Poderão os magistrados dar um golpe de estado?
Nos últimos dias têm-se multiplicado as afirmações de confiança na justiça e ao mesmo tempo que uns exultam porque a malta de Mação é muito corajosa outros garantem sem a justiça não há democracia, ao mesmo tempo que designam todas as dúvidas por teorias da conspiração. Só que a justiça é feita de duas coisas, de princípios e de homens e quando se afirma a confiança ilimitada e incondicional nessa coisa abstracta que designam por justiça contam que os princípios vinguem independentemente do risco de incompetência ou má fé dos homens.
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Dizem-nos para não confiar nos políticos e confiarmos nos magistrados, os primeiros devem ter o estatuto de tendencialmente corruptos enquanto os segundos são umas prima donas da democracia, os sacerdotes que rezam no altar da democracia. Mas o facto é que não é aos juízes formados nos tribunais plenários que devemos os bons princípios da nossa justiça e da Constituição, é aos políticos e aos militares, não foram os juízes que construíram a democracia ainda que hoje se considerem os seus donos e protectores.
Eu confio na justiça e nos seus valores e acima dessa justiça e dos seus valores confio ainda mais na democracia e nas suas instituições soberanas eleitas pelos cidadãos, porque essas representam a nossa vontade colectiva e os seus agentes não foram escolhidos por nenhuma escola onde há copianços colectivos mas sim pelos eleitores. E agora que tanto se diz que sem justiça não há democracia defendo que é ao contrário, sem democracia é que não há justiça, não foram os magistrados que criaram as instituições democráticas, foi a democracia e os democratas, muitos deles com muitos anos de cadeia decididos por meritíssimos juízes que criaram a justiça tal como a temos no plano dos princípios e dos valores, já que quanto aos seus agentes isso é coisa do tal Centro de Estudos Judiciários que está para a justiça como as academias militares estão para a tropa ou os seminários estão para os padres.
Podem os magistrados promover um golpe de Estado? Podem. Não no sentido clássico de derrubarem um poder e lá porem depois um Procurador-Geral, da mesma forma que os golpes militares promoviam o seu chefe a presidente, como ainda recentemente sucedeu em África. Mas com processos cirúrgicos podem eliminar políticos, chamando a si a competência para decidir quem pode ou não governar. É evidente que um processo iniciado com uma carta anónima, com denúncias de neo-nazis ou com uma comunicação de um banco podem depois ser arquivadas depois de devidamente investigadas, não se pode dizer que a justiça não foi exemplar, mas o político visado foi, entretanto, assado no fogo lento das campanhas de informação onde se misturam mentiras com violações do segredo de justiça e com acções mediáticas como prisões à saída do avião ou mesmo em pleno parlamento.
Podemos confiar nos magistrados? Se temos medo da incompetência dos médicos, da prepotência dos militares, da corrupção dos políticas porque havemos de pensar que os magistrados ou quaisquer outros profissionais receberam uma vacina que os protege da incompetência, do abuso, da má fé ou mesmo da corrupção? As nossas leis podem ser muito perfeitinhas e elaboradas a pensar em todos os direitos e mais algum, mas a verdade é que há muitos cidadãos destes país cuja vida foram destruídas sem terem chegado a tribunal e alguns deles até mereceram da justiça que os destruiu um atestado de que estava, afinal inocentes.
É impossível ignorar que quando Durão Barroso estava em dificuldades nas sondagens surgiu o caso Casa Pia e não foi apenas Paulo Pedroso o atingido, o então secretário-geral do PS Ferro Rodrigues (bom recordar que quem divulgou a falsa acusação a Ferro Rodrigues foi o digníssimo Expresso, que pertence ao mesmo grupo que detêm a televisão que com a CMTV partilhou o exclusivo da detenção de Sócrates - Público) também teve o nome manchado e contra eles foram dirigidas acusações de pedofilia. Na segunda vez em que Sócrates se candidatou a primeiro-ministro estalou o Caso Freeport e agora que a direita volta a estar em apuros surge este caso. Podemos falar de teorias da conspiração, de meras coincidências ou dizer como os espanhóis que “yo no cre o en brujas, pero que las hay, las hay”. Enfim, se calhar também é coincidência os jornais e jornalistas que têm acesso aos segredos da justiça serem os mesmos.
A justiça bem administrada é indispensável à democracia e necessária ao desenvolvimento do país, mas, quer se queira quer não, é também verdade que a justiça portuguesa nunca foi grande coisa, em toda a nossa história, desde os autos de fé da inquisição aos actuais espectáculos, nunca nos proporcionou muitas alegrias, durante a ditadura foi mesmo uma vergonha e em democracia também não tem sido grande coisa, a grande diferença é que as fogueiras da Inquisão eram alimentadas de lenha e as actuais são alimentadas com notícias das Felícias Cabritas. A democracia não deve nada às nossas magistraturas, elas é que devem à democracia um estatuto de remuneratório, social e uma dignidade que nunca tiveram em ditadura.
Este caso judicial é a oportunidade para de uma vez por todas a justiça portuguesa mostrar ao país se está do lado da verdade, da justiça e da democracia portuguesa ou se está ao serviço de estratégias corporativas como a dos sindicatos que fazem congressos de luxo com o alto patrocínio do BES ou das associações sindicais que vasculham as contas dos governantes que lhes reduziram as férias de três meses para um mês. Não está em causa inocentar ou culpar Sócrates ou seja quem for, está em causa se os magistrados impedem que a uma qualquer jornalista do Sol tenha acesso aos seus “segredos”, está em causa saber se o calendário judicial está ou não ajustado ao calendário político, está em causa se é mesmo necessário esperar um arguido à saída da manga de um avião como se fosse um traficante mexicano.
Mais do que uma crença na justiça e nos magistrados tenho confiança na democracia e nos democratas, é a eles que devo a liberdade e já que a legalidade democrática é tantas vezes violada é nos democratas em quem o povo vota sem influencias maldosas alheias ao processo político que confio, a sede da democracia é o parlamento e não os tribunais e muito menos um qualquer tribunal de instrução ou um gabinete de um magistrado do Ministério Público. Se Sócrates merecer uma condenação então que seja condenado, mas enquanto isso não vier a acontecer não restam quaisquer dúvidas que nestes três dias já foram cometidos muitos crimes e muitas violações das mais elementares regras da justiça e da democracia que, como é costume, ficam sempre impunes.
jumento.blogspot.pt
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