O que não querem que se saiba acerca da corrupção
por Bruno Carvalho
"Entre o absurdo da cobertura noticiosa da detenção de José Sócrates, sobraram poucos artigos lúcidos sobre a corrupção. Em geral, procura-se individualizar o caso, lançando o ónus da prova sobre o ex-primeiro-ministro e, sobretudo, tenta-se excluir do debate a corrupção enquanto fenómeno do sistema político e econômico em que vivemos. Há, inclusive, quem se atreva a garantir que a justiça portuguesa deve ser felicitada porque dá mostras de ser efectiva na luta contra a corrupção. No fundo, José Sócrates seria uma espécie de maçã podre numa árvore saudável e robusta. Mas não é assim. A corrupção não é uma simples doença que possa ser curada pelos tribunais. A corrupção é sistêmica. É uma praga intrínseca ao sistema económico em que vivemos e alastra-se pelos corredores dos luxuosos escritórios bancários, empresariais e partidários. Também se arrasta pelas redacções, importante ferramenta de controlo mediático."
Há quem duvide de que não há um só banqueiro ou administrador de um grande grupo económico que não tenha o contacto de autarcas, deputados, ministros, primeiro-ministros e chefes-de-Estado nas agendas dos seus telemóveis?
Há quem duvide de que a maioria dos escritórios de advogados em que trabalha uma parte dos deputados que exerce essa profissão não sobreviveria sem as empreitadas que os principais bancos e empresas lhes oferecem a troco de determinadas decisões políticas? Num Estado democrático, não pode ser normal que um ministro das Obras Públicas acabe como administrador da maior empresa de construção do país e também não pode ser normal que um administrador de uma companhia de seguros de saúde acabe como ministro da Saúde.
Entre o absurdo da cobertura noticiosa da detenção de José Sócrates, sobraram poucos artigos lúcidos sobre a corrupção. Em geral, procura-se individualizar o caso, lançando o ónus da prova sobre o ex-primeiro-ministro e, sobretudo, tenta-se excluir do debate a corrupção enquanto fenómeno do sistema político e econômico em que vivemos. Há, inclusive, quem se atreva a garantir que a justiça portuguesa deve ser felicitada porque dá mostras de ser efectiva na luta contra a corrupção. No fundo, José Sócrates seria uma espécie de maçã podre numa árvore saudável e robusta. Mas não é assim. A corrupção não é uma simples doença que possa ser curada pelos tribunais. A corrupção é sistêmica. É uma praga intrínseca ao sistema económico em que vivemos e alastra-se pelos corredores dos luxuosos escritórios bancários, empresariais e partidários. Também se arrasta pelas redacções, importante ferramenta de controlo mediático.
Não nos cabe dizer se Passos Coelho devia estar preso pela sua relação com a Tecnoforma, se Paulo Portas devia estar preso pela venda dos submarinos ou se Cavaco Silva devia estar preso pelas suas ligações ao BPN. A tragédia que vivemos há mais de três décadas tem culpados e sobre as cinzas da nossa pobreza decidiram construir o sistema em que vivemos. Independentemente de lhes poderem ser imputados crimes, Passos Coelho, Paulo Portas, Cavaco Silva, e os seus antecessores no poder, fossem do PS, PSD ou CDS-PP, são responsáveis pelo sequestro da política pelos grandes grupos econômicos e financeiros. Se os escândalos de corrupção nos entram à bruta pelos ecrãs é também por culpa deles. O que eles queriam mas não podem seria fazê-lo às claras. Queriam fazê-lo como nos Estados Unidos em que o lobby é legal e o patrocínio de bancos e empresas a campanhas eleitorais é algo perfeitamente natural. Não há qualquer limite para as contribuições das grandes multinacionais que enchem os bolsos dos Democratas e Republicanos.
A crise do sistema capitalista não só aprofundou a pobreza mas também agudizou as contradições entre os próprios capitalistas e os seus representantes políticos. Esta guerra que se desatou contra os trabalhadores e os povos é a tradução de uma necessidade cada vez maior de acumular riqueza por parte de uma minoria da população. Aqueles que nos acusam de termos vivido acima das nossas possibilidades foram os que instigaram a especulação e o jogo financeiro. A explosão financeira, recordemo-lo uma vez mais, tem raízes em operações à margem das leis que os seus próprios deputados aprovaram. As limitações legais à corrupção são fruto da cedência dos capitalistas na batalha política em que a dialéctica expõe os avanços e recuos de exploradores e explorados. Agora, mais do que nunca, as relações entre o poder econômico e o poder político são não só mais visíveis mas também as suas consequências. Curiosamente, era este mesmo ambiente que se vivia durante a grande crise capitalista dos anos 20. O ambiente das máfias, da corrupção, do tráfico de influências, da lavagem de dinheiro, do despudor absoluto entre oligarcas e políticos.
Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, foi acusado de beneficiar empresas através de um acordo secreto que permitiu a centenas de multinacionais não pagar milhões de euros em impostos, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy foi acusado de receber milhões da marca L'Oreal para financiar a sua campanha eleitoral, no Estado espanhol, dezenas de membros do PP e da Casa Real caíram nas malhas da justiça acusados de todo o tipo de crimes. Atentemos bem, de uma vez por todas, os fenômenos de corrupção a que assistimos não são um acidente de percurso, obra da falta de moral de uma pessoa, são consequência directa da relação entre os grandes grupos econômicos e financeiros e os políticos que os representam. Só a luta por uma alternativa política e uma política alternativa podem resgatar o poder político das mãos dos que nos lixam a vida há demasiado tempo.
Fonte: diário Liberdade
Sem comentários:
Enviar um comentário