Posted: 24 Feb 2013 09:56 AM PST
Deve e haver
por João Ferreira
A proposta de Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020, aprovada no último Conselho Europeu, merece atenta reflexão e análise. Esta é uma questão da maior importância. Não apenas para uma melhor e mais actual caracterização do desenvolvimento do processo de integração capitalista europeu, mas também para a definição e o acerto de orientações relativamente ao posicionamento do nosso País neste processo. A decisão agora tomada vem estabelecer as linhas com que se vão coser os orçamentos da UE até 2020. Sem prejuízo da necessária análise mais fina das múltiplas implicações deste Quadro Financeiro, é possível avançar desde já com uma apreciação geral ao seu significado e impacto. Esta apreciação é tanto mais necessária quanto se impõe responder a algumas linhas de propaganda governamental em desenvolvimento. Uma primeira nota a sublinhar: pela primeira vez, estamos perante uma diminuição do orçamento da UE, em termos nominais. O orçamento estará abaixo de um por cento do Rendimento Nacional Bruto do conjunto de países da UE. Cai por terra a demagogia do PS e, em geral, da social-democracia europeia, dizendo que a aprovação do Tratado Orçamental – que eterniza a austeridade e configura um intolerável ataque à democracia e à soberania nacional – teria como contrapartida o aumento substancial do orçamento da UE. Um embuste, como então alertámos, que evidencia a cumplicidade da social-democracia com o rumo da UE e que lança alguma luz sobre as intenções que se escondem por detrás da retórica do «mais Europa». Uma segunda nota diz respeito às condições de utilização das verbas da UE. A decisão do Conselho Europeu prevê a imposição de «condições a nível macroeconómico», para utilização de verbas do orçamento comunitário – do Fundo Social Europeu ao Fundo de Coesão, passando pelo FEDER e por outros fundos na área da agricultura e pescas. Ou seja, para além das imposições e sanções já previstas no âmbito do Tratado Orçamental – que incluem multas que podem ascender a 0,2 por cento do PIB do país em questão – aqui está mais uma porta aberta para a chantagem. Uma terceira nota: perante o esmagamento do orçamento, acena-se agora com miríficos «instrumentos inovadores» – que permitirão, dizem, «alavancar» o orçamento, multiplicando-o muito para além dos parcos limites estipulados: das parcerias público-privado às soluções financeiras criativas, que porão o orçamento da UE a insuflar novas bolhas especulativas nos mercados financeiros. O sistema fede e não tem emenda. Portugal perde, perde muito e cada vez mais Olhando para as transferências previstas para Portugal, uma primeira e imediata conclusão se impõe: nos próximos sete anos, entre 2014 e 2020, as transferências da UE para Portugal – no máximo 27,8 mil milhões de euros, possivelmente menos – serão inferiores àquilo que o País vai pagar só em juros e comissões pelo «empréstimo» da troika – 34,6 mil milhões de euros. Uma parte substancial destes juros terá como destino, como é sabido, os cofres da própria UE.
Afirma a propaganda governamental que entrarão em Portugal 10,8 mil milhões de euros por dia, provenientes da UE. Falta dizer que este valor é inferior em mais de um milhão de euros por dia às transferências do actual Quadro Financeiro (2007-2013). O corte é de 10 por cento e soma-se ao corte de 14 por cento decidido no final do anterior período de programação (2000-2006).
Mas falta sobretudo dizer quanto dinheiro sai de Portugal para a UE. E aqui, a somar aos juros e comissões já mencionados, e ainda aos juros da dívida privada nacional (designadamente da banca, fortemente endividada), há que não esquecer a sangria que decorre da distribuição de lucros e dividendos dos grandes grupos económicos nacionais, nos quais a presença de capital estrangeiro na estrutura accionista é substantiva e crescente, após as privatizações, com a correspondente drenagem de capitais do País para o estrangeiro. Vários países da UE estão entre os destinatários destes recursos. Se, em anos anteriores, o saldo das transferências financeiras da UE para Portugal (os «fundos comunitários») foi já ultrapassado pelo saldo de dividendos, lucros e juros que saíram do País, fazendo de Portugal um «contribuinte líquido» da UE, com as novas perspectivas financeiras este fenómeno, previsivelmente, acentuar-se-á. E acentuar-se-á, também e fundamentalmente, em resultado do projectado aprofundamento do mercado único e da persistência das políticas comuns da UE.
Fonte: Avante em www.avante.pt
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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
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