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terça-feira, 29 de abril de 2014

A VELA APAGADA - "Uma mulher lavava a roupa, e pelo frio tinha os pés muito vermelhos;

A VELA APAGADA


"Uma mulher lavava a roupa, e pelo frio tinha os pés muito vermelhos; e passando por ela um padre, perguntou com admiração o que causava tal vermelhidão; ao que a mulher respondeu logo que tal efeito acontecia porque ela tinha debaixo dela um fogo. Então o padre segurou o membro que o fez ser padre e não freira e, encostando-se a ela, com doce e persuasiva voz, pediu-lhe que fizesse o favor de lhe acender aquela vela."

Eis uma anedota ordinarota que facilmente imaginamos a ser contada pelo Camilo de Oliveira nos velhos tempos do Parque Mayer para um público ávido de histórias picantes.
Acontece que se trata de um texto retirado de um dos códices de Leonardo da Vinci, o Códice Atlântico, que se encontra na Biblioteca Ambrosiana de Milão.
Ora, assim sendo, o cenário muda de figura. O facto de ter uma proveniência erudita e de se tratar de um texto com mais de 500 anos, muda radicalmente a nossa relação com ele. Mais até do que o nosso conhecimento da pessoa que o escreveu, é o tempo, a distância, a história, tal como acontece com os textos latinos de Petrónio ou de Marcial, que muda a nossa relação com ele.
Uma anedota ordinária com 500 ou 1000 anos deixa de ser uma anedota ordinária para passar a ser um objecto histórico, erudito e culturalmente relevante. Como se o tempo fosse um antídoto que libertasse o texto da sua mácula original. O tempo é, de facto, um grande escultor. Sem mãos, sem dedos, sem músculos, sem ossos e, sobretudo, sem consciência, consegue transformar um objecto moralmente desprezível numa cândida e encantadora preciosidade.


ponteirosparados.blogspot.pt

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