lado. Os pequenos detalhes e os timings fazem muita diferença. Às vezes pergunto logo, outra vezes pergunto depois. Há uma sinalética. Quando eu te aponto uma máquina tu vais ter uma primeira reação. Essa primeira reação, no fundo, na maioria das fotos é exatamente o que lá está. A mim não me interessa a segunda reação, porque já é uma pose», detalha.
Para Vitor Pina, a fotografia ainda é atrativa. «Chama cada vez mais pessoas e isso faz com que muitos queiram cortar etapas. O mais importante é saberes onde te colocares. O que é mais fundamental na fotografia é estar no sítio certo no momento certo. E para isso é preciso ter uma perceção. Podemos dizer que um jogador de futebol é muito bom, mas se estiver mal colocado a bola não vai ter com ele», metaforiza.



«Tens de usar a luz a teu favor e antecipar onde podes ter um bom cenário. O que é difícil, por exemplo, numa situação como em Loulé, de manhã, porque são ruas estreitas, há muita gente e é difícil focares-te em alguma coisa. Está tudo a acontecer ao mesmo tempo e é muito rápido», diz.
Pina é o autor do projeto «Algarvios», apresentado pelos Encontros de Fotografia de Lagoa em 2016, e venceu os prémios REFLEX em 2014 e 2019, promovidos pela Associação Cais e pelo Novo Banco. É um dos poucos que se dedica à fotografia de rua, um género que na sua opinião, não tem grande tradição em Portugal.
«Não. Porque não é valorizado o dia a dia. Olhamos agora para a obra do Artur Pastor porque foi há 50 anos. Em tempo de vida, o Artur Pastor não foi valorizado porque retratava o quotidiano. Agora que desapareceu esse Algarve, valorizamos mais a sua fotografia. Lembras-te de alguma fotografia do pôr do sol em 1920? Uma praia sozinha, sem elementos? É muito raro. As fotografias que ficam para a história são de acontecimentos, de pessoas», 
explica.


Questionado sobre se teme a crítica ao livro, Pina dá uma resposta assertiva. «Há aqueles que gostam de fotografia de rua, que são fotógrafos e que vão gostar. Dentro desses há os que vão odiar, o que é bom. O meio termo é que não presta», considera.
«E depois haverá uma segunda abordagem, pessoas que vão olhar para aquilo de uma forma mais antropológica, mais turística. Olham para o livro de uma forma mais afastada. Mas é uma viagem. É um tema difícil. Eu tenho um universo de mais de 1000 fotografias desta atividade. Reduzi para 200 ou 300 que eu achava interessantes. Depois há a curadoria de alguém, que tem de ser independente, que neste caso foi o Nuno de Santos Loureiro. Porque eu tenho uma abordagem diferente, não me consigo isolar e ser isento», acrescenta.
«É mais fácil alguém que esteja de fora, que tenha alguma prática e que seja honesto. Não quer dizer que aquelas fotos sejam as melhores fotos, até porque se pretende contar uma história. Tudo deambula para o Mercado. Há ali uma fusão de culturas e de gentes. No fundo, o livro é um resumo disto tudo», conclui Vitor Pina.


«Gentes no Mercado de Loulé» tem curadoria fotográfica de Nuno de Santos Loureiro, textos de Vitor Aleixo (presidente da Câmara Municipal de Loulé), David Pimentel (presidente do Conselho de Administração da Loulé Global), Salvador Santos, Patrícia Santos Batista e Nuno de Santos Loureiro em português, inglês e francês. A conceção gráfica é de Tomé Moreira.

Livro retrata «a paisagem humana» do concelho de Loulé

Ouvido pelo «barlavento», Vitor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé, considera que a edição do livro de fotografia «Gentes no Mercado de Loulé», de Vitor Pina, é uma forma de celebrar «um ícone arquitetónico que muito contribui para a atração de milhares de turistas. Além disso, os mercados, e este não foge à regra, são espaços de comércio onde a tradição se mantém bem viva. Onde os produtores locais trazem, ao sábado de manhã, os seus produtos, as suas frutas, as suas galinhas, os seus queijos. Ou seja, a verdadeira produção local. É um espaço de grande convívio social, muito tradicional, onde as pessoas, na sua riqueza humana e visual, se encontram. Eu diria que é um laboratório da paisagem humana do concelho muito interessante», sintetiza.


Vitor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé com o livro de fotografia «Gentes no Mercado de Loulé» de Vitor Pina.

Na opinião do autarca «é bonito apreciar a diversidade facial das pessoas, a maneira como olham, as marcas do tempo no rosto, como sorriem, as suas mãos. A tudo isto o fotógrafo artista esteve atento e captou com a sua objetiva. Agarrar esse lado convivial e trazer o fruto desse seu trabalho para um livro é muito importante. Acho que está um excelente trabalho!».
Por outro lado, o autarca não esconde o carinho que sente por aquele espaço «de comunicação, onde as pessoas se encontram, partilham notícias, falam da vida. Onde a comunidade cultiva o hábito de conversar, uma coisa que é tão importante para o ser humano e que hoje em dia é, por paradoxal que pareça, pouco exercitada. Neste tempo contemporâneo dominado pelas tecnologias, as pessoas convivem menos, estabelecem relações através de instrumentos tecnológicos que medeiam o diálogo. Desse ponto de vista, a conversa, o discurso direto, o olhar nos olhos, o cumprimento com um aperto de mão, o riso, toda a riqueza da comunicação visual e presencial fica irremediavelmente perdida. O Mercado é a oposição a isso tudo, e é também essa parte humana que o município de Loulé valoriza muito», conclui.

Mercado Municipal com horário alargado em 2020

A grande prenda de aniversário, além da publicação do livro de fotografia «Gentes no Mercado de Loulé», será o alargamento do horário de abertura já a partir do próximo ano, revela em primeira mão o presidente da Câmara Municipal de Loulé.
«O Mercado vai entrar em obras depois do verão. Estarão concluídas até à próxima primavera. Será pontualmente melhorado, mas a grande obra será criar uma praça central onde vamos introduzir a valência da restauração, à imagem de outros mercados onde já se tenha feito essa experiência com sucesso».
Até porque «é uma pena que o Mercado de Loulé às 14 ou 15 horas da tarde feche e nada mais aconteça ali. O que se pensou foi, seguindo bons exemplos de mercados em Madrid, Lisboa e Porto, que podemos introduzir uma nova valência, com um design atrativo, sem nunca comprometer aquela que é a traça original, aquela que é a sua essência, o seu modo de viver, mas acrescentando um elemento de contemporaneidade que vai permitir trazer atividade e presença humana para o Mercado, num tempo até agora morto».



«Acreditamos que esta fórmula poderá também funcionar aqui em Loulé e que o Mercado possa ser fruído, enquanto objeto cultural e espaço de convívio, durante muito mais tempo e não só até às 14h00», revela Vitor Aleixo.
«Estamos no Mercado, um local onde alimentos são comercializados e que a partir daqui podem ser também cozinhados e degustados naquele local», conclui.

Programa musical e gastronómico

O livro «Gentes no Mercado de Loulé» será apresentado hoje, quarta-feira, dia 3 de julho, às 18h30 no local.
As comemorações dos 111 anos do Mercado de Loulé incluirão um momento musical pelo Ensemble de flautas da Escola de Música da Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva, assim como uma degustação do tradicional folhado de Loulé, atualmente em votação para as 7 Maravilhas Doces de Portugal.


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