José Manuel Osório (1947-2011)
Foi um cantor de Abril. Dos aguerridos. Daqueles que já cantavam Abril antes de ele acontecer. Muito cedo decidiu que o fado não poderia ficar prisioneiro do triste e vil cinzentismo em que tinha mergulhado durante o salazarismo... e trouxe-o, de armas e bagagens (e algum escândalo), para o meio das cantigas de protesto, para o campo da música de intervenção. Antes de Abril, cantando contra o fascismo, a guerra colonial, pela liberdade. Depois de Abril, pela Reforma Agrária e todas as demais conquistas...
Juntos fizemos milhares de quilómetros de “cantos livres”, por montes e vales, aldeias e cidades. Juntos participámos na fundação do grupo de teatro “A Barraca”. Juntos sonhámos um mundo melhor. Deu-me a conhecer inenarráveis fados operários, antigos, daqueles que eram cantados pela calada por gente vestida de ganga...
Há muitos anos, depois de muito tempo sem nos vermos, perguntei-lhe (como sempre se pergunta) “então e estás bom”?... respondeu-me que não, que estava doente e exactamente de quê. “Vou aparecer aí um dia destes” – disse eu... estávamos em 1985.
Quando lhe telefonei, uns dias mais tarde, para nos encontrarmos, dizendo que estava em Lisboa, vindo do Porto, ficou muito surpreendido. Quando, horas depois o cumprimentei (cumprimentámos, já que a “Ampara”, como lhe chamava, também estava presente) com um apertado abraço, senti que se comoveu. Percebi então que quase toda a gente “do meio” o tinha abandonado. Com o passar dos anos e o esbater do medo... a situação acabou por melhorar.
(Estou certo de que muitos deles estarão na primeira linha do funeral)
Os últimos quase trinta anos foram de grande produção artística, nos bastidores. O José Manuel Osório tornou-se um estudioso do fenómeno do fado e deixa obra publicada em belíssimas e cuidadas colectâneas de gravações em CD e vários textos.
Os últimos quase trinta anos, preencheu-os também com a sua disciplinada e obstinada luta diária contra a SIDA, uma luta de contornos fantásticos. Uma luta que foi um inestimável exemplo para muitas centenas de infectados com o vírus (alguns mesmo antes de nascer). Um exemplo de resistência e profundo amor à vida.
Ultimamente (a última vez, pelo Facebook) comunicávamos de tempos a tempos... sempre com projectos de encontros futuros...
- Nunca mais ninguém me chamará em publico “Ezequiel”... com a naturalidade com que o fazias, para espanto de quem nos rodeava e apostaria que me conhecerias bem melhor...
- Nunca mais terei ninguém que cante comigo a duas vozes o “Simón Bolívar” dos “Inti-Illimani”, como tu cantavas!
Até sempre amigo!
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