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terça-feira, 22 de abril de 2014

HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL 30ª PARTE - DESERTORES & TRAIDORES - CRONOLOGIA DA GUERRA COLONIAL - ALBUM DE RECORDAÇÕES GUINÉ - EM BUSCA DO PAI TUGA - OPERAÇÕES ENCOBERTAS

UMA SELECÇÃO DE VÍDEOS      




ANGOLA É NOSSA ! 



Adeus até ao meu regresso (propaganda fascista)

Os Operacionais (imagens da Guerra Colonial)


tudo pela Nação (propaganda fascista)





heróis do ultramar ( o colonialiosmo)




Desertores & Traidores


A percentagem de jovens que desertaram do país para se livrar da guerra em África foi de cerca de 11% em 1961, número que aumentaria em todos os anos até chegar a cerca de 20% na década de 1970. Os motivos da deserção foram os mais variados, desde a motivação política, a objecção de consciência, motivos económicos, sociais ou outros. O destino principal foi a França, que alcançaram “a salto” e por lá se mantiveram até ao regresso “triunfante” depois do 25 de Abril.




Trago este tema “à baila” porque no site do candidato presidencial Manuel Alegre deparei com um comunicado, que pode ser lido AQUI,  onde afirma que cumpriu o serviço militar. Face a rumores que têm corrido sobre este tema viu-se na necessidade de clarificar a sua situação militar e agora já todos ficamos a saber que aqueles que persistirem nesta dúvida da sua vida militar estão sujeitos a processo judicial.
A grande maioria dos militares que cumpriram o seu dever em terras de África, sabe muito bem que o candidato também foi um dos que lá esteve e por isso não pode ser “desertor”, mas é um facto que este termo é usado frequentemente como sinónimo de “traidor”, e  deste último rótulo, parece que também seria necessária uma clarificação, pelo seu papel que desempenhou na rádio “Voz da Liberdade” em Argel onde esteve refugiado desde 1964.




Ouvir a voz de alguém que fez juramento militar, que cumpriu o seu serviço e por isso não é “desertor” apelando aos jovens portugueses para que não embarquem para a guerra em África ou incentivando aqueles que lá estão a depor as armas, faz lembrar o discurso de S.Tomás: “Faz o que ele diz, não faças o que ele faz.”

Sobre este tema da deserção, aqui se transcreve um artigo jornalístico:
Opinião
Claro que Alegre não desertou
12-05-2010 Ferreira Fernandes, DN
No seu site, ontem: “Manuel Alegre Melo Duarte cumpriu o serviço militar, nomeadamente em África e em situações de combate.” Alegre, de quem se dizia que foi um desertor, teve de vir dizer que não o foi, esteve em Angola, em situações de combate, foi preso e mandado regressar a Portugal – de onde, na iminência de ser preso pela PIDE, exilou-se, em 1964. Parecerá uma declaração insólita mas as calúnias que há para aí (o para aí são as caixas de comentários que a Internet permite) obrigaram Alegre a fazê-la.
Calúnia batida: ele teria pisado a bandeira portuguesa. Ora Alegre já respondeu a isso e há muito: os seus poemas dos anos 60 são de um homem que amava o seu país. Mas de que vale a palavra contra a insídia? Alegre foi obrigado a vir dizer que não foi um desertor. Eu, que desertei em 1969 e voltaria a fazê-lo se me obrigassem a participar na guerra colonial do lado que não era o meu, sei que ele não foi um desertor (e, já agora, eu também não, mas isso não interessa). Ele não desertou porque teve opinião, por a ter foi preso e teve de se exilar – e não me apetece ter de explicar que ir para o exílio não era o caminho mais fácil. Desertores, nos anos 60, foram os que calaram. Eu, como não sou candidato a nada, estou-me borrifando para as caixas de comentários.



“Desertores, nos anos 60, foram os que calaram.” Meditem bem nesta frase deste “iluminado”. Afinal, quando a partir de Março de 1961, as catanas começaram a esquartejar os portugueses em Angola, aqueles que ali acorreram para os salvar da morte como a grande maioria o fez, são agora os “desertores”. Tentar dizer que a ida dos milhares de soldados que fizeram a  guerra em África significou um apoio expresso ao regime  vigente, merece o repúdio daqueles que cumpriram o seu dever.  Desertores, foram aqueles que à pala da pura cobardia fugiram ao seu dever de cidadania e solidariedade para os nossos concidadãos que cobardemente estavam a ser assassinados em África e regressaram anos mais tarde da clandestinidade  feitos “heróis”, arautos da liberdade, mas que efectivamente não passam de falsos moralistas.
Mário Mendes
cc3413.wordpress.com



Baltasar Leite Rebelo de Sousa)





















ultramar.terraweb.biz

ALBUM DE RECORDAÇÕES

Alguns militares do 1.º GRUPO
(Olha!!! eu também estou aqui......)
BISSUM - MESSE DOS GRADUADOS 

O REFEITÓRIO DE BISSUM
ABRIGOS EM BISSUM
Bissum, à esquerda o aquartelamento e à direita as tabancas, mais ao fundo a pista, é visível o grande mangueiro que imponente dava sombra para a cozinha.

VISTA DO QUARTEL DE BISSUM

Esta canoa, estava estacionada em Bissum nas traseiras do posto de transmissões e tinha sido apreendida ao então chamado "Inimigo"GUINÉ BISSAU - SPÍNOLA EM BISSUM-NAGAGUINÉ BISSAU - DO 27 ATERRA NA PISTA DE BISSUMGUINÉ BISSAU - MESSE DE GRADUADOS EM BISSUM
GUINÉ BISSAU - ABRIGOS EM BISSUM
Bissum, à esquerda o aquartelamento e à direita as tabancas, mais ao fundo a pista, é visível o grande mangueiro que imponente dava sombra para a cozinha.

2 FOTOS ENVIADAS POR ANTÓNIO REIS - 3.º GRUPO OPERACINAL
OLHA O ENXUTO A BEBER A SUA LOIRINHA !!!!!!
GUINÉ - QUARTEL DE TRMS (1972)(Enviada por Castro)

GUINÉ (Enviada por Castro)
GUINÉ BISSAU - PALÁCIO DO GOVERNADOR (Anos 70)GUINÉ BISSAU - PALÁCIO DO GOVERNADOR (Foto actual !!... GUINÉ - HOSPITAL MILITAR DE BISSAU (ANOS 70)GUINÉ - O HOSPITAL (ACTUALMENTE!!!......)A EMBOSCADA
BOLANHA 
UM PATRULHAMENTOCONSEQUÊNCIAS DE MINA
CRIANÇAS DA GUINÉNão é montagem....






Em busca do pai tuga

MANUEL ROBERTO

ATENÇÃO ! ESTIMADO LEITO(A)R SE PREFERIR DIMINUIR O TAMANHO DAS IMAGENS FAÇA FAVOR DE CLIKAR  NA MESMA

  •  No tempo da guerra colonial havia quem lhes chamasse "portugueses suaves", agora, há entre os ex-combatentes quem prefira "filhos do vento". Mas os filhos de militares portugueses com mulheres guineenses não conhecem esse nome poético. Na Guiné foram apelidados de "restos de tuga". Não tinham nascido ou ainda eram crianças quando os pais deixaram o país. Hoje andam na casa dos 40, 50 anos, mas quando falam do pai que querem conhecer é como se voltassem a ser crianças, choram quando dizem que se sentem "meia-pessoa". Houve um tempo em que Fernando pensava que o pai se chamava furriel
Pai, está lá! Oh pai, fiquei muito contente de termos oportunidade de falar hoje. Estou vivo e a minha mãe também. Olha, pai, não se sinta mal, é percurso de vida, não há ressentimento. Olha, pai, não tenha receio, fica tranquilo, eu sou homem, estou a trabalhar. Muito obrigada por o ter conhecido, pai. Que Deus o abençoe com a vida que tem aí."



Fernando Mota, 40 anos, não sabe há quantos anos anda às voltas com este diálogo na cabeça, às vezes muda-lhe pequenos detalhes, junta-lhe palavras, tira-lhe outras, esta é a versão mais recente. O diálogo é, na verdade, um monólogo imaginário, nunca passou disso, porque na sua cabeça é como se ele pudesse dizê-lo assim, tal e qual o pensou, sem interrupções, com o tom doce que está a usar agora. Fernando é professor de História e Geografia no Liceu Jorge Ampa, em Bissau.
Fernando Mota sonha muito ouvir a voz do pai ao telefone, mas nunca imaginou quais seriam mesmo as palavras que diria se conseguisse descobrir o seu número de telefone lá longe, em Portugal, e ele respondesse do outro lado da linha, como aconteceu com alguns filhos de ex-militares. Prefere agarrar-se a este monólogo perfeito, como se estivesse resignado com a possibilidade de nunca vir a realizar-se além da sua imaginação, pacificado com a ideia de nunca vir a ouvir a voz desse soldado português que esteve na Guiné há 42 anos e que é seu pai.

Se Fernando Edgar da Silva conhecesse Fernando Mota, talvez oachassedemasiado sentimental. Ele imaginou-se mesmo cara a cara com o pai, só que, na cena em causa, o pai estendia-lhe a mão para lhe dar um passou-bem e Fernando espetava-lhe um murro. Houve uma altura em que só sentia raiva pelo pai português, mais ainda quando teve quase a certeza de que não o ia conseguir descobrir. Houve um tempo em que pensava que o pai se chamava furriel. Foi um ex-militar que lhe explicou que "furriel não é nome de pessoa, é posto. "Não tens nome, não tens nada, não te posso ajudar". Tenho menos de um por cento de hipóteses de o encontrar". No tempo em que só tinha rancor contra o furriel sem nome, pensou criar uma associação com uma designação que resumia esse sentimento, Associação de Filhos Abandonados pelos Colonialistas Portugueses. Fernando, de 45 anos, camionista, braço tatuado com o seu diminutivo, Dinho, serenou. Hoje, escolheria outro nome para uma associação que continua a sonhar criar com um objectivo: "Quero mostrar aos portugueses que nós existimos, que fomos abandonados, que somos muitos" e, quem sabe, diz a medo, talvez "encontrar o meu pai" e deixar de se sentir "meia-pessoa".



Num dos mais populares blogues de ex-combatentes da guerra colonial, chamado Luís Graça & Camaradas da Guiné, alguém lembra que, na altura, lhes chamavam "portugueses suaves", a esses meninos que nasciam junto a quartéis portugueses, sem pai conhecido, mais claros do que os outros e em que se sabia, por norma, quem era o militar que tinha estado com a mãe, sem que isso fosse dito em voz alta e mesmo que o próprio nunca o admitisse.
Em 11 anos de guerra, que na Guiné começou em 1963, até à independência, em 1974, passaram por um país com o tamanho aproximado do Alentejo cerca de 200 mil homens portugueses. À data, a população da Guiné rondava o meio milhão de habitantes, resume Luís Graça, o criador e editor do blogue.



No blogue, José Saúde, um ex-furriel na Guiné, decidiu começar a chamá-los de "filhos do vento", porque parecia que não eram "filhos de ninguém", crianças com mãe guineense, que ficou, e sem pai conhecido, que, terminada a comissão, regressava a Portugal. "O assunto é melindroso" entre os ex-combatentes, "tabu". Mas mesmo assim, um dia ele lançou o desafio no blogue, era preciso falar do tema, que depois tomou a forma de uma pergunta - "Camaradas: quantas crianças mestiças, cuja paternidade era imputada a militares, "tugas" [como eram conhecidos os portugueses], vocês conheceram, nos anos e nos sítios por onde andaram na Guiné? Vamos arranjar material para meia dúzia de posts." Foi uma trintena de posts, num blogue que é seguido por cerca de 500 pessoas.



Foram poucos os que responderam directamente à pergunta: "Quantos de nós, na solidão da mata, na angústia e incerteza de como e se no dia seguinte estaríamos vivos, não cometeram actos que deram origem a estes casos", escreveu um ex-militar; um outro limitou-se a citar o Poema da Malta das Naus, de António Gedeão: "Tremi no escuro da selva alambique de suores/ Estendi na areia e na relva/mulheres de todas as cores." Houve também quem ironizasse "pais de multidões mestiças? Ena pá, o que para aí vai!" No mesmo sentido, houve quem respondesse tão-somente que "são mais as vozes do que as nozes". Os que responderam, mesmo, à pergunta lembram ter conhecido na sua comissão um, dois "filhos do vento", no máximo, alguns juntaram aos posts fotos destes meninos clarinhos que destoavam dos outros e que lhes ficaram para sempre na memória.



Dauda era louro e de olhos azuis. O capitão José Neto tirou-lhe uma fotografia a brincar numa poça ao lado de outros meninos da aldeia - parece um anúncio da Benetton, mas a preto e branco, com a claridade de Dauda a contrastar com o escuro dos que brincavam com ele. Dauda era filho de um capitão português da companhia que José Neto tinha ido render. Todos os homens sabiam, só o próprio fingia ignorá-lo, contou no blogue o capitão José Neto, que morreu de cancro em 2007, dizendo ter desenvolvido raiva ao pai omisso. E, por isso, passou a chamar a criança abandonada pelo apelido que devia ser o seu, caso o pai o tivesse perfilhado. Ordenou que todos passassem a chamá-lo Vieira (apelido fictício).
Afeiçoou-se ao menino claro, mais ainda quando um dia lhe salvou a vida. Tinha havido um bombardeamento e ele foi tirá-lo da casa minutos antes de explodir uma granada. Só depois de o marido morrer é que a mulher, Júlia Neto, soube porque é que não se podia tocar naquele estilhaço que estava guardado no móvel do escritório da casa como se fosse um tesouro. Era um bocado da granada que podia ter matado o Vieira se o capitão Neto não o tivesse salvado.



O capitão José Neto nunca mais voltou à Guiné mas, em casa, mulher e filhas sempre ouviram falar daquele "filho adoptivo". As suas filhas sempre souberam que tinham "um irmão" na Guiné, conta Júlia Neto.
Quando um dia, cerca de 40 anos depois da guerra, o capitão Neto voltou a estabelecer contactos com a Guiné - através de uma organização não-governamental gerida por um guineense de origem portuguesa que quis reconstruir um antigo quartel português, a Acção para o Desenvolvimento -, fez um pedido ao seu presidente, Carlos Silva: "Por favor, descobre-me o Vieira." Foi o que fez, mas Vieira tinha morrido um mês antes, com menos de 40 anos, e o capitão Neto morreu sem nunca reencontrar o menino claro.



Depois de o marido morrer, Júlia Neto foi à Guiné e fez questão de ir conhecer a mulher de Vieira e as três filhas. Sentiu que, se não tinha podido conhecer o "menino", tinha pelo menos de conhecer a sua família. O pai de Vieira ainda é vivo, reformou-se há pouco tempo, conta.
Ao tentar reconstituir a história do rapaz, Carlos Silva soube que, na altura, o pai de Dauda foi encostado à parede. Quando a mulher descobriu que ele tinha tido um filho de uma guineense, deu-lhe a escolher, ou ele (o Dauda) ou ela (a mulher). "Ele, claro, optou pela mulher e largou a criança." E as três meninas, Paula, Fátima e Fatu da Fonseca, nunca souberam nada desse seu avô português, só conhecem Júlia, a mulher de um capitão que volta não volta lhes manda presentes. Dauda, ou Vieira, morreu filho do vento.
Não foi esse o nome por que foram conhecidos toda uma vida na Guiné. Filhos do vento até soaria bem, parece poético. Sem se conhecerem uns aos outros, todos eles foram tratados por "restos de tuga".



Parecem autênticas histórias de Gata Borralheira. Na história de Óscar Albuquerque, há uma casa, com irmãos, uma mãe e um pai que sabe que um dos filhos, o menos negro, não é seu. O suposto pai, que na verdade é padrasto, sabe que aquele é um filho da sua mulher com outro homem, um branco e, por isso, Óscar acaba por ser o mais mal tratado da casa.
Na Guiné, há uma escala de claros-escuros que pode passar despercebida a quem está de fora, mas que é perceptível a um guineense. O que chamam "um guineense-guineense" é mais escuro, em todos os que são claros, mais ou menos, se percebe que houve mistura com brancos. No seu caso e noutros semelhantes, por terem nascido naquele período, durante a guerra ou logo a seguir, em zonas de quartéis de portugueses, não havia forma de esconder que eram "filhos de tuga", como também eram conhecidos. Mesmo que o quisessem, não haveria como: "Não há maneira de esconder a pele, a claridade não engana", diz José Carlos Martins, de 48 anos.



Era essa a primeira pista. Desde crianças que olhavam para a sua cor e se confrontavam com a sua origem. Hoje já são adultos, andam na casa dos 40, 50 anos, mas quando contam as suas histórias é como se voltassem a ser meninos e choram, choram muito, como faziam quando em casa sentiam que eram diferentes.
Em casa de Fátima Cruz, o ser diferente vinha à baila de cada vez que a mãe pedia às filhas para fazerem tarefas: buscar água, lenha - "então, e a branca, não vai?", acabava por dizer uma das irmãs. Foi maltratada pelo padrasto e pela mãe, que sente que a culpava. Ela era o fardo levado para uma nova união com um guineense, que em Fátima tinha um lembrete demasiado evidente para si, e para os outros, de que a sua mãe tinha estado com um branco, no seu caso, que até tinha vivido com ele dois anos.




"Se falar com a minha mãe, ela vai dizer que nunca me tratou de forma diferente." É verdade. Sanu Mané tinha 15 anos quando começou a ser lavadeira do pai de Fátima - hoje é vendedora e presidente de uma associação comunitária contra a violência de género - e diz que nunca tratou a filha pior do que as irmãs, apesar de ter sofrido tanto com aquela gravidez, apesar de ter passado muito por causa daquela "filha branca". Na sua família, mal se soube que ela estava grávida do alferes português, tentaram que abortasse. Em casa, davam-lhe todos os dias um remédio feito de raízes dentro de uma panela. Ela fingia engoli-lo, mas conseguia deitá-lo fora às escondidas. A gravidez começou a ser visível e estava ela de poucos meses quando o tio materno começou a chicoteá-la na barriga, para que "o bebé do branco" não nascesse.
Fátima Cruz ouviu estas histórias todas, estas e a de que ainda foi o pai quem lhe escolheu o nome, que era o da mãe dele, Fátima. E que ele queria ficar com a mãe, mas a família não quis que a filha ficasse com um branco, e que depois de voltar a Portugal até lhe mandava encomendas com leite, roupa, jóias, mas que o tio materno as recebia e tratava de queimar tudo, contaria bastante mais tarde o homem dos correios que fazia as entregas.



Fátima Cruz tem 36 anos, está bem na vida, tem três filhos, vende roupa, e ainda hoje pensa que só aquele homem dos correios a poderia reunir ao seu pai. Ao menos se o homem dos correios não tivesse morrido, talvez ainda fosse possível recuperar a morada, saber-lhe o paradeiro, encontrá-lo. Se o homem dos correios não tivesse morrido...
Nas histórias destes filhos, há quase sempre pessoas que desapareceram, externas à família, e que só elas teriam podido ajudá-los. Porque à pessoa que mais sabia não se podia perguntar.
"Não se faz uma pergunta dessas a uma mãe. É um segredo das mães", e Óscar Albuquerque nem agora, com 40 anos, chega a formulá-la, assim, com todas as letras. Mas seria algo como: "Mãe, afinal quem é o meu pai?" O mais longe que ousou foi contornar a questão, delicadamente: "Mãe, pode um homem ter dois pais?" Não teve resposta.
Teve de ser uma vizinha que, uma vez, o chamou da rua, estava ele a jogar à bola, teria uns 11 anos. "Anda cá, anda cá." Dentro da casa da senhora, resguardados dos olhares, ouviu o que sempre tinha desconfiado, mas era demasiado pequeno para perceber: "Aquele senhor não é teu pai, tu és filho de um tropa português. Aqui na aldeia toda a gente conhecia o teu pai."
Como muitos filhos de portugueses, quando a mãe engravidou, a família tratou de a casar à pressa com alguém escolhido por si. Mas quando a criança nasceu, percebia-se que não era igual aos outros. Quando já era adulto, a mãe contou-lhe um dia - "só para me magoar", recorda agora - que mal o pai do seu padrasto viu o bebé Óscar, disse ao filho: "Este não é teu filho, é filho de um branco."
Ana Sanconha, vendedora, de 40 anos, lembra-se bem do sítio onde a mãe lhe contou. Iam as duas a percorrer a estrada de terra batida vermelha marginada por cajueiros que liga Iemberém a Cacine, no Sul da Guiné, a mesma que agora percorreu a pé durante cinco horas para nos vir contar a sua história. "Foi aqui, foi aqui mesmo", sentaram-se as duas e aí ela perguntou-lhe: "Mamã, diz-me lá quem era o meu pai. Chorou, chorou e depois contou. Chamava-se António da Silva." Tinha 25 anos quando soube.
A mãe de Califa Tcham só contou porque sabia que não tardava iria morrer. Foi quando ela estava já muito doente que soube, ou melhor, que confirmou que o pai era português, porque as más-línguas da aldeia sempre a tinham chamado "filha do capitão". Com a mãe, não ficou a saber mais, "morreu, não terminou de explicar". Foi assim que aos 29 anos, morta a mãe com o seu segredo, se pôs a fazer perguntas aos ex-militares guineenses que lutaram com o pai. O mais que conseguiu foi juntar o apelido ao posto, Califa Tcham era afinal filha de um "capitão Trindade".
Perguntar às mães sobre as suas origens significa voltar a um passado traumático que se quer esquecido, a envolvimentos clandestinos que envergonham. Às vezes fora do casamento, quando os maridos estavam ausentesa lutar no mato, outras vezes a relações de quando ainda eram meninas.
Maria Geralda Cassamá, 66 anos, hoje professora primária em Quinhamel, perto de Bissau, só conta como tudo aconteceu porque o filho, Erasmo da Fonseca, engenheiro mecânico, lhe pediu muito. "Não há vergonha, tens de contar tudo. Não há lágrimas, a culpa não é tua."



Como é que se conta a um filho que se perdeu a virgindade com aquela primeira relação? Que o furriel português, que conheceu em casa de familiares seus, foi atrás dela até Bissau, onde estudava, e um dia a convidou a ir conhecer por dentro o edifício da Cruz Vermelha? E afinal a levou para um quarto, fechou a porta à chave e insistiu muito, muito e ela acabou por aceitar? Tinha 18 anos. "Eu era virgem, fiquei como um cadáver na cama, ele foi tomar banho e foi-se embora." Só voltaram a ver-se mais uma vez, quando ela lhe disse. "Aquela brincadeirazinha pôs-te grávida?", "O que eu sei é que estou grávida", "Tens de abortar, eu não quero deixar um filho na Guiné, vejo como estão os filhos de tropas."
"Tinha medo, ouvi dizer que se morria no aborto." O pai dela ficou furioso quando soube, mas não se foi queixar ao quartel do militar português que lhe tinha engravidado a filha. "Havia medo de falar, era o tempo colonial." E Erasmo nasceu.
Se as mães não tivessem mantido segredo tanto tempo sobre a identidade dos pais, se depois da independência da Guiné ser filho de português não se tivesse tornado um perigo e as mães não tivessem tido de queimar todos os documentos e fotos que os associavam àqueles pais e a Portugal, se algumas mães não tivessem morrido prematuramente, se ao menos elas soubessem ler e escrever e tivessem apontado o nome e morada dos pais... Se...
As identidades dos pais estão, muitas vezes, soterradas debaixo destas camadas de impossibilidades encadeadas umas nas outras e que resultam de um país onde a esperança média de vida se fica pelos 49 anos e leva cedo as memórias dos mais velhos que não chegam a sê-lo (só 5% da população tem mais de 60 anos), a que se soma a turbulência da própria história da Guiné.
Depois da independência, em 1974, a vida tornou-se difícil para todos os que estivessem de alguma forma associados aos ocupantes. Desde logo para os milhares de guineenses que tinham lutado com os portugueses e foram deixados para trás. Sabe-se que muitos ex-militares guineenses foram fuzilados por terem ajudado "o inimigo". Foi duro para as mulheres que tinham tido relações com portugueses, "as mulheres de tuga", mais ainda para as que tinham filhos como prova. E, no fim da linha, foi difícil para os filhos que tinham nascido de portugueses.
No período pós-independência, foram destruídos todos os documentos, fotos, registos relacionados com os pais e que, passada a tempestade, os podiam ajudar a encontrá-los.
No caso de Fátima Cruz, consta que o pai até a tinha registado como filha, mas a mãe teve de destruir esse e outros papéis, temia pela sua vida. Foram-se embora as fotos dos rostos de homens jovens fardados que andavam lá por casa. Rasgados, queimados, havia que esconder quaisquer ligações "aos colonialistas".
Carlos Alberto Silva ainda se lembra de ter seis anos e passar que tempos a olhar para a única foto de um jovem militar que havia em casa, a procurar semelhanças, a pensar "é igual a mim". Depois da independência, "a minha mãe rasgou-a e pôs na fossa". Em adulto, teve a sorte de reencontrar uma cópia dessa foto em casa de um conhecido, copiou-a, ampliou-a e tem-na num álbum de família, como se o pai desconhecido fizesse parte dela.
Na família dos irmãos José Maria e Elva Maria Indequi, além de se destruírem fotos do pai, a mãe tratou de os mandar para longe, com medo que os fuzilassem. Ele e a irmã cresceram apartados da mãe. "Nós fomos escondidos, a minha mãe ficou só com o filho negro."
Todos eles relembram o período da independência como o mais complicado das suas vidas. Óscar ainda fica com os olhos tremeluzentes de lágrimas, quando repete os versos em crioulo que era obrigado a entoar na escola: um hino do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) que falava da heróica expulsão dos portugueses - "Grilla na terra, tugazinho na nuven" ("guerrilha na terra, tugazinho nas nuvens", ou seja, lá longe). "Eu chorava, era o único na turma que chorava" - porque estavam a falar do pai que ele não conhecia, mas que ainda assim era o seu pai. Nataniel Silva Évora ouvia o mesmo hino à saída de casa, cantado pelos colegas, às vezes acompanhado de pedradas - "quando rapo o cabelo notam-se as cicatrizes" - ou de sacos de cascas de amendoim que eram atirados para cima dele. A mãe biológica não teve condições financeiras para ficar com ele e a mãe adoptiva que o criou era paciente, limpava-lhe o sangue das pedradas, punha desinfectante e dizia-lhe: "Não digas nada, corre." Na altura, ouviram todos variações da frase: "Já corremos com os vossos pais, o que é que vocês ficaram cá a fazer? Vão para a vossa terra."
Mesmo sem retratos, todos eles imaginaram e continuam a imaginar como serão os pais fisicamente, mas o que têm como matéria-prima para imaginação é muitas vezes só os seus próprios rostos, os seus cabelos, os seus corpos.
"Deve ter a minha altura, olhos castanhos, o cabelo preto, como o meu", diz Fátima Cruz. "Os ex-colegas [guineenses] do meu pai disseram-me que sou a cara chapada." "Sabes o que é uma máquina fotocopiadora, Óscar? Tu és tal e qual o teu pai", disse-lhe um ex-colega do pai. E e ele ficou feliz quando ouviu isso. A Fátima Mané, a mãe dizia: "Ele era bonito", e aponta para a sua cara: "Como eu." Fernando Edgar da Silva lembra-se de se olhar ao espelho e tentar não chorar.
Além de traços físicos, procuram em si características da personalidade dos pais desconhecidos. Coleccionam pequenos detalhes aos quais dão um significado exagerado, "eu sou desportista, ele era desportista", diz José Carlos Martins, com um dos bíceps tatuado com o escorpião que era símbolo da companhia do pai. Quando há algo que consideram uma qualidade, estabelecem ligações: Nataniel é paciente, "deve ser por causa do meu pai".
Isidro Teixeira, jornalista da televisão nacional, descobriu um dia porque é que, assim sem mais, sentiu vontade de entrar numa escola de música e se saiu bem com as oito canções que compôs. Uma delas foi um sucesso do Carnaval de há 15 anos. Ele sempre ouviu dizer que o pai era "cabo corneteiro", mas depois, há uns anos, chegou-lhe às mãos uma foto do pai no tempo da guerra a tocar guitarra portuguesa. "Quando vi essa foto... O talento nasce da pessoa. Então gosto da música por causa do meu pai, ele sopro e cordas, eu canto."
Mas 40 a 50 anos depois da guerra, muitos destes filhos chegam à idade adulta com quase nada ou muito pouco para somar à imaginação.Para a maioria, a busca começa já demasiado tarde. Em adultos, ganham autonomia e saem da casa, e nessa altura já rareiam as pistas para encontrar a outra metade das suas histórias.
Esta busca pelo pai "tuga" depende do que têm como ponto de partida, mas também dos recursos de que cada um dispõe. Os que têm mais estudos são normalmente quem chega mais longe. Ter algum dinheiro e tempo também é importante. E os homens desenvencilham-se mais do que as mulheres.
Maria Djasse, a mais velha de três irmãs, cada uma filha do seu pai português, chegou aos 45 anos com duas palavras, "cabo" e "rancho". Um ex-militar guineense explicou-lhe que "rancho" era como se dizia "comida" entre os militares e pensa que talvez o pai fosse um cabo que trabalhava na cozinha do quartel. Soma a essa informação a subtracção que todos fazem à sua idade para encontrar o tempo em que os pais lá estiveram. Maria tem 45 anos, acha ela porque nunca foi registada e não tem bilhete de identidade (de uma população de 1,6 milhões, só 150 mil o tem), o que significa que terá nascido em 1968. Subtrai-se os nove meses da sua gestação e mais os dois anos da comissão e, além de saber que talvez o pai tenha sido um cabo que trabalhava na cozinha, terá estado na Guiné por volta de 1966-67. É tudo.
Mariama Camará sabe mais, mas apenas que o apelido do pai era Amaral. Viajou duas horas com o filho de um ano e meio ensanduichado entre ela e o marido na motorizada para nos transmitir isso, que o pai dela chama-se Amaral e que gostava de o conhecer, talvez a possamos ajudar. Alguns não estão certos da grafia. Zita Morato não sabe se o apelido do pai é Parque ou Parco, são essas as duas versões de apelidos que tem escritas num papel, e são também as poucas palavras que diz em português e não em crioulo. Os irmãos Indequi têm três versões de nomes, "é uma história muito confusa, escura, nem mesmo com um holofote se consegue iluminar", diz José Maria: o pai dos dois ou se chama Roberto Silva ou Cabo Vicente, ou José Carlos dos Santos.
Quem como José Maria e Elva tem mais dúvidas do que certezas pede que lhes divulguemos a única certeza que têm, os nome das mães; que se os pais forem vivos hão de ler-lhes o nome no jornal, lembrar-se que um dia estiveram com elas. A mãe de Fernando Edgar Silva é Sabadozinha Mendes, a de Nataniel é Elizabete Pereira Évora, a das três irmãs é Fatuma Sale Djasse, a das gémeas Higina e Teresa é Domingas da Silva.
Mas talvez nem se lembrem já como se chamavam aquelas mulheres africanas com nomes estranhos. Por isso, estes filhos ajudam juntando os nomes pelos quais os pais conheciam as mães: a de Zita Morato era Naná, o pai de Óscar tratava a mãe por Esparguete porque era magrinha.
Como querem fazer os pais recuar ao seu passado na Guiné, têm a preocupação de lembrar sempre os nomes que as povoações guineenses tinham no tempo dos portugueses. Higina Silva, que assume o papel de porta-voz da irmã gémea que não fala português, Teresa, estava aflita. Tinha medo que escrevêssemos que o pai estava colocado no quartel de Bula, é que se o pai ler talvez não saiba que, quando ele lá estava, Bula chamava-se Nuno Tristão, o navegador português que descobriu a Guiné.
Têm esperança de que com todos estes dados os pais lhes leiam a história e saibam, ou se lembrem, que têm filhos na Guiné.
Há quem tenha conseguido ir um pouco mais longe na busca. São os que desdobram com desvelo papelinhos que trazem muito bem arrumados na carteira com os dados que conseguiram amealhar, como se fosse preciso estarem registados, como se não soubessem de cor os nomes e os números ali manuscritos. São dados que resultaram de muita persistência, colhidos clandestinamente junto de ex-militares guineenses que foram amigos de portugueses, à socapa para não amofinar a família, que vê a busca como uma traição à família guineense, ao padrasto que, bem ou mal, os criou. Estes são os filhos que conseguiram saber o número do batalhão a que pertencia o pai (cada um tinha 600 homens), o número da companhia (cada uma tinha cerca de 150). Há até quem tenha conseguido o número mecanográfico, com que era identificado individualmente cada militar.
Mas os dados que eles repetem estão como assentes num vazio, num contexto que desapareceu. O que adianta a Florinda Barros saber que o pai, há 44 anos, pertencia à companhia nº 799? Ou a Fernando Mota que a companhia do pai se chamava Lenços Verdes? E a Fátima Mané que era o Dragão Negro? De que adianta a Zita Morato saber que há 40 anos o pai tinha a alcunha de Chinês, porque gostava muito de macacos e andava sempre com um ao ombro? Ou que o seu melhor amigo era o Zezinho? E depois? O que fazer com estes dados?
Os mais despachados e os que vivem ou têm dinheiro para se deslocar a Bissau já foram à embaixada de Portugal. A Fátima Cruz disseram para tirar uma senha. "De nada serve, eles não nos ajudam." A Fernando Mota disseram "não tratamos de tais assuntos". Desistiram quase todos. Da embaixada respondem que, no último ano, o Gabinete do Adido de Defesa registou três casos de pessoas que fizeram perguntas. "Na maioria das vezes, ficam pelos pedidos de informação, pois já não dispõem de documentação ou outro tipo de comprovativo (como por exemplo fotografias) para basear a abertura de um processo. Apenas memória, vaga, de conversas em família."
Outros foram bater à porta da Cruz Vermelha, também em Bissau. Valério Candete, responsável pelo restabelecimento de laços familiares, diz que, desde 2010, recebeu 13 pedidos de informações sobre pais portugueses do tempo da guerra, mas, mais uma vez, o ponto de partida é incerto.
Aos que insistiram, disseram-lhes para escrever para um sítio em Lisboa chamado Arquivo Geral do Exército. Mas e a morada? Conseguir a morada é outro obstáculo que só os mais desenvoltos conseguem superar, como Óscar Albuquerque, que entretanto se converteu ao catolicismo e recorreu à ajuda de freiras amigas. Na volta do correio, recebeu: "Informa-se que com os dados fornecidos não é possível localizar o processo do ex-furriel miliciano e este Arquivo não pode fornecer informações respeitantes a terceiros sem autorização superior. Se assim o desejar, deverá requerer ao Exmo. Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército." Foi o que fez. "Sua Excelência, desde 1990, escrevi cinco cartas, até então não recebi nenhuma resposta." "Sua excelência" nunca respondeu.
Até que, esgotada a via da embaixada e da Cruz Vermelha, surgiu nos idos de 1990 uma boa nova trazida por imigrantes guineenses que viviam em Portugal e voltavam de férias. Chamava-se Ponto de Encontro, na televisão portuguesa SIC. Contavam-lhes que, num programa, tinham unido um pai e um filho. Parecia um sonho. Nataniel Silva Évora ainda se encheu de esperança mas não conseguiu a morada da SIC. Estalou entretanto a guerra civil de 1998 e ele esteve refugiado no Senegal. Óscar conseguiu que um amigo seu "que percebe de computadores" fosse à Internet - quando diz "ir à Internet" é como se falasse de um sítio inacessível e algo misterioso, muito poucos têm email - e obtivesse a morada. Escreveu para lá, apelou ao sentimento, "tenho medo que a morte leve um de nós, antes do primeiro encontro entre pai e filho que nunca se abraçaram". Nunca teve resposta. "É uma coisa boa esse Ponto de Encontro", diz Isidro Teixeira, ficando triste quando lhe dizemos que já não existe, desde 2002.
Mas nesta busca de uma vida há quem tenha chegado mais longe. Isidro Teixeira é dos que teve recursos para procurar. Descobriu o paradeiro do pai próximo de uma cidade que dizem que "é pequena e linda", Viseu, e até iniciou, em 1994, uma Acção de Reconhecimento de Paternidade no Tribunal Judicial de Bissau. Mas, quatro anos depois, foi informado que o pai tinha morrido e acabou por desistir: "Achei que já não fazia sentido."
Isidro é contido mas, quando fala do pai, é como se estivesse dividido entre a emoção e a razão. "O meu sonho era falar com ele, foi pouco homem, um homem tem de assumir as suas responsabilidades." Para depois usar o jargão jurídico que é o do seu meio profissional - além de jornalista, Isidro é auxiliar na Conservatória de Registo Civil de Bissau -, "não se pode julgar alguém sem ser ouvido, ele tentou levar-me para Portugal". Houve casos como o de Isidro, em que os pais até os tentaram levar para Portugal mas as famílias escondiam os bebés com medo que nunca mais voltassem a África.
Para alguns filhos que querem encontrar os seus pais portugueses, admite que a motivação possa ser material. Querem ajuda, a vida está difícil na Guiné. Mas o que ele quer é o mesmo que a maioria, não ter um espaço em branco no bilhete de identidade a seguir aos dois pontos de pai, "é uma vergonha carregar o apelido da mãe". E, depois, "ter a nacionalidade portuguesa. Não quero mais nada. Tenho sangue português". Se fosse português, não tinha passado o que passou.
Isidro esteve um dia em Portugal. Ou melhor, esteve um dia no aeroporto de Lisboa, porque o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não o deixou sair. "Tinham medo que eu ficasse, eu expliquei: "Eu sou jornalista, apresentador de televisão, auxiliar de conservador, acha que eu quero cá ficar a varrer o chão?" Não me quiseram ouvir." Ele só queria ir a Viseu, visitar o sítio de onde veio o pai, talvez conhecer alguns familiares que por lá vivessem.
José Carlos Martins descobriu o pai vivo. Tem escrito num papel a sua morada em Vila Real de Santo António (Algarve), para onde enviou uma carta, sem resposta. Com a ajuda de um amigo influente, conseguiu estar com ele numchat. Chegou a ver-lhe a foto do perfil no Facebook, um rosto velho que desapareceu mal ele lhe disse "daqui fala Zé Carlos, sou o teu filho da Guiné". Guarda uma imagem com pouca definição desse encontro, é a ampliação em tamanho A4 da foto tipo passe que por minutos esteve no ecrã de um computador.
Óscar Albuquerque também escreveu ao pai, sete cartas, para uma morada na freguesia dos Anjos, em Lisboa. Na primeira, de 2005, começava com "meu queridinho pai" e acabava pedindo-lhe "uma fotografia sua para poder imaginá-lo. Em caso de querer contactar, faça-o pelo telefone", e deixava-lhe o seu número de telemóvel. O pai nunca escreveu nem ligou. Um dia encheu-se de coragem, admite que precisou para tal de engolir meio litro de vinho tinto Malaquias ao mesmo tempo que pensava "tenho de ligar a este senhor". "Boa noite, sou da Guiné-Bissau, está a falar com seu filho, Óscar." "Não leve a mal, não sei de nada, amigo." Algum tempo mais tarde, tentou segunda vez: "Sou Óscar de novo", "Não sei de nada do que me está a dizer", "Então me desculpe". "Parei de ligar." Já lá vão dez anos. Bem sabe que as palavras que ouviu foram curtas e grossas, mas marcaram-no, "nunca pensei ouvir a voz do meu pai, uma voz rouca. Fiquei emocionado".
Erasmo Fonseca também escreveu, para um 1.º esquerdo de São João do Estoril. Junto com a missiva mandou fotografias. Podia ser que o pai se enternecesse, "junto a esta carta vai as fotografias de mim e dos seu netinhos", Jennifer, Vítor, Ivanilda, Jaquelina. "Por hoje é tudo, um abraço forte do teu filho que sempre deseja conhecer-lhe."
Erasmo pacientou, pacientou, até que um dia ligou-lhe, disse-lhe primeiro que era um colega da tropa, para não o assustar, depois falou-lhe da mãe, "ele soube perfeitamente de quem é que eu estava a falar". A conversa azedou quando lhe disse que quem estava a ligar-lhe era "o filho que deixou na barriga". O pai respondeu que só com um teste de ADN acreditava nele. "Eu ia lá fazer o teste, se eu o fizesse, ele ia ficar envergonhado", diz, para depois terminar com um sorriso triste, "mas quem vai-me levar a Portugal?" Só os filhos que têm mais estudos ouviram falar do tal ADN, mas a possibilidade de fazer um destes testes surge quase como uma cena de ficção científica - não existem na Guiné, onde ainda se morre de "doença" e de "febre" (é essa resposta que muitos dão quando se pergunta o motivo da morte de alguém).
Carlos Alberto Silva esteve próximo do pai. Emigrado em Portugal 12 anos - foi encarregado de obras -, andava nas ruas de Lisboa a reparar nos rostos dos homens com a idade que o pai teria hoje, tentando reconhecê-lo apenas com aquela fotografia que sobreviveu dele em jovem. Até que um dia, no sítio que é como se fosse a Guiné em Portugal - o Rossio, em Lisboa, é todos os domingos local de reunião da comunidade -, teve uma esperança. Um ex-colega dele da guerra disse-lhe que o ia apresentar ao pai, "passa cá no domingo, às cinco". "Nunca apareceu", imagina que mudou de ideias.
Quando ouve falar de filhos que só querem conhecer os pais para ter a nacionalidade portuguesa, fica triste. "A nacionalidade já eu tenho, vivi 12 anos em Portugal, eu só queria conhecê-lo."
Nenedjo Djaló parece que viveu o sonho. Numa das mesas da sua sala de estar tem uma enorme fotografia emoldurada a amarelo fluorescente, a mais berrante de todas. Está ali como prova de que ela tem pai, que ele não a abandonou - como ouviu toda uma vida -, que ele a reconheceu. Estão de braço dado em frente ao restaurante Cavalo Lusitano, onde almoçaram os dois quando ela foi passar férias com ele a Portugal. Um álbum verde cheio de fotografias fora do lugar atesta a felicidade desses 45 dias.
Nenedjo foi encontrada por acaso por ex-combatentes portugueses em visita de nostalgia à Guiné que, deu-se a coincidência, conheciam o pai. A primeira vez que Nenedjo e o pai falaram ao telefone choraram e ele deu-lhe a escolher: "Queres vir cá ou vou eu aí?" Ela não teve dúvidas, aquela era a oportunidade de se vingar das humilhações, "preciso que você venha cá, as pessoas que me discriminaram, quero que elas o vejam".
Sabia que o pai só ia ficar uma semana na Guiné, por isso Nenedjo preparou-lhe um livrinho com argolas a condensar os 33 anos de vida que passaram um sem o outro. "Falámos muito. Só nos separávamos para dormir, ficávamos a falar no hotel até às 4h00. E não era mais tempo porque tinha uma bebé pequena e estava a amamentar." O pai encontrou-se com a mãe de Nenedjo, triste por só ter sabido da existência da filha "já grande": "Porque é que não me disseste que estavas grávida?"
Já lá vão seis anos desde essa cena da chegada do pai que pôs toda a gente no aeroporto de Bissau a chorar. Parece longínquo. Desde o reencontro que pede ao pai que a reconheça oficialmente como filha. Nenedjo queria que o nome do pai estivesse nos seus documentos, queria ter o apelido dele, queria ter a nacionalidade portuguesa, "eu sou luso-guineense". Ressalva que não quer ir para Portugal, que tem marido e filhos na Guiné, mas que assim podia ir lá quando quisesse, de férias. Ele sempre lhe disse que ia ver, que era delicado. Ela dá-lhe um toque, ele liga-lhe de volta, falam quase todas as semanas pelo telefone. O pai não tornou à Guiné, Nenedjo nunca mais voltou a Portugal.



O pai de Nenedjo, que prefere não ser identificado, diz que o grande problema foi contar à mulher, que no início ficou em estado de choque mas depois acabou por a acolher bem. Bem sabe que Nenedjo quer ser reconhecida, além do tratamento por filha e da ajuda que lhe manda todos os meses. Mas "é complicado". Por enquanto, "ela tem de ter paciência". E diz que "podem levantar-se problemas legais". Todos os pais que se resguardam é isso que temem, nota, "não querem ter problemas em casa. Entrar uma pessoa estranha na família não é simples".
O ex-combatente de 71 anos diz que foi "uma notícia chocante" a de saber que deixou uma filha na Guiné. "São situações que surgem onde há homens sem mulheres. Eu não sou nenhum santo e cometi as minhas asneiras", são filhos que nascem de "relações ocasionais". "Aconteceu em todo o lado, em Moçambique, em Angola". Ele também combateu em Moçambique, "de lá não me apareceu ninguém". A mãe de Nenedjo era a sua lavadeira.
Cada militar tinha uma, a mulher que ia todas as semanas ao quartel para lhes buscar a roupa suja e a devolver lavada. "Todos os que cá passaram sabem que as lavadeiras faziam mais do que lavar a roupa", refere Carlos Silva, presidente da ONG Acção para o Desenvolvimento, em Bissau, que se empenhou na reconstrução do quartel português de Guiledje. Quando não eram as próprias, serviam de elo de ligação para serem apresentadas a outras mulheres na comunidade.
Luís Graça, criador de um dos mais populares blogues de ex-combatentes da guerra colonial, diz que é importante lembrar o contexto em que se vivia, que estes homens - hoje na casa dos 60, 70 anos - tinham 20 e poucos anos e para muitos a tropa tinha sido a forma de saírem pela primeira vez das suas aldeias. Eram rapazes com fraca escolaridade, "muitos solteiros e que nunca tinham estado com uma mulher". Vinham de um país conservador, com moral católica, que tinha feito com que, em 1963, Salazar tivesse acabado com as casas de passe, recorda. Prostituição organizada quase só em Bissau, no interior não havia. Eram homens que nunca tinham visto mulheres, assim, de peito à mostra, como era hábito na Guiné de então entre as raparigas não casadas. "Algumas fotos desse tempo são indicadoras disso, era exótico, há algum erotismo." "Era tempo de guerra, o medo da morte, a necessidade de estar com uma mulher..."
Ponha-se de parte a tentação de imaginar títulos românticos como "amor em tempos de guerra". "Por barreiras culturais, religiosas e linguísticas, era difícil falar-se de amor, havia simpatias, atracção física", diz Luís Graça. Histórias de amor como a da guineense Romana Lopes e do ex-militar português Manuel dos Santos, que tiveram quatro filhos e vivem até hoje em Quinhamel, perto de Bissau, são a excepção. As de coabitação às vezes durante todo o período da comissão são algumas, às vezes até envolvendo "casamentos tradicionais". Mas o que prevalecia "eram relações fortuitas e ocasionais", nota Luís Graça. O que estava em causa era "muitas vezes favores sexuais em troca de géneros alimentares, açúcar, sabão, óleo, azeite", completa Carlos Silva, "eram situações de extrema pobreza".
Juntava-se a isso um tempo em que até já existiam preservativos mas "eram um luxo e não se usavam" - o máximo que os serviços de saúde militares distribuíam aos homens eram "pomadas antivenéreas", recorda Luís Graça, que é também professor universitário na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.
Fica por responder a pergunta de quantos "filhos do vento" deixaram na Guiné estes cerca de 200 mil homens que por lá passaram. Não há números, o que se segue são somas de impressões: Isidro Teixeira diz que muitos não assumem, "tentam esconder o verdadeiro eu", mas na Conservatória de Registo Civil de Bissau ele recebe os pedidos de nacionalidade com base na paternidade portuguesa, diz que entre Portugal e a Guiné existirão uns 500. Fernando Edgar da Silva ri-se da estimativa. É camionista, percorre o país, cada vez que chega a um sítio dizem-lhe "tugazinho, tens cá "irmãos"" e ele manda-os chamar, anota-lhes a história: "Isso que a senhora está a fazer já eu faço há muito tempo. Somos milhares." A primeira vez que o engenheiro Cherno Baldé viu brancos, em 1965, eram soldados portugueses, tinha ele cinco anos. Na sua aldeia de menos de mil habitantes, chegaram a estar colocados 200 militares portugueses; a guerra terminada, havia em Fajonquito (no Norte), "pelo menos dez filhos, isto só os que nasceram e cresceram connosco". E não tem dúvida: "Se passasse cá um mês, era uma multidão que lhe aparecia."
A história de guerras em que os combatentes que vão lutar fora do seu país deixam filhos não é uma realidade nova. No século XX, há, por exemplo, casos de alemães que, na Segunda Guerra Mundial, deixaram filhos de francesas que depois foram ostracizadas. Nos Estados Unidos, os filhos dos soldados americanos com mulheres vietnamitas até têm nome, chamam-lhesamerasians (fusão das palavras americanos com asiáticos). De tal forma o assunto se tornou público, que estes "filhos do pó", como eram conhecidos no Vietname - cresceram muitos deles em orfanatos ou tornaram-se sem-abrigo - ganharam direito ao estatuto de imigrante americano de forma automática. Em 1987, o Amerasian Homecoming Act deu-lhes esse direito, sem necessidade de haver provas de paternidade, bastava terem a mínima presença de traços físicos ocidentais. Ao abrigo da lei, emigraram para os Estados Unidos 26 mil filhos e mais 75 mil dos seus familiares. Um estudo publicado no Journal of Multicultural Counseling and Development sobre este universo concluiu que 76% desejavam conhecer os seus pais, mas só 33% sabiam os seus nomes. Outros 22% tinham tentado estabelecer contacto, mas só 3% tinham tido a oportunidade de conhecer os seus pais biológicos.
Quando tinha dez anos, Inês Miriam Henrique, cabelo ligeiramente encarapinhado, cara branca polvilhada de sardas, conta que teve um sonho: o pai português chegou, "vamos, vamos, vou-te levar". Tinha um jipe, era elegante, cabelo castanho claro, rapado, era alto, branco. "Vamos, vamos embora". Eu levantei-me para ir e já acordei". Inês Miriam tem 37 anos, oito filhos, continua a ter desses sonhos, ainda ontem o pai lhe disse a dormir: "Minha filha queria tanto conhecer-te."
Há filhos de portugueses que já ouviram falar de pais que andam à procura deles. "Há cobardes mas já ouvi falar de homens que vieram à procura dos filhos, homens de coração. Não conheci, mas ouvi falar", diz Erasmo Fonseca, que, tal como muitos destes filhos, usa o apelido do pai sem nunca lho ter sido dado. Quem, como Erasmo, ainda não ouviu o pai a dizer-lhe do outro lado "faça um teste de ADN", continua a sonhar ser encontrado. Talvez, algures, em Portugal, haja alguém à procura deles, como eles continuam em busca dos pais.
Carlos Alberto Silva conhece "três pais que vieram cá à procura dos filhos para os reconhecer, um era dos Açores, outro de Penafiel, outro de Borba". Diz que "os filhos reconhecidos estão em Portugal, os pais deram-lhes a nacionalidade, condições e amizade. Esses vêm cá e voltam". Os que continuam na Guiné são os que foram deixados para trás.
João, professor secundário em Portugal, prefere não falar, mas a mãe, Luísa, conta a história. Ela tinha 17 anos e era virgem, o militar português tinha 20 e poucos. Ele foi-se embora quando ela ainda não sabia que estava grávida, mas escreveu a contar-lhe. "Ele não pôs em dúvida, mandou-me uma procuração e reconheceu-o como filho." Luísa acabou por sair da Guiné depois da independência quando conheceu o guineense com quem se veio a casar, mas as cartas do pai do filho era para lá que continuavam a seguir. Desencontraram-se.
Quando Luísa voltou a casar, quis o destino que fosse parar a Portugal, onde viveu toda uma vida a uns 50 quilómetros do homem que procurou durante 41 anos. Tinha feito de tudo para o encontrar, até que, há três anos, uma amiga lhe sugeriu que tentasse o mais simples, ir às Finanças, onde conseguiu a morada. Escreveu-lhe e ele ligou-lhe assim que recebeu a carta: "Estou pronto para conhecer o meu filho."
Na casa daquele pai toda a família tinha ouvido falar do filho que ele tinha deixado na Guiné, percebiam como ficava transtornado quando na televisão passavam imagens de guerra naquele país, a pensar que tinha morrido. Tanto aquele filho perdido o assombrava que escolheu dar o seu nome ao outro filho que lhe nasceu em Portugal, João. Essa foi uma escolha. Mas coincidência foi que dois irmãos de nome igual que nunca se conheceram tenham dado aos filhos mais velhos o nome de Francisco e aos mais novos o de Miguel. Hoje pai e filho "dão-se muito bem", passam os aniversários juntos, reúnem-se nas festas, os dois filhos Joões, os netos Francisco e Miguel a duplicar.
"Ele sempre andou à procura deste filho perdido" e, diz Luísa, o filho "mudou desde que conheceu o pai. Ele era muito fechado, sério, tinha uma tristeza nele". "Não é por ser meu filho, mas é uma jóia de pessoa, ele merecia."
"Depois de 40 anos de silêncio absoluto, muitos pais não estão dispostos a aceitá-los, porque isso quer dizer que há 40 anos que os abandonaram", diz Carlos Silva. Talvez essa busca ao contrário seja mais fácil para uma geração diferente, a dos irmãos, nota. Talvez os filhos destes pais queiram conhecer os seus irmãos guineenses.
O pai de Marisa Tavares morreu quando ela tinha seis anos, de cancro. Em adulta, soube que ele tinha um filho em Catió, dos tempos da guerra na Guiné. Numa caixa de madeira, descobriu dezenas de fotografias com mulheres africanas de peitos à mostra. Alguma seria a mãe do seu irmão? Numa, o pai tem uma criança negra ao colo, seria aquele o seu irmão? Quis tanto encontrá-lo. Ela que pouco sabe falar português - os pais emigraram para o Canadá quando era criança - criou um blogue só para essa busca (http://omadragoa.blogspot.pt/). Espalhou o pedido pelos blogues de ex-combatentes, encontrou colegas do pai que sabiam que ele era folgazão, mas desconheciam que o camarada de armas lá tinha deixado um filho. Criou o blogue sem saber sequer o nome do irmão. Anda à procura dele há três anos, se o irmão ainda for vivo, há-de andar pelos 40 anos. Mas não é provável que a tenha lido, porque não há rede eléctrica na Guiné, poucos têm acesso à Internet e seria preciso que o irmão soubesse falar inglês. Ela pergunta: "Are you my brother?"
OPERAÇÃO CAMPING: UM GOLPE FRANCÊS CUJA BARRIGA DE ALUGUER ERA PORTUGAL


Tal como no antigo Congo Belga, também se registou intervenção no vizinho Congo francês.

A razão era a mesma. 


A escolha também o era: a procura de um homem com passado anti-colonial para servir os antigos senhores.

Um político congolês, que faleceu em 2009, Bernard Kolélas, antigo primeiro-ministro da República Popular do Congo, foi o “homem de mão” do regime de António Salazar, para dar corpo a um golpe de Estado, em 1967/68, contra o governo do então Presidente Alphonse Massamba-Débat.





Kolélas: Em duas épocas diferentes.

Nunca foi desmascarado como agente do colonialismo português.


Uma tentativa que colocava, aliás, na ordem do dia o assassinato político selectivo de alguns dos principais dirigentes do Estado congolês, com a especificação de que a “neutralização” dos “indivíduos” passava em primeiro lugar pelo Presidente da República Débat. 


Mas, o “conhecimento exacto e actualizado” da execução desse objectivo dependia de, entre outros pressupostos, do “fornecimento pelas autoridades francesas de todos os elementos que à operação interessam”.

Ou seja, Portugal era, neste caso, um capacho dos interesses da França democrática, que, para restabelecer os seus interesses políticos e económicos – e claro geo-estratégicos - na sua antiga colónia africana, utilizava os “bons esforços” do regime ditatorial de Salazar, que, metido na boleia, procurava conseguir que a retaguarda da guerrilha angolana ficasse minada ou diminuída com a mudança de regime em Brazzaville.

O tiro saiu-lhe na culatra, no entanto. 

Foi uma operação de grande envergadura, que envolveu, além de Portugal e da França, a Costa do Marfim e a África do Sul. 

Todavia, os principais mentores congoleses são difíceis de descodificar nos documentos elaborados pela PIDE, depositados na Torre do Tombo, pois apenas são referenciados por pseudónimos. 


Foram, aliás, estes documentos que permitiram, no cômputo geral, conhecer a extensão da “operação clandestina”.


A nível interno do regime português, os relatórios, que foi possível consultar, circulavam apenas entre a PIDE (e as suas estruturas envolvidas no terreno) e a Presidência do Conselho de Ministros (Salazar) e o Ministério da Defesa Nacional (general Gomes Araújo). 


Logo, a ingerência no Congo teve a concordância directa do falecido chefe do governo de Portugal. 

Mas, pelas indicações apostas nos documentos verifica-se que, pelo menos, o Ministro do Ultramar e o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas participaram no planeamento e apoio técnico-militar à operação.

O documento mais antigo guardado no espólio da Torre do Tombo sobre a operação, que recebe o nome de código de “Camping”, elaborado pela PIDE (Serviços de Segurança -Secção Central), enviado para o chefe do governo e para o Ministro da Defesa, tem a data de 16 de Junho de 1967 e estava classificado como “MUITO SECRETO”.


Refere o relatório, logo no primeiro parágrafo da sua introdução, que “a presente informação constitui um pormenor dos planos anteriormente apresentados por *SAMBA OMER* e o resultado dum exame e revisão posterior do estado das coisas por um perito francês”, perito este nunca é citado expressamente ao longo das 11 páginas do mesmo.

Em todos os documentos consultados na Torre do Tombo, SAMBA OMER, como pseudónimo, é sempre apresentado como o responsável máximo da conjura congolesa, mas nunca é referenciado pelo seu nome real.

Todavia, por um curto memorando preparatório de uma reunião, de divulgação restrita, com a recomendação escrita à mão “não seguir” para outros canais, fica a saber-se que os “partidários de KOLELAS” estão instalados nos arredores de Carmona. 


Ou seja, Kolelas era o líder da conjura.

(Bernard Kolelas, já falecido, nascido em 1933 participou activamente na vida política do Congo, especialmente quando o pró-francês Pascal Lissouba ascendeu à Chefia de Estado, após o afastamento, em 1992, de Denis Sassou-Nguesso. Foi seu primeiro-ministro, durante dois meses, em 1997).

Pelos documentos da PIDE, há referências constantes aos “partidários” de “Samba Omer”, sem o citar pelo nome real, nos arredores de Carmona.

Assinala nomeadamente o “MEMORANDO” restrito, com data de 26 de Julho de 1967, que o “pedido” para que “um grupo de partidários de KOLELAS” recebessem “treinos” em Angola, “antes de serem lançados em território da R.P.C”, partiu do próprio, tal como está inserido em idêntica solicitação inserida no relatório elaborado pelos Serviços de Segurança da PIDE.

No relatório da polícia política, verifica-se que “OMER” deu o seu assentimento à escolha do local onde se instalou o “grupo dos primeiros 17 componentes” operacionais da conspiração, uma fazenda abandonada a 30 quilómetros de Carmona, na estrada Carmona –Songo.




Quando a PIDE tem de especificar quem é Omer

Kolelas teve, aliás, residência temporária naquela antiga fazenda. Desconhece-se o tempo.

A PIDE informa os seus superiores que os “três elementos (congoleses) responsáveis – “SAMBA OMER, “ROBERTO” e “AUGUSTO” – “ficam instalados numa residência a alugar na cidade de Carmona. 

Tal residência, sob controle destes Serviços, seria utilizada ainda pelos dois instrutores”.

Quem são estes instrutores? 


O documento dos Serviços Centrais não os identifica, mas um relatório, com o carimbo de “Muito Secreto”, da delegação de Angola da PIDE, com data de 9 de Agosto de 1967, cujo assunto é a “Operação Camping” e os “instrutores –Grimaud e Surma”, dá uma pormenorizada informação sobre os mesmos e o seu trabalho.

“Em referência à msg 176/CI (2), - especifica o relatório - chegaram a esta cidade (Luanda), provenientes de LISBOA – no voo 257 dos TAP, de 01AGO67 – os seguintes indivíduos:


SURMA – Taddée

- de nacionalidade francesa

- natural de GRODMO/POLÓNIA

- nascido a 02MAI26

e

GRIMAUD – Claud Gerald


- de nacionalidade francesa

- natural de SETIF/ARGÉLIA

- nascido a 05MAI33”.


Os instrutores franceses, descreve o relatório emanado da delegação de Angola da PIDE, “formam dispensados pelos serviços de MAURICHAUD BEAUPRÉ -o chefe dos serviços secretos controlados pelo primeiro-ministro gaulês- (…)por um período de três meses”.

Nos comentários finais do relatório, o responsável da polícia política portuguesa fica encantado com os instrutores franceses, sublinhando “o seu elevado grau de conhecimentos e preparação”

Sugerindo mesmo que, “no decurso ou no final da preparação” do grupo congolês, tais instrutores treinem “os elementos deste Serviço” (…)”em algumas matérias” que os franceses “se encontram qualificados para ministrar”.

De mensagens trocadas entre a sede da PIDE em Lisboa e a sua delegação em Luanda, verifica-se que houve outros agentes franceses no terreno, tais como “Maurice Mbaigoto”, que utilizou um “passaporte de República do Tchad” e era apresentado como “amigo” de Beaupré. 

Um relatório policial datado de 7 de Fevereiro de 1968 assinalava ainda a presença de “Michel Winter e Claude Grimaud – instrutores franceses do *campo – Songo* “, que se tinham retirado “para a Europa em 23DEZ67”, com a promessa de regressarem em Janeiro, mas que até à data do documento ainda não o tinha feito. 

O mesmo relatório referencia a presença do “francês Gildas Lebeurier”, que, pelo teor da informação, deveria ser alto quadro dos serviços secretos, pois transmitia à parte portuguesa que o “presidente da COSTA DO MARFIM, HAMPHOUET BOIGNY” prometera “aos Serviços Especiais Franceses” uma quantidade elevada de armamento, destinado “a ser enviado para Angola com vista a ser utilizado na fase operacional da OPERAÇÃO CAMPING”.

A operação baseava-se em dados muito pouco consistentes e numa teia conspirativa quase infantil, que aliás se releva do próprio relatório. 


Nos “comentários” do autor – Os serviços de Segurança da Secção Central, logo a direcção da Pide, assinala-se: “Tem-se consciência da extensão da informação elaborada e aceita-se que um ou outro ponto sejam considerados supérfulos. Surge, porém, que tudo terá que ser previamente estudado até à exaustação, pois ficou largamente demonstrado que mesmo o responsável do movimento – OMER – não possuía mais do que um objectivo fixo. Tudo o restante era vago, quase à sorte”.

Este relatório, que foi levado ao presidente do Conselho de Ministros António Salazar e dele mereceu a aprovação, pois a operação entrou em movimento desde então, revela que a polícia política do regime está envolta numa confrangedora falta de capacidade de análise e age baseada em pressupostos irreais e subjectivos sobre a implantação no terreno dos oposicionistas congoleses.

A direcção da PIDE confessa-o no entanto, sublinhando as fraquezas evidentes como atrás ficou referenciado, mas mesmo assim não se coíbe de aconselhar o topo da hierarquia do Estado a entrar numa aventura: “não restam dúvidas de que estamos em face duma operação possível e viável, em que é manifesto o interesse do apoio a conceder-lhe”.

No Memorando, já assinalado, emitido um mês depois do relatório – 26/7/67 -, que a estrutura dirigente da PIDE fez questão de “não (fazer) seguir” para as entidades competentes, escreve-se que o treino em Angola partiu de um pedido de Bernard Kolelas, pedido este que foi “apoiado em promessas, de que seriam enviados instrutores que se juntariam a estes homens”.

Mas no ponto seguinte, alerta-se: “até à presente data, não chegaram quaisquer elementos a Angola com esse fim e a situação do referido grupo (o inicial) começa a deteriorar-se”.

Neste Memorando, a direcção da PIDE ainda coloca reservas à operação: “Conviria saber-se o que se pode esperar da acção já iniciada, pois o próprio Kolelas manifesta desorientação”.

Um relatório da delegação de Luanda, com o rótulo de “Muito Secreto”, com data de 9 de Agosto de 1967, explana uma fase de treino, com instrutores franceses, com a presença apenas de “os primeiros 17 elementos do grupo a constituir com vista à sua eventual instalação naquele local” (arredores de Carmona). Dos restantes que deveria formar uma unidade de 50 não há rasto.

Nesse relatório, o responsável da PIDE refere o seguinte: “Raphael Yengo, que regressara do CONGO-KIN, esclareceu em relação aos restantes elementos do grupo que:

1-Partiria brevemente (07AGO67) para KINSHASA, a fim de *canalizar* os restantes 33 estagiários;


2-Estaria de regresso pelo dia 13AGO67 com o primeiro grupo de cerca de 10 elementos;


3-Julga, em princípio, que no decurso do mês de Agosto o *grupo 50* estará totalmente preenchido”.






Uma “informação” com o carimbo de “muito secreto”, emitida de Luanda, com data de 22 de Junho de 1967, com a rubrica do inspector Ernesto Lopes Ramos, um responsável da PIDE, que esteve ligado ao “complot” que levou ao assassínio do general Humberto Delgado, e que certamente deve ter sido “recuado” para Angola, tal como o subinspector Casimiro Monteiro –o autor material da morte daquele oficial-general, candidato oposicionista ás eleições presidenciais de 1958, o foi para Moçambique, dá uma imagem degradante dos oposicionistas congoleses instalados em Angola.

“Notícias provenientes de Carmona, com data de 21JUN67, dão indicação da deterioração do ambiente disciplinar dos primeiros 17 elementos do *grupo-50* já instalado, solicitando instruções no sentido de poder regressar a harmonia ao conjunto em que os problemas surgidos já haviam posto, inclusive uma tentativa de substituição do *chefe* - DIAFRANCO”.

Nos princípios de Fevereiro, já a PIDE tinha a noção que a França tinha ruído a corda. 

“Informações sobre a situação política no Congo-Brazza levam a crer que – talvez a curto prazo – se assiste a uma mudança de atitude de MASSAMBA DÉBAT na sua política externa para com a FRANÇA. 

Efectivamente a recente visita de IVON 

BOURGES, secretário de Estado encarregado da cooperação no MNE francês ao Congo pressupõe a existência duma nova aproximação PARIS-BRAZZA”, refere um relatório “SECRETO” da delegação de Angola daquela polícia, assinado pelo seu responsável máximo.

Acrescentava então que “os serviços de Maurichaud”, no caso de se concretizar tal aproximação, que era real, irão “encarar sob novo ângulo a Operação Camping, senão mesmo a considerá-la inoportuna, ultrapassada ou já desnecessária”.

E com um pormenor: “Auscultado recentemente sobre a situação no país vis-a-vis da França, SAMBA OMER deixou transparecer que ele próprio começava a admitir que os Serviços Franceses se haveriam alheado do seu problema”.

Todavia, nesse mesmo relatório, o seu autor reconhece o papel de intermediário de Portugal, de certo modo submisso à estratégia de Paris na questão da operação CAMPING.


“Torna-se de extrema importância e urgência – recomenda o subdirector da PIDE em Luanda – determinar claramente a posição dos Serviços Francesas e perante as deficiências apontadas – recrutamento, informação, etc – decidir a continuação ou abandono do assunto”.

Questiona no entanto se, os franceses “se alhearem efectivamente do assunto”, se deveria “com os elementos existentes” … “autorizar golpe proposto por Samba Omer para princípios de Março (de 1968)”.

Não há registo, em arquivo, da resposta de Lisboa às interrogações.

Um documento com o carimbo de “secreto” de um mês depois – 7 de Março de 1968 – do subdirector da PIDE em Luanda (São José Lopes), assinala-se que a operação está a custar, em assuntos correntes, ao erário público valores elevados, perto de 600 mil escudos, além de um financiamento para Samba Omer da ordem dos 400 mil escudos, com a confissão de são necessárias as definições de “atitudes a tomar em relação” ao eventual golpe de Estado. 

E isto, segundo o responsável policial, porque a operação, “que começa a constituir mais do que um encargo, já (é) um problema”.

São José Lopes assinala mesmo que tinha sido criada uma “situação embaraçosa” com “a falta de notícias dos Serviços franceses” que, pura e simplesmente, deixaram de dar cavaco às autoridades portuguesas.

Depois desta data, não foi possível apurar a existência de outros documentos e relatórios da PIDE sobre esta operação.

Uma coisa é certa nesse ano de 1968: o Presidente Massamba-Débat, que assumira o poder em Agosto de 1963, ao depor o regime do fundador do Estado abade Fulbert Youlou, é afastado por uma golpe militar de esquerda, dirigida por jovens oficiais, de onde emergiu o capitão Marien Ngouabi.

Este, em 1969, é eleito Presidente da República. 

Funda um novo partido – o Partido Congolês do Trabalho (PCT), que se torna o dirigente político único do Estado, baseado na teoria, emanada e engendrada na antiga União Soviética, de José Stáline, que se vulgarizou com o nome marxismo-leninismo. 

O país passou a chamar-se República Popular do Congo.

Marien Ngouabi, que deu um apoio logístico constante ao principal movimento guerrilheiro anti-colonial angolano, o MPLA, esteve no poder ate 1977, altura em que um golpe de Estado liderado por um seu antigo camaradas de armas, o coronel Joachim Yhombi-Opango, o afastou e assassinou.

Nessa altura, já a vizinha Angola estava independente e, nesta altura, começava a intervir nos assuntos internos da região.



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CRONOLOGIA DA GUERRA NO ULTRAMAR - DE 1961 A 1974
- - - 
A Guerra em Angola, Moçambique e Guiné.
1962

(1)
Guerrilheiros da Frelimo
Guerrilheiros da Frelimo.

Janeiro
 1Ataque ao quartel de Beja dirigido por Varela Gomes, no âmbito de um movimento militar que não teve êxito.
Constituição, em Dar-es-Salam, do Comité de Unificação dos Movimentos Nacionalistas de Moçambique.
 3Estabelecimento, em Lisboa, de um governo do Estado da índia.
15Portugal abandona a Assembleia-geral da ONU, em virtude do debate sobre Angola.
27Acordo entre Portugal e a União Indiana para o repatriamento de mais de três mil prisioneiros
30Resolução da Assembleia-geral da ONU, reprovando a repressão e acção armada desencadeada por Portugal contra o povo angolano, reafirmando o direito deste à autodeterminação e independência
31Manifestação no Porto com gritos de ordem contra guerra colonial, o que acontece pela primeira vez
Fevereiro
Criação da Missão de Estudos Económicos do Ultramar
 2
Marcelo Caetano preconiza uma modificação constitucional com vista a transformar o Estado unitário em Estado Federal
Março
Abertura de negociações entre Portugal e a África do Sul sobre um projecto de aproveitamento do rio Cunene
Fim da guerra da Argélia
Constituição, por intelectuais portugueses naturais ou residentes em Angola, da Frente Unida Angolana (FUA), de apoio ao MPLA
 2Criação de uma organização de voluntários de carácter permanente em cada um dos territórios coloniais
 3Reivindicação, pela UPA, em Leopoldville, da prisão e execução de um destacamento do MPLA
12Início das emissões da Rádio Portugal Livre, a partir da Argélia
13
Prisão, em Bissau, pela PIDE, dos dirigentes do PAIGC, Rafael Barbosa e Fernando Fortes
Cada do Comité dos Sete da ONU ao Governo português solicitando informação sobre as condições de uma visita do Comité aos territórios sob administração portuguesa
18
Deslocação a Lisboa do governador-geral de Moçambique, almirante Sarmento Rodrigues, por causa de actividades secessionistas de colonos da Beira
23Resposta do Governo português à carta do Comité dos Sete da ONU recusando a visita do Comité aos territórios sobre administração portuguesa
24Proibição, pelo Governo, das celebrações do Dia do Estudante, abrindo-se a crise académica
27
Constituição da FNLA, a partir da UPA e do PDA
Abril
 5Formação do GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio) pela FNLA
 6
Greve da Universidade de Lisboa
12Remodelação ministerial, com Gomes de Araújo a substituir Salazar na Defesa Nacional, Joaquim da Luz Cunha a substituir Mário Silva no Exército e Peixoto Correia a substituir Adriano Moreira no Ultramar
Agitação nas universidades – luto académico
27Aprovação do Código do Trabalho Rural para o Ultramar
Maio
Evasão de Lisboa, onde tinha residência fixa, de Agostinho Neto
 1Repressão de manifestações de rua em Lisboa com palavras de ordem contra a guerra colonial, de que resulta um morto e várias dezenas de feridos
22Chegada a Lisboa dos primeiros prisioneiros portugueses da índia, a bordo do navio Vera Cruz
Junho 
Apresentação, por Amílcar Cabral, perante a Comissão da ONU para os territórios administrados por Portugal, de um relatório intitulado «O Nosso Povo, o Governo Português e a ONU».
14Criação de um Centro de Instrução em Zemba (CI 21) para formar as primeiras unidades de comandos
25Criação da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), presidida por Eduardo Mondlane
Julho 
Entrada em funcionamento da base de Kinkusu, atribuída pelo Governo do Congo-Leopoldville à UPA
Condenação, em Luanda, dos escritores António Jacinto, António Cardoso e José Graça (Luandino Vieira) a 14 anos de prisão por «actividades contra a segurança exterior do Estado»
 5Independência da Argélia
Agosto
Recomendação da Conferência de Ministros dos Negócios Estrangeiros da OUA reunida em Dacar para o reconhecimento do GRAE de Holden Roberto
Setembro
Fundação, em Dacar, da Frente de Libertação Nacional da Guiné (FLING)
 1Petição ao presidente da República, por um grupo de personalidades da oposição, reclamando a demissão de Salazar e uma modificação na política ultramarina
23Início do I Congresso da Frelimo em Dar-es-Salam
24Demissão de Venâncio Deslandes dos cargos de governador-geral e comandante-chefe de Angola, na sequência de divergências com o ministro do UItramar, Adriano Moreira, por questões de autonomia política e administrativa do território
Outubro
 24Recepção de Kennedy a Franco Nogueira
Novembro
Fim da secessão do Catanga e Cassai, que são reintegrados no Congo-Leopoldville
15Carta de Viriato da Cruz aos elementos do MPLA, manifestando-se contra Agostinho Neto
23Depoimento de Eduardo Mondlane, em nome da Frelìmo, perante o Comité Especial da ONU para os territórios administrados por Portugal
Dezembro
Apresentação na ONU do plano «U Thant» para unificação do Congo, para solucionar a questão da secessão do Katanga
Declarações de David Mabunda, secretário-geral da Frelimo, no Cairo, segundo as quais seria inevitável nova guerra, como em Angola, se Portugal não tomasse medidas imediatas para garantir a autodeterminação de Moçambique
 1Negociações, em Paris, de Sócrates Deskalos, presidente da Frente Unida Angolana (FUA), para abrir um novo quartel-general no Congo e para colaborar com a UPA e MPLA
Início do I Congresso do MPLA em Leopoldville, com Agostinho Neto na presidência e Mário de Andrade na vice-presidência, sendo elementos da Comissão Governativa P. Domingos da Silva, Matias Miguéis, Manuel Lima e Sócrates Daskalos
 3Remodelação ministerial, com a entrada de Gomes de Araújo para ministro da Defesa, de Luz Cunha para ministro do Exército, de Peixoto Correia para o Ultramar e de Francisco Chagas para secretário de Estado da Aeronáutica
12Aprovação de uma moção na ONU recomendando um programa especial de assistência técnica para educação e treino de dirigentes nacionalistas dos territórios sob administração portuguesa
13Apresentação de Amílcar Cabral na Comissão de Curadorias da ONU como representante do PAIGC
14Resolução da Assembleia-geral da ONU sobre Angola, condenando a atitude de Portugal, pedindo o reconhecimento imediato do direito dos povos não autónomos à autodeterminação e independência e a cessação imediata de todos os actos de repressão
18Resolução da Assembleia-geral da ONU, reafirmando o inalienável direito do povo de Angola à autodeterminação e independência, condenando a guerra colonial conduzida por Portugal e requerendo ao Conselho de Segurança as medidas adequadas
19Início da Conferência das Forças Antifascistas Portuguesas, que funda a Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN)
28Depoimento de Holden Roberto, líder da UPA, perante a comissão especial da ONU




(2)
CRONOLOGIA DA GUERRA NO ULTRAMAR - DE 1961 A 1974
- - - 
A Guerra em Angola, Moçambique e Guiné.
1963
Amílcar Cabral na selva
Amílcar Cabral com guerrilheiras do PAIGC

Janeiro
 18Debate pelo Governo português de um projecto de Lei Orgânica do Ultramar. 
 23Início da luta armada na Guiné, com um ataque ao quartel de Tite pelo PAIGC.
Fevereiro
Expulsão dos portugueses residentes na Serra Leoa e proibição de importação de mercadorias portuguesas, por causa da política colonial de Portugal
Organização, pelo Comité Político da FLN da Argélia, do Dia de Angola, como apoio à independência
  4Início da 3.ª Conferência de Solidariedade Afro‑Asiática na Tanganica, presidida por Julius Nyerere, em que foi pedido o boicote económico e diplomático contra Portugal
 21
Encontro de Salazar com dois enviados do presidente Youlou, do Congo-Brazzaville, que se propõe mediar uma solução para o problema angolano
Março
Captura, por guerrilheiros do PAIGC, dos navios Mirandela e Arouca perto de Cacine, que mais tarde utilizou para transporte de pessoal e material na Guiné-Conacri
Reuniões da Comissão de Descolonização da ONU, atribuindo prioridade aos territórios sob administração portuguesa
Deserção do piloto militar português Jacinto Veloso, que aterrou com o seu avião na Tanzânia
 1Publicação de um conjunto de decretos com vista à formação de um mercado único português
 10Declaração de Amílcar Cabral em Paris sobre a disponibilidade de o PAIGC suspender a luta, se Portugal quisesse solucionar pacificamente o problema colonial
 13Contestação do Governo português à competência da Comissão de Descolonização da ONU para decidir sobre os territórios ultramarinos de Portugal
 15
Comemoração, pela UPA, em Leopoldville, do segundo aniversário do início das hostilidades em Angola, com a presença do primeiro‑ministro congolês
Aníbal São José Lopes assume a direcção da PIDE em Angola
21
Demissão de dez oficiais, em consequência dos acontecimentos da Índia
Abril
Atribuição, a vários militares, do Prémio Governador‑Geral, instituído pela TAP, pelas acções valorosas em defesa de Angola
Tentativa, por parte do MPLA, de reactivar a acção da ATCAR, Associação dos Quiocos do Congo, Angola e Rodésia
  3Anúncio, por Franco Nogueira, da intenção de negociar um pacto de não‑agressão com os países limítrofes de Angola e outros países africanos
  9Comunicado oficial do Governo do Senegal sobre o bombardeamento efectuado por quatro aviões portugueses a uma aldeia fronteiriça, sendo o assunto comunicado ao Conselho de Segurança da ONU
 11Publicação da Encíclica Pacem in Terris do Papa João XXIII com referência explícita à independência de todos os povos
 20Reunião Internacional da Juventude em Argel, com a presença de representantes de Angola
Maio
Entrevista de Mário de Andrade, do MPLA, ao jornal Le Monde, em que afirma ser indispensável e decisivo o isolamento total de Portugal
François Mendy, presidente da Frente de Luta pela Independência da Guiné (FLING), preconiza uma conferência para o reagrupamento de todos os movimentos nacionalistas das colónias portuguesas 1963.05 Comandante Vasco Rodrigues, governador?geral da Guiné
Conferência entre Peterson, representante da UPA, e o presidente Kaunda em Elisabeteville sobre a possibilidade de a UFA utilizar o território da Rodésia do Norte (actual Zâmbia) como base
Nomeação de João Eduardo como representante permanente do MPLA em Argel
Tentativa de desmantelamento por parte das autoridades portuguesas de uma organização da Frelimo no Norte de Moçambique
Reunião do Comité Executivo da União Internacional dos Estudantes (UIE) em Argel, em que é apresentado um relatório sobre a situação em Angola
 25Fundação da Organização de Unidade Africana (OUA) pelos chefes de 30 Estados independentes de África reunidos em Adis Abeba
 28Anúncio, pela NATO, da instalação em Portugal da base de comando da Zona Ibero­Atlântica
 29Recepção de Franco Nogueira por Kennedy e Dean Rusk
Junho 
Corte de relações diplomáticas da República Árabe Unida com Portugal devido à política colonial portuguesa
Assalto à sede do MPLA, em Leopoldville, pela polícia congolesa, que prende Agostinho Neto e Lúcio Lara
  7Declaração do secretário de Estado para os Assuntos Africanos dos Estados Unidos, segundo a qual os interesses estratégicos dos EUA exigem a continuação da cooperação com Portugal
 10Fundação, pelo MPLA, da Frente Democrática de Libertação de Angola (FDLA)
Primeira cerimónia do Dia da Raça realizada no Terreiro do Paço, em Lisboa, de homenagem às Forças Armadas
 30Passagem das acções do PAIGC para norte do rio Geba
Julho 
Declarações do abade Youlou, presidente do Congo­Brazaville, em Paris, sobre conversações acerca da efectivação de eleições em Angola, solução contestada pela FNLA
Criação em Leopoldville da Frente Democrática para a Libertação de Angola, sob a presidência de Agostinho Neto, constituída pelo MPLA e outros pequenos partidos 1963.07 Reconhecimento exclusivo do GRAE e da FNLA, chefiados por Holden Roberto, pelo Governo do Congo‑Leopoldville (República Democrática do Congo) com reacções negativas de alguns países africanos
Decisão da Libéria de expulsar portugueses residentes no seu território, com excepção dos que solicitarem estatuto de refugiados
Corte de relações diplomáticas do Senegal com Portugal, com proibição de circulação de pessoas e mercadorias na fronteira com a Guiné
Notícia do Le Monde sobre um contacto de Benjamim Pinto Buli, secretário­geral da União dos Naturais da Guiné (UNGP) com as autoridades portuguesas para a criação de um regime de autonomia interna
Utilização, pelo PAIGC, da primeira mina anticarro, na estrada Fulacunda-São João
 1Debate, em Brazzaville, entre os movimentos nacionalistas angolanos no sentido da formação de um Comité de Coordenação
Início da Conferência Internacional de Instrução Pública, em Genebra, em que é aprovada uma moção que pede a exclusão de Portugal por causa da sua política colonial
 10Início dos trabalhos de uma comissão de boa vontade nomeada pelo Comité de Libertação Africano no sentido de tentar unir os esforços dos movimentos de libertação angolanos
 13Reconhecimento do GRAE pelo Comité de Libertação da OUA (Organização de Unidade Africana)
Início da visita a Leopoldville de uma missão da OUA, que recomenda aos países africanos o reconhecimento do GRAE e o apoio à FNLA
 16Encontro de Salazar com Benjamim Pinto Buli, dirigente de uma das facções da FLING
 22Crítica de Mário de Andrade à formação da Frente Democrática de Libertação de Angola pelo MPLA
 24Encontro entre o presidente do Congo-Brazzaville, Youlou, e o embaixador português em Paris sobre um programa para a realização de eleições em Angola
 27Exclusão de Portugal da Comissão Económica para África (CEA), organismo da ONU
 31Oposição dos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, no Conselho de Segurança da ONU, à aplicação de sanções contra Portugal
Resolução do Conselho de Segurança da ONU que rejeita o conceito português de «províncias ultramarinas», decidindo que a situação perturbava seriamente a paz e a segurança em África, apelando a Portugal para reconhecer o direito de autodeterminação e independência
Agosto
Congresso dos partidos nacionalistas de Cabinda em Ponta Negra, com a presença do presidente Youlou, do Congo-Brazza, onde se formou a Frente de Libertação de Cabinda
Carta de Salazar ao primeiro-ministro sul-africano pedindo cooperação e lembrando que «estamos quase sós em África», explicando que ou o bastião português resistia ou a guerra atingiria a África do Sul
Reconhecimento do GRAE de Holden Roberto pela Tunísia, Argélia e Marrocos
Convite de Portugal ao secretário-geral da ONU para visitar Lisboa, a fim de tratar das questões da política portuguesa em África
Concessão, pelo Governo português, à Pan American International Oil Corporation, da prospecção de petróleo em Moçambique
 10Crítica do marechal Craveiro Lopes a alguns aspectos da política ultramarina
 12Discurso de Salazar sobre o problema do ultramar, que teve grandes repercussões internacionais e levou os nacionalistas a reafirmarem a continuação da luta
 23Interdição do espaço aéreo do Senegal a aviões procedentes ou destinados a Portugal e à África do Sul
Cerimónia de apoio dos generais e oficiais superiores a Salazar e à política ultramarina
 27Manifestação nacional no Terreiro do Paço, em Lisboa, de apoio à política ultramarina do Governo, que serviu de base à legitimidade da política de defesa ultramarina do Governo português
 29Início das conversações de George Ball, representante americano, com Franco Nogueira e Salazar, em Lisboa, em que se evidenciam as divergências relativamente aos conceitos de autodeterminação e do factor tempo no problema africano
 30Encontro de George Bali, subsecretário de Estado americano, com Salazar, sendo debatida a atitude americana face à política colonial e a presença dos EUA nos Açores
Setembro
Reconhecimento do GRAE de Holden Roberto pelo Senegal
Conferência de imprensa, no Rio de Janeiro, de Jorge Goinola, representante do GRAE, acompanhado de Humberto Delgado
Utilização pela FNLA, na região de Noqui, Norte de Angola, de minas AC MK7 e granadas de mão Societa Romana
Conflito entre a FNLA e a FNLEC por causa de declarações sobre o enclave de Cabinda
Condenação, pelo VIII Congresso Internacional Socialista, dos países que persistem em oprimir os povos coloniais, como Portugal 1963.09.16 Início de uma visita de Américo Tomás a Angola
 23Chegada do ministro da Defesa, general Gomes de Araújo, a Moçambique para uma visita ao território
Outubro
Utilização pelos nacionalistas de Angola do seguinte armamento: granadas de morteiro 60, LG anticarro AC-P27(checo), LG RPG2 (russo), canhão sem recuo 57 (chinês) e canhão sem recuo 75 (chinês)
Realização da XVIII Assembleia Geral da ONU, em que os países afro-asiáticos atacam a política colonial portuguesa
Realização de conversações entre representantes portugueses e africanos, promovidas por U'Thant, secretário-geral da ONU, que virá a apresentar um relatório ao Conselho de Segurança sobre estas conversações
Anúncio, em Leopoldville, do recomeço da ofensiva no interior de Angola por parte do Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), da FNLA
 3Posse, em Bissau, do novo secretário-geral da província da Guiné, James Pinto Buli
 4Conferência de imprensa do Quartel-General de Luanda para comunicação da situação militar em Angola
 16Início de conversações entre Portugal e alguns países africanos, sob a égide da ONU, que incidiram, sem acordo, no sentido e no alcance do conceito de autodeterminação
 17Decisão do Governo português de considerar os crimes previstos na legislação militar, como cometidos em tempo de guerra
Novembro
Reorganização do MPLA, com ligação ao Corpo Voluntário Angolano de Auxílio aos Refugiados (CVAAR) e da União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA)
  2Encerramento da sede do MPLA em Leopoldville e proibição da actividade do movimento no Congo
  7Recepção de Franco Nogueira por Kennedy
  8Debate na Comissão de Curadorias da ONU, sendo pedido ao Conselho de Segurança que se ocupe com urgência da situação nos territórios portugueses
 22Assassínio do presidente Kennedy, nos Estados Unidos da América
Dezembro
Primeiras actividades operacionais na Zona Militar Leste, em Angola
Intervenção de Henrique Galvão na ONU sobre a «questão ultramarina portuguesa»
 3Resolução da Assembleia Geral da ONU, a solicitar ao Conselho de Segurança a adopção das medidas necessárias à execução das suas resoluções relativas aos territórios sob administração portuguesa
 6Declaração pública dos Estados africanos participantes nas conversações com Portugal, em que se lamenta o facto de não ter modificado minimamente os princípios fundamentais da sua política, tornando impossível qualquer conversação séria
 9Convite do Governo português ao secretário-geral da ONU, U'Thant, para visitar Angola e Moçambique
11Resolução do Conselho de Segurança da ONU, a confirmar o conceito de autodeterminação da Declaração Anticolonialista e a deplorar a inobservância da resolução de 31 de Julho de 1963

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