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terça-feira, 29 de abril de 2014

HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - 38ª PARTE - VIM VOLUNTÁRIO, NINGUÉM ME FOI BUSCAR - SAPADORES DE MINAS -


Memórias da Guerra Colonial - Vim voluntário, ninguém me foi buscar

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A década de 60 ficou marcada como o período mais intenso da emigração portuguesa. Mais do que fatores económicos, a fuga ao serviço militar constituía um motivo predominante para que milhares de jovens, entre os 15 e os 20 anos, optassem por “dar o salto.” Com efeito, esta expressão reflete a clandestinidade da fuga, devido à firmeza do regime de Salazar, que subordinava o direito de emigrar restringindo-o a várias exigências, entre as quais o cumprimento do serviço militar. Desta forma, a fuga à guerra colonial levou muitos jovens a abandonar o país, na sua maioria em direção a França.
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Militar: Fernando Ferreira Ribeiro
Posto: 1º Cabo – Sapador de Minas e Armadilhas
Comissão: Guiné Junho 1971 – Setembro 1973
Unidade: Batalhão de Caçadores 3852 - Companhia de Comando e Serviços (CCS)
Actualidade: Aposentado. Vive na Corga, Ribeirão
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A história de Fernando Ribeiro é por isso, atípica: este jovem fez o percurso inverso. Com 18 anos foi para França com a esposa, onde tiveram os dois filhos. Emigrou com a perspetiva de melhorar a vida familiar, pois a fuga ao serviço militar nunca foi uma opção: “Salazar dizia que nenhum português era bom português se não defendesse a pátria. O meu pai disse-me a mesma coisa. Disse-me que me levava, mas que não queria nenhum filho fugido. E eu... disse-lhe que sim... E o que disse, cumpri.” As palavras saem emocionadas, não por expressarem um sentimento patriótico. Espelham sim, um profundo respeito pela autoridade paterna e pelos valores incutidos no seio familiar. Assim era a juventude de então.
 Fernando Ribeiro, em França, organizou tudo de forma que aos 21 anos regressasse a Portugal para cumprir a recruta: “Vim voluntário, ninguém me foi buscar! Cheguei a Portugal no dia 10 de Outubro de 1970 e no dia 19 do mesmo mês estava a assentar praça no R14 em Viseu. E acabei a minha vida em França, assim!”
Este antigo combatente destaca que da referida data ao embarque no Niassa, com destino à Guiné, “foi um saltinho”: “Tirei a especialidade de Minas e Armadilhas em Bragança. Depois fui para Chaves para formar Batalhão. Tive a sorte de ir na CCS, por isso não fiz operações no mato, nem disparei a arma.”
A Companhia de Ribeiro foi destacada para Aldeia Formosa, a sul da Guiné, onde o jovem militar ficou responsável pela arrecadação. Aqui as suas funções foram diversas: “Tinha desde fardamento, roupas de cama, calçado. Também era responsável pelo paiol, um subterrâneo onde tinha o armamento guardado: minas, munições. Distribuía detonadores, minas anticarro e antipessoal, em troca da devida requisição, claro está.”
Fernando Ribeiro realça também que guardava e fornecia os “materiais de reordenamento: pregos, chapas, pás, tudo o que era preciso.” Com efeito, o reordenamento do território foi umas estratégias de guerra adotadas pelas Forças Armadas Portuguesas, a designada Acção Psicológica. Esta forma de atuação desenvolvia-se através do realojamento das populações junto aos aquartelamentos, evitando, assim o seu contacto com as guerrilhas e procurando cativá-las para o “lado português”: “a nossa Companhia ajudava a fazer tabancas para os africanos. Era a psicologia que existia: nós fazíamos as tabancas, para os africanos dizerem aos amigos que estavam do outro lado, que nós eramos amigos, porque dávamos arroz, dávamos casinhas. Por exemplo, eles faziam o telhado com o capim, e o nosso governo já lhes dava chapa de zinco.”
Criar uma separação entre as populações e as guerrilhas era essencial de forma a evitar o fomento ideológico e humano das forças independentistas: “Perto do quartel estavam sempre as populações, que nós cativávamos para o nosso lado. Quanto mais população tivéssemos próxima melhor, porque a maioria tinha família e conhecidos do lado do inimigo. E as guerrilhas também eram muito duras: quem não estivesse com eles, estava contra eles!”
Os dois anos de comissão estavam já a chegar ao fim. No quartel de Aldeia Formosa já se encontrava a Companhia que iria substituir a de Fernando Ribeiro. A 8 dias do embarque de regresso a casa um acontecimento altera novamente o seu destino: “O Amílcar Cabral foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973. Pensámos ingenuamente que a guerra ia acabar, pois estava morto o cabeça. Mas o tiro saiu-nos pela culatra. O inimigo revoltou-se contra nós. Muita gente morreu e constou-se que a Aldeia Formosa ia ser invadida. Apareceu o General Spínola e ordenou-nos que ficássemos ali mais 3 meses.”
Questionado sobre os aspetos mais negativos dos 27 meses de comissão, Fernando Ribeiro recorda com amargura a fome: “Todos os dias era a mesma coisa: arroz com salchichas ou fiambre. Às vezes, podia vir uma conserva. Mas eu ainda gosto muito de arroz, salchichas nem posso ver. O fiambre nunca mais comi...há 40 anos que nunca mais! Quando vim do Ultramar pesava menos de 50kg!” Por conseguinte, a imagem que escolheu para representar a sua comissão, é “a da história das galinhas”, que envolve um conterrâneo, Manuel Rocha, que na altura também estava em Aldeia Formosa: “Às vezes os africanos vinham pedir mais material para as tabancas: uma chapa de zinco, um bocadinho de cal... e muitos quando vinham pedir já traziam uma galinha debaixo do braço. Eu dava-lhes o material, claro sem a requisição. Mas não sabia fazer nada com as galinhas, não sabia cozinhar! Ora, em Aldeia Formosa, havia uma Companhia africana. E lá estava um ribeirense, que eu nem sabia que ele lá estava. Quando ele me descobriu, veio visitar-me e viu as galinhas.” De acordo com as palavras do próprio, aqui entrevistado em Maio, preparar e comer galinhas foi também uma forma de “matar a fome”. Ribeiro corrobora: “Ele sabia arranjar muito bem...tinha um pequeno fogão a petróleo e lá comemos. Ainda hoje, como galinha frita.”
Diferente, este antigo combatente regressou à terra onde toda a família esperava o reencontro.
Realça que cumpriu a vontade do pai, mas lembra também a sua mãe: “viveu pelo menos oito anos com o coração nas mãos. Os três primeiros filhos dos meus pais foram uns atrás dos outros, pois fazemos diferença de dois anos: era um a chegar, outro a partir.” Neste sentido, a mensagem que deixa aos nossos leitores é um apelo: “faço parte da comissão pró-monumento e queria pedir a toda a população, em geral e aos veteranos, em particular, para nos ajudar neste projecto: um monumento à memória das nossas mães. Aproximem-se de nós. Precisamos de mais sócios para nos ajudar a concretizar este sonho. Não há interesses, para além da memória.” Porque esta deve ser preservada.


Catarina Ferreira
Correcção: no número anterior uma das fotografias foi legendada com “os tempos em Cabinda”. Esta referia-se a referia-se a Metangula, Moçambique. Pedimos desculpas aos leitores, e ao entrevistado, Joaquim Silva, em particular.
Nota: Envie as suas sugestões, opiniões e testemunhos para: mgcolonial@ccdr.pt 


www.ccdr.pt


UMA MINA POR 500$00


O Furriel Diogo era um indivíduo de quem se podia dizer ser uma jóia de rapaz. Havia tirado o curso em Lamego e usava sempre, garbosamente, quer na manga da camisa da farda de trabalho quer na do fato camuflado uma chapinha dourada com letras gravadas a negro onde se lia : Operações Especiais. Teimava em dizer que era tropa de elite. Aliás, várias especialidades arrogavam-se como tal. No mato assistia-se a uma disputa verbal enorme entre as tropas consideradas de elite, não passando, contudo, desse estádio de discussão. A solidariedade era muito necessária. Já na cidade o mesmo não acontecia, infelizmente. Na generalidade os homens que integravam as chamadas tropas especiais tinham plena consciência do seu valor e faziam questão em adoptarem um comportamento civilizado, exemplar. Mas, quando se encontravam nas cidades, longe dos combates, em tempos breves de lazer, o álcool tornava-se no pior dos inimigos. Então, assistia-se a brigas entre elementos de diferentes grupos de elite, algumas das quais acabavam por transformar rapidamente um qualquer estabelecimento, sobretudo cafés e cervejarias, num monte de destroços. Faziam parte da lista de tropas de elite, entre outras e por ordem alfabética : Comandos, Comandos Africanos, Flechas, Fuzileiros, Operações Especiais, Paraquedistas e Rangers . Todos eles haviam chafurdado no esterco, atravessado esgotos com a merda a tocar-lhes na boca, matavam galinhas à dentada, passavam por exercícios de carácter psicológico – se a isso se podem chamar exercícios – e um treino físico e de preparação para combate que os viria a tornar autênticas máquinas de guerra. Os instrutores não se cansavam de repetir, sempre que os obrigavam a grandes esforços, que “suor derramado na instrução era sangue poupado em combate”...
O Comando oferecia mil ou quinhentos escudos a quem tivesse a audácia de desmontar, respectivamente, uma mina anti-carro ou anti-pessoal.
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Quando fui obrigado a efectuar a primeira viagem naquele solo arenoso angolano senti medo. Mas não dá absolutamente jeito nenhum a ninguém ter medo a toda a hora, todos os dias e durante, pelo menos, vinte e quatro meses. Depois, também já não resultava adoptar as aprendidas medidas de precaução. Os aparelhos utilizados haviam sido estudados para detectarem metais no subsolo e as modernas minas eram construídas totalmente com matéria plástica. As viaturas que seguiam na dianteira da coluna militar ou civil eram carregadas de sacos contendo areia. Assim, a roda pisava uma mina mas apenas se danificava aquele rodado que a havia despoletado.
Mas as modernas minas, para além de serem fabricadas com o maldito plástico possuíam uma espécie de carreto programável que as fazia explodir à passagem da viatura que o inimigo pretendia atingir. Apenas alguns civis e os inspectores da PIDE-DGS sabiam onde elas se encontravam para se deslocarem sem correrem riscos. Porquê ? Aquela guerra estava cheia de porquês...
Mas para este obtive uma resposta quando um civil residente (explorava uma roça de café) ofereceu-me boleia no seu jeep mas impondo-me como condição fazer-me transportar desfardado (à civil) e completamente desarmado.
A estes brancos, nascidos em África ou a viverem lá desde há muitos anos haviam classificado os governantes, com grande carga pejorativa : brancos de segunda.
E assim a longa viagem por aquelas poeirentas picadas de Angola fez-se sem qualquer receio de emboscada ou mina, dependendo o sucesso da viagem da atenção do fazendeiro que ia sempre consultando o seu livrinho (!)
O furriel Diogo, contrariando a vontade dos outros camaradas, quis desmontar aquela mina anti-pessoal encontrada por mero acaso numa picada a poucos metros do aquartelamento. Munido apenas da faca-de-mato, apertou-a entre os dentes, afastou os joelhos ao mesmo tempo que, muito devagar, ia flectindo as pernas até tocar o solo. Toda a Companhia assistia ao longe, fazendo-se um completo silêncio circense, pois o artista encontrava-se pronto e só faltava o rufar dos tambores para “aliviar” toda aquela tensão.



Todos nós tínhamos consciência de que aquilo, embora parecendo, não era de modo algum uma cena de circo. Ali estava um rapaz, amigo da maior parte dos espectadores, em cima dum engenho que dum momento para o outro o poderia transformar em pedaços, ou então, se aquela operação de alto risco fosse bem sucedida o Furriel de Operações Especiais não só ganharia os quinhentos escudos como seria eternamente considerado um herói.
O Diogo benzeu-se e fez uma pausa, supostamente numa atitude de concentração, como exigem os grandes momentos. Depois pegou na faca e começou a retirar cuidadosamente a terra que cobria o engenho.
Aquela mina, depois de localizada, poder-se-ia fazer explodir, não causando danos a ninguém. Mas o Diogo lá estava ajoelhado, era tudo uma questão de honra, pois ele não precisava dos quinhentos escudos para nada. Ou melhor, a maior parte dos seus camaradas oferecer-lhe-iam de boa vontade quinhentos ou mais escudos para que o rebentamento se efectuasse à distância.
Cá de longe já conseguíamos ver o aspecto daquela coisa escura e arredondada. Já se encontrava completamente descoberta, pronta a ser desactivada. A tensão era cada vez maior. De repente um sargento lembrou-se de que era mais seguro, naquela fase da desmontagem, ficarmos agachados.
Assim fizemos. Ao mesmo tempo ouviu-se uma explosão, o chão tremeu, o ar encheu-se de fumo e poeira e ninguém, para além dos valentes sapadores e o cabo enfermeiro, teve coragem para ver o estado em que ficou o “herói” nem apanhar os seus pedaços espalhados um pouco por todo o lado.



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