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terça-feira, 29 de abril de 2014

De novo, o Povo - Especialmente neste último texto, optou por recorrer ao insulto pessoal, caracterizando-me como «esta personagem», «um tipo que anda apostado numa reabilitação soft de Salazar» e, enfim, «um fanático conservador». Disse que o que escrevi no Público, se fosse escrito por um aluno do 1º ano de um curso universitário, seria liminarmente devolvido ao estudante, o que me faz temer o pior pelos alunos que andam a ser formados às mãos de Raquel Varela.

De novo, o povo.

 
 
 
 
 
 
 
Na sequência de uma recensão crítica (e aqui) que fiz ao seu livro História do Povo na Revolução Portuguesa, 1974-75, Raquel Varela publicou um artigo no Público, vários «posts» no Facebook e, no site que tem o seu nome (http://raquelcardeiravarela.wordpress.com/), um texto intitulado «António Araújo, a História e a Farsa».
         Especialmente neste último texto, optou por recorrer ao insulto pessoal, caracterizando-me como «esta personagem», «um tipo que anda apostado numa reabilitação soft de Salazar» e, enfim, «um fanático conservador». Disse que o que escrevi no Público, se fosse escrito por um aluno do 1º ano de um curso universitário, seria liminarmente devolvido ao estudante, o que me faz temer o pior pelos alunos que andam a ser formados às mãos de Raquel Varela.
         Antes de todos os outros, este é o ponto que me separa e diferencia de Raquel Varela. Por um lado, nunca recorrerei a insultos de natureza pessoal, tanto mais que não está nem nunca esteve em causa a pessoa de Raquel Varela – ou a minha – mas sim o trabalho que produziu. Nunca a tratarei por «uma tipa» ou uma «fanática». Por outro lado, e ao contrário de Raquel Varela, que insistentemente me caracteriza como «constitucionalista» e refere as funções de consultor que desempenho na Presidência da República, considero que todas as outras actividades, gratuitas ou remuneradas, que Raquel Varela exerce, ou venha a exercer na vida, em nada valorizam, desvalorizam ou devem servir de critério para avaliar o livro que deu à estampa.
         Entendo, simplesmente, que a realização de uma «história do povo» é fundamental para a compreensão do 25 de Abril, e que a historiografia portuguesa se tem centrado em demasia naquilo a que convencionalmente se chama «elites». Existem já contributos parcelares muito importantes para uma «história do povo»  – como os de Luísa Tiago Oliveira sobre o serviço cívico estudantil ou de Sónia Vespeira de Almeida sobre as campanhas de dinamização cultural do MFA (curiosamente, nenhum deles é citado por Raquel Varela, como não é citada a obra colectiva, coordenada por José Neves, que mais recente e mais detidamente procurou recortar o conceito de «povo»). Em todo o caso, permanece por elaborar uma história de conjunto sobre o papel do povo na revolução do 25 de Abril. Considero que o livro de Raquel Varela, pelas deficiências e omissões que contém, não vem preencher esta lacuna. E repito que o problema não reside em se tratar de uma obra de história ideológica mas antes no facto de, neste livro, se revelar uma ausência de densidade intelectual da autora para apoiar as suas próprias convicções. Não é concebível, por exemplo, que, numa história do povo na revolução portuguesa, que contém 535 páginas, apenas 10 páginas sejam dedicadas à Reforma Agrária.
         Ao procurar responder à crítica que fiz, Raquel Varela apresentou um conjunto de argumentos. Vejamos. 
         1 – Elites – a autora afirmou, e cito, «Ao contrário de António Araújo, não uso o conceito impreciso de elites, mas o de classes sociais». Como penso ter demonstrado, aquiaqui e aqui, Raquel Varela utiliza o conceito de elites no seu livro (pág. 494), e já antes: por várias vezes, numa recensão publicada na revista Análise Social, em 2006; depois, num artigo publicado na Revista Brasileira de História, em 2012; finalmente, nesta enesta entrevistas, que deu para publicitar a sua mais recente obra. Em suma, Raquel Varela pode afirmar que considera elite um «conceito impreciso», mas ao dizer que não o utiliza está a dizer uma inverdade
 
         2 – «Erros crassos de leitura» – No texto do Ípsilon, Raquel Varela atribui-me três «erros crassos de leitura».
         O primeiro «erro crasso» residiria no facto de  «criticar a ausência de obras no livro que são por mim amplamente citadas (John Hammond)». Já antes, no Facebook, havia afirmado: «[António Araújo] diz que não cito livros que cito amplamente».
 
 
 
 
            Na recensão que fiz, digo que, entre outras obras (de Chris Harman ou Anthony Downs), Raquel Varela não refere o livro, fundamental,  Building Popular Power.Worker’s and neighborhood movements in the Portuguese Revolution, publicado em 1988. Da autoria de John L. Hammond, é este, o livro:
 
Livro de John Hammond
 
Bibliografia de Raquel Varela
 
 
 
 
         Como, aliás, consta da bibliografia, Raquel Varela cita – e cita várias vezes – um artigo de John L. Hammond, publicado em 1981. Não é disso que falamos, nada de cortinas de fumo. A falha que lhe apontei sempre diz respeito ao livro de 1988. Ao atribuir-me um «erro crasso de leitura», ao dizer que citou «amplamente» esse livro, Raquel Varela está a dizer uma inverdade  
         O segundo «erro crasso de leitura» prende-se com a actuação de Salgueiro Maia no dia 25 de Abril. Raquel Varela afirma, inclusivamente, que corto intencionalmente partes de frases da sua autoria, para inverter o respectivo significado. Para que não restem dúvidas, publica-se o extracto em causa, da página 122, ficando à consideração dos leitores concluir se Raquel Varela enquadra, ou não, a acção de Salgueiro Maia numa alegada «estrutura de repressão» corporizada no MFA.
 

 
 
O terceiro «erro crasso de leitura» reside no «pacto social» e na Constituição de 1976. No livro em apreço, Raquel Varela afirma: «Argumentamos que o pacto social nasceu em 1975 e ficou consagrado na Constituição de 1976» (p. 503).
 
 
 
 
Diz igualmente, na página 80, que «o direito ao trabalho e à segurança no emprego passam a ser reconhecidos como uma bandeira central» e que isso «será um dos eixos do Pacto Social, cuja expressão jurídica ficará consagrada na Constituição Portuguesa, aprovada em 1976». E noutros trabalhos tem defendido os direitos conquistados graças ao Pacto Social. Assim, diz: «os direitos sociais em Portugal foram conquistados durante os 19 meses de período revolucionário e consolidados na década seguinte – sob a forma de um Pacto Social de facto» (Raquel Varela, «Ruptura e Pacto Social em Portugal (1974-2002», História e Perspectivas, 2013, p. 338, com uma defesa dos direitos consagrados na Constituição a pp. 353-354; Id., «Rutura e pacto social em Portugal: um olhar sobre as crises económicas, conflito político e direitos sociais em Portugal (1973-1975, 1981-1986)», in AA.VV., Quem Paga o Estado Social em Portugal?,2012, em esp. pp. 92ss).
 
 
 
 
 
Ao dizer que o Pacto Social é fruto, entre o mais, da «radicalidade social, económica e política durante o período revolucionários» e que ele teve «expressão jurídica na Constituição», consagrando um conjunto de «direitos sociais com carácter universal em Portugal», penso ser legítimo inferir que Raquel Varela defende a Constituição e esses direitos dos trabalhadores. Ou não? A autora não prima pela clareza, pois tanto alude a um Pacto Social que teve expressão de iure na Constituição como a um Pacto Social de facto. Em todo o caso, é legítimo perguntar: se o cerco e o sequestro à Constituinte tivessem vingado, teríamos uma Constituição que garante direitos sociais? A autora, colocando-se, ao que diz, contra o «Pacto Social», preferiria que a Constituição não lhe tivesse dado expressão jurídica, consagrando esses direitos dos trabalhadores?
 
Já agora, o que diz Raquel Varela sobre os portugueses (todos eles, sem distinção) que foram viver para África. Nomeadamente, sobre o povo, que, em vez de emigrar para a Alemanha ou em França, encontrou em África o seu modo de vida, em busca, diz a autora, de uma «válvula de escape social». Esses, segundo ela, tornaram-se «cúmplices da barbárie a seu lado» e eram «homens e mulheres que faziam vénias quando um inspector da PIDE entrava num hotel ou lugar público na África colonizada por Portugal». Penso tratar-se, no mínimo, de uma generalização excessiva e abusiva. Ei-la:
 
 



Poderíamos alongar-nos, apontando novos e mais erros factuais a uma obra que, como demonstrei aqui, apresenta uma imagem do 1º de Maio dizendo tratar-se de uma fotografia do 25 de Abril, com os populares a apoiarem as manobras dos tanques do MFA. Ou de um livro que classifica António de Sousa Franco, professor de Direito, como «economista e cientista social» (p. 486). Para além, como é evidente, de a autora – e esse é o principal defeito da sua obra – não definir previamente, e com suficiente precisão, o conceito de «povo», o tópico e o tema centrais do livro que publicou.  
Para quem acusa os outros de deturparem o sentido das suas frases, Raquel Varela não está mal. Ainda assim, de uma coisa pode ficar ciente e absolutamente tranquila. Raquel Cardeira Varela pode classificar-me, vezes sem conta, como «um tipo que anda apostado numa reabilitação soft de Salazar» ou «um fanático conservador». Nunca a tratarei por «uma tipa» ou por uma «fanática». Da minha parte, nunca recorrerei a insultos desta natureza e limitar-me-ei sempre, e tão-só, a apreciar o seu trabalho, tanto nos defeitos como nas qualidades.  Não cederei a insultos, mas também não me deixarei intimidar por eles. Porquê? A resposta tem quarenta anos. E  resume-se numa palavra: liberdade. 
 
 
António Araújo  


malomil.blogspot.pt

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