Herói no polo Norte
A façanha solitária do norueguês que cruzou sozinho quase 2 mil quilômetros da Rússia até o Canadá
Sozinho, BØrge Ousland atravessou o polo norte, da Rússia ao Canadá. Ao todo, ele percorreu 1.996 quilômetros a pé, de esqui e a nado.
2002
A primeira semana da última grande expedição solitária da minha vida quase me derrotou. Depois de dois anos de preparação, eu estava em plena forma física e motivado. Já havia vencido outras batalhas. Em 1994 caminhei até o pólo Norte. Em 1997 cruzei toda a Antártica, passando pelo pólo Sul. Agora estava pronto para um “triatlo do inferno”: percorrer 1996 quilômetros – a pé, de esqui e a nado – da Rússia ao Canadá. Me tornaria a primeira pessoa a cruzar, sozinha, os dois pólos.
Pouco depois da partida, porém, o trenó com meus suprimentos sucumbiu – os deslizadores se soltaram e um revestimento que o fazia deslizar melhor começou a rachar. Certa noite o oceano Ártico quase engoliu meu acampamento.
Na manhã seguinte quase não encontrei neve propícia – blocos de condensação congelada – para ser derretida. A sede revelou-se uma tormenta. Escapei por pouco.
Passei o terceiro dia tentando consertar o trenó com ferramentas improvisadas. Não funcionou. Fiquei num dilema: deveria chamar um helicóptero da Sibéria para me resgatar e tentar outra vez no ano seguinte ou encomendar um novo trenó?
Foi o que fiz, pelo telefone via satélite. Ele chegou 12 dias depois – e foi um momento perturbador. A equipe do helicóptero representava o lar, o calor. Para recuperar minha concentração, impus a mim mesmo uma série de objetivos: avançar ao menos 10 quilômetros por dia no rumo norte. Verificar os graus de latitude e rumar sempre para o paralelo 90. Tentar encontrar a alegria da solidão: eis a chave do sucesso numa viagem por aquele mundo gelado.
Ter o equipamento certo também ajuda. Eu costumo usar uma mescla de peças tradicionais e de alta tecnologia. Minhas botas são cópia em material sintético do modelo usado há quase um século pelo meu famoso compatriota, o norueguês Roald Amundsen, pioneiro a atingir o pólo Sul. Para minha orientação, uso um aparelho GPS e quase todos os dias ligo para casa no inestimável telefone via satélite. Meu trenó pesa 165 quilos, a maior parte de garrafas de combustível e alimentos – estes divididos em 90 rações diárias de 1,5 quilo.
Desta vez levei dois objetos que ninguém ainda usou numa expedição similar: um traje impermeável, para cruzar a nado os canais não congelados e uma vela para esquiar movido pelo vento. No oitavo dia, a vela me impulsionou durante dez horas. Levei um tombo ao manobrar em torno das cristas de pressão – camadas de gelo que se elevam quando duas banquisas colidem. Uma fratura óssea é o segundo maior perigo dessas paragens. O principal é o risco de o gelo se romper e eu cair na água.
É isso o que faz o Ártico muito mais perigoso do que a Antártica: estou sempre caminhando sobre blocos de água marinha congelada. Nunca há terra sob meus pés. Visto meu impermeável para me sentir mais seguro, mas, quando a neve é soprada pelo vento, tudo fica branco ao redor e é difícil ver onde o gelo está firme. Ventos e correntes conspiram para arrebentar os blocos de gelo, jogando uns contra os outros com tamanha violência que chegam a saltar 8 metros de altura. Às vezes, nos trechos mais difíceis, preciso tirar os esquis e caminhar. Quando encontro banquisas recém-formadas, trato de medir logo sua espessura. Os dados ajudarão o Instituto Polar da Noruega a estudar o aquecimento global. O gelo desta vez está mais fino que na jornada de 1994.
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