Que os estudantes de Coimbra - as duas dezenas de milhar de estudantes que não foram ontem à escadas monumentais protagonizar um triste espectáculo de arruaça e provocação política, e mesmo os que foram, pensando que estavam bem intencionados - reflict...am sobre este acontecimento, sobre o que ele significa, sobre a História da Academia e sobre o papel da Associação Académica que é suposto representá-los. É que é a primeira vez que o Presidente da AAC se envolve e objectivamente alimenta uma provocação político-partidária e interfere directa e publicamente numa campanha eleitoral, tudo em nome de uma suposta defesa de património da Universidade. Como antigo estudante de Coimbra, ex-dirigente da AAC e activista em defesa da Universidade e do Ensino Superior Público, sinto profunda tristeza e vergonha por ver estas três letras e essa grande instituição - que tanto dizem a tanta gente e que tantas vidas marcaram - envolvidas numa tão baixa manobra partidária dirigida a partir dos gabinetes daqueles que ao longo dos anos têm dado machadadas atrás de machadadas no ensino superior público, têm condenado a Universidade de Coimbra ao constante aperto de cinto e têm tratado os estudantes de Coimbra como uns mariolas que só sabem gastar dinheiro aos pais e ir para as ruas fazer barulho. Esses são os mesmos que não lutaram contra o fascismo, tendo alguns mesmo apoiado a ditadura. Esses são os mesmos que não sabem o que é receber a notícia que um companheiro de luta morreu ou foi preso porque decidiu lutar pela liberdade e também pela Universidade como espaço de criação e resistência. Esses são os mesmos que não sabem o que foram as reuniões e encontros clandestinos na baixinha de Coimbra para organizar e dar força ao movimento estudantil contra o fascismo. Esses são os que não conviveram bem com o movimento das repúblicas e que hoje, apesar dos discursos, as continuam a olhar com desconfiança. Esses são os mesmos que não estavam na sala 17 de Abril, que calaram ou fugiram quando os cavalos da GNR subiram à alta. Esses são os mesmos que não foram às manifestações em defesa do ensino superior público, que não sabem o que foi organizar a primeira manifestação em Coimbra contra as propinas contra a opinião da DG/AAC da altura. Esses são os que nunca souberam o que é apanhar da polícia apenas por defender o direito às bolsas e às residências, que não sabem o que é dar horas e forças da nossa vida a dinamizar secções da AAC e a discutir como arranjar dinheiro para pagar bolsas atrasadas ou salários aos funcionários da AAC. Esses são os mesmos que não sabem o que é passar noites em claro a produzir comunicados e panfletos e depois, de manhã, ir para o cimo das Escadas monumentais fazer distribuições e falar com milhares de estudantes. Esses são aqueles que não sabem o que é passar dias inteiros a ir falar às turmas explicando o que era, e que mal fazia, a lei de financiamento do PSD (primeiro) e do PS (anos depois). São os mesmos que nunca sentiram o coração a palpitar numa Assembleia Magna, que nunca sentiram o orgulho e a alegria de ver, na Estação de Santa Apolónia, sair de dois grandes comboios uma imensa mole humana de estudantes vestidos de negro – sim o mesmo traje que foi usado ontem – gritando “Académica!”. Esses nunca saberão a emoção que ainda hoje se sente quando se pronuncia a frase “estudantes unidos jamais serão vencidos!” Não venham falar de respeito pela Universidade!!! Respeito pela Universidade é lutar por ela, é dar parte da nossa vida a ela, é defender o seu património todo, o seu coração – as pessoas e os princípios - e a sua história de luta! Pintando as escadas monumentais sim senhor! como tantas vezes se fez, e fazendo tantas outras coisas e tão bonitas, como um concerto de música clássica no pátio da universidade para comemorar o aniversário da AAC ou como uma invasão pacifica da “Cabra” para dizer que estávamos em luta! Respeito pela Universidade é conhecer a sua História, os seus corredores, os seus problemas, as suas dores, e também as suas alegrias, conquistas, belezas e potencialidades, e não apenas umas escadas que, despidas da história de resistência de que foram palco, são apenas pedras mandadas colocar por Salazar que, fique sabendo-se, destruíram outras que ali existiram antes – as Escadas do liceu. Fiquem sabendo aqueles que consideram as escadas monumentais o “símbolo” da Universidade que a concentração de edifícios na alta universitária mandada erigir por Salazar foi-o com um objectivo: restringir a circulação dos estudantes àquele espaço. E fiquem sabendo esses mesmos que a construção desses “símbolos” implicou a destruição de parte considerável do centro histórico de Coimbra, nomeadamente edifícios como a antiga sede da AAC, o Governo Civil, a Biblioteca Geral, igrejas e parte da muralha medieval da cidade. Não venham invocar o respeito pela Universidade! Respeito pela Universidade é não atacar e não provocar aqueles que a defendem, mesmo que esses não partilhem a nossa ideologia. Respeito pela Universidade é saber o que significa de facto o conceito da unidade. É saber (como os comunistas souberam e sabem) trabalhar lado a lado com gente muito diferente, defendendo o direito à educação, respeitando as tradições da Academia (mesmo não concordando muitas vezes com todas elas) e trabalhando para que a Universidade continue a ser um espaço de profunda democracia, de irreverência plena de conteúdo, de participação, de partilha de saberes e experiencias, de solidariedade, fraternidade, amizade e amor a causas. Respeito pela Universidade não é dizer que aquelas escadas são da AAC ou da Universidade, como pobre e tristemente afirmou o estudante que hoje assume o cargo de Presidente da AAC. Como muitos sempre defenderam, e como tantas vezes a DG/AAC soube interpretar sabiamente, a Universidade é dos estudantes, da academia e da cidade, é de todos, e não de alguns! Ninguém é dono dela! Aqueles que invocando UNESCO's e afins querem divorciar a Universidade de Coimbra da cidade saibam que estão a matar a Academia aos poucos! A Universidade e os seus edifícios não são museus, são pedras com vida e com história, são aquilo que em cada momento os estudantes e as gentes de Coimbra quiserem que ela seja! Aquelas escadas não são um monumento, são umas escadas! Mas umas escadas especiais, muito especiais, porque nelas e através delas, já se lutou muito pela democracia, pela liberdade, pela justiça e pela Universidade. Sou Comunista. Os comunistas sempre estiveram ao lado dos estudantes de Coimbra, temos um património e uma acção presente da qual muito nos orgulhamos. Somos respeitados por isso e temos grandes amizades junto daqueles que connosco aprenderam, lutaram e trabalharam pela AAC e pela Academia, e com os quais aprendemos tanto também! Esses sabem que pintar as escadas monumentais é tudo menos um acto leviano, de desrespeito para com quem quer que seja. É natural que alguns dos que estiveram ontem envolvidos na provocação à CDU não saibam a história toda daquelas escadas e da luta estudantil em Coimbra (antes e depois do 25 de Abril, antes e depois das lutas das propinas). Mas faço um apelo, que se informem e concluam que pintar as escadas monumentais com slogans que defendem os estudantes e o ensino superior público gratuito e de qualidade foi um profundo acto de respeito! Não para com as escadas, que são pedras, mas para com aquilo que de melhor já lá se passou, para com a Universidade, para com os estudantes, para com a Academia e para com a cidade de Coimbra. Foi um acto de propaganda legítima, mas também uma homenagem! E foi também um grito de alerta para chamar a atenção que a política não passa apenas na televisão, como uma qualquer novela. Que a política é criatividade, é esforço pessoal, é generosidade e pode e deve ser feita por todos! Aos estudantes e às gentes de Coimbra fica o apelo: reflictam… reflictam se vale a pena tentar calar aqueles que não se resignam à política espectáculo, à política “plástica” desprovida de ideias, ideais e sonhos. Reflictam se é nos que insistem – como a CDU - num método de propaganda legal e legítimo, que está referenciado nos anais da História da Universidade de Coimbra e que inclusive faz parte do acervo que agora é candidato a património mundial, que está o perigo de destruição do património da Universidade, dos Estudantes, da AAC e da bonita cidade de Coimbra. Ângelo Alves
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