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sábado, 19 de abril de 2014

François Hollande tramado pelo regresso da "esquerda caviar" Socialistas franceses regressam ao passado dos "marqueses" do tempo do "rei Mitterrand". Conselheiro especial do Presidente, com 30 pares de sapatos e engraxador particular, foi obrigado a demitir-se por "conflito de interesses". Daniel Ribeiro, correspondente em Paris

François Hollande tramado pelo regresso da "esquerda caviar"

Socialistas franceses regressam ao passado dos "marqueses" do tempo do "rei Mitterrand". Conselheiro especial do Presidente, com 30 pares de sapatos e engraxador particular, foi obrigado a demitir-se por "conflito de interesses".
Daniel Ribeiro, correspondente em Paris

Aquilino Morelle demitiu-se 24 horas depois do influente diário digital,  

 Aquilino Morelle demitiu-se 24 horas depois do influente diário digital, "Mediapart", ter revelado que ele terá trabalhado "às escondidas" para laboratórios farmacêuticos, quando era inspetor geral dos assuntos sociais
O caso até dá para rir, mas é aflitivo para François Hollande, recordista da impopularidade presidencial em França.  Hoje, o chefe de Estado tinha programada uma visita tranquila a Clermont-Ferrand. Mas, na realidade andou nessa cidade quase literalmente a encher pneus. Numa fábrica da poderosa Michelin assistiu a demonstrações de inovadores pneumáticos que se consertam a si próprios em caso de furos, mas ninguém ligou ao que ele pretendia promover.
A visita foi um desastre para ele. Os jornalistas que o seguiam queriam era que ele falasse do "escândalo" Aquilino Morelle, seu conselheiro político, com "hábitos de marquês", que foi obrigado a demitir-se 24 horas depois do influente diário digital, "Mediapart", ter revelado que ele terá trabalhado "às escondidas" para laboratórios farmacêuticos, quando era inspetor geral dos assuntos sociais.
A acusação, desmentida pelo visado, teve o efeito de uma bomba e algumas vozes, sobretudo vindas de dirigentes socialistas, que estavam visivelmente à beira de uma crise de nervos, exigiram explicações ao assessor. 
Morelle não teve alternativa: demitiu-se ao princípio da tarde desta sexta-feira para, disse, "melhor se defender das acusações", que contesta.
Vinhos e sapatos de luxo
Aquilino Morelle não era um assessor qualquer no Eliseu. Era o mais próximo conselheiro especial do Presidente. Com a pasta da Comunicação era ele, descendente de imigrantes espanhóis, amigo de François Hollande e também do primeiro-ministro, Manuel Valls, que escrevia os principais discursos de Hollande.
As revelações de "Mediapart" tiveram grande repercussão porque o siteespecializado em jornalismo de investigação revelou estranhos hábitos burgueses, muito chocantes para o eleitorado de esquerda, do assessor presidencial.
Morelle não hesitaria por exemplo em "privatizar" salões do "Hotel Marigny" - palácio localizado nas imediações do Eliseu onde geralmente a Presidência instala os mais ilustres chefes de Estado estrangeiros durante as suas visitas a França - para mandar engraxar os sapatos!
Segundo "Mediapart", o conselheiro de 51 anos terá mais de três dezenas de pares de sapatos de grande luxo e abusaria do consumo de vinhos de nomeada da cave do Palácio presidencial para acompanhar simples refeições de trabalho.
As acusações são graves e atingem profundamente François Hollande, o chefe de Estado que chegou ao Eliseu dizendo que queria ser um "Presidente normal e um homem normal". Hollande prometeu uma "Presidência exemplar", para se distinguir do seu antecessor, Nicolas Sarkozy, que era acusado de ser "bling-bling" por gostar em demasia da vida de luxos, de restaurantes caros, de passear em iates e de exibir relógios de ouro ao pulso.
Clima sombrio para o PS
Foi sobretudo a acusação de "conflito de interesses" que levou o conselheiro à demissão. Doutorado em medicina, Aquilino Morelle garante que nunca trabalhou "às escondidas" para laboratórios farmacêuticos. Mas, logo pela manhã, a direcção do PS exigiu-lhe explicações. "Se for verdade o que se diz, não vejo como ele pode continuar no Eliseu, se não é verdade, ele tem de se explicar", disse Jean-Cristophe Cambadélis, que é chefe do PS desde há uma semana.
Sobre a acusação de que Morelle faria engraxar os sapatos fabricados de encomenda por um "especialista" no "hotel Marigny", Cambadélis reagiu com os cabelos em pé. "Acho que isso, francamente, é algo inaceitável!", exclamou, furioso.
Depois da derrocada nas recentes eleições municipais, do "escândalo" à volta da ligação secreta do Presidente com uma actriz francesa e em plena campanha para as europeias, François Hollande não precisava mesmo nada da "ajuda" de mais este caso.
As revelações sobre os luxos do conselheiro, que também utilizaria motoristas e carros do Eliseu para resolver simples assuntos privados, lembram os desvios da "esquerda caviar", há cerca de 30 anos, durante a Presidência do falecido François Mitterrand, então cognominado "a esfínge".
Este caso ressuscita pesadelos que, no passado, destroçaram a esquerda durante vários anos e não vai, de certeza, beneficiar os socialistas nas próximas europeias. Algumas sondagens para esse escrutínio são muito negras para o PS - colocam-no em quarto lugar, atrás da direita, da ultradireita e dos ecologistas.

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