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sábado, 5 de abril de 2014

HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL 14ª PARTE - ANGOLA (MASSACRAS DA FNLA E DA UPA - A BAIXA DE CASSANGE - GREVE NA PLANTAÇÃO DE ALGODÃO - DECLARAÇÕES POLÉMICAS CASO ANGOCHE - HISTÓRIAS SECRETAS DA PIDE/DGS


A Baixa de Cassange
"A operação que pôs cobro à revolta dos camponeses da Baixa de Cassange, em Angola, no início de 1961, terá sido o maior massacre cometido pelos militares portugueses no Ultramar. Mas a verdadeira dimensão desta tragédia que começou com uma greve nos campos de algodão e descambou em bombardeamentos de Napalm permanece desconhecida. Uma história de sangue, exploração e misticismo que marcou o princípio do fim do império colonial.
A primeira de todas as contrariedades que Salazar encontrou nesses tempos desastrosos de 1961 começa a insinuar-se nos finais do ano anterior, pouco depois da independência do Congo Belga depois designado Zaire e actualmente República Democrática do Congo, país com o qual o Norte de Angola partilha não só algumas centenas de quilómetros de fronteira como também afinidades étnicas e culturais.
A Baixa de Cassange, uma imensa depressão geográfica, tem oitenta mil quilómetros quadrados na sua maioria cobertos por campos de algodão distribuídos pelos distritos de Malange e da Lunda vigiados por uma escarpa abrupta de seiscentos metros de altura. Possuía então cerca de 150.000 almas e mantido por quase 35.000 agricultores e respectivas famílias, todos eles coagidos a cultivar e vender o algodão à empresa concessionária da zona: COTONANG (Companhia Geral dos Algodões de Angola, SARL.), sociedade de capitais luso-belgas, fundada em 1926. As gentes da Baixa de Cassange, mulheres e crianças incluídas, são retiradas das suas aldeias e obrigadas a cultivar o algodão em terrenos indicados pela empresa. Salários não existem. Os únicos rendimentos dos agricultores aparecem no final de cada campanha, com a venda obrigatória do algodão à COTONANG que estabelece preços reduzidos e frequentemente compra produto de primeira classe a valores de segunda.
Se alguma cheia ou imprevisto acontece nas lavras que tinham a seu cargo, os agricultores ficam entregues ao seu azar: a COTONANG não os compensava pela perda inesperada de um ano de trabalho nem tão-pouco lhes prestava assistência com fertilizantes ou pesticidas. Se o terreno que cultivavam começar a dar sinais de saturação, os capatazes da empresa forçam-nos a deslocar-se para locais a quinze ou vinte quilómetros das suas cubatas e se os campos junto às aldeias são bons para o algodão os agricultores depois de horas a fio de trabalho árduo vêem-se obrigados a percorrer grandes distâncias até às terras afastadas onde já é permitido que cultivem os seus alimentos. Os camponeses da Baixa de Cassage pouco mais são que escravos.
Esta zona é uma zona fértil para algodão mas também para as tão temidas actividades subversivas que a qualquer momento ameaçam transpor as fronteiras com o Congo independente. Vindos do país vizinho dois agitadores atravessam um afluente do rio Cuango e instalam-se na Baixa de Cassange em Dezembro de 1960. A mando de quem, isso ficará para sempre no segredo dos deuses: UPA, MPLA ou qualquer movimento congolês. Os dois homens chegados do Congo misturam fervor nacionalista com doses maciças de misticismo e dizem-se mandatados por Maria nome derivado do seu inspirador António Mariano, próximo da União das Populações de Angola (UPA).
Para receberem a salvadora, as populações são submetidas a rituais de iniciação e levadas a respeitar quinze mandamentos. As armas não abundam e as que existem são obsoletas. Mas os sacerdotes dizem ao seu rebanho para não temerem as retaliações dos colonos porque as armas dos brancos apenas deitam água.
Greve à Plantação do Algodão
Janeiro é tempo de começar a plantar o algodão. Em vez disso milhares de agricultores furtam-se ao trabalho, entram em greve, recusam-se a pagar a taxa pessoal anual ao Estado português e dizem que seguem as ordens de Maria mas também de Kasavubu e Lumumba, respectivamente o primeiro presidente e o primeiro chefe do governo do Congo livre.
Os protestos começam na zona do posto administrativo Milundo das mais isoladas e com menos população branca e logo se alastra a áreas com Tembo Aluma, Xandel, Iongo, Xa Muteba, Tala Mungongo e Luremo. Os camponeses da Baixa de Cassange queimam as sementes fornecidas pela COTONANG, agitam as catanas e as ferramentas de trabalho em marchas pelos caminhos de terra que dividem os campos de cultivo, rasgam as cadernetas de identificação, cortam as estradas, matam animais domésticos, destroem pontes e jangadas nos rios Lui, Cuango e Cambo, atacam lojas e armazéns à pedrada e invadem as poucas missões católicas existentes em toda a região, num rebuliço que afugenta alguns comerciantes.
Na noite de 12 de Janeiro um capataz mestiço da empresa é assassinado a tiro de zagalote quando tentava atravessar uma sanzala do posto de Milando ocupada pelos amotinados. O alerta está lançado. O enxovalho à autoridade dos brancos não pode continuar. Escreve o inspector Manuel Martins em mais um apontamento confidencial do Gabinete dos Negócios Políticos. "Os indígenas dançavam e continuavam ruidosamente, repetindo o refrão "mueneputu tuge ia gingilis" que significa: "o governo português é merda de passarinho".
A notícia de distúrbios em Milando chega a Lisboa no dia 12 de Janeiro por intermédio de um telegrama do Governador-Geral de Angola, Álvaro da Silva Tavares. A COTONANG pretende que a sublevação seja rapidamente esmagada e não se conforma com a paralisia das autoridades. A produção algodoeira encontra-se parada. A pedido do Governador-Geral as autoridades civis e militares em Luanda reúnem-se para debater a situação. Conclui-se pela necessidade de ocupar militarmente a região que não se pode protelar por mais tempo. Na madrugada de 4 de Fevereiro quando ainda se ouvem os tiros dos distúrbios de Luanda, os homens de 4ª Companhia de Caçadores Especiais (CCE) embarcam material e viaturas na estação de comboios do Bungo em Luanda, põem-se a caminho de Malange e serão os primeiros militares a chegar à Baixa de Cassange, junta-se à 3ª CCE há muito instalada nesta última cidade e fazem parte do Batalhão Eventual de Malange de que era comandante Camilo Rebocho Vaz.
Estas duas companhias especialmente a 3ª comandada pelo capitão Teles Grilo provocaram numerosas baixas, "umas centenas de negros" como diria Rebocho Vaz. A este número há que juntar um número nunca determinado de mortos pela acção de aviões da Força Aérea, com a utilização pela primeira vez das célebres bombas incendiárias Napalm.
Texto de Francisco Camacho (jornalista).
Fontes: Arquivos PIDE/DGS, Arquivo Oliveira Salazar, Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Histórico da FAP, Arquivo Histórico Militar, John Marcum, "The Angola revolution", Edgar Cardoso, Presença da Força Aérea em Angola, Camilo Rebocho Vaz, Norte de Angola 1961: "A Verdade e os Mitos", Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, "Guerra Colonial", Fernando Valença, "A Abrilada de 61".
Nota: Alguns dos factos aqui narrados relativos às condições em que se realizavam as culturas algodoeiras na região foram pessoalmente testemunhados pelo signatário que exercia as funções de Administrador de Posto no Cubango, Distrito da Lunda, nos anos de 1956-1957. Queluz, 2005.05.24. Alcídio Reis Esteves".
Novembro de 1960.
"Em Nova Iorque, no palácio de vidro das Nações Unidas, centro cada vez maior do caos internacional, os países do chamado bloco afro-asiático retomaram os seus costumados coros de escabrosas campanhas, mentirosas e vis contra Portugal em África. Mas desta vez ultrapassando todos os limites da decência, recalcando e amesquinhando a verdade que não queriam ver e que eram incapazes de compreender, cegos como estavam pelas ilusórias campanhas de falsidade a que, ilusóriamente, ousavam chamar de “anti-colonialistas”. Portugal era a vítima que tinha que ser atacada forçosamente, e por isso, forjavam-se as mais revoltantes mentiras, insuflavam-se as mais odientas campanhas. Comandados e orientados pelo bloco comunista, com simpatia e até aprovação de alguns países ocidentais, os países afro-asiáticos, quais “mabecos” rodeando a sua presa, gritavam aos quatro ventos as suas inconfessáveis intenções, usando para tal a tribuna de um organismo internacional de envergadura que, por ironia, e só por isso, se chamava Nações Unidas.

Manifestação no Governo Geral
A notícia de tais mentiras chegou a Luanda no dia 3 de Novembro de 1960, menos de 24 horas depois de serem ditas em Nova Iorque. O portuguesismo de cada um e de todos os habitantes da cidade, ferido no seu mais sagrado ponto, revoltou-se. E o largo fronteiro ao palácio do governo da Província foi cenário de uma grandiosa e espontânia manifestação de repulsa contra as blasfémias proferidas na ONU. Gente de todas as raças e de todas as cores, homens e mulheres, velhos e novos, gente de todas as condições sociais, ali estava para garantir o seu apoio incontestável ao Governo da Nação, na sua política de integração racial e de continuação de um Portugal imorredoiro e indivisível. Talvez nunca se tenha assistido a uma demonstração tão cabal de portuguesismo nesta velha cidade de Luanda. Havia lágrimas em todos os olhos. Lágrimas de revolta contra tão ignominiosas mentiras (...)".

Manifestação frente ao Governo Geral
15 de Março de 1961.
"Pela manhã chegaram a Luanda as primeiras notícias, terríveis e tão monstruosas que era difícil acreditarem-se. Colhidos de surpresa, incrédulos, não podíamos imaginar que tudo aquilo fosse verdadeiro. Era impossível! Estávamos em pleno século vinte e as notícias falavam de barbaridades inconcebíveis mesmo alguns séculos atrás. Não podia ser verdade...
Depressa desapareceu a dúvida. Os primeiros refugiados que chegaram trouxeram a confirmação: centenas de portugueses, europeus e africanos, de todas as idades, haviam sido barbaramente assassinados à catanada por bandos de terroristas. Na madrugada do dia 15, simultaneamente em vários locais e à mesma hora, grupos de bandoleiros tinham colhido de surpresa os habitantes das povoações e da roças assassinando-os com requintes de barbaridade. Quitexe, Nambuangongo, Dembos...Ouviam-se nomes. De fazendas, de pessoas, de famílias inteiras. Cada refugiado que chegava fazia a narrativa do que vira ainda mais atrás, mais arrepiante que a anterior. Luanda correu ao aeroporto esperar os que chegavam. Parentes, amigos, conhecidos, todos perguntavam pelos que ainda havia ficado lá. Morreram?(...).
 
Refugiados do Norte - Aeroporto de Belas
Era aterrador o "espectáculo" que se presenciava no aeroporto de Belas. Crianças que desconheciam o paradeiro dos pais e que uma alma caridosa ainda salvara a tempo; mulheres a quem havia morrido o marido e alma caridosa ainda salvara a tempo; mulheres a quem haviam morrido o marido e os filhos; homens a quem violaram e depois mataram a mulher e as filhas, algumas ainda de tenra idade. Horrível, simplesmente horrível tudo aquilo.
E o massacre continuava. Os primeiros reforços que seguiram para a região afectada tiveram de retroceder pois encontravam as estradas cortadas; alguns civis corajosos e administrativos que tentaram acudir, ao tomarem conhecimento dos sangrentos incidentes, foram mortos em picadas, mesmo antes que pudessem socorrer alguém. A chacina era indescritível e monstruosa. Crueldades sem conta e as mais terríveis barbaridades eram ponto comum de todos os depoimentos ouvidos.(...)".
"Algumas fotografias conseguiram chegar à imprensa estrangeira, de entre as quais merece especial referência uma que foi inserta em diversos jornais (por exemplo, no Afrique Action, semanário que se publica em Tunes). Nessa fotografia, um grupo de jovens soldados portugueses sorriam para a câmera, segurando um deles uma estaca em que foi espetada a cabeça de um angolano. O horror transmitido por essa fotografia despertou muitas consciências para os crimes nefandos que se perpetuavam em Angola, Foi presisamente por mostrar essa fotografia a alguns amigos (Cabo Verde) que Neto foi preso na cidade da Praia e transferido depois para a prisão do Aljube em Lisboa onde deu entarda em 17 de Outubro de 1961."
Se isto aconteceu em 17 Outubro de 1961, certamente ele conheceria as fotos publicadas mais à frente do massacre do Úcua em 14/04/1961. Então estas fotos também não lhe causaram revolta e horror?




"Quando das manifestações de Novembro de 1960, em Luanda, um dos nativos que usou da palavra para manifestar o seu repúdio às mentirosas campanhas internacionais e a sua determinação de continuar português até à morte, foi o soba de Cassoneca. Discurso sem floreados literários ou filosóficos, mas de verdadeiro significado patriótico e espontaneidade. Sete meses mais tarde esse mesmo soba era barbaramente assassinado, com requintes de selvajaria, pelos terroristas que assolavam a região de Icolo e Bengo".
 
À esquerda uma casa comercial pilhada e incendiada e à direita a casa do soba de Cassoneca (fotos Manuel Graça)

Soba de Cassoneca morto à catanada e esventrado pelos assassinos da UPA (foto Manuel Graça).
"Voltamos aos princípios do terrorismo (...) Que haverá, por exemplo, a acrescentar ao depoimento daquele pai que fora espancado com as pernas do próprio filho morto a golpes de catanada? Ou aquele marido que, amarrado a uma árvore, foi obrigado a ver a sua mulher ser violada por mais de duas dezenas de assassinos, em toda a sua fúria animal? Ou ainda a inacreditável barbaridade com que foram mortos europeus, perto de Maquela, serrados vivos numa serra mecânica? Estes, entre milhares de outros casos, constituiam a coroa de louros do senhor Holden Roberto, o sanguinário chefe da UPA, a quem os areópagos internacionais rendiam homenagem e abriram as portas para que contasse ao mundo como fazia o que eles chamavam de "guerra da libertação".
Enquanto nas matas de Angola morriam milhares de inocentes aos golpes traiçoeiros das catanas dos seus capangas, Holden Roberto passeava em carro americano de luxo, com "chauffeurs" às ordens, em Leopoldvile ou qualquer outra cidade apelidando-se a si mesmo de salvador das gentes de Angola. E a corja de assassinos continua a satisfazer os seus instintos sanguinários e selvagens, em nome da Paz de da Liberdade!"
Angola 1960/1965, Manuel Graça.

Holden Roberto 
(foto Jornal P. Angola, 1975)

Holden Roberto em 2005.
(foto Net)
Mas, quem é Holden Roberto?
HoldenRoberto.

"(1924- ) Dirigente nacionalista angolano, com um percurso atribulado no seio dos movimentos anticoloniais. Iniciou a sua actividade em 1954, com a fundação da União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), uma organização de povos bacongos, mais tarde designada UPA para lhe retirar o carácter tribal. Em 1960, assinou um acordo com o MPLA, que rompe passados seis meses, decidindo assumir por si só a liderança da luta contra o colonialismo português. A sua grande acção teve início no dia 15 de Março, no Norte de Angola, com o assalto às fazendas do café e a morte indiscriminada de colonos brancos e trabalhadores negros bailundos. A brutalidade e a ausência de finalidade desta acção, em que os objectivos políticos e militares nunca foram esclarecidos, mancharam toda a subsequente luta anticolonial e forneceram ao regime português as imagens de horror e barbárie que lhe permitiram apelar à mobilização para a guerra. Em 1962, criou a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), da qual se tornou presidente. Esta organização constituiu o Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE), onde Jonas Savimbi surge como ministro dos Negócios Estrangeiros. Holden Roberto manteve sempre uma estreita ligação com Mobutu, presidente do Zaire, país em que se instalaram as bases do movimento. Embora tenha recebido armas dos países de Leste, a sua ligação privilegiada foi sempre com os EUA, que lhe pagam uma avença anual e fornecem conselho técnico, inclusive com a presença de agentes nas suas bases".

"A 13 de Abril, o Úcua, a pouco mais de uma centena de quilómetros da capital, sofre um assalto de terrível ferocidade. Mais vidas sacrificadas a uma sanha sanguinária, violenta de ódio habilmente cultivado, como se essa fosse a recompensa devida a muitos colonos que dedicaram uma vida inteira a melhorar a situação dos nativos (...). Numa das suas habituais visitas à Fazenda Luzia, uns dias antes dos acontecimentos em Luanda, um velho servidor seu avisara-o de que "não dormisse despido pois que nas sanzalas andava tudo muito mal, mas que nada dissesse para que os companheiros o não matassem". Acácio Cunha não dera ouvidos ao velho pois, como os demais, não acreditava que a paz e a franca convivência de anos fossem destruídas sem qualquer razão. No entanto, agora que o inacreditável aconteceu, graças à diligência daquele colono, as autoridades empreenderam uma rusga à região. Uns 640 bailundos, armados de catanas e paus, trabalhadores da fazenda, colaboraram na rusga, auxiliando o pelotão militar e os 20 civis da fazenda, armados. Dois dias depois da tropa regressar a Caxito, terminada a rusga, uma horda de bandidos assaltava o Úcua (...)".

 
Na foto da esquerda um bailundo morto à catanada, degolado e queimado e na seguinte mais dois bailundos queimados (fotos Horacio Caio.


Bailundo morto à catanada e queimado (foto Horácio Caio )
"Os ataques sucediam-se, num ímpeto feroz e assustador. Chegam noticias de actos de autêntica heroicidade e bravura, praticados pelos colonos, quase sem armas e com a resistência a esgotar-se, mas com a determinante e indomável vontade de não arredar pé, nem oferecer tréguas ao inimigo. Heróis anónimos que a História não registará, mas que estavam a escrever com o seu sangue, com a sua luta desigual, as páginas da própria História de um país de tradições invejáveis.
A luta titânica do Mucaba, acompanhada minuto a minuto nos receptores, os dramáticos apelos dos defensores da pequena povoação que, entrincheirados na igreja, já sem munições e com o emissor-receptor semi-avariado, aguentam ataques consecutivos há três dias, enchiam de lágrimas os olhos de todos os portugueses. Desesperadas tentativas para lhes levar munições, por parte da aviação, eram goradas pelo espesso nevoeiro que cobria completamente a região. Na capital, enxugando as lágrimas e roendo as unhas, vivia-se a defesa de Mucaba. Agora as munições estavam no fim, segundo a última comunicação recebida pelo P-19 e o aparelho havia silenciado. Teriam morrido todos? A sua última mensagem fora aterradora: "acabaram-se as munições". "Temos pouco mais de uma bala para cada um. Vamos morrer, mas morreremos portugueses!". O tenente-coronel Neto, da Força aérea, ia tentar mais uma vez lançar-lhe munições (...).
- Estamos mesmo por cima deles – disse o tenente-coronel Neto, ao mesmo tempo que manejava o "manche" para a esquerda, fazendo o avião dar uma volta apertada (...). O nevoeiro cerrado não deixava ver absolutamente nada para terra. A região era acidentada e seria arriscadíssimo fazer uma "perfuração" naquelas condições (...). Ali o nevoeiro oferecia uma pequena abertura. Uma nesga, por onde mal caberia um dos motores do avião. O tenente-coronel Neto cerrou os dentes e benzeu-se.
- Vamos tentar. Seja o que Deus quiser!
Num ápice, empurrou o "manche" para diante e o PV2 "meteu o nariz para baixo"começando a descida vertiginosa. O jornalista não tirava os olhos do pára-brisas do avião. Aqueles segundos pareceram uma eternidade. O piloto sorriu levemente. Os olhos de todos iluminaram-se. Ali estava, bem debaixo deles, a igreja de Mucaba, baluarte da resistência de um punhado de heróis, símbolo de um povo consciente da sua missão no mundo conturbado e cego. Ali estavam eles!
O largo fronteiro à igreja estava cheio de terroristas que se preparavam para novo assalto, assim como a rua principal. As metralhadoras no nariz do PV2 entraram em acção vomitando fogo. O avião, em voo picado "varreu" duas ou três vezes o local, semeando a morte entre os assaltantes. Muitos tentaram ainda a fuga, mas poucos o conseguiram. Em breve centenas de cadáveres se juntaram aos que lá estavam, vítimas das balas certeiras dos defensores acampados na igreja. Um dos resistentes subiu ao campanário da igreja acenando efusivamente. O PV2 continuou depois a sobrevoar Mucaba. A alegria dos heróis era contagiante. Agora tinham já saído da igreja e acenavam para o avião que os havia salvo na hora exacta. O tenente-coronel Neto deu ordens a bordo e as munições e víveres foram lançados. Estava cumprida a missão e salvo os heróis do Mucaba (...)".
 
Jovem branca de 18 anos, violada e assassinada numa fazenda perto de Quitexe. 
O cadáver desnudo com um pau metido na vagina e crianças assassinadas no berço, na fazenda Nunes, nos arredores de Quitexe. 
15 de Março, um "trofeu" para os dirigentes da UPA (fotos Horacio Caio).
"Os ataques não cessavam, cada vez mais bárbaros e mais cruéis. Angola inteira vivia as horas trágicas do Norte, acompanhando a par e passo os acontecimentos. Entretanto em Lisboa, o Governo da Nação, pela voz do seu chefe, tomava as decisões rápidas e drásticas que a situação exigia. Ninguém em Angola esquecerá as palavras do grande Salazar ao anunciar as medidas tomadas e a sua razão: - "para Angola rápidos e em força". Angola não tinha, como tentavam fazer crer lá fora os nossos inimigos, tropas para a defender. A paz em que sempre vivemos não necessitava de tropa. Apenas algumas centenas de soldados, aqueles que por força da obrigação estavam a cumprir o seu tempo normal de serviço militar, constituíam o efectivo da Província. Mas a situação era mais grave que poderia parecer. E Salazar compreendeu-o imediatamente. À sua ordem, começaram a embarcar em Lisboa tropas para a defesa de Angola contra o invasor, contra a sanha assassina. Ele mesmo assumiu a pasta da Defesa para garantir o cumprimentos das suas ordens de defender Angola, custasse o que custasse. Ninguém em Angola esqueceu aquele dia de Abril de 1961, nem as palavras do homem que em toda a sua vida de governante tem dado provas cabais a todo o mundo de que Portugal não é um país qualquer, nascido, como a maioria, de simples interesses financeiros ou ideológicos. Portugal é uma Nação de séculos, a quem a civilização do mundo muito deve. E isso nem todos querem reconhecer (...)".
 
Fazenda Tabi. Os bandidos drogados depois de cortarem a cabeça aos pacíficos trabalhadores bailundos espetaram-nas em estacas (fotos Manuel Graça)

Cabeças de bailundos decepadas (foto Horacio Caio)
"Os terroristas fizeram três assaltos ao Tabi, com mais de três horas de duração. Houve duas mortes e vários feridos da partes dos defensores. Os terroristas sofreram baixas consideráveis, apesar de se terem refugiado na mata, como era seu costume. A tropa ocupava agora a Fazenda Tabi e tomava a seu cargo a sua defesa. Batia as redondezas na caça de bandoleiros. A guerra não deixava momentos para descanso. Tudo cheirava a sangue e a pólvora queimada. Eram os clássicos tiros contra as bárbaras catanadas do bando de facínoras a soldo de estranhos. Era a guerra em toda a sua incompreensão e cegueira. Assassinos narcotizados, obedecendo a ritos estranhos e grotescos, infestavam o Norte de Angola. A repressão ao crime e ao terrorismo exigia um esforço gigantesco, quer humano quer material. Mas tudo se vencia, com sacrifícios inegualáveis e vontades inquebrantáveis (...)".
Referi anteriormente que os radioamadores de Angola em 1961 contribuiram também com o seu esforço para passar informações em tempo útil quando por vezes os sistemas de comunicações por P-19 falhavam. Por isso naquele fatídico ano de 1961, no auge da luta armada para eliminar os bandoleiros do Norte de Angola, nós, os radioamadores de Luanda, fizemos uma reunião e por comum acordo, um de nós ficaria de turno toda a noite na sede da Liga.
Uns meses antes dos acontecimentos de 1961 esteve de visita à Liga um indivíduo que me informou que gostaria de ser radioamador mas que na altura não tinha meios para construir um emissor com pelo menos 50 Watts mas que poderia construir uma mais pequeno para praticar já que tinha adquirido um receptor onde costumava ouvir os radioamadores. Esse indivíduo cujo nome não me recorda era Administrador do Posto de Cangola no Norte de Angola.
Dei-lhe um esquema para fazer um pequeno emissor para a banda de 7Mhz (40m) fixa (com um cristal), autorizada para os radioamadores e que era a que melhor se adaptava para trabalhar dentro de Angola principalmente à noite. A alimentação poderia ser por meio de bateria ou directamente ligado à rede de energia.
Uma noite estava eu de turno fazendo escuta na banda de 7Mhz quando cerca da uma da manhã (?) ouvi uma chamada com um sinal bastante fraco mas que se entendia bem, chamando repetitivamente: CR6LA, aqui Cangola por favor atendam que é uma emergência. Pressenti que algo de grave estava acontecendo em Cangola. Respondi imediatamente e pedi que me dissesse o que estava acontecendo e o que eu poderia fazer. Entretanto lembrei-me do tal indivíduo administrativo a quem lhe tida fornecido o esquema do emissor.
CR6LA, estamos aqui no posto e o P-19 não funciona. Estou a trabalhar com o emissor que eu montei. Estamos cercados pelos turras e não temos munições suficientes. São muitos e como é noite pararam mas amanhã de manhã atacarão certamente. Por amor de Deus vá ao Quartel General e diga para nos mandarem ajuda caso contrário será o nosso fim. Nem queria acreditar no que estava a acontecer e respondi:
- Fique aí atento nessa frequência que eu vou imediatamente ao Quartel General.
Saí fechando a porta e como tinha deixado a minha scooter estacionada junto da Liga dirigi-me a toda a velocidade que a máquina permitia para o Quartel General que ficava na parte alta da cidade e, num ápice estava lá. Tomei a precaução de estacionar um pouco distante da entrada e avancei para a sentinela. Então ouvi logo uma voz perguntando:
- Quem vem lá?
- Sou um radioamador, respondi, acabei mesmo à pouco de receber na Liga dos radioamadores um pedido de socorro do posto administrativo de Cangola por isso, preciso falar já com o oficial de serviço. Mandou-me aproximar de mãos no ar e quando cheguei junto dele voltou a perguntar-me o motivo porque estava ali àquela hora da manhã. Então chamou um sargento ao qual expliquei o que se passava e que precisava falar imediatamente com o oficial de serviço.
- Acompanhe-me por favor. Já na presença do oficial voltei a repetir o mesmo: que era radioamador e estava de turno naquela noite e tinha recebido um pedido de socorro do Posto de Cangola dizendo-me que estavam a ser atacados e as munições estavam no fim. O oficial ficou meio incrédulo mas eu apresentei-lhe imediatamente a minha identificação (cartão) de radioamador.
- Tem a certeza de que não há engano?
- Tenho sim porque ele está a trabalhar com um pequeno emissor dele pois o P-19 avariou.
- Então diga a Cangola que vejam se conseguem aguentar-se até de manhã que nós vamos enviar socorros. Obrigado pelo seu excelente trabalho.
Num ápice estava de volta à Liga, liguei o emissor e chamei Cangola. Respondeu-me imediatamente.
- Já fui ao Quartel General e logo que amanheça vão mandar reforços. De vez em quando eu chamava para ver se tudo estava bem mas disse-lhe que poupasse a bateria que eu estaria sempre na frequência.
Era já madrugada quando ouvi novamente Cangola chamando mas desta vez com uma voz eufórica. CR6LA, os passarinhos (aviões) estão aqui mesmo por cima e estão a dar cabo deles. Obrigado em nome de todos pela sua ajuda que nos salvou a vida.
Esgotado, mas consciente do dever cumprido, fui para casa dormir pois tinha comunicado aos serviços que nessa noite eu ficaria de turno na Liga.
Mais tarde apareceu na Liga o Administrador de Posto de Cangola a quem eu tinha fornecido o esquema do emissor que lhes salvou a vida. Trazia um canhangulo (espingarda artesanal) que pertenceu a um dos turras mortos com uma placa de prata na coronha com a seguinte inscrição: “Com o reconhecimento do povo de Cangola”.
Casos semelhantes aconteceram com outros radioamadores que passaram horas sem fim escutando nos seus receptores as bandas utilizadas pelos P-19.



pissarro.home.sapo.pt




antigo inspector da pide faz revelações sobre o «angoche» – 40 anos depois do misterioso desaparecimento do navio ao largo de moçambique

oscar (2)Completam-se no próximo mês de Abril 42 anos sobre um dos mistérios mais intrigantes da historia mais recente de Portugal: o desaparecimento do navio Angoche ao largo de Moçambique carregado de bombas para aviões das FAP que operavam naquele antigo território ultramarino. Óscar Cardoso faz a abordagem num livro de Bruno Oliveira Santos (Histórias Secretas da PIDE/DGS (p. 401-402) sobre esse intrigante caso que contou com cumplicidades ao mais alto nível, desde a antiga União Soviética ( crê-se que do KGB), do Partido Comunista Português, quadros da Frelimo ( agora bem instalados no poder em Moçambique).Tão intrigante que, como relata o antigo inspector da PIDE, o processo sobre este assalto sumiu das instalações da antiga Polícia política na Rua António Maria Cardoso logo a seguir ao 25 de Abril de 1974 – assim como outros importantes documentos que manchavam a reputação de altos quadros do PC, os quais foram parar a Moscovo aos arquivos do KGB ( e que serviram par actos de chantagem no pós Revolução em Portugal…)  
Vejamos o que Óscar Cardoso relata sobre o assalto ao Angoche, um caso que, mercê das boas relações agora existentes entre Portugal e Moçambique, poderia desencadear uma investigação mais rigorosa e apuramento de responsabilidades:
“Ingressei em miúdo na Mocidade Portuguesa, quando tive de ingressar. Fi-lo, curiosamente, quando estudava no Colégio Moderno, do Dr. João Soares. Mais tarde entrei para a Legião Portuguesa e frequentei o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos. Interrompi o curso para fazer o serviço militar na Índia. Depois fui para a Guarda Nacional Republicana até que, em 1965, entrei para a PIDE. Na estrutura da PIDE, Barbieri Cardoso era inspector superior. Mas depois apareceu São José Lopes, um homem com grande influência em Angola, e era necessário dar-lhe outra situação para compensar o bom serviço que tinha feito. Então, nomearam-no inspector superior do Ultramar. Entretanto, havia na PIDE um indivíduo muito mais antigo do que o Dr. São José Lopes, o inspector Coelho Dias, que era subdirector, e que também queria ser inspector superior. Criaram-se assim os lugares de subdirector-geral para Barbieri Cardoso, de inspector superior do Ultramar para São José Lopes e de inspector superior do Continente para Coelho Dias. Havia uma divisão de tarefas entre os três. A PIDE tinha muito boas relações com todas as polícias e serviços secretos do seu género na Europa e no mundo. É conhecida a ligação de Barbieri Cardoso aos serviços secretos franceses, dirigidos pelo conde Alexandre de Marenches. Mas dávamo-nos bem com todas as polícias congéneres e também com os americanos da Central Intelligence Agency (CIA). Operávamos muito em África, através de informadores, sobretudo nos países vizinhos de Angola, Moçambique e Guiné. Por exemplo, havia informadores na Tanzânia em ligação a Oscar Kambona, o chefe da oposição a Julius Nyerere. Mas o controlo era feito através de Lisboa, pela secção central na António Maria Cardoso, chefiada por Álvaro Pereira de Carvalho. Tínhamos de facto bons informadores em África, onde os nossos serviços faziam um trabalho sobretudo de intelligence, em colaboração estreita com os militares.
angoche (2)Foi precisamente através da nossa rede na Tanzânia que soubemos o que se tinha passado com o navio Angoche. O navio Angoche levava material para a nossa Força Aérea, material sofisticado, essencialmente material explosivo, bombas para os aviões, etc., e creio que ia para Porto Amélia. Soubemos que o Angoche foi abordado em 23 de Abril de 1971 por um submarino da União Soviética e que os seus tripulantes foram levados para a Tanzânia, para a base central da Frelimo, Nachingwea. Foi uma operação executada por soviéticos, o que nos foi possível confirmar pelas análises que fizemos dos vestígios encontrados no barco. A primeira pessoa que fez a investigação a bordo do Angoche foi o inspector Casimiro Monteiro. Verificou que as armas não estavam lá. A tripulação foi levada para Nachingwea e depois, penso eu, terá sido aniquilada. Penso que iam no Angoche à volta de vinte e três pessoas. Mais de metade eram africanos, de Moçambique, e os outros europeus. O navio não era de passageiros mas levava um passageiro a bordo, a quem se deu uma boleia, o que era estranho. Houve uma outra coisa curiosa: a mudança, à última hora, do radiotelegrafista. O radiotelegrafista que era para ir resolveu não ir. Pode ter sido uma mera coincidência, mas é curioso que assim tenha sido. Na nossa opinião, tratou-se de uma operação soviética, feita em colaboração com o Partido Comunista Português. Fala-se que houve oficiais da Marinha, hoje oficiais generais, que estariam envolvidos nisso. Houve também o estranho caso de uma rapariga que foi “suicidada” na cidade da Beira e que estava ligada aos meios esquerdistas da Marinha portuguesa. Esta versão dos factos constou dos nossos relatórios na altura. Tínhamos um relatório secreto sobre o Angoche que desapareceu da sede da DGS, na Rua António Maria Cardoso, depois do 25 de Abril. Foi um dos processos que desapareceram. O caso estava a ser investigado.
NOTA:
A última notícia relacionada com o navio “Angoche” chegou-nos de Fernando Taborda, o último administrador português de Quionga:
“Saiba o povo português que, em Março de 1974, foi descoberta, na foz do Rovuma, uma baleeira do navio “Angoche”, com insígnias começadas por NA confirmada pelo cabo de mar de Palma e que, sobre ela, nunca me foi dada resposta à circular que mandei para a Capitania de Porto Amélia.”
In Quionga, meu amor
UMA ACHEGA:
NAVIO “ANGOCHE”
No dia 23 de Abril de 1971, o navio “Angoche” foi assaltado em alto mar, na costa de Moçambique, quando ia em viagem para o Norte.
Os 22 tripulantes foram levados para a Tanzânia e assassinados em Nachingwea, uma base da Frelimo.
Supõe-se que o assalto tenha sido feito por meios navais soviéticos, talvez um submarino e foram encontradas manchas de sangue no navio, o que prova que foi usada violência contra os tripulantes.
O jornal “Notícias” de Lourenço Marques foi impedido pela Comissão de Censura de divulgar qualquer informação, o mesmo acontecendo com os jornais de Lisboa.
O jornal “Star” de Joanesburgo, que era vendido na esquina do “Continental”, em Lourenço Marques, começou a referir-se ao assunto a partir da última semana desse mês de Abril de 1971. As informações eram poucas e as suposições eram muitas. “Diz-se”, “fala-se”, “supõe-se”…
O mesmo acontecia com a Rádio Brazaville e a Rádio RSA de Joanesburgo, que transmitiam em português. Ou com as emissões em inglês da BBC e da Voz da América. Todas escutadas por mim.
Nunca ouvi a Rádio Moscovo e a “Voz da Frelimo” (através da Rádio Tanzânia) referirem-se ao assunto em Abril/Maio de 1971, apesar de eu as escutar todos os dias para o efeito.
Ainda hoje permanece o mistério sobre o que teria acontecido aos tripulantes e a um provável passageiro, que viajavam a bordo do navio “Angoche”.
Só 3 dias depois, a 26 de Abril de 1971, o navio foi abordado pelas autoridades coloniais portuguesas, pelo que houve quem se interrogasse em Moçambique se não teria sido tempo demais para dar pela falta de um navio daquele tamanho e com uma carga daquela natureza.
Usou-se o clássico raciocínio do “Motivo, Meios e Oportunidade” para tentar perceber o que se tinha passado:
- Motivo e Oportunidade: a Frelimo e a União Soviética, porque o “Angoche” transportava material de guerra;
- Meios: apenas a União Soviética, porque a Frelimo não tinha meios navais para um assalto em alto-mar.
Por motivos óbvios estratégicos e porque um acto de pirataria contra um navio mercante civil não honra particularmente quem o pratica, a URSS nunca falou no assunto.
Quatro anos depois, com o golpe militar de 25 de Abril em Lisboa, desapareceu o relatório secreto sobre o assunto.
Assim se passaram 40 anos sem que a opinião pública tivesse tido o direito de saber o que se passou.
Haverá pessoas daquele tempo que sabem o que aconteceu ou que tiveram acesso ao relatório.
É tempo de quebrarem o silêncio!
crimedigoeu.wordpress.com



Nova Arrancada - Sociedade Editores, SA
novaarrancada@mail.telepac.pt


Bruno Oliveira Santos.: Em 1968, foi nomeado para acompanhar Mário Soares na viagem para o exílio.
P122 - Abílio Pires.: O Mário Soares foi deportado para São Tomé por deliberação do Conselho de Ministros. Fui nomeado no próprio dia para o acompanhar. Creio que me nomearam porque eu já tinha feito dois ou três processos ao Mário Soares. Dava-me muito bem com ele! Se ele me visse no Chiado, atravessava a rua para me cumprimentar! Como deve calcular, fui um bocado contrariado porque não gostava de levar ninguém para fora do seu país.
B.O.S.: Soares escreveu no Portugal Amordaçado que a imagem que tem de si é a do pide bom!
A.P.: Ora aí está! Dei-me sempre bem com ele! Eu utilizava sempre o mesmo método nos interrogatórios: eu ditava a pergunta e ele ditava a resposta. O meu escrivão, Furtado Marques, ia escrevendo. Lembro-me de que, confrontado com certas perguntas, o Soares dizia que tinha de pensar. Às vezes eu deixava-o a pensar e ia tomar café à Brasileira. Quando regressava, ele ainda estava a pensar!
B.O.S.: Ele foi deportado por causa da história dos ballets rose.
A.P.: Essa história foi apenas a gota de água que fez transbordar o copo. Naquela altura, estava toda a gente farta das patetices do Mário Soares. Inclusivamente, ele fazia campanha contra a NATO. Depois, foi Presidente da República e, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas! Ele que, como funcionário do PCP, distribuíra panfletos contra a NATO às portas dos quartéis! Como é que um homem com este curriculum pode ser Comandante Supremo das Forças Armadas de um país da NATO?
B.O.S.: Como é que correu a viagem?
A.P.: Saímos de Lisboa ao princípio da noite. Caía uma chuva miudinha. Faríamos escala em Luanda. O Soares, coitado, fora apanhado de surpresa com a deportação e ia atrapalhado, falava-me na família... Sobretudo falou--me do filho, dizendo que estava preocupado porque ele revelava algumas tendências marxistas-leninistas... Às tantas, faz-me uma proposta: queria assinar um documento comprometendo-se a abandonar toda a actividade política para poder regressar à metrópole. Eu disse-lhe que não podia fazer nada — a decisão não era minha, era do Conselho de Ministros. Mas garanti-Ihe que, logo que voltasse a Lisboa, falaria com o governo. Prometi-lhe ainda que, se o governo aceitasse a proposta, eu próprio iria buscá-lo a São Tomé.
Estive uma manhã inteira no gabinete do dr. Silva Cunha, ministro do Ultramar. Não consegui convencê-lo. O Silva Cunha dizia que, logo que regressasse, o Soares iria envolver-se novamente em actividades políticas.
Foi uma grande asneira. Hoje, o Soares não seria ninguém. Nunca mais se livrava da acusação de ter negociado o seu regresso com a PIDE.
Quando fizemos escala em Luanda, fomos dar uma volta pela cidade. Como só havia avião para São Tomé três ou quatro horas depois, dei ao Soares a oportunidade de conhecer a África Portuguesa. Ele não queria! Chegou a dizer-me para o meter num calabouço e ir à minha vida, mas eu levei-o comigo. Fomos num Volkswagen. Recordo-me perfeitamente porque foi o carro que eu passei a usar sempre que me deslocava a Luanda. Sabe porquê? A matrícula era AAP — as iniciais do meu nome! Posso dizer-lhe que o Mário Soares ficou deslumbrado! Percorremos a belíssima Baía de Luanda. Tomámos café numa esplanada. O Soares ficou encantado quando viu que serviam a cerveja com um prato de camarões, como se fossem tremoços! Tão deslumbrado ele ficou que, no regresso ao aeroporto, disse-me: Eu sou um europeu, não conhecia nada de África. Confesso-lhe que pensava encontrar toda a gente de chapéu colonial e pistolões à cintura! Afinal, Luanda é uma cidade como Lisboa, talvez ainda mais calma e mais linda! Decididamente, tenho de rever a minha política em relação a África!
Quando chegámos a São Tomé, estava lá um antigo aluno do Colégio Moderno à espera dele. O Soares insistiu comigo para ficar mais dois ou três dias até ele se instalar. Mas eu não podia ficar. Pediu-me então para eu ir a casa dele, em Lisboa, dizer à família que chegara bem. Eu respondi-lhe que a casa dele não ia, mas prometi-lhe que telefonava à família. Assim fiz. Quando cheguei a Lisboa, telefonei para casa dele e falei com a mulher.
B.O.S.: Depois disso, voltou a vê-lo?
A.P.: Via-o muitas vezes no Chiado. Antes e depois de o ter acompanhado a São Tomé, ele cumprimentou-me sempre muito bem.
B.O.S.: E depois do 25 de Abril?


A.P.: Nunca mais o vi. Quando foi Presidente da República, fez uma presidência aberta em Bragança e, como sabia que eu resido em Castro de Avelãs, mandou alguém da comitiva dizer-me que gostava de falar comigo. Eu não fui. Se tivesse ido, não tenha dúvidas de que o Mário Soares me dava um grande abraço. O pior é que estavam lá as televisões todas. Não sou anjinho a esse ponto!

Angola: PACAVIRA, DA PIDE A MINISTRO DO REGIME




PACAVIRA QUE SE RECLAMA HISTÓRICO DO MPLA ERA TOUPEIRA INFILTRADA DE SALAZAR
Manuel Pedro Pacavira licen­ciou­-se em Ciências Sociais pela Universida­de de Havana, foi Minis­tro da Agricultura e dos Transportes e represen­tante de Angola na ONU, Governador do Kwanza Norte. Foi também em­baixador de Angola em Cuba e em Itália. Foi, an­tes de tudo isso, colabora­dor da PIDE como consta da folha 84 do Processo Crime nº 554/66 existente na Torre do Tombo, em Lisboa.
Pacavira terá começado a colaborar com a PIDE por volta de 1960, pois, quan­do, em Março daquele ano, se deslocou a Brazza­ville para se avistar com Lúcio Lara, que vinha de Conakry mandatado pelo Comité Director do MPLA, já prestava servi­ços à polícia portuguesa.
Por isso, no trajecto até à fronteira do Congo, terá sido acompanhado pelo sub-inspector Jaime de Oliveira da PIDE que ficou inteirado da docu­mentação que levava. O mesmo aconteceu, no re­gresso, já no mês de Maio.
Aquele oficial da PIDE aguardava-o no posto de fronteira e ali mesmo to­mou conhecimento de toda a papelada trazida. Os papéis não foram reti­rados a Pacavira mas sim reproduzidos. De modo que, a 8 de Março, na reu­nião do MINA realizada na sua residência e em que esteve presente Agosti­nho Neto, os papéis foram exibidos aos membros da direcção do MPLA. En­tretanto, as cópias tinham passado a figurar nos ar­quivos da PIDE.
No final de Maio realizou­-se uma segunda reunião, desta vez em casa do Fer­nando Coelho da Cruz. Nessa altura, Joaquim Pinto de Andrade, mem­bro da direcção, ter-se-á apercebido da presença da PIDE nas imediações por sinais considerados sus­peitos: ao entrar na casa, foi ofuscado pelas luzes de um automóvel, o que o impediu de ver fosse o que quer que fosse em seu redor. [Testemunho do próprio Joaquim Pinto de Andrade, nos anos noven­ta, em Lisboa].
As detenções de Joaquim Pinto de Andrade e de Agostinho Neto ocorre­ram no dia 8 de Junho. No decurso dos interrogató­rios e, principalmente, na sessão de acareação com Pacavira, Joaquim Pinto de Andrade afirmava não ter a mínima dúvida de que o denunciante de to­dos eles fora o “Pakassa”, nome de código de Pa­cavira [ Testemunho do próprio Joaquim Pinto de Andrade, nos anos 90, em Lisboa] .
Num processo existente nos arquivos da PIDE de­positados em Lisboa, na Torre do Tombo, consta uma nota que reza o se­guinte: “Por divulgação de Lourenço Barros [não se sabe quem seja] teria sido o Patrício de Carva­lho Sobrinho [outro des­conhecido] a pessoa que denunciou o dr. Agosti­nho Neto”.
Ora a folha do processo com aquela nota é apenas uma fotocópia, em que o nome do informador está expurgado. Conclusão: nem o Lourenço Barros nem o Patrício de Carva­lho Sobrinho devem ser figuras reais. E a nota em causa parece ser estra­tagema frequentemente usado pela PIDE para en­cobrir os seus informa­dores. Claro que, na folha original, deve constar o nome do Pacavira [Torre do Tombo, Lisboa, Arqui­vos da PIDE, Processo nº 11.15, MPLA, pasta A].
Pacavira foi membro fundador da «TRIBUNA DOS MECEQUES». A denúncia, feita por Nito Alves nas «Treze Teses em Minha Defesa», pode ser confirmada nos arqui­vos existentes na Torre do Tombo.
O jornal foi programa­do por São José Lopes, o responsável máximo pela PIDE, num relatório em que declara estar to­talmente de acordo com as soluções apresentadas pelo “grupo de trabalho” que estudara os vários as­pectos sociais e políticos dos muceques de Luanda.
No que respeitava à pro­paganda, além da realizada pela rádio (que não alcan­çaria os objectivos dese­jados pelos colonialistas), São José Lopes propunha que se lançasse um jornal do muceque [Torre do Tombo, Lisboa, Arquivos da PIDE, Processo 7477 CI(2), Comando de Ope­rações Especiais, pasta 22, fls. 4 ss.).
Aí está, pois, a célebre «Tribuna dos Muceques», um jornal da PIDE, como afirma a Embaixada de Angola na biografia do embaixador Adriano João Sebastião.
De resto, nas declarações que faz e assina no dia 7 de Junho de 1966, Manuel Pedro Pacavira diz estar “totalmente regenerado, com arrependimento sin­cero e completo, de todos os seus erros” e oferece à PIDE “toda a sua co­laboração, estando pronto a obedecer, leal e cega­mente, a tudo o que lhe for ordenado”.
E para provar a sua lealda­de afirma não se importar “de falar em público con­tra as organizações sub­versivas que lutam pela in­dependência de Angola”. E até “gostaria de redigir e fazer publicar, sob a sua autenticidade, artigos de carácter patriótico, em re­pulsa das falsas promessas dos pretensos libertado­res de Angola” [Torre do Tombo, Lisboa, Arquivos da PIDE, Processo Crime nº 554/66, f. 84].
Pacavira seria, pois, um agente duplo, simultanea­mente elemento do MPLA e informador da PIDE, ora trabalhando para uns ora servindo outros. Mas a polícia não lhe perdoa a duplicidade. De modo que, volta e meia, o mandam de novo para a cadeia.
Facto saliente prende-se com a figura de Cândido Fernandes da Costa, que pertenceu ao elenco direc­tivo do MINA. Há muitos anos que, em Luanda, a morte de Cândido, ainda antes da independência nacional, terá envolvido Pacavira, se bem que, nes­te caso, possa ter agido a mando de alguém.
Mas Pacavira foi o braço executor. Tal como no fuzilamento em praça pú­blica do Virgílio Francisco “Sotto-Maior”. Um e ou­tro, ao que parece, seriam figuras muito incómodas, especialmente Cândido Fernandes da Costa, exe­cutado numa tocaia.
Com efeito, em 1975, se­gundo se lê numa auto­biografia do antigo embai­xador Adriano Sebastião, Pacavira mandou fuzilar um antigo companheiro de prisão, Virgílio Fran­cisco (Sotto-Mayor), com base numa falsa acusação [«Dos Campos de Algodão aos Dias de Hoje»].
Fiel aos princípios de de­nunciante, Pacavira terá sido “dos primeiros a de­nunciar a existência de uma conjura “nitista” no interior do MPLA” (Ma­beko Tali, O MPLA peran­te si próprio, II, p. 202). E ter-se-á destacado depois como mandante do terror.
No dia 29 de Outubro de 2008, Pacavira foi um dos presos angolanos a intervir no Colóquio Internacional sobre o Tarrafal, colóquio este promovido pelo mo­vimento “Não Apaguem a Memória” e pela Associa­ção 25 de Abril e realizado na Assembleia da Repúbli­ca Portuguesa.
É autor do livro “José Eduardo dos Santos, uma vida dedicada à pátria” (2006).


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“A PIDE não desconfiava de um branco da Polana”

Cabaco-gdeJosé Luís Cabaço foi ministro nos anos que se seguiram à independência, mas, antes, contribuíra clandestinamente para a sua conquista. Numa entrevista com várias declarações apaixonantes, conta que “fazia o relatório no qual dizia o quartel tal tem uma unidade ali, a estrutura é esta, e dei muitas informações sobre essas estruturas militares”.
Uma vez no Niassa, uma estudante perguntou-lhe o que era ser clandestino. Gostávamos que começasse pela questão colocada por essa estudante.
Há várias maneiras de se ser clandestino. Há aquelas pessoas que trabalham de forma organizada dentro de uma estrutura organizativa e que trabalham fora do controlo dos órgãos de segurança, do sistema contra o qual eles trabalham. Quer dizer, é uma organização clandestina, como, por exemplo, foi o caso da Quarta Região, que, em 1964, tentou criar uma rede clandestina que fugisse ao controlo da PIDE, das autoridades portuguesas e etc. E, portanto, era para fazerem acções militares e de propaganda, de forma a fugir ao controlo do governo português. O meu trabalho clandestino foi de outra natureza, talvez, até, porque a Frelimo tivesse tido a experiência da Quarta Região. Eu, pessoalmente, não era clandestino. Estava na sociedade, como cidadão. Recordo-me que uma das primeiras recomendações que a Frelimo fez foi perguntar-me se tinha passaporte português. Eu disse que tinha, e disseram que não devia estragá-lo, que devia mantê-lo da melhor forma possível, e isso eu fiz. Quando acabei o meu curso universitário, na Itália, recebi instruções da Frelimo para vir para cá, ter uma vida social, arranjar uma casa, um emprego, enfim, fazer a vida como qualquer outro cidadão, mas a fazer um trabalho clandestino no sentido de recolher informações.


 E eu tinha canais para, depois, fazer chegar essa informação à Frelimo. Fui recolhendo informações de natureza social, económica e, principalmente, de natureza militar e fui canalizando com a regularidade que era possível, e a Frelimo foi usando no quadro da luta. Portanto, eu não era uma pessoa clandestina. O trabalho que eu fazia, para além do trabalho profissional que eu realizava, esse, sim, era um trabalho clandestino, um trabalho que as pessoas não conheciam, ninguém conhecia, nem a minha família. Era um trabalho que fugia ao controlo, digamos assim, do conhecimento das pessoas. 
Se olharmos para a sociedade colonial daquela altura, notaremos, aparentemente, que o Dr. Cabaço fazia parte dos privilegiados. Como é que alguém que, naquela altura, fazia parte do grupo dos privilegiados decide combater o mesmo grupo de que fazia parte?
Isso é uma história muito longa, não é algo assim tão simples de se responder (...). Penso que, até aos 17 anos, era um jovem branco colono como os outros, quer dizer, tinha os mesmos defeitos, os mesmos condicionalismos que a maior parte dos jovens daquela época. Há algumas coisas que se passaram na minha infância e devo contar duas histórias que me marcaram muito. Impressionou-me, na altura, particularmente um senhor velhote que havia passado da rua onde eu estava a brincar, antes do julgamento, e disse qualquer coisa que já não me lembro, sorriu e manteve um contacto por uns 30 segundos, e depois foi-se embora. Achei-o simpático. E depois, à tarde, quando ouvi aqueles barulhos, fui lá espreitar e uma das pessoas que estava ser batida era ele. Isso nunca se apagou da minha cabeça. E, depois, outra coisa que não se apagou na minha cabeça, já em Lourenço Marques, no Bairro da Malhangalene, no limite da cidade do cimento, é que via passar, de manhã, em frente à casa onde estava - não era dos meus pais, vivia com uma família -, pessoas para o chibalo, segurando correntes na mão para poderem caminhar. Era uma fila de pessoas com as pernas amarradas, com os instrumentos de trabalho de um lado e segurando as correntes, marchando (...) aquilo magoou-me muito, percebe, ficou cá dentro. E depois cresci, fiz os meus disparates, as minhas arrogâncias de pequeno colono, mas, a partir de um certo momento, houve um outro problema que me marcou muito. Um dia, quando ia ao liceu, tinha três estudantes negros, de um universo de dois mil estudantes em todo o liceu, mais ou menos da minha idade, eu vinha da Malhangalene - onde morava com a minha tia, irmã da minha mãe, entre 1953 e 1954 - de bicicleta e vi um dos meus colegas negros correndo, na actual Eduardo Mondlane, porque o machimbombo tinha atrasado, era o no 16, não sei de onde vinha. Ele estava a correr para chegar a tempo à sala. Conhecíamo-nos, mas não éramos do grupo. Perguntei-lhe o que se passava e ele disse que estava atrasado, por causa do machimbombo, e dei-lhe boleia. Eu não dei boleia a um branco, a um preto, nem a um indiano, dei boleia a um colega do liceu. Na altura, não me passou pela cabeça qualquer outra coisa. Quando chego à casa, a minha tia bateu-me e eu não percebi, porque ela nunca me tinha batido, e até penso que nem tinha autorização dos meus país para me bater. Perguntei-lhe o que se tinha passado, e ela disse que já lhe haviam telefonado a dizerem que eu andei a carregar um preto por aí e ali foi um grande conflito para mim, porque tinha carregado um amigo, um colega da escola. Por que é que eu não podia carregar, quer dizer, nunca pensei na minha vida, apesar de eu ser arrogante e um pouco colono, que não podia carregar um colega só porque a cor dele era diferente da minha? O gesto foi automático, nem foi generoso, podia ter feito com qualquer colega naquelas condições. Esta história marcou-me muito. E, então, nos últimos anos do liceu, começou uma certa agitação, também havia as eleições dos portugueses, uma certa agitação política, havia a independência do Gana, da Guiné-Conacri, estava a preparar-se a independência do Congo, começou uma certa efervescência e as pessoas começaram a pensar. Então, penso que todas estas pequenas feridas que tinham ficado no meu subconsciente ajudaram-me a compreender o quão injusta e criminosa era a sociedade colonial. E penso que não foi muito difícil, quer dizer, do ponto de vista intelectual, racional, perceber que não devia ser cúmplice daquela sociedade. Mas, depois, isto pôs um outro problema que não foi fácil: é que corresponder à sua racionalidade, ou seja, ser coerente com aquilo que era a lógica e a racionalidade da sua escolha colocava-te em conflito com o seu mundo de afectos, porque todo o meu mundo de afectos tinha sido construído naquele mundo que eu deixava. Por outro lado, ainda não tinha construído um mundo alternativo de afectos, ia construi-los depois, mas nesse momento da ruptura foi uma coisa muito difícil, do ponto de vista pessoal, porque todas as pessoas, os meus amigos, meus familiares, as minhas namoradas, tudo o que representava a minha vida afectiva estava ali e eu estava passando para aqui, portanto, passava despido das minhas relações afectivas. Tive de reconstruir e hoje o meu mundo de afectos está aqui. Mas não foi fácil, foi uma coisa sofrida.
Quando é que ouve falar da Frelimo? Como é que foi o primeiro contacto entre José Luís Cabaço e esse movimento de libertação?
Há dois elementos fundamentais na minha formação. Talvez o momento mais importante, do ponto de vista da formação nacionalista, talvez seja importante explicar isso para as novas gerações. A independência do Congo, um grande país, foi feita por um grande líder, Patrice Lumumba, e por um grande traidor, Moises Tchombé. Moises Tchombéera, pago pelos belgas para declarar independência no Katanga, onde estavam as minas, que era o que interessava aos belgas, e o resto do país podia ir. E Moises Tchombé propunha uma sociedade em que ele é que era o presidente, negro, africano, mas com comparticipação dos colonos. Por outro lado, Lumumba tinha uma concepção mais nacionalista e radical do que era a independência. Há um golpe de Estado, com ajuda de Mobutu, e Lumumba foi preso e assassinado de forma mais humilhante possível. E nós que estávamos, naquele momento, no processo de nascimento do nosso sentimento nacionalista, quer dizer, nosso sentimento independentista ainda não era nacionalista, queríamos ser independentes, isso já era uma conquista, dividimo-nos - estou a falar de estudantes moçambicanos, ainda não éramos muitos - em dois grupos: os lumumbistas e tchombistas. Tchombistas diziam que aquela é que era a solução para África, juntar-se ao colono, e nós, os lumumbistas, defendíamos o rompimento com o colonizador.
Não era como a teoria do luso-tropicalismo...
Luso-tropicalismo, neocolonialismo total, mas, na altura, éramos criativos, tínhamos de 19 anos, numa sociedade desinformada, que era a sociedade colonial e, então, dividimo-nos. E é muito interessante que os lumumbistas, grupo do qual eu fazia parte, todos, de uma forma ou de outra, ficaram envolvidos no processo de libertação nacional. Os tchombistas, todos acabaram em Portugal (...). Ali houve uma divisão de águas forte. Depois houve uma outra coisa importante naquele período, de 1959 para 1960, com a independência do Congo: foi (também com) a revolução cubana, uma revolução romântica, feita por jovens com vinte e poucos anos, e teve assim uma auréola romântica muito grande. A nossa geração viveu aquele romantismo da revolução cubana e ajudou um pouco nas nossas opções pela via revolucionária. Mas, voltando à sua pergunta, naquela altura havia movimentos de libertação, o mais conhecido e operativo era o MPLA, de Angola, nós não tínhamos Frelimo ainda nesses anos. Sabíamos que haviam uns movimentos aqui nos países ao lado e tal, e nem conhecíamos os nomes deles bem, porque havia UDENAMO, MANO, mas o MANO era menos conhecido e a UDENAMO era mais conhecida, era aqui no Sul, sediada na Rodésia. Entretanto, pessoalmente, tenho conhecimento de que havia uma rádio da Tanzania que começava a falar, depois de 1962, a rádio da Frelimo. Começámos a ouvir de noite, ouvia-se muito barulho e pouca conversa, ouvia-se muito mal naquela altura, mas algumas coisas ouvíamos, ouvíamos meias notícias e depois inventávamos o resto. E quando nos encontrávamos, uns tinham entendido de uma maneira e outros de outra, e então, ficávamos atrapalhados, mas havia um  grupo. Naquela altura, eu estava no serviço militar colonial, em Boane, mas já era inelutavelmente a favor da independência e da Frelimo. E, de repente, ficámos a saber da prisão da Quarta Região, os guerrilheiros tinham vindo da sede e trabalharam com uma rede clandestina já existente em Lourenço Marques onde militavam nomes sonantes como Amaral Matos, os Sumbanes, Chichava, etc, ao lado dos Craveirinha, Bernardo Honwana, Malangatana, e muitos outros.
Esses nomes eram dominantes na sociedade nessa altura?
Toda a sociedade sabia que era gente que alimentava um sentimento nacionalista, não sabia que era um perigo à sociedade, que estavam organizados do ponto vista político. Mas sabia-se que, individualmente, tinham a expressão de uma identidade moçambicana. Então, naquela altura, ficou claro, e logo que terminei o serviço militar, tinha dinheiro, saí daqui para Europa, para procurar um contacto, porque aqui era muito difícil, principalmente depois de se ter detectado a Quarta Região, estava cheio de informadores da PIDE. Você não tinha a possibilidade de passar a barreira aqui e procurar contactos, você era preso imediatamente. Então, eu tentei, fui à Europa e escrevi para um camarada, um colega aqui e em Coimbra, etc., que havíamos crescido juntos praticamente, que era o José Júlio Andrade, que depois foi Secretário de Estado de Desporto. Escrevi para ele, estava em Moscovo naquela altura e já fazia parte da Frelimo, tinha fugido em 1961. Estou a falar de 1966 (...) a carta chegou-lhe às mãos, não sei como, mas acho que por sorte chegou-lhe às mãos e ele respondeu-me e, portanto, comecei o contacto. E depois o camarada Marcelino dos Santos foi a Moscovo e o José Júlio fez chegar a minha pretensão de colaborar com o movimento de libertação. Eu não tinha outra pretensão senão saber o que podia fazer. Marcelino dos Santos foi e passou por Itália. Estava a estudar em Itália naquele momento, mandou-me ir à Roma. Conversámos, longamente, e depois recebi a comunicação, em Setembro de 1967, que tinha sido admitido como membro da Frelimo. A partir dali, comecei a receber instruções para fazer diversas tarefas. Uma das tarefas que recebi foi ‘fica aí, estuda e acaba o curso o mais rápido possível’. Cumpri a tarefa e acabei o curso em 1971.
Mas, num momento em que todos queriam ser guerrilheiros, não sentiu isso como um afastamento?
Senti, senti. De facto, quando o camarada Marcelino dos Santos mandou-me ir à Roma, ainda não conhecia as vicissitudes da Frelimo, fui para lá com uma mala, disposto a seguir viagem, mas ele disse que devia estudar. Fiquei desiludido, porque, naquela altura, com aquela idade, ser guerrilheiro era o máximo que me podia ter acontecido na vida. Mas ele mandou-me para atrás, voltei, e depois soube, mais tarde, que foi naquele momento que na Tanzania houve problema com os brancos, alguns camaradas tiveram que sair (...) e, então, quando estavam uns a sair, trazer outros era armar a confusão, e foi melhor assim. Mantiveram-me fora por causa disso, mas também porque, sendo branco, vindo da sociedade dos colonos, tinha uma grande camada de insuspeição, quer dizer, não era suspeito, porque, como você disse no princípio, toda a gente fazia esse raciocínio, ‘se ele é privilegiado, se ele tem um bom emprego, se ele tem uma casa, se a barriga está a crescer, etc., por que é que se vai meter nessas confusões?’ E isso era a melhor cobertura que eu tinha para fazer o meu trabalho clandestino, porque eles andavam à procura de agentes da Frelimo em toda a parte, menos na minha casa, porque não pensavam que eu fizesse esse trabalho. Recebia as missões directamente do camarada Óscar Monteiro, mas as ordens vinham do camarada Chissano, porque ele é que era o chefe dos Serviços de Segurança, ele é que era, digamos, o meu (...)chefe nas operações, no trabalho que fazia. As instruções que recebi apontavam que não devia montar nenhuma organização. Devia fazer o meu trabalho individualmente, recolher informação e fazer os respectivos relatórios, e tinha este e aquele canal para fazer chegar a informação. Igualmente, não devia tentar organizar células (...). Depois, soube que havia mais moçambicanos, mais companheiros que estavam nesta perspectiva, camaradas que trabalhavam em vários locais de Moçambique. Individualmente, a gente não se conheceu, só nos conhecemos depois da independência. E assim manteve-se uma rede que não era propriamente uma rede, mas também teve uma estrutura de informação de apoio, digamos assim, à luta armada, luta nacionalista, sem baixas. Ou melhor, com o mínimo de baixas possíveis, porque a estrutura organizada aqui na cidade era muito difícil, as baixas foram pesadas.
E como é que vocês conseguiram escapar? Será que esse individualismo é que fez com que escapassem à forte pressão da PIDE?
Penso que sim. Devo dizer que tinha consciência de duas coisas. Primeiro, de que a minha impunidade era muito alta, ou seja, era preciso ser muito estúpido e muito exposto para que a PIDE desconfiasse de mim. Eles podiam desconfiar de um branco do Alto-Maé, de um branco da Mafalala, mas de um branco da Polana não desconfiavam, porque era parte deles. E isso deu-me uma grande vantagem. Comigo, eles falavam e contavam coisas, segredos. Eu falei com pessoas da PIDE, com militares, e eles contavam-me. Trabalhava numa empresa de construção, de obras públicas, e era director de pessoal e director de publicidade dessa empresa. Percorria o país, sobretudo onde houvesse acampamentos. A minha empresa estava a trabalhar para o exército em muitos sítios. Abrimos estradas, aeroportos, enfim, fazíamos vários trabalhos. Então, percorria o país, às vezes, por ano, fazia duas, três, quatro viagens e em zonas de guerra, que era onde se estava a trabalhar. Ali, eu chegava e ia falar com o comandante e dizia: “Olha, sou tal fulano, sou director da empresa tal, eu venho cá para falar consigo...” e depois Whisky e gelo. De seguida, colocava a questão da segurança dos trabalhadores e dizia quero saber como é que eles são defendidos e ele, depois, punha o mapa e explicava como é que era a defesa do quartel, eu tomava apontamento de cabeça e quando ia para  o quarto escrevia notas, que era para não me esquecer. Depois fazia o relatório no qual dizia o quartel tal tem uma unidade ali, a estrutura é esta, e dei muitas informações sobre essas estruturas militares. Uma delas foi sobre um aeroporto, em que, depois, o camarada Mabote, quando me viu, depois da independência, me disse. Como sabe, o Mabote era uma personagem mítica para mim, mas eu não o conhecia pessoalmente, e quando a gente se encontrou, fiquei todo emocionado e ele deu-me um grande abraço. Fiquei atrapalhado, questionei como é que ele me conhecia, ao que me disse: “Tu mandaste uns desenhos e aquele ataque fiz com os teus desenhos”. Fiquei muito emocionado com aquilo, porque não sabia para que é que servia o meu trabalho. A Frelimo é que usava as informações como queria usar.
E nessa altura já haviam falado de algumas figuras da Frelimo, falou concretamente de Samora Machel e de Eduardo Mondlane?
Eduardo Mondlane, sim.

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Relações entre a PIDE/DGS e a CIA

A PIDE começou a chamar a atenção da Central Intelligence Agency (CIA), em1949, quando Portugal ingressou na Aliança Atlântica (NATO). Analistas dessa agência de Intelligence norte-americana consideraram que aquela polícia política tinha adquirido, em Portugal, um extraordinário poder, efectuava prisões arbitrárias, utilizava a brutalidade física e detinha presos na cadeia por prazo indefinido [1]. Depois, nos anos cinquenta, em plena Guerra-Fria, a CIA instalou um retransmissor da Radio Free Europe(Rádio Europa Livre, criada em 1947), em Glória do Ribatejo, criando, para o gerir, em Portugal, a Sociedade Anónima de Rádio-retransmissão (RARET). No entanto, a ligação “oficial” entre a PIDE e a CIA só foi formalizada em 1956, quando o coronel Benjamin H. Vandervoort [2], adido da embaixada dos EUA em Lisboa, convidou o director da polícia política portuguesa, capitão Agostinho Lourenço, comunicando-lhe para uma deslocação aos EUA, com o objectivo de «discutir matérias de mútua preocupação».
Como Agostinho Lourenço se desligou da direcção da PIDE, por limite de idade, em 5 de Setembro de 1956, o convite foi transmitido ao capitão António Neves Graça, chefe interino da polícia política portuguesa, que o aceitou, com «muito agrado». A CIA propôs-se então prestar auxílio à PIDE na organização de um sistema mecanizado de ficheiros e arquivos e, na sequência de impressões trocadas entre os dois respectivos directores, em Washington, por seu lado, Neves Graça elaborou uma proposta de colaboração entre os dois serviços. Segundo este, as duas polícias propunham-se trocar informações sobre a organização comunista e efectuar diligências e operações conjuntas, entre as quais se contavam a infiltração no seio dos Partidos Comunistas [3].

Os «homens das Américas»
Em 1957, uma delegação de elementos da PIDE frequentou um curso, ministrado pela agência americana, nos EUA [4] onde, entre outras matérias, se contavam técnicas de vigilância, aprendizagem de rádio, de filmagens e fotografia, escuta telefónica, intercepção postal, elaboração de relatórios, métodos informativos e de interrogatório processual, conhecimento de tintas simpáticas, criptografia, microfilmes, utilização de tele-impressores, bem como técnicas de informação e contra-informação[5]. Fizeram parte da delegação portuguesa o sub-inspector Jaime Gomes da Silva, o chefe de brigada Manuel Vilão de Figueiredo, os agentes Sílvio Mortágua, Amândio Gomes Naia, Álvaro dos Santos Dias Melo, Abílio Augusto Pires, Felisbino Marques Gomes, Ernesto Lopes (Ramos), José Mesquita Portugal e João Nobre e ainda os escriturários, Alfredo Fernando Robalo e Eduardo de Sousa Miguel da Silva [6].
Alguns dos quadros da PIDE que estagiaram na América - Abílio Pires, Ernesto Lopes Ramos e Miguel da Silva - terão sido contratados pela CIA como agentes de ligação em Portugal. Este último chegou a ser considerado, em 1969, pelos próprios dirigentes dessa polícia, de ser um «homem das Américas», razão pela qual ficou limitado a assuntos respeitantes à autoridade nacional de segurança [7]. Quanto a Abílio Pires, negaria ter trabalhado para a CIA, embora afirmando que esta agência o tinha de facto tentado subornar, através de Walter Andrade, elemento da estação americana em Lisboa [8].
Numa entrevista dada em 1974, em Londres, Philip Agee, oficial de operações secretas da CIA, afirmou, por seu turno, que Rudolfo (sic) Gómez, organizador da rede dessa agência em Portugal, em 1968 e 1969, tentara aliciar o inspector Rosa Casaco, com o qual terá reunido periodicamente no Porto e em La Toga (Galiza) [9]. António Rosa Casaco negou, porém, ter trabalhado para a CIA, esclarecendo que apenas teve uma «amizade desinteressada com Edward Gómez, chefe da base» dessa agência norte-americana, em Portugal na década de 60 [10].

Operações conjuntas entre a PIDE e a CIA: o caso «expectator»
Ao que parece, no continente português, a maior operação conjunta das duas polícias secretas, portuguesa e americana, foi o caso «expectator» [11]abordado, pela primeira vez, por escrito, pela CIA, em Julho 1957. O caso, considerado «top secret» - de «cross contamination between the expectator and or other Russian intelligencia service aparati in Portugal and PCP» - envolvia estrangeiros que se tinham refugiado em Portugal, durante a II guerra mundial, acusados de fazerem parte de uma rede soviética. Diga-se que a CIA sabia dessa rede, através de um relatório de 1943 dos serviços secretos da Alemanha nazi e que essa operação foi dirigida pelo então homem da CIA em Lisboa, coronel Vandervort [12].
Mais tarde, a PIDE realizou, pelo menos, duas viagens marítimas a portos soviéticos, com elementos seus, a bordo de navios mercantes portugueses, sobre as quais relatou à CIA. A primeira viagem realizou-se, ao porto de Riga, em 1959, com a presença de dois agentes da PIDE, Santos e Lopes (provavelmente Ernesto Lopes Ramos) e a segunda, ao porto soviético de Tuapse, no Mar Negro, em 1960, novamente com Ernesto Lopes Ramos. A agência norte-americana agradeceu, em 29 de Novembro de 1960, a colaboração dos portugueses, dizendo que essas fotografias haviam sido as primeiras a penetrar além da linha da água, de um porto soviético e afirmando que os resultados dessa operação representavam um dos melhores exemplos de ligação entre serviços para participar directamente na análise de dados marítimos [13].
Alguns autores datam no início dos anos sessenta o incremento de relações entre a PIDE e a CIA, embora um ex-elemento da polícia portuguesa, Óscar Cardoso, o tenha negado, ao afirmar que acontecera precisamente o contrário, devido ao apoio que os americanos deram, em 1961, à UPA e, três anos depois, a Mondlane, em Moçambique [14]. Houve efectivamente, nesse período, um esfriamento da cooperação entre a CIA e a PIDE, pois, além do alegado apoio à UPA, o governo português «não perdoou o suposto envolvimento norte-americano no golpe de Botelho Moniz e a atitude relativamente ao assalto ao paquete «Santa Maria» da parte da administração Kennedy, que aproveitou esse episódio para empolar a existência de uma oposição democrática em Portugal [15].
A questão da Índia, em Dezembro de 1961, tornou ainda mais difícil, quase à beira da ruptura, o relacionamento luso-americano, considerando então Salazar que os EUA pecaram por omissão, ao recusarem-se a fazer uma declaração pública sobre o assunto. No entanto, embaixador norte-americano em Lisboa, Charles Burke Elbrick, manifestou-se contrário a que a administração norte-americana apoiasse a condenação de Portugal, pelas Nações Unidas, argumentando que isso representaria um ataque a um aliado da NATO, que assim ficaria enfraquecida [16].
Durante o ano de 1962, o ministro dos negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, manifestou, junto do Secretário de Estado norte-americano, Dean Rusk, preocupação com o apoio dos EUA à UPA e a Theodore Xanthaky, conselheiro da Embaixada dos EUA em Lisboa e elemento da CIA, afirmou que se tornava difícil manter um diálogo com o governo americano [17]. Em 1 de Janeiro de Janeiro de 1964, a PIDE passou a vigiar o já referido Theodore Anthony Xanthaky.
No entanto, a partir de 1963, já se fazia sentir uma moderação no discurso anti-colonialista dos EUA e uma tentativa de conciliação, num momento de negociações para a renovação do acordo de utilização da base das Lajes, nos Açores [18]. Após o fim da administração Kennedy, a PIDE voltou a ter, como antes de 1961, uma relação «leal» com a CIA, embora, como era «óbvio», houvesse sempre informações que uma polícia omitia à outra, e vice-versa, segundo afirmou Álvaro Pereira de Carvalho [19].
No período «marcelista», a colaboração entre a PIDE/DGS e os serviços secretos norte-americanos era das melhores embora a polícia portuguesa não deixasse de preocupar-se com a actividade da Embaixada e dos serviços secretos americanos. Refira-se, por exemplo, que, em 20 de Novembro de 1969, o director da DGS, Fernando da Silva Pais, soube, de fonte «absolutamente segura», da ocorrência, dois dias antes, de um jantar em casa de Diego Cortes Asencio, conselheiro da embaixada dos EUA (entre 1967 e 1972) e elemento da antena da CIA, com Robert Zimmerman, no qual tinham estado presentes Mário Soares [20], Francisco Salgado Zenha e Francisco Sousa Tavares [22].
Em 1973, William Colby, o novo director da CIA, considerou Portugal um país tão estagnado que chegou a sugerir o encerramento do posto da agência no país. Lembre-se que a principal preocupação da CIA continuava a ser então a América Latina, onde, como se sabe, através da «operação Condor», foram instaladas, com o apoio norte-americano, diversas ditaduras. Pouco tempo antes de 25 de Abril de 1974, o posto da CIA então era composto apenas por três elementos: John Stinard Morgan, acabado de chegar a Lisboa, Frank W. Lowell e Leslie F. Hughes, ambos incorporados na Embaixada como oficiais de telecomunicações.
Nó próprio dia 25, o responsável pela Embaixada dos Estados Unidos à época, Post, relatou a surpresa com que soube do golpe de Estado, reveladora da ignorância do representante norte-americano:
«o telefone tocou no meu quarto. O guarda da nossa casa no Restelo, um ex-quadro da DGS, atendera o telefone central na garagem, e disse-me: “Perigo, perigo”. Não percebi. A minha mulher, ensonada, comentou: “Oh, isso é o nome do guarda!” Desliguei e voltámos a dormir. Seriam aí umas seis da manhã quando um dos adidos militares me telefonou, dizendo que havia tanques na rua e música militar na rádio» [22].

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2 comentários:

Mmiguel disse...

bom..um pouco de palhaçada... O amigo fala da NATO como se fosse uma organização de santinhos, é um pouco patético.. A NATO é um exército que serve os interesses americanos e países ricos.. A NATO tanto era contra Portugal assim como vendia/disponibilizava armamento a Portugal, como Napalm, aviões e explosivos etc etc (material NATO) .. E ao mesmo tempo financiava a UNITA assim como a UPA e a FRELIMO.. dai sim a NATO é apenas mais uma organização de assassinos, só q assassinos ricos !
O velho truque da gente rica, financiar os 2 lados da guerra assim ganhe quem ganhar os ricos ganham sempre.. Enquanto houver gente estupida o sufeciente para pegar em armas e matarem-se uns aos outros... Pois EUA queriam as bases das lages..
Quanto aos Russos esses até armamento venderam ao Salazar, mas isso você não escreve no seu blog zito... E ver-lo falar de Salazar como um grande homem da-me vontade de lhe cuspir na cara... Embora não o conheça.. apenas minha opinião.
Porque todas as guerras são um truque de gente rica, portugueses só estavam lá para defender os negócios dos ricos, como escravatura do algodão, explorar diamantes, sacar petroleo, e ganhar com trabalho escravo, voces soldados tugas estavam lá para isso...

Mmiguel disse...
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