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segunda-feira, 28 de abril de 2014

HISTÓRIA DA GUERRA COLOINAL 34ª PARTE .UM PASSEAR PELOS TEMPOS - STRESS PÓS-TRAUMÁTICO - POEMA DE AGOSTINHO NETO - O PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS E A GUERRA COLONIAL -

UM PASSEAR PELOS TEMPOS


Guerra colonial.

Quantos mortos? Quantos feridos? Quantos estropiados?

Quantos, os que vivem com distúrbios, com dificuldades de adaptação social, familiar e laboral?

Estes, são os números difíceis de contabilizar porque uma grande parte dos casos nem sequer são conhecidos.

Apenas se sabem que existem.

Cenas da guerra colonial e grupo de ex-combatentes durante uma terapia de grupo. Vinte anos depois há portugueses que não conseguem esquecer os episódios mais violentos por que passaram durante a guerra colonial. A sua vida ficou alterada, têm dificuldades em integrar-se na sociedade, sofrem de pesadelos e insónias e são perseguidos ou por sentimentos de culpa ou pela recordação dos anos de violência. As feridas de guerra não cicatrizaram, pensam que estão «sozinhos no mundo». Mas descobriram que há outros nas suas circunstâncias que compreendem os seus problemas e lamentam as atrocidades cometidas.

Expresso, 1 de Julho de 1989

Voltamos aos números.

Num artigo publicado em 1992 na Revista de Psicologia Militar, da autoria de um grupo de psiquiatras (Afonso de Albuquerque, António Fernandes, Edite Saraiva e Fani Lopes), calculava-se em 140 mil o número de portugueses portadores de distúrbios psicológicos crónicos resultantes da participação na guerra colonial. Destes, 40 mil têm perturbações mais profundas designadas por “pós-stress traumático”.

Quer que lhe fale da guerra? Então oiça. Na minha primeira operação, entrámos e saímos de uma aldeia a fazer fogo sem avisar. Pensávamos que tínhamos matado toda a gente. Quando voltámos atrás, encontrámos uma velhota, pequenina e frágil, encostada à porta de casa. Não sei como conseguiu sobreviver. Entrámos a matar e eles nem sequer estavam aramados para se defenderem. Foi uma acção de puro banditismo que me marcou bastante. A guerra foi isto.

Depoimento de um ex-militar publicado Diário de Notícias, s/d


Recorte publicado no Público de 12 de Fevereiro de 1999.


Cinquenta mil portugueses sofrem de stress pós-traumático de guerra

Os estudos mostram que quem ficou mais perturbado pela guerra não foram as pessoas que tinham problemas anteriores
Cinquenta mil portugueses que combateram na guerra colonial sofrem actualmente de stress pós-traumático crónico. Na origem do problema está a participação em acções militares nas antigas colónias ultramarinas.Os dados foram apresentados por Afonso de Albuquerque, especialista do Hospital Júlio de Matos, numa comunicação intitulada "Stress de guerra: a ferida encoberta", que abriu os trabalhos da primeira conferência realizada em Portugal, mais exactamente no Porto, sobre stress pós-traumático.



Para chegar a estes valores, Afonso de Albuquerque utilizou uma extrapolação para a população portuguesa dos dados obtidos em vários estudos realizados nos EUA com antigos combatentes, nomeadamente da guerra do Vietname.

Considerando que foram enviados para as várias frentes da guerra colonial cerca de 800 mil portugueses e que cerca de 40 por cento (300 mil) foram expostos ao combate, esta extrapolação conclui que cerca de cem mil antigos combatentes sofreram de stress pós-traumático durante algum tempo, enquanto outros 50 mil sofrem desta doença de forma crónica.

Na comunicação que apresentou, Afonso de Albuquerque salientou, porém, que este número não inclui os antigos combatentes afectados por outros problemas, como alcoolismo, depressões, problemas familiares e dificuldade de inserção profissional.



Este especialista apresentou ainda as conclusões de um estudo realizado no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, com 170 antigos combatentes da guerra colonial.

O estudo concluiu que apenas dez por cento destes ex-combatentes tiveram os primeiros sintomas da doença durante a guerra, tendo a grande maioria começado a sentir os sintomas do stress pós-traumático depois de ter regressado a Portugal.

"É como se tivessem uma bomba silenciosa"

Entre estes, 44 por cento tiveram os sintomas logo depois do regresso, enquanto em 45 por cento dos casos o stress pós-traumático apenas se fez sentir, em média, doze anos depois de ter acabado a guerra. "É como se tivessem uma bomba silenciosa implantada no cérebro durante anos e, de repente, ela explode e destroça a vida destes homens", explicou o especialista.

Neste estudo, 48 por cento dos ex-combatentes apresentam um grau moderado de incapacidade motivado pelo stress pós-traumático, enquanto 36 por cento têm um grau de incapacidade considerado severo.



Relativamente a patologias associadas ao stress pós-traumático, sentidas em 97 por cento dos antigos militares estudados, as mais frequentes são as depressões, seguindo-se dores de cabeça, alcoolismo, pânico e fobias, úlceras gástricas, doenças tropicais e hipertensão. Disfunções sexuais, epilepsia, doenças de pele e problemas cardíacos também estão associados ao stress pós-traumático.

Nos inquéritos realizados com os 170 antigos combatentes envolvidos neste estudo, a maioria (106) apresentou como principal factor de stress a morte de antigos companheiros de armas, seguindo-se a presença em combate, o ferimento de colegas e a tortura e violação de civis. A sede e a fome, a vida na selva, a prisão, o massacre de populações civis e o isolamento foram outros factores de stress apresentados pelos antigos soldados.

"A guerra é a situação mais traumática"

Para Afonso de Albuquerque, "a guerra é a situação mais traumática que a humanidade já experimentou", tendo sido os conflitos armados que levaram a classe médica a debruçar-se sobre a traumatologia psíquica.

"Depois das duas guerras mundiais e da guerra da Coreia, os estudos demonstraram que quem ficou mais perturbado pela acção militar não eram as pessoas que tinham problemas anteriores, mas as que estiveram expostas aos combates mais extremos", afirmou o especialista, rebatendo uma tese antiga, segundo a qual o stress pós-traumático tem origem em antecedentes do indivíduo.



Nesse sentido, Afonso de Albuquerque salientou que "não são as perturbações prévias existentes mas a exposição ao combate que determina quem vai ter mais possibilidades de sofrer de stress pós-traumático".

Um estudo realizado com ex-combatentes da guerra do Vietname revelou que se registaram 38 por cento de casos de stress pós-traumático entre os que tiveram forte exposição ao combate, descendo esse nível para apenas 8,5 por cento entre os que tiveram uma exposição baixa ou média.

A fome, o frio, a sede e o calor, mas também a fadiga, a presença em combate, os ferimentos, a captura e a tortura são alguns dos principais factores de stress na guerra, segundo o mesmo especialista.

O Simpósio sobre Perturbação Pós-Traumática de Stress, que decorre até amanhã no Porto, é organizado pela Associação de Língua Portuguesa para o Estudo do Stress Traumático.

O encontro, que conta com cerca de uma centena de participantes, é o primeiro que se realiza em Portugal sobre esta matéria e vai analisar temas como o stress de guerra, o stress e a violência civil, a violência na família ou o stress traumático em grandes desastres.



 

Sagrada Esperança

Agostinho Neto
Capa: António P. Domingues
Edição da União dos Escritores Angolanos, Luanda 1986

HAVEMOS DE VOLTAR

 Às casas, às nossas lavras
às praias, aos nossos campos
havemos de voltar

Às nossas terras
vermelhas do café
brancas de algodão
verdes dos milharais
havemos de voltar

Às nossas minas de diamantes
ouro, cobre, de petróleo
havemos de voltar
Aos nossos rios, nossos lagos
às montanhas, às florestas
havemos de voltar

À frescura da mulemba
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar

À marimba e ao quissange
ao nosso carnaval
havemos de voltar

À bela pátria angolana
nossa terra, nossa mãe
havemos de voltar

Havemos de voltar
À Angola libertada
Angola independente

(Poema escrito na Cadeia do Aljube de Lisboa



caisdoolhar.blogspot.pt

JOAQUIM CHISSANO CRITICA O PAPEL DO CLERO NAS ANTIGAS COLONIAS PORTUGUESAS

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O ANTIGO Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, criticou na terça-feira, em Lisboa, “o papel do clero” nas ex-colónias portuguesas, lembrando que, à data da independência, em 1975, “só havia 12 padres africanos” em Moçambique e nenhum “bispo africano”.
“A Educação também falhou totalmente em relação ao africano. Em Moçambique a população era 95 por cento analfabeta na altura da independência”, disse Chissano, em declarações reproduzidas ontem pela agência Lusa.
O ex-chefe de Estado de Moçambique participou na terça-feira, na conferência “A Ditadura Portuguesa – porque durou, porque acabou” que encerrou ontem na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Na ocasião, Chissano recordou que foi o primeiro negro da antiga província ultramarina de Moçambique a frequentar um liceu de brancos e criticou não só a segregação e o racismo do regime colonial, como também a propaganda do Estado Novo sobre as teorias da lusofonia e do luso-tropicalismo.
Para o ex-chefe de Estado, a ditadura portuguesa caiu porque foi combatida pelos "povosoprimidos", na metrópole e nas colónias onde se verificavam “fortes” movimentos nacionalistas, além do impacto da guerra colonial na economia de Portugal.
“O impacto da guerra (1961-1974) fez-se sentir na economia portuguesa. As verbas foram aumentando ao longo da década de 60. As baixas também aumentaram, apesar das autoridades não reconhecerem o número de mortos que a Frelimo estimava”, afirmou.
Para Chissano, o Estado português tinha de manter em permanência “forças repressivas” em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Macau, Timor-Leste e na metrópole além dos três teatros de guerra em Angola, Moçambique e Guiné. “Portugal estava envolvido em guerras e a população estava pagando sem qualquer benefício. Calcula-se que em 1967 já se tinham registado baixas de 10 mil soldados português, além de milhares de deserções”, disse ainda Chissano sobre o desgaste da ditadura portuguesa.
O ex-presidente de Moçambique falou ainda das celebrações do 25 de Abril em Portugal, considerando que elas devem servir para “passar as experiências” do passado às novas gerações, em nome do "progresso e do futuro". Elogiando o golpe militar de Abril de 1974 em Portugal, Chissano disse que ”gostaria de ver que todas as experiências fossem passadas para a juventude que precisa de saber o que se passou”.
Para Joaquim Chissano, a durabilidade da ditadura portuguesa (48 anos) ficou também a dever-se à ausência de qualquer esforço “na educação do povo”, no fomentar “do ódio tribal”, à aliança entre Portugal e outros regimes coloniais em África e à criação do “espantalho comunista”, que garantiu o apoio do ocidente, sobretudo durante a guerra colonial. “Os régulos (chefes tribais) eram convocados e diziam-lhes: ‘vêm aí os russos’, ‘vêm aí os comunistas’. ‘As vossas galinhas serão deles e as vossas mulheres serão deles’’”, relatou Chissano sobre o que chamou mito do “espantalho do comunismo” manipulado pelo Estado Novo.

O PCP e a questão colonial

Francisco Martins Rodrigues (*)

É conhecido que, na época da ditadura fascista em Portugal, os interesses e a ideologia colonialista não foram exclusivo do campo salazarista. Manifestaram-se muito fortemente, e até muito tarde, entre as forças e personalidades da oposição republicana e socialista.
O PCP honra-se, com razão, de ter uma posição à parte nessa matéria. Em 1957, o seu 5º Congresso desencadeou a ira de Salazar ao proclamar “o reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias portuguesas de África, Ásia e Oceânia, dominados por Portugal, à imediata e completa independência” (1). Mais tarde, no início dos anos 70, o PCP animou as principais acções de sabotagem do esforço de guerra, contribuindo para apressar o golpe dos capitães e a queda da ditadura.
Vista de perto, esta história não é porém assim tão linear. O anticolonialismo efectivo do PCP foi muito tardio. Sob a pressão do chauvinismo colonial profundamente entranhado na sociedade portuguesa (2), o PCP acabou por ver a luta dos povos coloniais como parte da luta unida das forças democráticas portuguesas contra a ditadura fascista. Nos anos 30 o partido deixou-se mesmo arrastar para a defesa de um colonialismo “democrático”, muito semelhante ao da burguesia republicana. E, quando se desencadearam as insurreições coloniais, a reacção inicial do partido foi ambígua e vacilante.



Estes são os factos que procuro documentar com este artigo. Eles desmentem as repetidas declarações do PCP, de fidelidade aos princípios internacionalistas, como a contida numa história do partido editada clandestinamente em 1965 (3), onde se lê que, “com a criação, de facto, de um autêntico partido comunista [depois do afastamento de Carlos Rates],logo se efectuou uma viragem de 180° na compreensão destes problemas e se tomaram medidas para iniciar no nosso país uma campanha anticolonialista e de ajuda à luta dos povos coloniais” e que “os comunistas portugueses têm dado provas de extraordinária intransigência e firmeza... respeitando fielmente os princípios do internacionalismo proletário”. Nem é verdade que tenha havido, da parte do PCP, uma “contribuição directa e apoio constante à formação, organização e desenvolvimento da luta pela independência dos povos das colónias portuguesas”, como escreveu Álvaro Cunhal (4).
Na realidade, é essa a causa do “atraso por parte do PCP em escrever a sua própria história” a que se refere o mesmo Cunhal: o PCP é incapaz de escrever a sua história porque está confrontado com inúmeros factos que não pode negar nem se atreve a reconhecer.
TRABALHO COMUNISTA NAS COLÓNIAS
Deixando agora de parte a caricata e muito conhecida proposta do secretário-geral do partido, Carlos Rates, em 1923, para a venda das colónias, fruto da imaturidade política e ideológica do PCP nos seus primeiros anos, é um facto que o partido passou, depois da sua reorganização, a procurar guiar-se pelos princípios da Internacional Comunista quanto ao direito de autodeterminação dos povos coloniais.
Durante bastantes anos, a direcção do PCP tentou formar nas colónias secções do partido, como fora em tempos recomendado pela Internacional Comunista, com o fim de promover o recrutamento de militantes entre os colonos, desenvolver actividade cultural nas associações e clubes e tentar organizar a luta económica dos trabalhadores africanos – numa etapa larvar da futura luta pela independência. A experiência posterior mostrou que esta actividade, embora guiada pelo desejo de estabelecer laços com os povos coloniais para os despertar para a luta, tinha contudo graves inconvenientes: a propaganda conduzida pelos representantes do povo opressor entre os povos oprimidos ia naturalmente contaminada de paternalismo e de chauvinismo, não conseguia apreender as reais necessidades do movimento libertador desses povos, tendia a semear as ilusões e o espírito de colaboração, contribuía para criar uma elite africana reformista e pacifista, que travava a ascensão das grandes massas à luta pela independência – numa palavra, corrompia à nascença a formação duma corrente nacional revolucionária.



A direcção do PCP, contudo, a braços com uma autêntica luta pela sobrevivência devido à repressão fascista, não se apercebeu deste fenómeno nem deve ter pensado muito na questão colonial e persistiu na mesma orientação, aliás sem grandes resultados práticos para além de um ou outro núcleo comunista de colonos.
Mantinha-se ainda, de qualquer modo, a reafirmação periódica dos princípios: “Total autodeterminação dos povos coloniais e a sua inteira libertação do jugo da metrópole” (5); “Direito para os povos coloniais à determinação dos seus próprios destinos” (6).
É a partir de 1936 que se dá uma reviravolta brutal na atitude do partido quanto à questão colonial, como bem documenta o Avante da época.
A FRENTE POPULAR
Nos anos de 193738, o Avante conduz uma acesa campanha contra os apetites alemães que rondam Angola. Citemos o artigo “Angola já é alemã?” (7), em que, depois de denunciar a “política de traição nacional do fascismo” que estaria a entregar largas concessões de café e sisal a alemães, se escreve: “Mas estes piratas não se limitam a explorar-nos economicamente: Têm todo o aparelho montado para a rapina desta província no momento oportuno” (sublinhados meus). Semanas depois, o Avante titula em parangonas de primeira página: “Salazar entrega Angola à Alemanha” e argumenta a dado passo: “Salazar não só não teve a mais pequena nota de protesto contra as pretensões da Alemanha (de criar uma companhia majestática em Angola) como, pelo contrário, se apressou a vir deitar água na fervura da indignação popular, dizendo que não havia motivo para sustos” e: “Não é abrindo de par em par as portas de Portugal e das colónias ao capital, à propaganda e à polícia secreta da Alemanha que se pode pôr Portugal e as colónias a coberto da cobiça alemã” (8).



Logo depois, um outro artigo alerta explicitamente contra “o perigo da perda das Colónias” (9). Logicamente, uma vez que são vistas como parte da Nação: há que lutar contra a “entrega de territórios nacionais ao estrangeiro, o que no nosso caso está duramente demonstrado com a entrega de Angola aos alemães” (10) (sublinhados meus).
Em Janeiro de 1938, o Avante insurge-se porque o jornal Unir, publicado pela oposição em Paris, escreveu que no país “ninguém protesta contra a ameaça que pesa sobre o nosso património colonial” Não é o uso da expressão “nosso património colonial” que o incomoda mas o facto de não ser reconhecida a campanha que tem feito em defesa do dito “património”! (11)
Particularmente chocante o facto de em todos estes artigos não haver, nem de passagem, uma palavra sobre a sorte dos povos das colónias. É indiscutível que estas são vistas efectivamente como coutadas de Portugal. A única notícia vinda das colónias que detectámos neste período refere-se à situação dos colonos de Luanda indignados pela falta de apoio da Metrópole e “por estar a ser atirado para as mãos de estranhos o nosso património colonial” (12).
E não se pense que se trata apenas de artigos avulsos, em que o chauvinismo se tenha infiltrado inadvertidamente. Num extenso artigo saído em dois números doAvante, “Os comunistas e a Nação”, condena-se a política de “rapina e escravização colonial” de alemães e italianos, mas nada se diz sobre o colonialismo “democrático” anglo-francês, e sobretudo do que pensam os comunistas portugueses acerca do colonialismo português (13). É como se tal não existisse.



E não só no Avante. Num folheto editado nesse ano de 1937 com o objectivo de chamar os democratas civis e militares à luta contra a intervenção na guerra civil de Espanha e pelo apoio ao campo das democracias (14), há um capítulo intitulado “Salazar entrega as colónias a Hitler” em que, após denunciar a penetração de capitais alemães em Angola, se lamenta que “as poucas empresas portuguesas que existem estiolam por falta de auxílios financeiros”. E termina com a proclamação de que “a passagem das colónias, paulatinamente ou por meio de um golpe de força, para as mãos da Alemanha, é a consequência inevitável da política de traição nacional do governo salazarista”. Quase nem é necessário acrescentar que também neste folheto não existe nenhuma referência à opressão dos povos das colónias e ao seu direito à emancipação.
Só um verdadeiro terramoto político-ideológico pode explicar esta passagem dos comunistas portugueses, sem complexos e até com orgulho, para a defesa do império colonial. Esse terramoto está perfeitamente localizado: foi a adopção da política das “Frentes Populares” no VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935. Não tendo a Frente chegado a assumir em Portugal efectiva existência, como em Espanha e França, os efeitos dessa política foram, apesar de tudo, devastadores na condução da luta antifascista e na própria integridade do Partido Comunista.
Não, obviamente, porque houvesse algo de negativo na ideia de unir numa frente popular todos os esforços de resistência ao avanço do nazi-fascismo. Mas porque, como julgamos já ter demonstrado largamente noutro lugar (15), a frente foi concebida como uma oferta de aliança dos partidos comunistas à burguesia democrática, com as concessões inerentes. Aceite, em nome das necessidades tácticas prementes, a lógica de um contrato antifascista como cúpula do movimento popular, o resto veio por arrasto. Para tornar credível a sua oferta, os partidos comunistas tinham que abdicar de todas as reivindicações revolucionárias, esfumando-as num futuro indeterminado, e comprometer-se a acatar a ordem democrático-burguesa. Isto implicava naturalmente a adesão aos valores da Nação e, em países detentores de colónias, a defesa do “património ultramarino”.



Assim, o PCP, para conseguir motivar os agrupamentos da burguesia republicana para a ideia de uma “Frente Popular”, dispôs-se, entre outras concessões, a calar as denúncias do colonialismo e mesmo a fazer-se acreditar como defensor esforçado dos interesses coloniais nacionais.
Aliás, um exemplo da nova forma “flexível” como se devia abordar a questão colonial foi dado aos comunistas portugueses pelo órgão oficioso da Internacional Comunista (16). Numa entrevista com o antigo chefe de governo da República José Domingues dos Santos, em 1935, este dizia, a certo passo: “O futuro político de Portugal está inteiramente ligado ao das suas colónias. Ora a Alemanha, desde há muito, cobiça as colónias portuguesas. (...) Se o ditador se põe ao lado dos países do ‘facto consumado’, como poderá amanhã invocar os direitos de Portugal?”, etc. (Sublinhados meus). A publicação destas opiniões representava um aval claro por parte da Internacional e não se pode duvidar de que uma tal abertura, vinda de tão alto, terá vencido as resistências que ainda existissem no aparelho e na direcção do PCP; não foi por acaso que o Avante se lhe referiu mais de uma vez de forma elogiosa.
O Programa da Frente Popular Portuguesa (oficialmente constituída em 1936) pagava o seu tributo ao “progressismo” ao “condenar formalmente a política de imperialismo colonial”, mas só para acrescentar, imediatamente a seguir, numa incoerência grotesca: “É dentro desse espírito (!?) que será orientada a administração das nossas províncias ultramarinas, parte integrante e inviolável da Nação Portuguesa” (sublinhado meu). Como política dum futuro governo de “frente popular”, previa “o estabelecimento, nos territórios favoráveis à colonização branca, de casais de família, que serão entregues aos nossos emigrantes rurais”... “sem prejuízo dos interesses dos indígenas”, acrescentava jesuiticamente (17). E o representante do PCP assinou este papel!
Avante, como vimos, nada tinha a opor a estes patrióticos propósitos. Se fez algumas reservas ao projecto de programa (18), não foi no tocante aos planos de fomento colonial. Pelo contrário, denunciando (e até exagerando) a penetração alemã em Angola julgavam os dirigentes do partido estar a fazer uma manobra hábil: ao mesmo tempo que sensibilizavam a burguesia para o perigo de se ver esbulhada dos seus negócios coloniais (19) se não se apressasse a lutar contra Salazar, demonstravam-lhe o “brio patriótico” dos comunistas. Quem resistiria a tal envolvimento? Esqueceram apenas que, na ausência dum movimento popular realmente potente, prevaleceram na burguesia republicana os reflexos do anticomunismo primário e da cobardia perante o ditador. A Frente Popular Portuguesa, cuja formação foi trombeteada durante meses no Avante, abortou à nascença por falta de candidatos. O PCP sujou-se para nada.
BENTO GONÇALVES
Para repor uma pouco de verdade histórica neste escabroso tema do (anti)colonialismo do PCP nos anos 30, falta falar sobre as posições de Bento Gonçalves, à época secretário-geral do partido.
Como os actuais dirigentes do PCP nunca se esquecem de referir, Gonçalves destacou, no relatório lido no VII Congresso da Internacional Comunista, entre as tarefas a cumprir pelo partido: “... vencer as debilidades da nossa actividade relativa à luta pela defesa dos interesses dos povos coloniais oprimidos pelo imperialismo português, ajudá-los a travar a luta até à sua completa libertação” (20). Aqui estaria a prova da atitude de princípio do PCP na matéria.
Deixando por agora de parte a questão de saber se esta tomada de posição surgiu do próprio partido ou foi introduzida no relatório pelos meios dirigentes da IC (21), há que questionar o seu real significado prático. Como facilmente se compreende, numa reunião comunista mundial em que estavam presentes delegações de países colonizados a reafirmação enfática da linha leninista do direito à separação e à independência era obrigatória (22); mas essa fidelidade ritual aos princípios podia muito bem servir de álibi para toda a espécie de cedências em nome da “táctica”. Assim Thorez, que também defendeu nesse congresso, em princípio, o direito à autodeterminação, reclamou com igual vigor que a Argélia devia permanecer unida à França “republicana e tricolor”, a bem da luta contra o fascismo...
Tudo o que atrás referimos sobre a política real do PCP na época lança as maiores dúvidas sobre a validade das elevadas intenções internacionalistas proclamadas no congresso da IC. Tanto assim é que, apenas seis meses mais tarde, já preso após o regresso a Portugal, Bento Gonçalves, ao contestar, numa das suas mais importantes declarações políticas, a acusação do Tribunal Militar,omitiu por completo a condenação do colonialismo português – justamente no momento em que mais importava fazê-la. Evocou a questão colonial, mas apenas para tentar mobilizar a burguesia republicana contra o governo. Com a sua política pró-Eixo, denunciou, a ditadura de Salazar arrisca a soberania nacional e a sorte das colónias pois poderá dar lugar a que seja posta “dum momento para o outro, na ordem do dia da política imperialista, a questão do reparto de Angola e Moçambique” (23) – o que significava, muito claramente: “Nós, comunistas, preocupamo-nos tanto como os republicanos com o perigo de o país vir a ser esbulhado das possessões coloniais”. E, para melhor explicitar o aceno unitário, foi ao ponto de retomar o argumento, tradicional na Oposição burguesa, de que “a Ditadura arrancou às colónias todos os embriões de autodeterminação que lhe haviam sido dados com a revolução de 1910” – insulto gratuito aos povos coloniais, massacrados impiedosamente sob a República. Por muito que nos custe admiti-lo, Gonçalves parece ter confundido as medidas de descentralização administrativa para os colonos decretadas pelo general Norton de Matos, ministro das Colónias em 1915, com a autodeterminação dos povos oprimidos por esses mesmos colonos!



Nem seria necessário insistir nestes aspectos negativos do percurso dum militante operário de grande valor que pagou com a vida a sua luta contra o fascismo de Salazar, se os dirigentes do PCP não teimassem em usá-lo como bandeira do pensamento comunista em Portugal. E aí não se podem tolerar equívocos: Bento Gonçalves, pese embora o respeito que merece como lutador antifascista, revela em todos os seus escritos uma inconfundível formação social-democrata. O seu marxismo visa combinar a luta económica da classe operária com a iniciativa política da burguesia “esclarecida” (uma linha depois seguida por Cunhal) e isso reflecte-se na sua insensibilidade para a questão colonial. O que aliás nada tem de estranho se tivermos em conta o atraso das relações capitalistas no nosso país, que pouco espaço deixava ao movimento operário entre o radicalismo anarquizante e o reformismo.
Seja como for, não é a Bento Gonçalves que se pode imputar responsabilidades pelo delírio colonial-patriótico do PCP em 193638. Nessa altura já ele se encontrava no Tarrafal. Coube aos dirigentes que o substituíram, entre eles Cunhal, a maior responsabilidade pelo descalabro político do PCP em 193639, graças à aventura capituladora da “Frente Popular”.
Perguntar-se-á: como pôde o PCP, temperado na resistência ao fascismo, implantado na classe operária, única força realmente actuante contra a ditadura, deixar-se contaminar a este ponto pelo nacionalismo?
Mas é um falso dilema. A associação antifascismo/nacionalismo nada tem de estranho. O nacionalismo, “o sentimento mais vivo da pequena burguesia” (Lenine), circulava naturalmente nas fileiras da oposição à ditadura. A propriedade das colónias era para ela questão sagrada. Ajuíze-se por esta inflamada mensagem “Aos Novos de Portugal”, publicada na imprensa em Maio de 1933 pelo general Norton de Matos: “... conservar intactos na posse da Nação os territórios de além-mar é o vosso principal dever”... “esses territórios constituem províncias tão portuguesas como as da metrópole, a nação é só uma” (24). Na verdade, Salazar não precisou de puxar muito pela cabeça quando se tratou de justificar as guerras coloniais...



Quando o PCP, no clima de pânico criado pela ameaça fascista mundial, abraçou a táctica de emergência decidida pela Internacional, perdeu as defesas contra a penetração em cascata dos valores burgueses, entre os quais avultava o da legitimidade da posse do “Ultramar”.
Aliás, raciocinariam os líderes do partido, que mal tinha esquecer por algum tempo os direitos de emancipação dos povos coloniais, se eles só muito longinquamente poderiam vir a tornar-se uma força activa contra a ditadura? Fazendo essa concessão aos democratas, ganhava-se em eficácia antifascista o que se perdia no plano abstracto dos princípios. Mais: qualquer revolta dos “indígenas” seria altamente inconveniente, porque comprometeria a campanha pela Unidade Nacional contra Salazar e tenderia a deslocar a massa dos colonos e das forças democráticas para o lado do governo.
Os dirigentes do PCP não viam mal em fazer público consumo de chauvinismo para agradar à burguesia republicana. É assim que, em nome das necessidades tácticas, o PCP procede a uma inversão na política de alianças até então proclamada. Sacrifica a solidariedade com os povos das colónias na esperança de obter um grande movimento nacional antifascista; afinal tudo resultaria em bem para esses povos, que mais cedo seriam libertados do jugo fascista... Este foi um processo que conheceram praticamente todos os partidos comunistas e que acelerou a sua transformação em partidos tipicamente social-democratas,embora com uma filiação diferente e uma postura bem mais radical que a dos seus congéneres da primeira geração.
A CAMPANHA PELA UNIDADE ANTISALAZARISTA
Reorganizado em 194041, o PCP não detectou as causas políticas do desastre a que fora conduzido no período anterior pela linha da Frente Popular. Retomou essa linha geral, apenas corrigida agora com uma postura mais activista mas visando o mesmo objectivo: ganhar a burguesia republicana para uma frente unida com o proletariado, o campesinato e… os povos coloniais. Assim, o PCP manteve durante a Guerra Mundial a porta aberta ao colonialismo da Oposição democrática, fazendo afirmações inequívocas de apoio à dominação das colónias por Portugal.
Em Dezembro de 1941, no seguimento da guerra mundial no Pacífico, tropas australianas e holandesas ocuparam Timor-Leste. Salazar, que fazia o jogo das potências do Eixo, veio dias depois protestar na Assembleia Nacional contra esse “atentado à soberania nacional”. A direcção do PCP, ao tomar posição sobre os acontecimentos num manifesto difundido nesse mesmo mês, atacou a hipocrisia de Salazar mas para concluir que a política deste “ameaça fazer perder Timor”. No mês seguinte, o Avante nº 6 era ainda mais explícito ao classificar a ocupação australiana de Timor como “atentatória da integridade territorial de Portugal”, parecendo não se aperceber de que usava quase as mesmas palavras de Salazar. Em Março do ano seguinte, o Avante nº 8 voltava à carga contra a “política de traição que fez perder Timor”. A ilha fora entretanto ocupada por tropas japonesas e os dirigentes do PCP visivelmente queriam mostrar à opinião democrática que partilhavam o amor por esse pedaço do Império.
Que esta onda patrioteira não foi fruto de inclinações oportunistas ocasionais na direcção do partido (Júlio Fogaça era então o responsável pela imprensa) prova-o uma nova tomada de posição do Avante sobre Timor, quando o responsável da redacção e secretário principal do partido era já Álvaro Cunhal. Depois de noticiar a cumplicidade das autoridades portuguesas com os ocupantes japoneses, escrevia o Avante: “Enquanto os patriotas [não os patriotas timorenses mas os portugueses] continuam a dar o seu sangue em Timor, o governo traidor de Salazar, que entregou Timor ao Japão...” (25) O povo timorense era como se não existisse. E concluía: “Os antifascistas e patriotas que lutam pela liberdade e independência não esquecerão os nomes dos traidores de Portugal”. Mais uma vez, não havia uma palavra para o direito do povo timorense à independência, contra japoneses, australianos, holandeses e... portugueses.



Num manifesto então editado incitando o Exército a agir contra a ditadura (26), as referências à questão colonial limitavam-se ao protesto contra os “vexames indecorosos para a dignidade nacional” sofridos em Macau e Timor devido à ocupação japonesa e à queixa contra a má alimentação e equipamento das tropas expedicionárias. Da escravização sofrida pelos povos das colónias, nem uma palavra; mencioná-la neste contexto seria naturalmente pouco táctico; interessava sim apelar ao brio patriótico dos militares, mesmo que, para isso, o partido se colocasse dentro da lógica do colonialismo.
Já no 1º Congresso ilegal, em 1943, Cunhal, reconhecendo aos povos coloniais “o direito a constituírem-se em estados independentes”, acrescentara uma reserva significativa: “Embora os povos das colónias portuguesas, pouco desenvolvidos sob todos os aspectos, não possam por si sós, nas circunstâncias presentes, assegurar a sua independência” (27)…
Isto, em si, não era falso; grave era a consequência que daqui se tirava: em vez de ajudar esses povos a assumirem o mais depressa possível a sua luta autónoma, encontrava-se aqui uma justificação para anexar o movimento anticolonial nascente ao movimento democrático em Portugal, com a desculpa de que a concessão da independência resultaria em que as colónias portuguesas “tombariam sob o domínio de outro imperialismo” (28). A guerra mundial acabou sem que se concretizassem as esperanças na queda de Salazar. Os dirigentes do PCP poderiam ter tirado uma salutar lição sobre a inutilidade das concessões de princípio à oposição burguesa. Não o fizeram.
De resto, a perspectiva geral do PCP sobre a questão colonial foi sintetizada nesta época pelos “9 Pontos-Programa” propostos pela direcção do partido aos agrupamentos da Oposição. Nesse documento (29) propunha-se, como política de um futuro Governo Democrático de Unidade Nacional, a “aliança livre com os povos coloniais”, expressão bem-soante que omitia o essencial: o prévio abandono pelos portugueses de todos os direitos, prerrogativas, privilégios e propriedades adquiridos por ocupação militar e esbulho, e a reparação aos povos vítimas de escravização secular. Com a fórmula aparentemente progressista da “aliança”, a direcção do PCP dava a entender à burguesia anti-salazarista que não viria a lutar pelo desmantelamento do Império e estava, pelo contrário, disposta a colaborar na sua actualização, necessária após a derrota do campo nazi-fascista na guerra mundial.
O período do final da guerra suscitou uma febril actividade oposicionista, dada a convicção geral de que a Inglaterra, Estados Unidos e França promoveriam a substituição de Salazar por um regime democrático. Desde logo, isto teve um reflexo negativo na posição do partido quanto ao direito de autodeterminação dos povos das colónias – o que só à primeira vista pode parecer paradoxal.
As resistências que ainda pudessem existir na direcção do partido em deixar-se arrastar para concessões ao “patriotismo” colonialista – e que surgem expressas num alerta de 1944 sobre o “perigo que continua a subsistir com a separação do povo português, na luta contra o fascismo, dos seus melhores aliados (os povos das colónias portuguesas)” e sobre a necessidade de “cumprir um sagrado dever para com os nossos irmãos das colónias de Portugal” (30) – foram derrubadas pela urgência da Unidade com a Oposição burguesa. Empenhada a direcção do PCP no esforço para ganhar todas as forças democráticas para uma frente unida antifascista, acentuou-se a tendência para cedências políticas e ideológicas em todos os terrenos considerados não prioritários. Para ser aceites no movimento unitário e no esperado Governo Democrático de Unidade Nacional, os comunistas tinham que dar algo em troca. Um dos preços pagos foi a negação do direito dos povos coloniais à independência, porque esse era então assunto tabu para a oposição republicana.



Foi assim que em Julho de 1944 se pôde ler no Avante, num artigo altamente elogioso para o programa que o MUNAF (Movimento Nacional de Unidade Antifascista) acabara de aprovar: “O Programa estabelece que o Governo Provisório defenderá a Unidade de Portugal com as colónias” (31). Cedência tanto mais significativa quanto, ainda um ano antes, o partido defendera, no espírito das proclamações dos Aliados, entre os “9 Pontos-Programa para a Unidade Nacional”: “Estabelecimento duma aliança livre com os povos coloniais”. Se bem que esta expressão da “aliança livre” já era razoavelmente ambígua, ela deve ter sido vetada pelos representantes das forças liberais no MUNAF, forçando o PCP a subscrever a “unidade com as colónias”. Se tal concessão causou reservas na direcção do partido, pelo menos não transpareceram a público.
A RUPTURA DA UNIDADE
O rompimento pelos republicanos da unidade consentida por breves dois anos no MUD e o clima de histeria anticomunista consecutivo ao começo da Guerra Fria e à entrada de Portugal na NATO foram um duro despertar para a direcção do PCP, ainda para mais golpeada pela onda de prisões de 194950.
Aparentemente, a nova direcção do partido, liberta dos compromissos unitários, parece disposta a retomar uma posição de princípio sobre a questão colonial. Na sua imprensa, valoriza-se o lugar dos povos coloniais na luta “contra o imperialismo e em defesa da Paz”, o que era uma aplicação da campanha então lançada pela União Soviética visando uma frente mundial contra o imperialismo americano. Uma intervenção de “Matos” na 4ª Reunião ampliada do CC, de fins de 1952, mencionava, no final de uma longa enumeração de reivindicações, “a independência e autonomia dos povos coloniais” (32). (De registar, porém, que, nas Resoluções dessa reunião a questão colonial surge num curto capítulo, entre a organização das forças armadas e a dos pescadores, sem qualquer referência ao direito à independência). É um facto que, neste período particularmente difícil, o PCP manteve uma posição que o distinguiu da restante oposição.
É em 1954 que se verifica o primeiro passo significativo na matéria, com o projecto de Programa do partido (aprovado na V Reunião ampliada do CC), no qual foi solenemente consignado o “direito dos povos coloniais à autodeterminação, inclusive à separação”. No ano seguinte, uma intervenção de “João” (António Dias Lourenço) na VI Reunião Ampliada do CC afirmava enfaticamente que a ajuda do povo português aos povos coloniais “deve ter por objectivo exclusivo a sua libertação do jugo colonial”.
Não houve contudo qualquer reavaliação séria dos erros políticos que tinham levado às concessões nos anos anteriores. Afirmando a sua descrença nos “falsos democratas”, o PCP conservou o chauvinismo de cor “democrática” que deles recebera. A nota dominante no Avante continua a ser a denúncia da entrega das “riquezas nacionais” aos imperialistas. As colónias continuam a ser vistas como simples reservas de matérias-primas (33). Eloquente, neste aspecto, um protesto publicado em 1950 contra a criação de colonatos em Angola e Moçambique: “O governo fascista de Salazar – escreve o Avante – resolveu deportar milhares de trabalhadores para as colónias, mão-de-obra barata para os imperialistas norte-americanos e ingleses a quem criminosamente entregou o melhor das nossas riquezas coloniais”. Prossegue denunciando a falta de instalações para receber os colonos, alguns dos quais “se sujeitam a viver em garagens ou nas dependências dos negros por não terem dinheiro para pagar as rendas de casa!” (34)
Quando se impunha mostrar no reforço da presença colonial o objectivo de utilizar os colonos na repressão a possíveis levantamentos futuros dos povos africanos, apresentavam-se aqueles como vítimas de “deportação” e não exploradores e potenciais carrascos desses povos.
O PCP deu por essa altura larga divulgação ao massacre de centenas de trabalhadores são-tomenses e à denúncia dele feita pelo capitão Henrique Galvão, deputado à Assembleia Nacional fascista, numa intervenção causadora de escândalo (35). Mas, na sua imprensa, os artigos que se referem propriamente à situação dos povos coloniais defendem em regra apenas o seu direito a melhores condições de vida (36). E mesmo aí transparece o cuidado em manter a resistência dos colonizados subordinada aos colonizadores “progressistas”. Assim, no Avante: “Uni-vos aos trabalhadores brancos, explorados e oprimidos como vós, que querem derrubar o governo de Salazar e criar um outro que possa trabalhar pela felicidade de todos os trabalhadores, sem distinção de raça ou de cor!” (37) Sob esta perspectiva multirracial é a ideia da integração que transparece, não a da autodeterminação.
E isto não apenas em artigos avulsos. Como especificava em 1952 o Comité Central do partido, era missão dos povos coloniais lutar… “ao lado do povo português contra a ditadura de Salazar, pela Democracia, pela Paz, pelo Pão” (38). Ou, de forma ainda mais clara, no ano seguinte: “A Unidade Nacional consiste em dirigir as largas camadas da população do Continente e colónias para a acção pelas reivindicações particulares a cada sector da população e por objectivos comuns a todos os sectores da população.” E mais adiante: “É necessário compreender e fazer compreender a todos os democratas do Continente e colónias que as possibilidades legais de luta se conquistam apenas pela luta…” (39)
CUNHAL EM TRIBUNAL
Não se estranhará este chauvinismo, tão ingénuo que nem procurava esconder-se, se tivermos em conta o que sobre a questão escreveu Álvaro Cunhal na intervenção feita perante o tribunal fascista, em 1950. Como se sabe, essa intervenção serviu durante bastantes anos como referência da política geral do partido.
Digamos desde já que a menção que aí se encontra à questão colonial é lateral e sobretudo totalmente omissa quanto ao direito de autodeterminação e independência. Desenvolvendo a tese que sempre lhe foi cara, de que são os comunistas os melhores defensores dos interesses da Nação, traídos pela burguesia (tese com fortes implicações nacionalistas, que curiosamente, Staline retomaria nos mesmos termos dois anos mais tarde na sua alocução ao XIX Congresso do PCUS), Cunhal estende-a às colónias ao denunciar as empresas imperialistas aí instaladas, como se estas fossem um mero prolongamento do espaço nacional. De modo que, quando conclui que “Nós queremos que a economia portuguesa seja libertada do domínio dos imperialistas estrangeiros”, está implícita a noção dos recursos coloniais como parte da economia portuguesa.
Mais adiante, ao enumerar as condições para que uma República Democrática seja viável em Portugal, cita, precisamente em último lugar, “a defesa dos interesses da juventude, das mulheres, dos povos coloniais (hoje dizimados pelo chamado contrato, pelas doenças e pelo chamado trabalho compelido)” (40). É óbvia a conclusão de que os povos coloniais eram enquadrados entre os sectores da população que deveriam beneficiar de reformas democráticas, mas não mais do que isso.
Se pusermos em confronto esta defesa de Cunhal em tribunal fascista e a que Bento Gonçalves fizera 14 anos antes, a conclusão forçosa é de que nenhum progresso se dera nas posições do PCP neste período e que os interesses dos povos coloniais continuavam a ser vistos como uma parte dos interesses gerais do povo português. O que é tanto mais grave quanto, no intervalo, houvera a guerra mundial, o começo das independências coloniais e sobretudo o triunfo da grande revolução nacional na China. Porém, no ambiente de imobilismo criado pela ditadura, tudo isso parecia longínquo.
PRIMEIROS AVISOS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO DAS COLÓNIAS
Entretanto, nas colónias, núcleos de comunistas ou por estes animados conseguiam alguma implantação e faziam circular em Luanda e Lourenço Marques ideias emancipadoras junto de franjas de trabalhadores africanos, sendo alvo da repressão (41). Do mesmo modo, os escassos estudantes africanos que chegavam a Lisboa nos anos 50 receberam do PCP uma politização que muito favoreceu a aglutinação dos primeiros agrupamentos nacionalistas.
Montou-se, porém, em torno desta questão da aliança uma mistificação ideológica que importa desfazer. Os povos coloniais eram declarados pelo PCP “aliados do povo português para a luta contra a ditadura fascista”, o que era muito diferente da perspectiva leninista de uma aliança revolucionária do proletariado com os povos coloniais com vista à revolução socialista nas metrópoles e à libertação nacional das colónias. Adaptando a consigna leninista ao que julgava serem as condições particulares do país, a direcção do PCP estava de facto a tentar mobilizar os povos coloniais para ajudarem à instauração da democracia burguesa em Portugal, o que não lhes dava quaisquer garantias de emancipação.
É assim que, quando, em 1954, um grupo de estudantes africanos em Lisboa, em que se destaca Mário Pinto de Andrade, inicia reuniões clandestinas para procurar a via da luta de libertação nacional dos seus povos, a primeira reacção da organização estudantil do PCP é censurar-lhes o “intelectualismo” e a “fuga aos riscos da luta anti-salazarista” – na realidade negar-lhes o direito a uma luta autónoma.
Esta desconfiança inicial foi vencida. Mas, oculto sob o slogan principista da “aliança”, o chauvinismo colonial “progressista” iria revelar-se incompatível com a etapa superior em que estava a entrar a luta de libertação nacional dos povos africanos.
O primeiro anúncio foi o “caso de Goa”, a campanha histérica de alarme desencadeada pela ditadura perante a pressão crescente dos patriotas indianos em torno dos enclaves portugueses. Acompanhando a vacilação geral da Oposição republicana perante a crise, a tónica das posições assumidas pelo PCP foi uma vez mais ambígua, pondo muito mais em foco a necessidade de uma “solução pacífica do problema” do que a inadmissibilidade da caquéctica presença colonial num país que já conquistara a independência (42).
Em 1955, o CC, na sua VI Reunião ampliada, defendeu o regresso das tropas, “a negociação em bases sérias com a União Indiana” e “uma solução pacífica”, “conforme os desejos e interesses das populações”. Condenando de passagem “um colonialismo que fez a sua época”, o informe atacava sobretudo a política colonial de Salazar como “ponta de lança das forças da guerra”. Sobre o abandono imediato por Portugal daqueles e dos restantes territórios coloniais, sobre a liquidação do império colonial português, nem uma palavra. Pelo contrário, pressupunha a sua continuidade, na medida em que se ficava pelas habituais denúncias da política de “traição” do governo de Salazar ao entregar concessões aos monopólios estrangeiros, ao mesmo tempo que negava à burguesia não monopolista “a montagem de novas fábricas no continente e nas colónias”(!) (43).
Era um recuo nítido em relação à atitude dos dirigentes do MND (Movimento Nacional Democrático), levados a tribunal no ano anterior por terem defendido publicamente o direito de autodeterminação do povo de Goa, Damão e Diu (44).
O cálculo subjacente a estes manobrismos era, como sempre, a busca das posições intermédias: isolar os fascistas e colonialistas ultras sem chocar os sentimentos da maioria da população e dos democratas. Só faltavam cinco anos para a eficácia destas habilidades ser posta à prova com o começo da guerra em Angola.
A DECLARAÇÃO DE 1957
Como dissemos no início, o 5º Congresso do partido aprovou uma declaração formal reconhecendo o direito à independência das colónias. Foi, no acanhado clima da política oposicionista tradicional, uma pedrada no charco, que viria a ter reflexos positivos no despertar do movimento contra a guerra. O PCP mostrava aperceber-se melhor que as outras forças da oposição dos “ventos da História”. Mas, é preciso dizê-lo, não corrigiu os seus desvios nacionalistas.
É que, para além do justo reconhecimento do direito à independência, o congresso colocava como tarefa “um esforço orgânico de todo o nosso partido para ajudar à formação no mais breve espaço de tempo, de partidos comunistas nas colónias, com vida própria” (45). Esta fora uma palavra de ordem justa trinta anos antes, mas não houvera forças ou convicção para a levar à prática; agora, quando já havia movimentos de libertação constituídos ou em fase avançada de formação, esta urgência tardia tinha todo o aspecto de uma corrida contra o tempo, não para entrar na luta armada de libertação – o PCP há muito perdera voluntariamente esse comboio – mas para pressionar os movimentos no sentido de uma aproximação à URSS e de uma futura salvaguarda dos interesses dos colonos.
Seguindo esta orientação, foram postas em marcha, em Luanda e Lourenço Marques, tentativas algo precipitadas para a formação desses partidos. Foram goradas no primeiro caso por uma série de prisões (o processo de 1959) e afundadas no segundo, devido à inacção dos poucos comunistas locais.
O início dos movimentos insurreccionais nas colónias apanhou assim a direcção do PCP dividida entre as instruções de Moscovo no sentido de captar a confiança dos dirigentes africanos e os receios pelo impacte negativo que a luta armada exerceria na unidade anti-salazarista e na população em geral.
Mesmo correndo o risco de parecer de mau gosto, não resisto a citar-me. Escrevia eu, num artigo publicado no Militante em Maio de 1960: “Não esqueçamos que a luta dos povos das colónias portuguesas pela independência nacional entrará na sua fase superior dentro de um período decerto curto e que o governo dos roceiros e monopolistas não hesitará em passar da repressão surda à guerra aberta, envolvendo o nosso país numa guerra colonial suja e condenada à derrota; será então a altura para se verificar à luz do dia a seriedade do trabalho do Partido junto das massas quanto a este problema vital”.
“E será bom compenetrarmo-nos de que esse trabalho não é fácil. Seria uma ingenuidade perigosa supormos que uma tradição colonial de cinco séculos poderia ser apagada dum momento para o outro sem deixar marcas profundas em amplas camadas da população”.
Concretizando, lembrava a existência “em certos sectores da população de um estado de espírito propenso a ser explorado pelo salazarismo, que apela à ‘defesa das províncias do Ultramar”, pelo que seria um erro supor que “algumas camadas da população, incluindo mesmo certos sectores da classe operária não possam ser sensíveis, em determinadas circunstâncias à demagogia imperialista e não possam vir a facilitar pela sua expectativa e irresolução o desencadeamento de uma sangrenta e condenada guerra colonial” (46).
O desenrolar dos acontecimentos nos anos imediatos, se confirmou a razão de ser destes avisos, mostrou também que a direcção do PCP era incapaz de corrigir a sua postura chauvinista — o chauvinismo colonialista era e é parte integrante da sua adesão à democracia burguesa em Portugal.
CABEÇA FRIA FACE À GUERRA
Em Fevereiro de 1961 iniciava-se o ciclo das guerras coloniais que iria prolongar-se por 13 anos. Mesmo antes da insurreição de Luanda, o ascenso imparável das independências africanas, a generalização dos incidentes sangrentos em vários territórios (47), os progressos na organização dos movimentos nacionalistas, eram indicadores claros de que a década de 60 seria a da agonia e derrocada do Império Colonial Português.
A dimensão histórica deste acontecimento exigia ao PCP um gigantesco empenhamento político, sem proporção com tudo o que enfrentara até então. Havia que pôr em marcha um vasto movimento de resistência à guerra que criasse ao governo uma situação insustentável na retaguarda e apressasse a sua derrota militar. E para isso havia que cortar a direito com o tradicional chauvinismo, entranhado em graus diversos nas forças democráticas burguesas, na população em geral, no proletariado e no próprio partido. Era sem dúvida um tratamento de choque, que muito provavelmente abalaria o partido e o movimento democrático, mas a gravidade das questões em jogo não se compadecia com meias tintas. Ora, foi precisamente de meias tintas o caminho adoptado pelo PCP logo nesse primeiro ano de guerra, com consequências pesadíssimas no prolongamento da ditadura e nos sofrimentos suportados pelos povos das colónias e pelo povo português.
Bombardeamento a napalm da baixa do Cassange, sequestro espectacular do paquete “Santa Maria”, assalto às cadeias de Luanda, onda de massacres no norte de Angola, regresso de colonos em pânico, conspiração abortada de Botelho Moniz, reacção ultra obstinada de Salazar (“para Angola, rapidamente e em força!”), embarque de milhares de soldados – o ano de 61 começa em ritmo estonteante. Não se pode dizer, contudo, que a direcção do PC perdesse a cabeça.
Álvaro Cunhal, que no ano anterior resolvera os conflitos de orientação consecutivos à sua evasão da cadeia e reintegração no posto dirigente, tinha todas as condições para realinhar o partido face a esta situação política inteiramente nova. Não o fez. Das duas reuniões realizadas pelo Comité Central nesse ano, uma, a de Março, é dedicada à aprovação do relatório sobre o “desvio de direita”, e a outra, em Setembro, ocupa-se com a táctica para as próximas “eleições” para a Assembleia Nacional, como se nada de anormal tivesse ocorrido!
Se há uma campanha que domina a actividade do partido nesse ano de viragem, não é de modo nenhum a do lançamento da luta contra a guerra, mas a do reatamento da Unidade com as forças liberais, seriamente abalada pelo anterior “desvio de direita” (48). Por ordem da Comissão Executiva do CC, o aparelho e os funcionários do partido são mobilizados para reuniões, contactos e negociações com vistas à formação de listas da Oposição concorrentes às “eleições” de Outubro.
Esta omissão da direcção do partido na frente vital da luta contra a guerra não resultou de mera substimação: foi fruto de uma opção deliberada e passou por alguns conflitos internos, até hoje cuidadosamente silenciados.
Dois Manifestos do CC
Bem ilustrativo desta opção é o episódio dos dois manifestos diferentes do Comité Central editados em Março acerca do começo da guerra. Não tendo tido a reunião do CC tempo para aprovar uma tomada pública de posição sobre o assunto, fui encarregado de redigir um manifesto em nome do CC – para o qual, note-se, mal acabava de ser cooptado nessa mesma reunião como membro suplente. Só este procedimento, já de si, é indicativo da escassa importância que se atribuiu ao acontecimento. Nesse documento, procurei naturalmente transmitir a todos os trabalhadores a gravidade imensa dos acontecimentos e a consciência da importância vital que tinha para o futuro da sua luta a atitude face à guerra reaccionária que se iniciava, desenlace de séculos de colonialismo. A terminar, apelava “aos operários, camponeses e soldados” para se colocarem ao lado dos povos das colónias e contra o seu próprio governo.
Enviado o texto para a tipografia clandestina, este foi impresso mas não chegou a ser distribuído aos comités regionais porque, entretanto, um membro do Secretariado do CC (Cunhal?), ao lê-lo, considerou necessário retirá-lo da circulação e substituí-lo por outro; como me foi dito dias depois por Dias Lourenço, o manifesto por mim redigido “não correspondia à linha do partido”. Com efeito, no segundo texto, que foi finalmente distribuído, o CC do PCP dirigia-se “a todos os portugueses, a todos os democratas e patriotas”, alertando-os para os prejuízos e sofrimentos que para eles acarretaria a guerra nas colónias e para a necessidade de união de todas as forças na luta contra a guerra. Estava dado o mote para o que viria a ser a posição do partido nos anos seguintes: inserir a luta contra a guerra colonial no âmbito da Unidade com a burguesia liberal.
É possível que os actuais dirigentes do partido aleguem, como de costume sempre que vêm à baila questões da história do partido, que esta apreciação não é exacta; se assim for, têm um meio simples ao seu alcance: divulgar os dois manifestos, que certamente conservam nos seus arquivos.
Poupar o colonialismo dos republicanos
Logo a seguir, em Maio, um grupo de notáveis republicanos que viria no ano seguinte a constituir a ADS (Acção Democrato-Social), lançava, na sequência de uma reunião nacional, um documento programático, o “Programa para a Democratização da República”, no qual a questão colonial era evocada em termos da necessidade de reformas democráticas na Metrópole e nos “territórios ultramarinos”. Era, objectivamente, a negação do direito à independência e a dessolidarização dos movimentos de libertação nacional. Se quisermos reduzir a questão ao seu osso político, os “democratas” distanciavam-se dos massacres do exército e dos colonos, mas sem pôr em causa a “paz civil interna” necessária ao governo para prosseguir a guerra. Tornando pública a sua oposição, tinham o cuidado de não sair do “campo da pátria”. Preservavam afinal, como sempre, o seu estatuto, semi-legal, com as vantagens inerentes: repressão mais benigna da PIDE, algumas possibilidades de expressão pública, “pontes” de diálogo com figuras do regime, etc. Era o velho jogo com o pau de dois bicos, só que agora mais escabroso devido à situação de guerra.
Suscitada em algumas reuniões do PCP (e por mim pessoalmente) a necessidade de criticar esta variante “democrática” do colonialismo, como condição para a descolagem dum autêntico movimento popular de luta contra a guerra, o Secretariado do CC opôs-se e proibiu expressamente qualquer crítica pública, já que isso poderia deitar por terra os esforços com vistas à Unidade, nas “eleições” e para além delas. Esta postura unitária levaria mesmo, em Setembro desse ano, o PCP a imprimir numa tipografia sua, um número do boletim Tribuna Livre, no qual um articulista condenava, por igual, “o terrorismo de brancos e negros” –imparcialidade que causou alguma celeuma interna e obrigou a uma demarcação no Avante.
Recusa à deserção
Com a mobilização e os embarques de tropas, surgiu de imediato na organização do partido, especialmente no sector estudantil, que alimentava o contingente dos oficiais milicianos, uma tendência irresistível para desertar (a deserção em larga escala de soldados só começaria mais tarde). Os jovens comunistas e simpatizantes encaravam com horror a perspectiva de ir para África massacrar guerrilheiros e populações, não queriam ser cúmplices nesse crime. A resposta da direcção foi desde logo contra, pelo “dever de acompanhar as tropas para as consciencializar e organizar contra a guerra”. E citavase, em abono desta posição, o trabalho militar do partido bolchevique russo durante a primeira guerra mundial, que tinha gradualmente levado às insubordinações colectivas, às confraternizações entre tropas dos dois campos e à desagregação do exército.
Isto não respondia contudo às objecções que surgiam: ir para as colónias, com que directivas, ligado a quem, com que apoios? Além disso, podia-se copiar a táctica dos bolcheviques, adequada a exércitos lutando em frentes de combate definidas, para a situação desta guerra “contra-subversiva”, com uma tremenda desproporção de forças e de armamento, guerra de ocupação, de massacres e torturas?
A direcção do partido manteve-se inabalável. Quando muito, após extenuantes discussões, admitiu as deserções desde que “organizadas, em grupo e no terreno”. A deserção individual antes do embarque era condenável, pois representava “virar costas às massas por medo aos riscos da luta”. (Afinal, o que a experiência demonstrou, logo nesse primeiro ano de guerra, foi que desertavam, regra geral, os militantes mais firmemente opostos à guerra e embarcavam os mais propensos à vacilação e ao compromisso, os mais receosos de “estragar a vida” com a fuga aos deveres militares).
Este zelo “leninista” da direcção do PCP contra a deserção não se explica só por aplicação mecanicista de velhas linhas de orientação; a verdade é que se receava o embaraço causado por desertores na clandestinidade, pelas armas que vários deles traziam (e que foram em vários casos lançados ao Tejo!), e acima de tudo pelos germes de sabotagem da instituição militar que envolvia.
Organização militar
De facto, a guerra revelava de forma gritante o erro da orientação há muito seguida pelo partido em relação às forças armadas e que se pode resumir assim: criar um ou outro núcleo de oficiais antifascistas e não se meter a organizar os soldados e marinheiros. Posso testemunhá-lo com segurança porque estive nesse ano encarregado da organização militar, sob a direcção de Blanqui Teixeira, do Secretariado do CC.
O partido imprimia numa sua tipografia clandestina um boletim, a Tribuna Militar,colaborado por oficiais, com apelos mais ou menos inflamados à rebelião contra o regime, fazia umas reuniões com alguns oficiais para colher informações e aperceber-se do estado de espírito da tropa e era tudo... Nos raros contactos com soldados e marinheiros, a substância era a da luta pela melhoria do rancho e contra os abusos da disciplina. Palavras de ordem antifascistas, já não digo comunistas, não existiam. Sabotagem do esforço de guerra estava fora de questão.
O definhamento da organização comunista nas fileiras era fenómeno antigo (49) cujas motivações políticas eram cuidadosamente soterradas sob periódicos apelos aos “filhos do povo fardados” mas que se resumiam a isto: os oficiais, mesmo os mais liberais, não tolerariam rupturas na cadeia de comando. E uma vez que se atribuía à oficialidade democrata um papel chave no “levantamento nacional”, havia que prescindir de uma organização comunista de soldados, já que o seu objectivo natural seria virar a tropa rasa contra os comandos.
Esta orientação foi-me expressamente transmitida por Blanqui Teixeira, que respondia às minhas propostas sobre a urgência de criar células comunistas na tropa: “A organização de soldados e marinheiros pouco interessa, dados os riscos que envolve; devemos concentrar-nos na organização de oficiais; foi o que fez Mao Tsetung para derrotar o exército de Chiang Kai-chek”(!). Esquecia este emérito estratego militar que o aliciamento de oficiais do exército inimigo era para os comunistas chineses apenas um elemento auxiliar, numa luta que tinha como cerne o seu próprio exército de libertação e as suas próprias zonas libertadas.
O ano de 1961 termina com a queda dos enclaves portugueses na Índia, o desvio do avião da TAP e o gorado assalto ao quartel de Beja, conduzido por Varela Gomes, acção em que participam, como é conhecido, bastantes militantes ou ex-militantes do PCP, à revelia da direcção. Esta será a primeira de uma sucessão de tentativas de oposição violenta à ditadura e à guerra nas colónias, que evidencia como o PCP vai saindo do centro da luta política, desde que esta passa a girar em torno da guerra colonial. Forçada a inflectir nos anos subsequentes a sua postura anticolonial num sentido mais radical, para não ser ultrapassada pela esquerda, a direcção do partido não modificaria contudo a sua orientação de fundo.
A persistência do chauvinismo nas fileiras do PCP, mesmo depois do começo da guerra, ficou expressa com eloquência insuperável num comunicado do final deste ano de 1961 em que se apelava: “Trabalhadores, mostremos aos nossos patrões que só a independência de Angola serve os seus interesses”, pois “só independente Angola se tornará de facto um mercado para os nossos artigos” (50).
O “SECTARISMO” TEM AS COSTAS LARGAS
A busca obsessiva da unidade com a oposição burguesa instalara-se, decénio após decénio, ao peso da perseguição policial implacável que atingia os comunistas como nenhuma outra força. O núcleo dirigente do partido aprendera através duma dura experiência que o isolamento político era o maior perigo, já que deixava a actividade mais exposta à repressão, esvaziava as fileiras, restringia os “pontos de apoio”, a solidariedade aos presos, etc. A dramática experiência de 194954 fora a esse respeito bem elucidativa (51). Daí as campanhas persistentes contra o “sectarismo”, nome por que se designava indistintamente tudo o que reduzisse a aceitação das palavras de ordem do partido junto da população ou o espaço para acordos com outras forças ou personalidades.
A guerra nas colónias foi desde logo encarada em termos dessa “luta contra o sectarismo”. Consciente de que uma posição radical face à guerra implicaria a incompreensão de muitos trabalhadores e o corte de relações políticas com as forças liberais, a equipa dirigente do partido procurou espontaneamente, por um velho reflexo adquirido, a via da “maior unidade possível”, mesmo que para isso fosse necessário sacrificar algumas abstractas questões de princípio.
Além de que os perigos não eram só de isolamento. Uma campanha activa pela derrota militar do governo desencadearia uma escalada incontrolável da PIDE,que poderia desmantelar o aparelho clandestino laboriosamente reconstruído e pôr em causa a continuidade da luta. Dir-se-á que a repressão era permanente. Mas, por estranho que possa parecer hoje, ela não era uniforme e indiscriminada, mas meticulosamente graduada de acordo com a amplitude e o nível da resistência. A acção da PIDE era sempre implacável; mas logo que o partido (ou qualquer outra força) ultrapassasse os limites fixados, invisíveis mas nem por isso menos reais, sofria de imediato golpes devastadores: prisões em massa, recrudescimento da tortura, assassinatos. Compreende-se assim que a prática estrita, durante dois decénios (52), da chamada “luta de massas” (reivindicações nas empresas, infiltração nos “Sindicatos Nacionais”, participação nas campanhas “eleitorais”, actividades culturais, etc.) tivesse acabado por sedimentar no aparelho clandestino do partido uma concepção de “desafio controlado” à ditadura. Tudo isto esteve presente nas discussões sobre a luta contra a guerra, quando alguns invocaram o perigo de “deitar por terra as posições conquistadas” se se cedesse a “tentações aventureiras como no 18 de Janeiro” (53).
É certo que esta posição de retraimento não impediu o apoio noutros planos aos movimentos de libertação. A direcção do partido facilitou-lhes contactos internacionais e assumiu, por exemplo, a tarefa da evasão para o estrangeiro de Agostinho Neto e de Viriato da Cruz. Ficara para trás a desconfiança e má vontade perante essas incómodas forças novas que se recusavam a integrar o campo da Oposição anti-salazarista e reivindicavam a sua própria estratégia autónoma e os seus próprios métodos de luta. Mas era como se se procurasse compensar com ajudas no plano organizativo a falta de uma solidariedade política total.
Não eram, além disso, ajudas espontâneas mas por encomenda. Estreitamente vinculada à União Soviética, a direcção do PCP defendia os interesses desta no respeitante às lutas de libertação das colónias, como em tudo o mais. Na época, como se sabe, os governantes da URSS empenhavam-se a fundo em ganhar e consolidar uma influência preponderante sobre os movimentos de libertação, desviá-los dos manejos da CIA, por um lado, e por outro, da atracção da China, então em busca da sua própria base de apoio terceiro-mundista, e sobretudo evitar a sua radicalização revolucionária, que poderia ameaçar os entendimentos e compromissos com os Estados Unidos, no quadro da “coexistência pacífica”. A direcção do PCP era nesta matéria um veículo indispensável para chegar aos movimentos de libertação (54).
Recapitulando: nos anos 60 o PCP condenou severamente o colonialismo fascista, denunciou os interesses monopolistas e imperialistas instalados nas colónias, solidarizou-se com as aspirações desses povos à autodeterminação e à independência – mas condicionou essa solidariedade às conveniências da aproximação à oposição democrática burguesa em Portugal; tentou conciliar dinâmicas de classe antagónicas, e com a busca desse compromisso mutilou a luta popular nas duas frentes: pelo fim da guerra e pelo derrube da ditadura fascista.
“Excesso polémico” da nossa parte? Só assim pensam os que se satisfazem facilmente com a aparência dos slogans e não têm paciência para reflectir sobre o conteúdo político que veiculam. Se analisarmos à luz da situação nesse ano de 1961 as “posições de princípio” do PCP, não será difícil detectar o compromisso que ocultavam. Ao condenar o governo fascista por reprimir os patriotas africanos evitava-se saudar os movimentos de libertação por terem desencadeado a guerra contra o ocupante português; ao reclamar a cessação da guerra iludia-se o apelo à acção na retaguarda para a derrota militar do governo; ao repudiar as atrocidades de “meia dúzia de degenerados” fugia-se a denunciar o feroz racismoda massa dos colonos e o chauvinismo secular entranhado no povo português e na própria classe operária; ao enumerar os prejuízos acarretados pela guerra à população e à economia passava-se para segundo plano as obrigações de solidariedade prática aos povos africanos; sob o apelo ao exército para não reprimir as populações africanas ocultava-se a desistência do trabalho de subversão comunista no interior das forças armadas; e as ilusões num vasto movimento “de todos os democratas, patriotas e pessoas de coração” contra a guerra serviam para apagar o conflito de interesses entre os trabalhadores e a burguesia oposicionista, transportando o cego egoísmo desta para o interior do movimento popular.
O PCP manteve perante a guerra colonial uma perspectiva centrista, dúplice, continuamente reajustada, tentando conciliar o inconciliável: os interesses nacionais dos povos africanos e os interesses coloniais da oposição liberal; a luta contra a guerra e os preconceitos chauvinistas e racistas do povo; o dever de solidariedade activa aos africanos e a recusa à luta militar contra o regime; o internacionalismo e a obediência ao governo da URSS.
Em termos crus, o PCP decidiu manifestar-se “inabalavelmente” contra a guerra deixando-a seguir o seu curso. Optou por uma oposição de desgaste, sabendo que, a médio prazo, os sacrifícios terríveis dos povos das colónias abririam caminho para o colapso da ditadura e o triunfo do ansiado “levantamento nacional” – o que realmente veio a acontecer, mas à custa dum pesado preço pago pelos povos das colónias e pelo povo português.
Não se trata de refazer a história, descobrindo o que “poderia ter sido se...” Afirmamos que, com as opções tomadas em 1961, a direcção do PCP traçou em larga medida o rumo frustrante da luta de classes nacional durante a derrocada do fascismo e no pós-fascismo.

        
        
(*) Francisco Martins Rodrigues é um histórico dirigente comunista português, escritor e editor. Militou no PCP até à época da cisão sino-soviética, altura em que fundou em Portugal a primeira organização maoísta deste país. Manteve-se activo em diversas organizações do movimento marxista-leninista português até romper com o PC (R) em meados dos anos 1980. Fundou então a revista comunista ‘Política Operária’ de que é actualmente proprietário e director. Entre as suas obras publicadas em volume, pode-se destacar ‘Anti-Dimitrov’, Ed. do Autor, Lisboa, 1985, ‘Abril Traído’, Edições Dinossauro, Lisboa, 1999 e ‘O Comunismo que aí vem’, Abrente, Santiago de Compostela, 2004.
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NOTAS:
(1) Resoluções do V Congresso do Partido Comunista Português, Edições Avante, Outubro de 1957.
(2) “Combater o chauvinismo imperialista é a base de uma efectiva solidariedade aos povos das colónias”, artigo de Francisco Martins Rodrigues no Revolução Popular, órgão do Comité Marxista-Leninista Português, nº 6, Dez. 1965 (Paris).
(3História do movimento operário, ed. PCP (policopiada), 1965. Texto atribuído a José Magro.
(4) O Caminho para o Derrubamento do Fascismo. Informe Político do CC ao IV Congresso do PCP, Álvaro Cunhal, Cadernos para a História do PCP, nº 6. Edições Avante, Lisboa, 1997.
(5) Apelo do CC da Federação da Juventude Comunista Portuguesa, Novembro 1933.
(6) Programa da Liga contra a Guerra e Contra o Fascismo, Agosto 1934.
(7) Avante nº58, de Novembro de 1937.
(8) Avante nº 62, 2ª semana de Dezembro de 1937.
(9)“A Alemanha, eis o inimigo!”, Avante 65, 5ª semana de Dezembro de 1937.
(10)“Salazar, o traidor”, Avante 78, Abril de 1938.
(11)“Unir”, Avante nº 66, 2ª semana de Janeiro de 1938.
(12) “O Fascismo em Angola”, Avante nº73, 1ª semana de Março de 1938. Ver também os nºs 52, 63 (Salazar, “esse homem sem coração, esse monstro traidor, esse falso cristão que tem entregado as colónias a Hitler... “), 72, 75, 76 (os alemães querem as “magníficas colónias” de Portugal), 79 (os alemães preparam-se para nos atacar em Africa, “arrancando-nos o poder político, que é a única coisa que nos resta de Angola”), etc.
(13)Avante nºs 59 e 60, 3ª e 4ª semana de Novembro de 1937.
(14) “A caminho da guerra e da dominação estrangeira (A política de traição nacional do governo fascista de Salazar)”. Editorial Avante!, Partido Comunista Português, Novembro de 1937.
(15Anti-Dimitrov, Francisco M. Rodrigues. Ed. autor, Lisboa, 1984.
(16Correspondance Internationale nº 42, de 19 de Setembro de 1936.
(17) Ao País. (Programa da Frente Popular Portuguesa), Agosto 1936, in A Frente Popular Antifascista em Portugal, L. H. Afonso Manta, Ed. Assírio & Alvim, Lisboa, 1976.
(18Avante nº 17, de Março de 1936.
(19) Negócios que não eram tão pequenos como isso. Algumas das mais influentes figuras da Oposição democrática, como Acácio Gouveia, Cunha Leal, Azevedo Gomes, Adão e Silva, tinham largos interesses nas colónias.
(20O PCP e o VII Congresso da Internacional Comunista. Documentos. Ed. Avante, Lisboa, 1985.
(21) O relatório elaborado pelo Secretariado do PCP terá sido remodelado em Moscovo por ter sido considerado “deficiente” em vários aspectos. Informação prestada por Álvaro Cunhal no forte de Peniche, em 1959, a mim pessoalmente e a outros presos.
(22) Entre as 21 condições para a adesão à Internacional Comunista, redigidas por Lenine, dizia a 8º: “O apoio, não em palavras mas de facto a todos os movimentos de libertação das colónias, a exigência que delas sejam expulsos os imperialistas nacionais”...
(23) “Contestação de Bento Gonçalves”, Militante, nº 169, Fevereiro de 1971.
(24) Norton de Matos, Memórias e Trabalhos da Minha Vida, vol. 1, pp. 2122.
(25) “A entrega de Timor aos japoneses. Castigo aos traidores!”, Avante nº 62, 2ª quinzena de Setembro de 1944.
(26) “Ao Exército” (manifesto). Outubro de 1943, Partido Comunista Português.
(27) Informe de “Duarte” ao I Congresso Ilegal do PCP, 1943.
(28) Ibidem.
(29Avante nº 29, de Março de 1943.
(30) “Estabeleçamos a organização do Partido nas colónias”, Militante, nº 33, Novembro de 1944.
(31Avante nº 58, 2ª quinzena de Julho de 1944.
(32Avante nº 173, Dezembro de 1952.
(33) “Ruína, miséria e exploração dos povos das colónias”, Avante 152, Outubro 1950: “Os salazaristas seguem o caminho da ruína e da entrega das colónias aos monopolistas estrangeiros”; “As colónias portuguesas, praças de armas e fontes de matérias-primas dos imperialistas americanos”, Avante 164, Janeiro de 1952: os técnicos ianques informam-se pormenorizadamente “sobre as riquezas existentes nas nossas colónias”, os americanos “apoderaram-se do melhor das riquezas das colónias portuguesas”; “Fora com os americanos das colónias!”,Avante 188, Junho 1954; “O Avante, porta-voz dos povos oprimidos das colónias portuguesas”, Avante 200, Junho de 1955: menciona o “apoio fraterno e a solidariedade do povo e dos democratas portugueses aos povos coloniais na sua luta contra a ditadura fascista e a escravidão do imperialismo” – não português, entenda-se, mas o americano, inglês, etc.
(34) “Desemprego, fome e miséria nas colónias”, Avante 153, de Novembro de 1950. Sublinhado meu.
(35) Galvão denunciava a brutalidade do trabalho “compelido”, que ameaçava esgotar as reservas de mão-de-obra das colónias devido à fuga das populações para os territórios vizinhos. O PCP editou essa denúncia em folheto clandestino, “A verdade sobre os acontecimentos em S. Tomé em 1953”, edições “Avante”, 1954. A notícia do massacre foi dada no artigo “Revolta dos negros de S. Tomé contra a opressão fascista”, Avante 175, Fevereiro de 1953.
(36) “Trabalho escravo nas colónias.’ Chamamos os povos coloniais à luta contra os negreiros salazaristas!”, Avante 163, Dezembro de 1951: “Os povos das nossas colónias devem organizar-se e lutar… pela igualdade de direitos, pela defesa dos seus interesses”; “Os povos coloniais são poderosos aliados na nossa luta pela paz e pela independência”, Avante 182, Novembro de 1953: uma breve alusão ao “direito dos povos a disporem de si mesmos” é corrigida com as “aspirações comuns do povo português e dos povos coloniais subjugados pelo salazarismo”.
(37) “As massas trabalhadoras africanas lutam contra a escravatura e contra o fascismo”, Avante 138, de Julho de 1949. Sublinhado meu.
(38) Informe à reunião do Comité Central do PCP, 1952.
(39) “O caminho para a conquista das liberdades democráticas e da paz”, informe de “Amílcar” à reunião do CC, de Março de 1953, pp. 15 e 24 do original copiografado. Sublinhados meus.
(40) Defesa de Álvaro Cunhal em tribunal, Edições Avante.
(41) “Perseguições, arbitrariedades e terror em Moçambique”, Avante 131, 2ª quinzena de Janeiro de 1949.
(42) “Povos de Goa, Damão e Diu, avante na luta pela vossa libertação!”, Avante170, Agosto de 1952. “Política provocadora e agressiva do governo no caso da Índia ameaça a vida pacífica do povo português!”, Avante 190, Agosto de 1954, exprime a via paternalista da emancipação: “Dar autonomia aos povos coloniais”, “prestar-lhes auxílio fraterno, abrir-lhes o caminho para uma vida livre”; “Pela solução pacífica dos casos de Goa, Damão e Diu!”, Avante 191, Setembro de 1954.
(43) “O caminho para uma ampla Frente Nacional Anti-Salazarista”, informe da Comissão Política apresentado por “Amílcar” à VI Reunião Ampliada do CC do PCP. Edições “Avante!”, 1955.
(44) Prof. Ruy Luís Gomes, José Morgado, Maria Lamas, Albertino Macedo.
(45) “Sobre o problema das colónias”, informe de “Freitas” ao V Congresso do PCP, 1957.
(46) “Responsabilidades do Partido e da classe operária portuguesa no problema colonial”, Militante 104, de Maio de 1960, sob o pseudónimo “Serpa”. A publicação deste artigo fez parte do processo da minha ruptura com o PCP.
(4) Massacre dos estivadores de Bissau em greve, 50 mortos (Agosto de 1959); repressão duma revolta em Timor (1959); repressão em massa dos macondes no norte de Moçambique (1960); repressão da população de Catete, Angola, na sequência da prisão de Agostinho Neto (Setembro 1960); repressão dos primeiros levantamentos na baixa de Cassange, Angola, causando centenas de mortos (Outubro 1960).
(48) No período 195659, sob a direcção de Júlio Fogaça, Pires Jorge, Octávio Pato, Pedro Soares, Dias Lourenço, o PCP inflectiu a sua linha política de acordo com a linha da “coexistência pacífica” praticada por Moscovo, propondo nomeadamente o “afastamento pacífico de Salazar”, afastando-se da busca tradicional de alianças com a corrente republicana-liberal e procurando uma aproximação com grupos golpistas, salazaristas descontentes, católicos, etc.
(49) Desde o fracasso da revolta dos marinheiros em 1936.
(50) Manifesto da Direcção Regional da Beira Litoral do PCP, de Maio de 1961. Em carta ao CC, em meados desse ano, defendi, sem qualquer êxito, a necessidade de uma crítica pública a este vergonhoso documento.
(51) No chamado “período sectário” em que o PCP rompeu as relações com as restantes forças da Oposição e foi alvo de uma repressão impiedosa, que lhe reduziu drasticamente as fileiras e o remeteu a uma quase paralisia.
(52) Desde a reorganização de 194041.
(53) A tentativa de levantamento operário contra a fascização dos sindicatos, em 1934.
(54) Não terá sido estranha aos conselhos de Boris Ponomariov, o ideólogo soviético então de serviço ao movimento internacional, a redacção por Álvaro Cunhal de um documento intitulado “Três problemas de actualidade” (Agosto de 1960), no qual, a par de nebulosas insinuações contra as “aspirações bonapartistas” do partido chinês (estava prestes a sair à luz do dia a polémica sino-soviética), se fazia a defesa do direito dos povos coloniais à independência.

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Álvaro Cunhal
e as lutas em África
No final dos anos 80 do século XX, há quase duas décadas e meia, Álvaro Cunhal expressou a opinião de que é possível uma via de desenvolvimento não capitalista para os países de África e a edificação de sociedades socialistas nesse continente.
«Penso que não só é possível como é a única opção a médio e a longo prazo para que os povos africanos possam assegurar o desenvolvimento económico e social correspondente aos seus interesses e aspirações. Além disso, num mundo em que se acentua a divisão internacional do trabalho com peso dominante da alta finança e das grandes empresas capitalistas multinacionais, o desenvolvimento capitalista em países cujo estádio de desenvolvimento económico é extraordinariamente mais atrasado significa a criação ou reforço de laços neocolonialistas e fortes limitações à independência e soberania nacionais», afirmou em Agosto de 1989 o então Secretário-geral do PCP.
Numa entrevista ao quinzenário cabo-verdiano «Tribuna», Álvaro Cunhal considerou que, também em África, «o caminho para o socialismo é sem dúvida extremamente complexo, tanto por factores objectivos como subjectivos, tanto por factores internos como externos, de natureza económica, social e política». Avisou que «não será certamente adequado pretender copiar qualquer “modelo” de construção de socialismo em condições completamente diferentes». E concluiu que «a grande tarefa que se coloca a forças que ponham como objectivo a construção do socialismo nos seus países é descobrir com criatividade revolucionária os caminhos e soluções para, ainda que num processo irregular, construir uma sociedade sem exploração do homem pelo homem, uma sociedade donde sejam progressivamente eliminadas a opressão e as injustiças sociais».
O dirigente comunista abordou também as relações históricas entre o PCP e as organizações nacionalistas africanas: «A amizade, fraternidade, solidariedade e cooperação combativa com os movimentos de libertação nacional das antigas colónias portuguesas inscrevem-se como princípios de ouro do Partido Comunista Português e do próprio povo português. A íntima associação da luta contra o colonialismo e contra o fascismo tornou possível a confluência de históricas vitórias comuns coroando a heróica luta dos nossos povos: a libertação do povo português da ditadura fascista com a revolução de Abril de 1974 e a conquista da independência pelos povos então submetidos ao jugo colonial português. As relações de amizade e cooperação do PCP com o PAIGC, o MPLA e a Frelimo foram constantes e fraternais desde a criação destes movimentos de libertação. Nessas relações se inscreveram os numerosos encontros, a ajuda recíproca e o estabelecimento de uma profunda confiança dos dirigentes do PCP com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Samora Machel e outros dirigentes dos movimentos de libertação. Pela minha parte conservo recordações inolvidáveis de muitos anos de cooperação, de combate, de camaradagem e de amizade fraternal».
Confiança no futuro 
Nessa longa e interessante entrevista ao jornal de Cabo Verde, Álvaro Cunhal elogiou Cabral, contou com pormenores o processo da saída de Neto de Portugal, em 1962, enalteceu as lutas dos povos da África Austral contra o «apartheid» apoiado pelo imperialismo norte-americano e – em vésperas da desintegração da União Soviética – manifestou a sua «inabalável convicção» no futuro do socialismo e na validade do marxismo-leninismo.
Sobre o relacionamento do PCP com os partidos no poder nos países africanos de expressão lusófona, e entre estados, deixou palavras que surpreendem pela sua actualidade: «Continuam a ser relações de amizade e solidariedade. Há sólidas razões para que assim seja. É uma verdade incontestável que os comunistas portugueses são em Portugal os melhores, mais sinceros e coerentes amigos dos povos dos novos países africanos. Estamos ao vosso lado, na construção da nova sociedade, na defesa das vossas opções e da vossa independência. A conjugação da luta dos nossos povos que culminou com a revolução de Abril em Portugal e a conquista da independência dos povos das antigas colónias portuguesas, criou um momento histórico único que abriu extraordinárias possibilidades a uma era de cooperação entre os nossos países. Se isso não aconteceu deveu-se sobretudo ao facto de que os interesses do grande capital e o saudosismo colonialista têm determinado em larga medida a política africana dos governos em Portugal».
Para Álvaro Cunhal, «nós, comunistas, lutamos para que as relações políticas, económicas, sociais e culturais entre Portugal e os novos países se desenvolvam na base da igualdade, da reciprocidade, da não ingerência, do inteiro respeito pela soberania».

AVANTE


VÍDEOS

DISCURSO DE SALAZAR - ORGULHOSAMENTE SÓS
FADO TROPICAL - CHICO BUARQUE DE HOLANDA

ADEUS ATÉ AO MEU REGRESSO - SOLDADOS DO IMPÉRIO (1)
DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA
POEMA PRAIA DAS LÁGRIMAS


TESTEMUNHOS DE GUERRA

Guiné 63/74 - DCCXXVIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (4): Em Bissau com Spínola 

IV parte do testemunho do Paulo Raposo, de seu nome completo Paulo Enes Lage Raposo, que foi Alferes Miliciano de Infantaria, com a especialidade de Minas e Armadilhas, na CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 (Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70> Galomaro e Dulombi).


Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 14-15 (1).

BISSAU

Chegámos a Bissau nos primeiro dias de Agosto [de 1968]. Depois de uma noite mal dormida, e cheios de picadas de mosquito, lá fomos para os adidos em Brá.

Os dois Batalhões [BCAÇ 2851 e 2852]formaram na grande parada e o então Brigadeiro Spínola passou revista às tropas e fez a sua saudação.

Spínola tinha chegado há pouco tempo à Guiné e esta foi a primeira cerimónia deste género que realizou. Acabadas as cortesias, ouve-se o toque a Oficiais e vamos para um briefing. Reunimo-nos numa sala pequena. Nós, os chegados, fomo-nos sentando em várias filas de cadeiras. À nossa frente estava uma pequena mesa aonde se sentou ao centro o Brig Spínola, Governador e Comandante Chefe da Província, à sua direita o Brig Nascimento, 2º Comandante Militar, e à sua esquerda, o Comandante Militar Brig Novais Gonçalves, que já estava no fim da sua Comissão.

Não me recordo do teor do discurso proferido por Spínola, mas deve ter sido no sentido de apelar ao nosso patriotismo e responsabilidade na condução dos homens que tínhamos à nossa guarda.

Após o discurso veio cumprimentar-nos, um a um. Quando chegou a minha vez, eu estava altamente perfilado, pois nunca tinha cumprimentado alguém com tantas estrelas nos ombros. Duas eram de Brigadeiro e as outras quatro de Comandante Chefe, em ambos os ombros.

Ele põe-se em frente de mim, cumprimenta-me e eu também e, à queima-roupa diz-me:
- Você tem sorte.
Eu, sem saber bem o que me esperava, digo muito timidamente:
- Porquê, meu Comandante?
- Porque quando começar a ouvir os tiros, já está mais perto do chão.

Também tinha humor. A meu lado estava o Alferes Felício, que é uma viga, e que a meu lado ainda parece maior. O nosso Comandante Chefe diz-lhe o inverso:
- Você que se cuide.

Realmente, aquele homem com a sua voz rouca e arrastada, de luvas, com monóculo e o pingalim, impressionava qualquer um. A imagem de bravura que transmitia correspondia à sua maneira de ser. Nele tudo era verdadeiro e genuíno.

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Nota de L.G.

(1) Vd post anteriores

12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (2): Aspirante em Elvas, Tancos e Abrantes

19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (3): De Santa Margarida ao Uíge

Guiné 63/74 - DCCXXVII: Em 22 de Novembro de 1970 eu estava em Bafatá (Manuel Mata) 

Cópia de excerto do relatório do comandante da Op Mar Verde (Fonte: António Luís Marinho: Operação Mar Verde – Um documento para a história. Lisboa: Círculo de Leitores. 2006. Com a devida vénia)


1. Excertos do texto do João Tunes, de 2 de Maio de 2006: Da hora dos aventureiros:

"Em Novembro de 1970, eu estava enfiado num quartel de uma aldeia do sul da Guiné, Catió, metido numa guerra sem vitória possível e ainda menos sentido que o de soprar contra a história (...).

"22 de Novembro de 1970 e dias seguintes, foram especialmente tensos. A tempestade que carregava a rotina quarteleira era mais pesada que costume. O comando andava de sobrolho mais fechado. Tinha de haver bernarda grossa. Depois amainou. Para se voltar à rotina das morteiradas do Nino. Dia sim e dia não. E o dia 22 de Novembro de 1970 ficou-se como um dia em que até pouco se passou. Ali, em Catió. Porque não longe dali, muito se passara.

"Só mais tarde vim a saber um pouco do que se tinha passado nesse 22 de Novembro de 1970 tornado um dia particularmente tenso na rotina militar de Catió. Nesse dia, o governo português tinha executado uma operação de guerra contra outro país soberano e inimigo, invadido a sua capital com o fito de mudar-lhe o Presidente (assassinando-o) e o governo, colocando no seu lugar um governo amigo dos colonialistas, liquidando a retaguarda do PAIGC (em que se incluía o assassinato de Amílcar Cabral e dos restantes altos dirigentes) e libertando os militares portugueses que tinham sido capturados pela guerrilha. Foi a operaçãoMar Verde, arquitectada e executada por Alpoim Calvão, aprovada por Spínola e por Marcelo Caetano, neutralizadas que haviam sido as vozes discordantes do Ministro do Ultramar, Silva e Cunha, e do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício.

"Na noção adquirida da impossibilidade de ganhar a guerra na Guiné, era a aventura do tudo ou nada. E, como se a guerra tivesse solução numa noitada num casino, restava a aventura. Era a hora dos aventureiros" (...).


2. Texto do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47, do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71)

Caro Luís Graça,

Quanto ao apelo do Camarada João Tunes - Onde estavas a 22 de Novembro de 1970? (1) -,envio a minha modesta participação.

Um Abraço
Manuel Mata

Bafatá > ESQ REC FOX 2640.

22 De Novembro de 1970

A vida no Esqadrão decorria com toda a normalidade que era habitual, no dia-a-dia da unidade em Bafatá, não fossem as notícias que ouvi, cerca das 6 horas da manhã na rádio de Conacri, onde anunciavam com alguma ansiedade a invasão da República da Guiné e apelava aos Boinas Verdes para virem em seu auxilio, pois estavam a ser invadidos por tropas colonialistas Portuguesas.

Fiquei estupefacto e comecei a falar com a rapaziada do Esquadrão, mas todos iam ficando pensativos sem nada se conseguir relacionar. Perguntou-se ao Manuel, um ex- turra a trabalhar na padaria do Esquadrão, como padeiro, se tinha conhecimento de alguma coisa. Resposta negativa, como era óbvio. Mas para nós, ele sabia e sabia fazer muito bem o seu jogo entre as partes envolvidas, o mesmo se passou com os restantes trabalhadores guineenses do Esquadrão o Braima e o Samba.

Já isso não se verificou com o Teófilo e o seu amigo, sobrevivente do desterro e residente em Bafatá (2), que comentaram:
- Pura intromissão, na vida de um país vizinho, só de um Governo Fascista e Colonialista como o Português, tem que ser derrubado!.

As notícias continuaram na rádio, ficamos a saber da entrega de um dos grupos, da libertação dos nossos prisioneiros, da destruição da pista de aviação, de muitos mortos, mas nada de muito concreto. Como era fácil adivinhar, foi um momento de muita alegria ao saber-se que haviam libertado os nossos prisioneiros.

Como nada mais se sabia, pedi a familiares e amigos na metrópole que estivessem atentos às notícias e que me enviassem a prestigiada revista da altura, a Vida Mundial. Semanas mais tarde lá chegou, com uma reportagem da entrevista, na televisão, com um dos prisioneiros, mas nada de grande luz sobre a situação da invasão à República da Guiné-Conacri.

Ansiei ao longo dos anos pela verdade, como certamente todos nós, finalmente, o livro de António Luís Marinho "Operação Mar Verde", nos veio clarificar toda a preparação maquiavélica da Operação.

A escolta Piche – Buruntuma

Esta escolta efectuada pelo 3º Pelotão do Esq Rec Fox 2640, destacado em Piche [na região de Gabu], dias antes do 22 de Novembro, teve como objectivo levar militares africanos e alguns civis desconhecidos na área, embora se tenha falado em homens da 1ª Companhia de Comandos Africanos. Teriam seguido para Conacri, hipótese levantada e comentada pelos homens do 3º Pelotão depois do conhecimento da invasão.

A destruição da revista "Vida Mundial"

Um dos meus passatempos, na Guiné, era ler, ouvir e gravar música subversiva para os amigos que me pediam, principalmente, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e tantos outros, que me chegavam da Metrópole, por intermédio de um estudante universitário de Coimbra, irmão do 1º Cabo Antunes (já falecido).

O comandante lá foi informado deste meu hobby. Então para me manter ocupado, andou durante algumas semanas, todos os dias, cerca das 10 horas da manhã a visitar, a arrecadação de material de guerra e aquartelamento. Entrava mudo e saía calado, deitava o material das prateleiras para o chão. Eu voltava a colocar o material nos devidos lugares, e assim foram decorrendo os dias. Já com alguma preocupação, falei com o 2º Comandante, prometeu ir ver o que se passava, disse-me depois:
- Termina com as gravações senão vais parar a Piche!

Claro, continuei mas fora de horas... Terminada a comissão, com receio que algo pudesse acontecer, visto estar já referenciado, pedi a um amigo insuspeito que me trouxesse todo o material subversivo, onde tinha as gravações, livros, incluindo a Vida Mundial.

Este amigo, o 1º Cabo Machuqueira, como não fui na semana seguinte, da passagem à disponibilidade, levantar o referido equipamento, e com medo da PIDE/DGS, queimou todo o material, que lhe confiei.

Manuel Mata

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Nota de L.G.

(1) Vd post de 4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)

(...) "Terminei há pouco a leitura do livro de um jornalista da SIC sobre a famosa operação Mar Verde (22 de Novembro de 1970). Haverá camaradas que nela participaram. Outros, caso meu, viveram-no na tensão da espera do resultado (eu estava em Catió nessa altura). Terá sido também o teu caso e de outros muitos camaradas.

"Recomendo a leitura do livro (Operação Mar Verde - um documento para a história, de António Luís Marinho, Editora Temas & Debates). Pela minha parte, não tendo gostado nada do culto prestado a Alpoim Calvão, acho que é obra que ajuda a explicar-nos como estávamos ali e como, nos altos comandos, éramos comandados.

"Seja qual for a opinião que se tenha sobre o Mar Verde, o certo é que se tratou da cartada maior e mais arriscada na guerra em que estivemos metidos. A minha opinião pessoalíssima está no meu blogue, Água Lisa (6) ."(...).

(2) Vd post de 26 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLIV: Bafatá: o Café do Teófilo, o desterrado

(...) "Contou-me que tinha sido desterrado para a Guiné no inicío dos anos trinta, num grupo de 40 elementos dos quais restavam três à data, estando ele e um outro em Bafatá de quem não me recordo o nome - sei que tinha uma taberna na Tabanca entre a casa dele e o Hospital (pessoa com que, de resto, privei algumas vezes, para ouvir os programas em Português da BBC de Londres).

"Sei que o Sr. Teófilo tinha vindo à Metrópole apenas duas vezes, tinha uma estima profunda pelos Guineenses, pois foi esse povo maravilhoso que o tratou de inúmeras doenças, e só assim conseguiu sobreviver" (...).

Guiné 63/74 - DCCXXXVI: Em 22 de Novembro de 1970 eu estava em Mansabá (Carlos Vinhal) 

Texto do Carlos Vinhal (ex-furrel miliciano da CART 2732, uma companhia de madeirenses aquartelada Mansabá, Região do Oio, 1970/72).

Caro Luis e camaradas:

Confesso que já estava a ficar triste, e ainda me considero periquito no blogue, por aceder diariamente ao Blogueforanada e vê-lo imutável. Que o Luís nos faz falta, isso é inquestionável.

Correspondendo ao repto do nosso camarada João Tunes (1), sou a comunicar que em 22 de Novembro de 1970 estava em Mansabá a digerir, ainda, os efeitos de um violentíssimo ataque ao aquartelamento e povoação, acontecido 10 dias antes desta data.

Em 12 de Novembro de 1970 Mansabá foi flagelada por numeroso grupo IN que utilizou Canhão s/r, morteiro 82 e 60, LGF e armas automáticas. O ataque durou cerca de 45 minutos e deixou-nos exaustos e sem munições.

As NT sofreram 1 morto e 4 feridos. Na população houve 14 mortos e 45 feridos. O fogo IN atingiu o Bar dos Praças e a Enfermaria Militar que ardeu. As imediações dos quartos dos Oficiais, a Secretaria, o Bar dos Sargentos e a Casa dos geradores também foram premiadas com morteiradas quase certeiras. Quem lhes teria fornecido as coordenadas?

O General Spínola visitou-nos no dia seguinte, porque, dias antes, tinha sido reactivado o COP6 no nosso quartel, para coordenar toda a actividade operacional com vista à protecção dos trabalhos de construção da estrada Mansabá-Farim, a partir do Bironque para Norte. A conclusão desta estrada era de primordial importância para o controle daquela zona utilizada pelo IN, como corredor de passagem para o Morés.

Voltando ao 22 de Novembro de 1970, só quando vim de férias à Metrópole em Fevereiro de 1971, soube mais pormenores sobre a Operação Mar Verde, pois tinha sido libertado um militar aqui de Leça da Palmeira que estava prisioneiro e por isso não se falava de outra coisa.

Se a operação foi em parte um fracasso, teve pelo menos o lado positivo da libertação dos nossos camaradas aprisionados. Quem sabe como teria evoluído a guerra, se tudo tivesse decorrido como o estabelecido no plano inicial. As implicações políticas seriam desastrosas para Portugal, pois não se conseguiria enganar a comunidade internacional durante muito tempo. A Guiné Conacri poderia retaliar e nós, que lá estávamos, podiamos ser sacrificados ainda mais.

Saudações para todos

Carlos Vinhal
blogueforanada.blogspot.pt

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