A CAUSA PELO EFEITO
Alfred Eisenstaedt | Students attend services at the General Theological Seminary of the Episcopal Church, NY, 1939
Porquê? Ao contrário do que habitualmente se pensa e diz, não há padres pedófilos. Há, sim, pedófilos padres. Ser padre não faz de um homem pedófilo, ninguém é pedófilo por ser padre. Ser pedófilo é que pode levar um homem a desejar de ser padre.
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“São muitos, muitos em número, mas não em proporção.” A afirmação foi proferida pelo Papa Francisco em Abril na audiência de uma delegação do Departamento Internacional Católico para a Infância, uma ONG dedicada aos direitos das crianças. Francisco, que este ano pela primeira vez assumiu que a pedofilia abrange 2% dos padres católicos, disse carregar sobre si o peso de todos esses abusos e ter de pedir perdão por eles. Depois de anos de tabu, hoje a igreja admite que os abusos sexuais que ocorrem na igreja são especialmente censuráveis.
“Ganha uma gravidade ainda maior”, lê-se nas directrizes sobre como lidar com estes casos aprovadas em 2012 pela Conferência Episcopal Portuguesa. Mas como explicar o fenómeno?
O Ministério Público confirmou ontem ter aberto um inquérito após lhe ter sido remetida, pela diocese do Porto, a denúncia de abusos sexuais a menores por parte do actual sacerdote de Fafe.
O Ministério Público confirmou ontem ter aberto um inquérito após lhe ter sido remetida, pela diocese do Porto, a denúncia de abusos sexuais a menores por parte do actual sacerdote de Fafe.
A arquidiocese de Braga, à qual pertence o padre, declarou que Abel Maia foi suspenso enquanto decorrem as investigação mas disse confiar por agora na sua inocência. Segundo as normas da igreja o caso foi também enviado para o Vaticano que apreciará os factos. Se os considerar credíveis decidirá o destino do padre. Nos últimos dez anos, o Vaticano recebeu 3400 denúncias deste género e excomungou 848 padres, a pena mais dura da lei canónica. Foram aplicadas sanções menos graves noutros 2500 casos.
As suspeitas que recaem sobre o pároco de Fafe remontam a 2003, quando Abel Maia era padre da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Padres Dehonianos). Segundo o “Correio da Manhã”, que ontem noticiou o caso, em causa estarão abusos não só nesta congregação mas também nos seminários de Funchal e Coimbra. No ano passado, o ex-vice-reitor do seminário do Fundão foi condenado a 10 anos de prisão por 19 crimes de natureza sexual contra seis menores, processo que ainda não transitou em julgado já que o acórdão está a ser revisto.
Apesar de alguns casos pontuais, Portugal não surge no mapa mundial da pedofilia na igreja e não é mencionado no relatório mais completo feito até à data, discutido na ONU em Maio. Não havendo estudos nacionais, a dificuldade em perceber porque é que há padres pedófilos parece ser universal.
“Não há uma resposta clara”, diz Álvaro Carvalho, psiquiatra, que ressalva contudo que é de longe no contexto familiar que a pedofilia é mais comum. O celibato e a dificuldade de algumas pessoas de reprimir o natural desejo sexual, o facto de a igreja ter instituições onde existe hipótese de contacto com muitas crianças ou mesmo a ideia de que pode haver um círculo vicioso – já que muitos padres entram jovens nos seminários, podem ter sido abusados e uma das características de alguns abusadores é terem sido vítimas em crianças, são algumas hipóteses em cima da mesa, explica Rui Abrunhosa Gonçalves, psicólogo forense.
Álvaro Carvalho argumenta que o celibato sempre foi a grande suspeita mas estudos recentes feitos em igrejas, cristãs ou não, em que tal não é exigido e onde também existe pedofilia, sugerem que o celibato não será a causa. Como não é, de todo, a homossexualidade. A psiquiatria afasta a orientação sexual, seja ela qual for, do desejo por menores, que é considerado um comportamento desviante.
Para o psiquiatra, começa a desenhar--se uma ideia mais relacionada com determinada estrutura mental, a que apele a vocação de sacerdote. Uma hipótese é um desvio narcísico – que pode levar algumas pessoas a procurar o sacerdócio por aquele ser um lugar de intermédio entre homem e divindade, que a psicanálise associa a alguns abusadores. “Acabam por apaixonar-se por jovens como se estivessem a apaixonar-se por uma parte de si que nunca foi realizada, que se mantém em aberto.”
o perfil Se por cá não há estudos, Thomas Plante, autor de dois livros sobre o assunto nos EUA e professor de psicologia na Universidade de Santa Clara, conta que com base nos casos que tem acompanhado é possível estabelecer um perfil dos padres abusadores. Mas antes disso, explica que apesar de a incidência parecer alta, é semelhante à taxa de abusadores entre professores de escolas públicas nos EUA. “Não é mais provável os padres abusarem de crianças do que os outros homens, Simplesmente recebem muito mais atenção porque se espera deles mais do que dos homens no geral”, disse ao i.
Nos últimos anos, tem seguido 50 padres que abusaram de crianças e concluiu duas coisas: têm um QI mais elevado e um nível de instrução superior ao que é normal nos abusadores. São também comuns perturbações mentais ao nível do controlo de impulsos, dependência de álcool e drogas, ausência de relações de amizade em adultos e historial de abuso sexual em crianças. E se muitos se sentem esmagados pela culpa – central na doutrina cristã– isso não acontece com todos. “A maioria sente-se muito mal pelo que fez e muitas vezes tem pensamentos suicidas. Mas alguns são assustadores porque pensam que não fizeram nada de mal”, diz.
Uma das medidas da igreja para prevenir o problema, lê-se nas directivas de 2012, é o escrutínio da admissão do sacerdócio, com recurso a meios de diagnóstico e recolha de informações sobre o carácter e a personalidade. “Insistir-se-á com os candidatos e, particularmente, com os seminaristas, na necessidade de ter abertura para falar e trabalhar de maneira sistemática com os seus formadores, sobre a história do próprio desenvolvimento psicossexual”, refere-se.
Rui Abrunhosa Gonçalves diz que o acompanhamento é vital, mas deve ser feito por especialistas. Por outro lado, sublinha que não há testes infalíveis: a igreja como outras instituições com jovens institucionalizados – mais vulneráveis por terem dificuldades de vinculação e afectivas que os deixam menos na defensiva – deve perceber que é um “contexto de risco” e adoptar medidas preventivas. Impor regras para que, por exemplo, em retiros haja sempre dois elementos com os jovens é uma das recomendações, mas sobretudo estar atento aos sinais que indiciam abuso, como alterações bruscas de comportamento.
Álvaro Carvalho acredita que, para combater os abusos em toda a sociedade, um bom contributo da igreja seria uma disciplina menos rígida sobre a sexualidade. “Basta pensar que durante anos havia padres com relações amorosas”, diz. Plante resume a receita dos EUA: testes psicológicos, formação e regras de conduta foram algumas das medidas implementadas e o país, centro dos maiores escândalos, regista agora 12 casos/ano. “O Vaticano está a trabalhar muito. O problema é que nem todos os países têm crises como tivemos que obrigam a mudar e nem todos os bispos são receptivos à mudança. Não vamos resolver isto até haver procedimentos integrados em toda a igreja e até todos os bispos levarem o assunto muito a sério.”
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