O filósofo Nuno Nabais defende que se regresse às ocupações de casas desabitadas, como aconteceu após o 25 de Abril, e espanta-se como os cidadãos ainda não se organizaram desta forma para garantir habitação a quem precisa.
“Como é que as pessoas não se organizam em associações de moradores por bairro, fazendo o levantamento das casas desocupadas, das necessidades da população e, de forma estruturada, fossem garantindo que não há pessoas sem casas nem casas sem pessoas?”, questionou em entrevista à Lusa a propósito do 40.º aniversário do 25 de Abril.
No chamado “Verão Quente de 1975”, que decorreu entre março e novembro desse ano, Nuno Nabais esteve envolvido em ocupações de casas, e recorda que não foram movimentos selvagens, mas ocupações organizadas e feitas até com alguma legitimidade.v
“A ocupação era feita com certa legitimidade, no sentido em que ia um representante da Junta de Freguesia, um da associação de moradores e o futuro ocupante. Arrombava-se e mudava-se a fechadura e as pessoas tinham um documento que legitimava a ocupação”, relatou.
As associações de moradores faziam um levantamento prévio das casas que estavam devolutas e desocupadas, tentando sempre contactar primeiro os seus proprietários.
Só depois era feito o mapa das casas a ocupar e, através de um “estudo empírico”, procurava-se garantir que eram as pessoas mais necessitadas quem ficava com as habitações.
Quatro décadas depois, Nuno Nabais diz não compreender como é que as próprias autarquias permitem que haja pessoas sem casa quando existem tantas vazias.
“Porque é que a Câmara não toma a iniciativa? A resposta é sempre a mesma: isso rebentava com a indústria imobiliária. É sempre o mesmo argumento temeroso. Tem de haver um momento em que os poderosos já não têm quase poder nenhum e é melhor ocuparmo-nos da miséria e aliviar do sofrimento tanta gente, diante de tantas casas vazias”, argumentou o professor de Filosofia da Universidade de Lisboa.
Sobre a possibilidade de estas ocupações começarem a ser organizadas por associações de moradores, Nuno Nabais confessa já ter perdido a esperança nos movimentos de cidadãos.
“Já deviam ter surgido há tanto tempo e não surgem. Mas acredito que, mais cedo ou mais tarde, as próprias autarquias vão perceber que os ‘papões’ da construção civil já não têm o poder de assustar autarcas e que as próprias câmaras têm de se organizar para resolver o problema”, afirmou.
Menos de seis meses depois do 25 de Abril de 1974, o Governo criou, através de um despacho, o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), com o intuito de dar apoio às populações que viviam em situação precária.
Envolvido nesta experiência aos 17 anos, Nuno Nabais trabalhava como técnico de desenho numa empresa de construção civil e conheceu a transformação que o SAAL permitiu na zona de Chelas, em Lisboa.
“Foi um local privilegiado de erradicação de bairros de lata e de envolvimento dos futuros moradores desses novos bairros sociais, que discutiam o projeto com arquitetos e engenheiros”, recordou.
Com o SAAL, a população envolvia-se diretamente na discussão e decisão sobre os projetos das suas próprias habitações, dando conselhos e recomendações que eram incorporados e seguidos pelos arquitetos.
“De repente, toda a gente era promovida a arquiteto, a urbanista, e isso não era uma tolerância paternalista. Havia a construção de uma inteligência coletiva, que resultava em casas eficientes, bonitas e baratas e que as pessoas assumiam como suas”, referiu Nuno Nabais.
As reuniões de projeto eram “verdadeiros ‘brainstormings’ arquiteturais” para encontrar soluções que tanto podiam ser imaginadas pelos arquitetos como pelos próprios moradores, que chegavam a fazer sugestões mais pertinentes por conhecerem bem o bairro ou o local em que viviam.