Amor com melão se paga
05-08-2011
Rita e Fábio poderiam ser só mais um casal jovem, como tantos outros. O que os diferencia é o facto de venderem melão, em pleno verão, esperando que este seja apenas o passaporte para a vida que sempre sonharam. Ela vende melão para pagar as propinas, ele, embora não goste e enquanto não arranja trabalho como eletricista, acompanha-a. Uma história de amor à beira da estrada.
Texto Bruna Soares Fotos José Ferrolho
O dia está quente. Tão quente que as escassas sombras que se encontram à beira da estrada estão todas ocupadas. Numa delas está Rita e Fábio. Dois jovens a vender melão em pleno verão.
Fábio Freitas, 22 anos, espera pelos clientes numa cadeira de praia, o que não significa que vá avistar o mar tão cedo. Rita Espada, de 20 anos, está encostada à carrinha que em tempos terá sido branca como a cal, mas que, por fruto da idade e do trabalho no campo, desbotou.
Fábio, dono de um cabelo ondulado, espreita por cima dos óculos. Rita ri-se e o seu sorriso denuncia a sua alegria de viver e de vender melão. “Eu gosto muito disto”, conta.
Fábio, por sua vez, brinca com os chinelos, também eles de praia, que traz calçados. Mete um pé por cima do outro. Fixa o olhar no chão e suspira. O suficiente para se perceber que vender melão não é definitivamente o que mais o agrada. Volta a olhar por cima dos óculos e diz: “Eu não gosto, mas tem de ser. A vida é assim”.
O que une este casal, porém, é mais forte do que aquilo que os separa. E vender melão, embora ela goste e ele não, é só mais uma prova do quão é importante estarem juntos. “Isto, na verdade, é uma história de amor. Só comecei a andar nesta vida quando a conheci”, confessa Fábio. Rita acena positivamente com a cabeça. Já vendem melão há dois anos e o amor, esse, resiste, embora Fábio tenha de vir todos os dias vender para a beira da estrada, à entrada da cidade de Beja, que por sinal também é a sua terra.
“A minha mãe é produtora de melão e conheço esta vida há muito tempo. Sempre a ajudei e agora ajudo-me a mim e a ela”, defende Rita. “Se estamos juntos eu também o faço. Não poderia ser de outra maneira”, completa o companheiro.
Fábio tem a balança aos seus pés, que, enquanto não chegam os eventuais compradores, está vazia. Os carros continuam a passar na estrada. Rita com o seu ar despachado olha para os possíveis clientes. Espera que encostem à beira da estrada, que façam uma pausa no percurso e que, se possível, sigam caminho com o carro cheio de melão. “Está a 50 cêntimos o quilo. Acho que é um bom preço, mas as pessoas cada vez compram menos. Antes compravam uma saca. Hoje compram um ou dois”, diz.
Venda de melão serve para pagar as propinas O dia soalheiro continua a encadear Fábio. O vento não corre e ao fundo ouvem-se as cigarras. “Não é comum verem-se jovens da nossa idade a vender melão à beira da estrada. A maioria dos jovens da nossa idade, nesta altura, está de férias”, lembra Fábio, deixando safar um sorriso. Ambos sabem perfeitamente que férias é algo que não poderão ter. “Se conseguirmos descansar um fim de semana será muito bom”, conclui.
Os jovens estão no local desde as 6 e 30 da manhã. Preveem chegar a casa por volta das 21 horas. Depois é preciso voltar a encher a carrinha de melão e melancia. Por fim, podem começar a pensar em procurar o jantar. Normalmente comem quando o relógio marca as 23 horas. A rotina, essa, volta no dia seguinte. “Durante os meses em que se vende melão este é o nosso dia a dia. Só nos falta dormir aqui”, vinca Fábio.
Rita é natural de Olhas, no concelho de Ferreira do Alentejo. É aqui que a mãe tem a produção de melão e também de melancia. É a este local que voltam todos os dias para carregar a carrinha, companheira de viagem. “Nós fazemos de tudo. Na altura do cultivo ajudamos a meter os plásticos, a rega. Estamos envolvidos em todo o processo”, diz Rita Espada, enquanto o seu companheiro vinca: “Aqui não há descanso. Começamos na altura do cultivo e estamos neste local todos os dias. Ao domingo também é preciso comer”.
No mesmo local estão mais vendedores e, na sua grande maioria, são reformados. “Todos os que vendem aqui encaram isto como um complemento. Se não venderem têm a reforma. Nós precisamos disto para orientar a nossa vida. Os tempos estão difíceis”, defende o jovem.
Quando Fábio diz que precisa deste trabalho para orientar a vida, refere-se à casa que compraram e que está à espera de ser recuperada, mas também ao pagamento das propinas da universidade de Rita, que estuda na Escola Superior Agrária e, como não poderia deixar de ser, seguiu engenharia agrónoma. “Vendo melão para pagar as propinas. Quando se quer muito uma coisa é preciso acreditar e trabalhar para isso”, desabafa Rita.
A jovem sonha um dia poder trabalhar com hortícolas, recorrendo à técnica de hidroponia – cultivar plantas sem solo, onde as raízes recebem uma solução nutritiva balanceada que contém água e todos os nutrientes essenciais ao desenvolvimento da planta. Já Fábio só sonha poder trabalhar no seu ofício. “Sou eletricista. É disso que eu gosto”, refere com orgulho. E o sorriso só esmorece quando se fala na dificuldade em arranjar trabalho na sua área. “Faço biscates. Beja não tem obras. A construção civil está em crise. Está tudo parado”.
Fábio já foi técnico de som e gostava dessa vida, mas um choque elétrico arredo-o desse caminho. Foi preciso começar de novo, contando sempre com o apoio da sua companheira de venda de melão e de vida.
“Invisto e faço várias formações. Não posso estar parado. Agora, ando na venda de melão, mas se Deus quiser será o último ano que estou à beira da estrada de manhã à noite. Pelo menos tenho esperança que isso aconteça”, confidencia Fábio. Até lá, uma carrinha carregada de melão e de melancia transporta-os todos os dias, enquanto esperam que os seus sonhos se concretizem e que sejam, finalmente, transportados para uma outra vida, para a vida que têm esperança que um dia chegue.
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fonte Diário do Alentejo
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