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domingo, 23 de novembro de 2014

A HISTÓRIA DO GATO DOMÉSTICO - Qual é a origem dos nossos peludinhos ronronantes? A história do gato doméstico tem despoletado, em particular nos últimos anos, estudos que se debruçaram sobre o tema e nos permitiram conhecer melhor a origem destes pequenos felinos, bem como a sua história desde os primeiros passos junto aos seres humanos até ao domínio (propositadamente sem aspas) das nossas casas.

A História do Gato Doméstico

A história do gato doméstico
FOTOGRAFIA ORIGINAL: WIKIMEDIA COMMONS
Qual é a origem dos nossos peludinhos ronronantes? A história do gato doméstico tem despoletado, em particular nos últimos anos, estudos que se debruçaram sobre o tema e nos permitiram conhecer melhor a origem destes pequenos felinos, bem como a sua história desde os primeiros passos junto aos seres humanos até ao domínio (propositadamente sem aspas) das nossas casas.
Uma das primeiras questões que nos surgem quando pensamos na domesticação do gato é: porque motivo os domesticamos? Aparentemente, os gatos são os únicos animais que domesticamos sem termos uma razão explicita para o fazermos.
Se verificarmos a história da nossa civilização, vemos que o ser humano domesticou vários animais para deles retirar benefícios essenciais à sua sobrevivência, fosse através do trabalho, da carne, do leite ou da lã.
E fê-lo com animais que, em modo selvagem, já viviam em grupos com hierarquias bem definidas, uma estrutura que o ser humano aproveitou para chamar a si o estatuto de indivíduo alfa e controlar esses grupos.
Ora, os gatos não contribuem para a sobrevivência do ser humano de nenhuma dessas formas e, exceptuando os leões, os felinos selvagens também não vivem em grupos hierárquicos nem respondem perante qualquer alfa – na verdade, os gatos não são propensos a obedecer ou a seguir ordens.
Como todo o dono de gato sabe, ninguém é dono de um gato.
Ellen Perry Berkeley
Então, qual foi o nosso interesse inicial em domesticar os gatos? E será que nós realmente os domesticamos? Vamos explorar como tudo começou e perceber porque motivo se formou esta longa, bonita mas também atribulada, história entre seres humanos e gatos.

A origem dos gatos domésticos

Gato selvagem (Felis silvestris lybica)
GATO SELVAGEM (FELIS SILVESTRIS LYBICA) | FOTOGRAFIA: ANTONY_J_JONES
Anteriormente acreditava-se que a origem dos nossos gatos seria africana, como uma adaptação evolutiva do gato selvagem africano (Felis silvestris cafra) e que o povo egípcio teria sido o primeiro a domesticá-lo. Porém e como vamos ver de seguida, vestígios da presença de gatos noutras partes do globo e em datas anteriores aos achados egípcios (cerca de 4 mil anos atrás) vieram “reescrever a história”.
Em 1983, no Chipre, arqueólogos descobriram uma mandíbula de gato datada de há 8 mil anos atrás. Dadas as incríveis semelhanças entre os esqueletos dos gatos domesticados e dos gatos selvagens, era difícil afirmar se os achados arqueológicos diziam respeito a um ou a outro.
No entanto, também é pouco provável que alguém tivesse decidido levar gatos selvagens para a ilha, como referiu Desmond Morris no seu livro Catwatching: “um felino selvagem em pânico, a bufar e a arranhar seria o último companheiro de viagem que a tripulação quereria ter a bordo”. Então, é plausível que esses gatos já estivessem de alguma forma domesticados e habituados à presença humana.
Humano e gato sepultados há 9.500 anos
HUMANO E GATO SEPULTADOS HÁ 9.500 ANOS | IMAGEM: “EARLY TAMING OF THE CAT IN CYPRUS”, J.D.VIGNE, J.GUILAINE, K.DEBUE, K.HAYE E P.GÉRARD, EM SCIENCE, VOL.304; ABRIL, 2004
A prova de domesticação mais convincente seria descoberta em 2004, também no Chipre. Jean-Denis Vigne, do Museu Nacional de História Natural de Paris, e a sua equipa, desenterraram um túmulo onde estavam sepultados, lado a lado, um ser humano de sexo desconhecido e um gato de cerca de 8 meses. Ambos os corpos se encontravam sepultados na mesma direção (oeste). Mais surpreendente foi a datação desses restos mortais: 9.500 anos, ainda mais antigo do que a descoberta de 1983.
Uma vez que os gatos não são nativos das ilhas Mediterrâneas e portanto tiveram mesmo de ser transportados de barco, bem como o enterro de um ser humano e um gato lado a lado no mesmo túmulo, forneceram fortes evidências em como nessa altura as pessoas já tinham alguma relação especial e/ou intencional com os gatos.
Em Junho de 2007, num estudo baseado em análises genéticas e publicado na revistaScience, os autores do mesmo afirmaram que os gatos domésticos tiveram todosorigem nos gatos selvagens do Médio Oriente (Felis silvestris lybica), num processo que especulam ter começado há 12 mil anos atrás – quase 3 mil anos antes da datação do gato encontrado sepultado com o “dono” no Chipre.
A data coincide com o a expansão das primeiras sociedades agrícolas no Crescente Fértil do Médio Oriente, o que nos leva ao (provável) motivo pelo qual seres humanos e gatos deram início a esta jornada juntos.

Os gatos fizeram-se convidados, se nós aceitamos

A história do gato doméstico
IMAGEM: GUARDIAN CATS
“O que nós achamos que aconteceu foi que os gatos se domesticaram a si próprios” afirmou Carlos Driscoll, um dos autores deste estudo, ao Washington Post.
Quanto os seres humanos eram predominantemente caçadores, os cães eram os melhores companheiros possíveis e assim se deu origem à domesticação do cão, muito antes da domesticação do gato. Quando nos começamos a fixar e a cultivar as terras, abriu-se uma janela de oportunidade para os gatos.
Com a produção agrícola começaram a surgir ratos – que ameaçavam essa mesma produção – e os gatos terão basicamente ficado fascinados com a quantidade de presas (ratos) que haviam junto daquelas criaturas gigantes de aspeto estanho (humanos). Por consequência, os seres humanos da altura também terão ficado encantados com a capacidade de eliminação dos ratos por parte daqueles felinos em miniatura.
Gato e presa (rato)
FOTOGRAFIA: WIKIMEDIA COMMONS
Uma relação simbiótica com tudo para dar certo. Os gatos fizeram-se convidados (já viu algum gato pedir permissão?) e nós aceitamos de bom grado.
Naturalmente, é de supor que as pessoas terão dado preferência aos gatos mais mansos e sociáveis, procurando afastar das suas casas e propriedades aqueles que se revelassem mais agressivos, dando assim origem a criações seletivas de gatos cada vez mais afetuosos.
Contudo, enquanto os restantes animais domésticos eram sustentados inteiramente pelo ser humano, os gatos continuaram a ter de se desenrascar sozinhos para sobreviver – na caça aos ratos e na procura de restos de comida – motivo pelo qual a sua independência e apurado instinto de caça permanece praticamente inalterado até aos dias de hoje.
Não é por acaso que, regra geral, um gato na rua se parece conseguir desenrascar melhor do que um cão na mesma situação (sendo evidentemente uma situação indesejável para qualquer animal doméstico e que deve ser evitada a todo o custo). Os cães foram sujeitos a uma criação seletiva muito ativa e são hoje bastante diferentes dos seus ancestrais selvagens, enquanto que o gato mantém intactas praticamentetodas as características dos gatos selvagens, incluindo uma morfologia praticamente indistinguível.

Uma relação ambivalente

Excerto da obra de Edwin Longsden Long
EXCERTO DA OBRA DE EDWIN LONGSDEN LONG “THE GODS AND THEIR MAKERS” DE 1898
A convivência entre seres humanos e gatos nem sempre foi pacífica. A personalidade independente, a elegância os hábitos mais noturnos e solitários dos gatos despoletaram sentimentos mistos nas diversas culturas e épocas pelas quais passaram.

À conquista das nações

É bem conhecida a reverência e fascínio do povo do antigo Egito pelos gatos. Apesar de não terem sido os primeiros a “domesticar” os gatos como anteriormente se pensava, certamente tiveram um papel histórico fundamental na forma como os apreciamos e nos relacionamos com eles, tendo chegado a considerá-lo um animal divino.
Deusa Bastet, em exposição no Museu Britânico
DEUSA BASTET, EM EXPOSIÇÃO NO MUSEU BRITÂNICO
Mosaico da Deusa Bastet
MOSAICO DA DEUSA BASTET | IMAGEM: ANCIENT HISTORY ENCYCLOPEDIA
deusa egípcia Bastet era representada com a forma de um gato, à qual era atribuída uma personalidade afável e forte. Diversos templos foram construídos em sua honra e milhares de gatos foram mumificados, uma prática reservada às pessoas mais importantes, como por exemplo o próprio Faraó. Os arqueólogos descobriram um cemitério em Beni-Hassan que continha nada menos do que 300 mil gatos mumificados, o que significa que o povo egípcio fazia criação ativa de gatos domésticos.
Os egípcios puniam com a pena de morte qualquer pessoa que ousasse matar um gato.
Para protegerem os seus preciosos felinos, impuseram também leis que proibiam a exportação dos gatos para outros países. No entanto, esta proibição só tornou os gatos ainda mais valiosos, o que deu origem ao transporte clandestino das “raridades” para outros países, onde eram vendidos por um preço elevado. O assunto era tido como tão sério que foram criadas “delegações governamentais” cujo único propósito era encontrar os locais para onde os gatos tinham sido clandestinamente enviados e trazê-los de volta para o interior do Egito.
Os destinatários eram os países banhados pelo Mar Mediterrâneo, que receberam os gatos provavelmente transportados em barcos fenícios.
Na Pérsia, também começaram a ser venerados. Havia a crença de que quem matasse um gato preto, estaria a matar um espírito amigo, criado especificamente para fazer companhia ao Homem na sua passagem pela Terra.
Na Grécia, os gatos não tiveram a mesma facilidade em ganhar o seu espaço junto das pessoas, pois os gregos já tinham o seu próprio controlador de roedores: as doninhas.
Mosaico de Pompeia, soterrado pela erupção do Vesúvio em 79 d.C.
MOSAICO DE POMPEIA, SOTERRADO PELA ERUPÇÃO DO VESÚVIO EM 79 D.C. | IMAGEM: ANCIENT HISTORY ENCYCLOPEDIA
Na Roma antiga, os gatos tiveram um papel importante como animais caçadores e animais de companhia, embora fossem considerados mais um símbolo de independência do que um animal de utilidade – uma situação que se agravou depois de o Imperador Teodósio banir os cultos pagãos: a deusa Diana tinha a imagem de um gato e rituais ligados à lua, algo que começou a não ser bem visto.
Ainda assim o Império Romano contribuiu para que os gatos formassem colónias em várias partes da Europa, pois viajavam com eles nos barcos enquanto os romanos expandiam o seu império.
"Cats in the Garden" por Mao Yi, séc. XII
“CATS IN THE GARDEN” POR MAO YI, SÉC. XII | IMAGEM: WIKIMEDIA COMMONS
Na China, o gato era visto essencialmente como um animal de companhia para as mulheres. O brilho dos olhos dos gatos durante a noite passou a ser interpretado como um poder especial para afastar demónios.
Xilogravura do artista japonês Tachibana Morikuni, de 1720
XILOGRAVURA DO ARTISTA JAPONÊS TACHIBANA MORIKUNI, DE 1720
No Japão, o gato foi oficialmente introduzido no ano 999 d.C, oferecido ao imperador Ichijo como presente de aniversário. O gato foi muito bem aceite na sociedade japonesa e os gatos tricolores passaram a ser os favoritos, símbolos de sorte e prosperidade. Era proibido por lei meter um gato dentro de uma jaula ou vendê-lo.
O gato doméstico terá chegado à América a bordo dos navios de Cristóvão Colombo e outros navegadores, chegando mais tarde (por volta do séc. XVII) à Austrália ao viajarem junto dos colonizadores europeus.

A perseguição religiosa

O estatuto que os gatos tinham conquistado junto das pessoas, mudou drasticamente na Europa Medieval.
Os seus hábitos noturnos, personalidade enigmática, olhos brilhantes e caminhar silencioso diferenciavam o gato de qualquer outro animal e, numa Europa dominada pela Igreja Católica e assustada pelo aparecimento da peste negra (que se acreditava ter sido um castigo enviado por Deus) fizeram com que as pessoas começassem a associar os gatos a espíritos malignos, bruxaria e cultos satânicos.
Ilustração do séc. XVII associando os gatos às bruxas
ILUSTRAÇÃO DO SÉC. XVII ASSOCIANDO OS GATOS ÀS BRUXAS
"A Poção do Amor", pintura de Evelyn de Morgan em 1903, com uma bruxa e um gato preto
“A POÇÃO DO AMOR”, PINTURA DE EVELYN DE MORGAN EM 1903, COM UMA BRUXA E UM GATO PRETO
O Papa Inocêncio VII, no séc. XV, incluiu os gatos na lista dos seres hereges e muitos gatos, em particular gatos pretos, foram queimados vivos junto com os seus donos, nas fogueiras do Santo Ofício.
Sobre esta época tormentosa, Desmond Morris escreveu:
Como os gatos eram vistos como maléficos, todos os tipos de poderes assustadores lhes foram atribuídos pelos escritores da época. Diziam que os seus dentes eram venenosos, a sua carne tóxica, o seu pêlo letal (causaria asfixia se acidentalmente engolido) e o seu hálito infecioso, destruindo os pulmões e provocando consumo (NR: um dos nomes dados naquele tempo à tuberculose, devido à abrupta perda de peso dos infetados).
Esta “paranóia” com os gatos foi tão longe que nem as publicações supostamente credíveis melhoravam a situação, bem pelo contrário, como continua a descrever Desmond Morris:
Até mesmo em 1658, Edward Topsel, num trabalho sério de história natural [escreveu]: os familiares das bruxas aparecem geralmente na forma de gatos, o que atesta em como esta besta é perigosa para o corpo e a alma.
Ironicamente, o massacre dos gatos nos rituais cristãos parece ter contribuído largamente para a disseminação da peste negra, transportada pelos ratos que ficaram praticamente sem inimigos naturais. A peste negra acabou por matar cerca de 75 milhões de pessoas, um terço de toda a população da época.
A perseguição aos gatos só teve fim durante o reinado de Luís XIV, Rei de França.

Um regresso triunfal

Winston Churchill acaricia Blackie, o gato oficial do navio HMS Prince of Wales
WINSTON CHURCHILL ACARICIA BLACKIE, O GATO OFICIAL DO NAVIO HMS PRINCE OF WALES | FOTOGRAFIA: WIKIMEDIA COMMONS
Os gatos vieram a recuperar a sua reputação quando começaram a acompanhar as tripulações nos navios, ajudando a manter os alimentos dos marinheiros a salvo dos roedores.
Mais tarde, devido ao seu tamanho pequeno, hábitos de higiene, beleza, agilidade e afetuosidade, começaram a ser vistos como animais finos e a oferecerem uma boa reputação social aos seus donos.
Gato persa azul apresentado à Rainha Vitória de Inglaterra
GATO PERSA AZUL APRESENTADO À RAINHA VITÓRIA DE INGLATERRA
A Rainha Vitória de Inglaterra (1819-1901) começou a interessar-se por gatos à medida que iam sendo divulgadas as descobertas arqueológicas no Egito sobre a adoração que aquele povo tinha pelos pequenos felinos. Por esta altura estavam a ser publicadas e catalogadas todas as gravuras e estátuas da deusa Bastet recuperadas pelos arqueólogos e a consequente associação do gato a reinados e divindades.
A Rainha decidiu então adotar dois persas azuis, que tratou como elementos da sua corte. Sendo uma Rainha popular, a adoção dos gatos rapidamente virou moda e chegou ao Estados Unidos através da revista mais popular da época, Godey’s Lady’s Book (1830-1878). Num artigo da revista publicado em 1860, era afirmado que os gatos não se destinavam apenas ás pessoas mais idosas ou a monarcas, mas que toda a gente se deveria sentir confortável em abraçar o “amor e a virtude” do gato.
Pouco depois, em 1871 realizou-se a primeira exposição de gatos, no Crystal Palace em Londres. Em 1895, toda a avenida de Madison Square Garden, em Manhattan, recebia com grande entusiasmo e popularidade a primeira exposição de gatos nos EUA.
A história do gato doméstico
FOTOGRAFIA: WIKIMEDIA COMMONS
Hoje em dia, os gatos são presença assídua nas nossas casas e companheiros inseparáveis das nossas vidas.
Existem mais de 600 milhões de gatos a viver entre nós, o que já fazem deste oanimal de estimação mais popular em todo o mundo.
www.mundodosanimais.pt
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