Relvas visto pelo “Inimigo Público”
Miguel Relvas foi impedido de falar no ISCTE por dezenas de estudantes em protesto contra a política do Governo e o próprio ministro. Naturalmente, não se fizeram esperar os protestos dos que defendem, e bem, que a democracia implica respeito pelas opiniões alheias e que impedir o ministro de falar é um atentado a essa democracia, à própria liberdade de expressão.
Ainda que tal argumento seja absolutamente justo, é preciso recordar que a própria democracia contém, em si, instrumentos para impedir o abuso que faz dela quem se julga detentor do poder eterno, da razão absoluta, e em especial do abuso que fazem dela os eleitos para mandatos de quatro anos, com base em programas que para mais não servem do que cumprir o formalismo eleitoral de ter uma base programática, com base na qual se tenta convencer os eleitores a optar, para depois, já no poder, a esquecer por completo.
Se, em condições normais, não é legítimo o que aconteceu no ISCTE — e é preciso afirmá-lo, o que aconteceu não é normal nem adequado — neste caso os estudantes do ISCTE utilizaram correta e proporcionalmente o instrumento do protesto para manter em movimento mecanismos que alertam para a degenerescência em curso do sistema democrático promovida pelo atual Governo, para a ilegitimidade de políticas praticadas contra tudo e todos com base num mandato totalmente subvertido.
O caso de Miguel Relvas — com Passos e Portas, claro — é, seguramente, o mais paradigmático que a democracia portuguesa conheceu de alguém, investido de funções de poder, que praticou uma fraude política absoluta ao defender, em campanha eleitoral, um programa e, no poder, praticou algo completamente diferente. Relvas não apenas se limita a dizer uma coisa e a fazer outra na atividade política em que está envolvido. Relvas é, igualmente, o paradigma do chicoespertismo que invadiu a sociedade portuguesa, com particular incidência nos partidos do chamado arco do poder. O chicoespertismo do “é preciso é ganhar as eleições e depois logo se vê”, mas também o chicoespertismo na vida pessoal de um ministro que, com o apoio de aparentes traficâncias de interesses em que se envolveu ao longo de extensa carreira política, conseguiu obter um grau de licenciatura sem praticamente pôr os pés na escola.
Invocar a liberdade de expressão, a democracia, a boa educação no caso de alguém que não tem já qualquer legitimidade política, pelo sistemático incumprimento do programa partidário que propôs aos eleitores, nem sequer qualquer idoneidade, por ter forjado uma licenciatura com que se arroga o direito de ser tratado por doutor, é um manifesto abuso da própria democracia.
Numa democracia saudável,  Miguel Relvas não poderia falar de cátedra em universidades, quanto mais ser ministro.
Permitir a alguém que, na prática, forjou uma licenciatura, que obteve um grau de licenciatura não como  forma de acumular saber, mas apenas como forma de acumular poder, falar numa universidade é uma ofensa a todos nós, mas, em especial, aos milhares de alunos universitários que se esforçam por obter uma licenciatura com estudo, pesquisa, sacrifício e muitos milhares de euros pagos em excessivas propinas ao longo de quatro ou cinco anos.
Obviamente que nas universidades pode e deve falar quem tem saber, competência e capacidades, adquiridas ou não por via universitária. Um mineiro pode contar experiências numa aula de geologia, um bombeiro pode falar numa aula do curso de proteção civil, um pedreiro pode falar para engenheiros, certamente. Mas nunca um pantomineiro, que inventou uma licenciatura tirada por favor de amigos influentes, que baseia a sua habilitação académica num esquema obscuro…

Praça do Bocage