Editorial
Trovoada
O alentejano tem um afeto, uma gentileza, muito grande
pelo tempo. Talvez melhor: o alentejano tem um respeito
inflexível pelo tempo. Pelo tempo que passa. Mas também
pelo tempo que faz. Do tempo, daquele que passa, as
horas, os dias, as estações, as gerações, faz o alentejano
um uso tão avarento e apurado, como se estivesse a
desmanchar um porco. Tudo se aproveita. Desde as
vísceras às boias de toicinho. Todas as farripas de carne. E
até os ossos do tempo dão sabor a uma qualquer cozedura.
Costumam os estrangeiros de Portugal, talvez por isso
mesmo, chacotear com o uso que o alentejano faz do tempo
que passa.
Chamam preguiça ao que o alentejano entende por vagar.
Apelidam de lentidão aquilo que o alentejano acredita ser a
própria razão de existir. Nomeiam de pachorrento um ser
que, afinal, apenas tem uma questão muito profunda e
antiga com o tempo. Com o tempo que passa. E, já agora,
com o tempo que faz. Com as soalheiras. Com as
ventanias.
Com as cargas de água. Aludir ao tempo que faz é a melhor
maneira que o alentejano encontrou para matar o tempo
que passa. Dizem que foram os antigos egípcios que
inventaram as ciências meteorológicas. Através da
observação obstinada, repetida, metódica dos fenómenos
atmosféricos.
Mas isso é porque nunca foi feita uma investigação histórica
e antropológica profunda sobre o alentejano. Assim, resta-
nos a memória. E as lembranças, transmitidas de geração
em geração, dizem-nos que o alentejano sempre teve
tarde se põe assim, amanhã está um calor que não se pode.
Se o vento sopra assado, vem aí uma borrasca das antigas.
Se as nuvens se juntam daquela maneira é porque a coisa
não está lá muito famosa. Nisto da predição do tempo que
faz, ninguém bate o alentejano. Mais do que um adivinho, é
um verdadeiro sábio. Sensível como o mais afinado dos
anemómetros. Mesmo o alentejano menos fadado para
as decifrações da geofísica acaba por ser um verdadeiro
especialista. Já se disse que o alentejano gosta de matar o
tempo que passa falando do tempo de faz. Há povos e
culturas que matam o tempo falando de comida, do
trabalho, da política. O alentejano fala do tempo. Seja no
pino da canícula ou nas rijezas do inverno. Seja na
mercearia, no gabinete ou na mesa da sueca. O alentejano
fala do tempo que faz porque o percebe, porque o tenta
prever, porque sabe que nunca o poderá controlar. E por
isso o respeita com uma religiosidade elevada ao grau
santíssimo. Sem alertas coloridos. Nem alarmes. Para hoje
dão trovoada.
Temos conversa para uma semana. É assim…
pelo tempo. Talvez melhor: o alentejano tem um respeito
inflexível pelo tempo. Pelo tempo que passa. Mas também
pelo tempo que faz. Do tempo, daquele que passa, as
horas, os dias, as estações, as gerações, faz o alentejano
um uso tão avarento e apurado, como se estivesse a
desmanchar um porco. Tudo se aproveita. Desde as
vísceras às boias de toicinho. Todas as farripas de carne. E
até os ossos do tempo dão sabor a uma qualquer cozedura.
Costumam os estrangeiros de Portugal, talvez por isso
mesmo, chacotear com o uso que o alentejano faz do tempo
que passa.
Chamam preguiça ao que o alentejano entende por vagar.
Apelidam de lentidão aquilo que o alentejano acredita ser a
própria razão de existir. Nomeiam de pachorrento um ser
que, afinal, apenas tem uma questão muito profunda e
antiga com o tempo. Com o tempo que passa. E, já agora,
com o tempo que faz. Com as soalheiras. Com as
ventanias.
Com as cargas de água. Aludir ao tempo que faz é a melhor
maneira que o alentejano encontrou para matar o tempo
que passa. Dizem que foram os antigos egípcios que
inventaram as ciências meteorológicas. Através da
observação obstinada, repetida, metódica dos fenómenos
atmosféricos.
Mas isso é porque nunca foi feita uma investigação histórica
e antropológica profunda sobre o alentejano. Assim, resta-
nos a memória. E as lembranças, transmitidas de geração
em geração, dizem-nos que o alentejano sempre teve
tarde se põe assim, amanhã está um calor que não se pode.
Se o vento sopra assado, vem aí uma borrasca das antigas.
Se as nuvens se juntam daquela maneira é porque a coisa
não está lá muito famosa. Nisto da predição do tempo que
faz, ninguém bate o alentejano. Mais do que um adivinho, é
um verdadeiro sábio. Sensível como o mais afinado dos
anemómetros. Mesmo o alentejano menos fadado para
as decifrações da geofísica acaba por ser um verdadeiro
especialista. Já se disse que o alentejano gosta de matar o
tempo que passa falando do tempo de faz. Há povos e
culturas que matam o tempo falando de comida, do
trabalho, da política. O alentejano fala do tempo. Seja no
pino da canícula ou nas rijezas do inverno. Seja na
mercearia, no gabinete ou na mesa da sueca. O alentejano
fala do tempo que faz porque o percebe, porque o tenta
prever, porque sabe que nunca o poderá controlar. E por
isso o respeita com uma religiosidade elevada ao grau
santíssimo. Sem alertas coloridos. Nem alarmes. Para hoje
dão trovoada.
Temos conversa para uma semana. É assim…
fotografia: Nicola Di Nunzio/Arquivo Diário do Alentejo
Paulo Barriga
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