OAurora Dourada sofreu este domingo uma pesada derrota ao não conseguir entrar no Parlamento helénico. O partido de extrema-direita ficou-se pelos 2,8% nos votos, não ultrapassando o mínimo de 3% para entrar no órgão legislativo, onde tinha quase duas dezenas de deputados desde 2012.
O eleitorado que no passado votou no Aurora Dourada parece ter-se transferido para um outro partido do mesmo quadrante, o Solução Grega, criado recentemente pelo antigo eurodeputado pelo Nova Democracia Kyriakos Velopoulos. O Solução Grega conseguiu 3,7%, entrando no parlamento com quase duas dezenas de deputados. É o mais recente desenvolvimento na reorganização da extrema-direita grega.
A sangria do Aurora Dourada para o Solução Grega já tinha começado nas eleições europeias de Maio deste ano. O partido neonazi fundado por Nikolaos Michaloliakos conquistou 4,88%, uma quebra de 4,51% dos votos face às europeias de 2014 — passou dos três para os dois eurodeputados. E o Solução Grega conseguiu furar junto do eleitorado ao ponto de eleger, poucos meses depois da sua fundação, um eurodeputado — obteve 4,18%. Foi uma transferência eleitoral directa.
Espera-se que a liderança do Aurora Dourada entre em guerras fraticidas, levando, porventura, ao colapso interno do partido. Em causa não estará apenas a crescente contestação à liderança forte de Michaloliakos, mas também a perda de financiamento parlamentar que o partido recebia desde 2012 e a perda de imunidade da totalidade dos seus deputados. Com ele, financiava a máquina partidária e redes de apoio social apenas para gregos, conquistando eleitorado pobre e desempregado. Todavia, continuará a ter o financiamento respectivo à eleição de dois eurodeputados nos próximos cinco anos. E, por outro lado, espera-se, pelas mesmas razões, o crescimento do Solução Grega.
Ambos os partidos recusam liminarmente qualquer tipo de coligação ou apoio parlamentar ao Nova Democracia de Mikos Mitsotakis. Querem apresentar-se como alternativa e defensores dos “verdadeiros gregos”, e assim poderão continuar. Um fora do órgão legislativo e outro dentro. Mitsotakis conseguiu alcançar a maioria absoluta com 38,9% dos votos (158 eleitos)— a maior vitória desde 1993, quando o PASOK conseguiu eleger 170 em 300 deputados.
Já o Syriza, liderado por Alexis Tsipras, ficou-se pelos 31,6% dos votos. Já se sabia que a Nova Democracia iria vencer, repetindo a sua vitória nas europeias deste ano, mas a questão fundamental era a margem com que o iria fazer, se conseguiria governar ou não sozinha.
O Movimento Pela Mudança, uma formação de renovação dos socialistas do PASOK, conseguiu 8,3%, o KKE 5,3% e o MeRa25, de Yanis Varoufakis, 3,4%.
A queda do Aurora Dourada
Desde a ascensão fulminante do partido de extrema-direita nas autárquicas de 2010, elegendo deputados para o parlamento municipal de Atenas, que a extrema-direita ganhou um representante de peso na arena política. Elegeu deputados nas legislativas de 2012 e assim ininterruptamente até este domingo. Em 2015, o Aurora Dourada chegou inclusive a ser a terceira força política ao eleger 19 deputados.
Nas ruas, aterrorizava imigrantes, refugiados e militantes de esquerda, criando unidades paramilitares para os perseguir, aliando-se ainda aos armadores na repressão aos sindicatos afectos ao KKE do Porto de Pireu. Dizia defender os trabalhadores gregos, mas aliava-se aos patrões sempre que dinheiro, favores ou influência eram a moeda de troca. Imigrantes perderam a vida às mãos de neonazis, até que um grego foi assassinato, chocando e acordando a sociedade helénica. Tudo mudou.
O assassinato do rapper grego Pavlo Fyssas, a 18 de Setembro de 2013, em Keratsini, Atenas, obrigou finalmente as autoridades a agir contra o partido e a sua liderança, detendo os seus principais líderes, parlamentares e até militantes. Em 2015, os líderes do partido foram acusados de terem construído e participado numa “organização criminosa”. Ao todo, incluindo três deputados que já viram o seu estatuto de imunidade ser-lhes retirado, 89 elementos do partido foram constituídos arguidos, sentando-se no banco dos réus. Já houve mais de 150 audiências desde 2015.
Se forem condenados, o partido será ilegalizado, com muitos dos seus críticos e estudiosos a recearem que se assim for os neonazis possam optar pela luta política violenta. É conhecida a sua relação com as armas e militarismo, ajudado em parte por a sociedade grega ser profundamente militarista — os gregos ainda são obrigados a cumprir o serviço militar obrigatório, por exemplo.
Acossados pela opinião pública, pelo julgamento e pelos antifascistas nas ruas gregas, os neonazis mantiveram-se nas sombras, à espera do momento oportuno para voltarem à ribalta. Esperaram que essa oportunidade fosse a contestação ao acordo sobre a mudança de nome da Antiga República Jugoslava da Macedónia(FYROM), entre o Governo de Tsipras e Skopje, aproveitando a onda nacionalista que varreu o país. Atacaram centros sociais anarquistas, jornalistas e realizaram comícios, mas não foram capazes de lavar o sangue que a sua imagem já tinha. E começaram a surgir divisões no núcleo duro do partido.
Por exemplo, uma das fracturas teve por base a decisão de Michaloliakos em afastar os três eurodeputados eleitos em 2014 e escolher como cabeça-de-lista Yannis Lagos, deputado por Pireus, na recente candidatura europeia. Estava dado o tiro para uma guerra fratricida contra a sua outrora liderança forte.
“Este tipo de partido depende de um núcleo duro para sobreviver. E este tipo de de coesão apenas pode ser garantida por um líder forte”, explicou Vassiliki Georgiadou, politóloga da Universidade de Panteão, ao jornal grego Kathimerini.
A onda nacionalista, presente da direita à esquerda, permitiu a reorganização da extrema-direita com a formação do Solução Grega, até então sem espaço para existir e crescer — os partidos de extrema-direita e nacionalistas são vários no país. Na sua origem está Kyriakos Velopoulos, antigo vendedor de bíblias que se tornou eurodeputado pelo Nova Democracia — o partido convencional é conhecido por albergar uma significativa ala de extrema-direita.
O vendedor transformado em político ficou conhecido por se opor à imigração, por exigir a construção de um muro mais sólido na fronteira com a Turquia e se opor à construção de mesquitas na Grécia. A sua principal referência política é o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e não tem pudor em dizer que quer uma “Europa sem muçulmanos”.
Ainda que tenha sofrido um duro golpe, o Aurora Dourada não foi derrotado e mantém-se activo, semeando o medo sempre que tem oportunidade. Deverá ser substituído por um outro partido sem uma clara componente e estética neonazi, ainda que partilhe de muitas das suas ideias e propostas políticas. A extrema-direita grega está a reorganizar-se e nada sugere que se torne menos perigosa.
medium.com
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