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A italiana Leonarda Cianciulli supostamente vivenciou momentos infelizes em sua infância, mas o que a marcou profundamente foram as assustadoras palavras de uma cigana cartomante que leu a palma de sua mão quando ela ainda era uma adolescente:
Quase tudo o que se sabe sobre a vida de Leonarda Cianciulli veio do seu sinistro livro de memórias Confessioni di un’anima amareggiata (Confissões de uma alma amarga), escrito por ela durante o cárcere e cuja autenticidade ainda levanta dúvidas. Muitos argumentam que o livro é trabalho de seus advogados, uma tentativa de aliviar sua pena. A mulher, que tinha apenas o primário completo, não seria capaz de escrever um livro de memórias de setecentas páginas. Por outro lado, os detalhes escabrosos confirmados por especialistas fazem acreditar que os relatos contidos no livro apenas refletem a alma de uma mente perturbada.
Nascida em 14 de Abril de 1894, na pequena cidade de Montella, região de Irpina, Itália, Leonarda era filha de Mariano Cianciulli, criador de gado, e Serafina Marano, uma viúva cujo casamento com Mariano era o seu segundo. Conta-se que aos 14 anos, Serafina teria sido estuprada em Florença. Deflorada, foi obrigada pelos pais a casar-se com Salvatore Di Nolfi, um homem que teria conhecido durante um passeio de carruagem em volta do internato de freiras, em Florença. Leonarda teria sido fruto deste estupro. Em Leonarda Cianciulli. La saponificatrice (Leonarda Cianciulli. A Saponificadora), os historiadores Fabio Sanvitale e Vincenzo Mastronardi dizem que a história não passa de invenção da imprensa sensacionalista que cobriu o julgamento de Cianciulli. Segundo eles, de tanto ser contada, a história de que Leonarda nasceu de um estupro passou a ser verdadeira.
Em seu livro de memórias, Leonarda diz que sua infância foi uma completa infelicidade. Sofrendo de epilepsia, diz ela que sua mãe era uma megera. Serafina abominava a filha e, por isso, Cianciulli tentou suicídio várias vezes. Muitos historiadores duvidam de sua suposta infância infeliz. De fato, é difícil acreditar nas palavras de psicopatas assassinos e/ou insanos, principalmente quando não há maneiras de comprovar o que eles dizem; muitos enxergam as palavras de Leonarda como desculpas para justificar suas atrocidades, já outros dizem ser palavras de uma alma atormentada.
O jovem casal viveu até 1927 em Lauria, província de Potenza, e depois em Lacedonia. Segundo ela, o terremoto de Vulture, em 1930, fez com que o casal procurasse outro lugar para viver. Assim, estabeleceram-se em Correggio, província de Reggio Emilia. Mas é possível que Leonarda tenha mentido. Por todas as cidades que passou (Montella, Lauria e Lacedonia), Cianciulli ficou conhecida como aquela a que ninguém deveria aborrecer. Relatos de moradores locais dados a jornalistas após sua prisão dizem que ela era uma mulher desonrada e de vida fácil. Se isso significa promiscuidade não está claro. Mas claro mesmo era sua autoridade extrema com a família, impulsividade, rebeldia e comportamento criminoso. Em 1912, aos 18 anos, foi condenada por roubo. Sete anos depois, em Montella, foi condenada por ameaça e roubo à mão armada (punhal). Em 1927, passou dez meses e quinze dias na prisão por fraude. Tais acontecimentos são omitidos de seu livro, portanto, é possível que ela e o marido tenham se mudado para Correggio a fim de esquecer o passado. Na foto à esquerda: a jovem Leonarda Cianciulli. Data desconhecida. Creative Commons.
A suposta maldição lançada por sua mãe, condenando-a a uma vida cheia de sofrimentos, misturou-se a uma profecia de uma cigana que dizia que ela teria filhos, mas que todos morreriam. E a previsão provou-se verdadeira. Leonarda perdeu seus 13 primeiros filhos. Foram três abortos espontâneos e 10 crianças que morreram ainda no berço. Filho após filho, a maldição de sua mãe e a fala da cigana a assombravam dia após dia. Leonarda tinha certeza que a morte dos filhos era culpa do mau-olhado lançado pela mãe. Numa tentativa de se livrar da maldição, ela decidiu procurar bruxas e feiticeiros. Após a intervenção de uma “bruxa”, Leonarda, finalmente, teve o seu primeiro filho, Giuseppe, um menino forte e saudável, que cresceu sob os olhares atentos da mãe, que não o deixava dar um passo fora de casa sem a sua supervisão. Logo, ele ganharia mais três irmãos: Bernardo, Biagio, e a mocinha Norma. O trabalho da bruxa fora um sucesso.
Na época em que a família chegou em Correggio, Raffaele contava 37 anos, Leonarda, 36, Giuseppe, 11, Bernardo, 10, e Biagio, 6. Norma nascera pouco depois e foi batizada numa cerimônia que contou com 22 convidados. Miseráveis, são ajudados pelos moradores locais. Passam a viver numa pensão que eu poderia chamar de espelunca; roupas, móveis e comida eram doados a eles por vizinhos. Raffaele logo consegue um emprego na sede do Correio local e Leonarda passa a complementar a renda da família vendendo roupas usadas. É nessa época que ela conhece uma cigana que, ao ler a palma de suas mãos, diz: “Em sua mão direita vejo a prisão e na esquerda o manicômio judiciário.”Intrigada e fascinada com a capacidade de tais mulheres em ler o futuro das pessoas, Leonarda passa a estudar com afinco o ocultismo. Logo, a preços camaradas, ela está lendo o futuro nas mãos de suas vizinhas. Pouco a pouco, a reputação de bruxa de Leonarda chega aos ouvidos da cidade e mulheres de todos os lugares vão até sua casa para pedir conselhos e amuletos contra mau-olhados, além de trabalhos de “amarração amorosa”. Seu um metro e meio de altura contrasta com sua vivacidade. Pequena no tamanho, ela era grande e visível em qualquer ambiente que frequentasse. Os olhos negros e a energia inesgotável eram um chamativo para os encontros que promovia em sua casa, cuja pobreza era disfarçada com as colchas bordadas e coloridas que fazia. Durante todo o dia, podia-se ver panelas borbulhando no fogo e, enquanto seus filhos brincavam espalhados pela casa, mulheres revezavam-se à mesa. Chás, bolos caseiros, tudo era uma fartura em sua casa. Com o marido ganhando bem no Correio, ela podia comprar doces, biscoitos e carnes, além de roupas para ela e para seus filhos. Giuseppe, o favorito (talvez por ter sido o primeiro a sobreviver), é o mais mimado pela mãe. De fato, a maternidade mudou a vida de Leonarda. Antes rebelde e praticante de pequenos crimes, agora com três filhos, ela era o retrato da boa mulher e mãe (apesar de ainda conservar seu autoritarismo).
Em 1939, por volta dos 18 anos, Giuseppe matricula-se na Faculdade de Artes de Milão. Sua irmã Norma passa seus dias num colégio para freiras e seus dois outros irmãos numa escola de ensino médio. A vida para Leonarda poderia estar as mil maravilhas, não fosse por seu marido. Alcoólatra, Raffaele sempre chega em casa tropeçando nas pernas e sem um centavo, com o dinheiro todo gasto em bares. “Basta! Um dia ou outro eu o jogo para fora de casa! Que bom exemplo para nossos filhos!”,ela grita, mas não tem coragem de enxotá-lo para fora. As brigas continuam e, durante uma discussão mais acalorada do casal, Raffaele deixa a casa da família batendo a porta com ferocidade. Ele nunca mais voltou. Na verdade, sair daquela vida de autoritarismo por parte de sua esposa foi uma libertação. Leonarda gostava de exercer o controle absoluto sob aqueles ao seu redor, reduzindo-os a meros objetos para explorar. Já ficar sozinha não significou muito para ela, seu negócio de roupas usadas e leitura de mãos lhe dava um bom dinheiro – o suficiente para uma mulher em plena década de 1930 poder viver sozinha e bem. Diferentemente da maioria, ela não precisava do dinheiro do marido. Solteira, com 45 anos e com três filhos adolescentes, ela muda-se para o número 11 da Via Cavour; e é nessa época que ela começa a ter sonhos estranhos.
Durante anos, Leonarda sofreu com pesadelos – sonhos nos quais ela perdia seus filhos. E, após um desses pesadelos, ela chega à conclusão de que seu filho favorito, Giuseppe, corre muito, mas muito perigo. Hitler acabara de invadir a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. A Itália alia-se aos nazistas contra os Aliados e jovens do País inteiro estão sendo convocados. Giuseppe está na idade certa para a convocação e Leonarda entra em pânico com tal possibilidade. A profecia da cigana dizia que todos os seus filhos morreriam e, se fosse convocado para a Guerra, Giuseppe teria morte certa. O simples pensamento de tal destino para seu filho amado fez com que Leonarda caísse em desespero. Era necessária uma intervenção e ela faria tudo que estivesse ao seu alcance para proteger seu filhote. Consciente do trabalho eficiente de bruxaria que tirou o mau-olhado de sua mãe no passado, ela logo descobre a solução do seu problema: magia negra. Após um sonho em que a Virgem Maria aparece com um bebê negro em seus braços dizendo-lhe o que fazer, Leonarda toma uma macabra decisão.
Para manter a vida de seu filho a salvo, Leonarda decide realizar sacrifícios humanos. Enquanto no passado Cianciulli tinha uma má reputação, em Correggio, ela era bem vista e respeitada por todos, considerada uma pessoa de confiança, mãe exemplar e uma fascista fervorosa. Um dos lemas do fascismo é o compartilhamento e Leonarda fazia isso muito bem. À mesa em sua casa sentavam-se todos que queriam um pedaço de bolo ou chá. Ela adorava cozinhar, mais ainda compartilhar a comida que tinha. Na verdade, por trás de sua máscara de mãe cuidadosa e respeitável existia uma personalidade bastante perturbada. E sua reputação de boa mãe, aliada à confiança que as pessoas tinham nela tornou seu trabalho em conseguir vítimas bem mais fácil.
Entre as suas clientes estava a romântica Faustina Setti, de 73 anos, que apesar da idade, ainda sonhava em encontrar seu príncipe encantado. Ela morava sozinha e era a vítima perfeita. Faustina ia muito à casa de Leonarda para que essa lhe informasse sobre as possibilidades dela encontrar sua alma gêmea. Em 20 de Dezembro de 1939, Leonarda a convidou para um chá em sua casa: “Há um homem rico que conheço há alguns anos, ele vive em Póla”, diz ela a Faustina. Para a união ser consumada, a mulher deveria vender a casa, os móveis e seu pedaço de terra, afinal, ela não poderia aparecer para o seu príncipe de mãos vazias. Cianciulli convenceu a senhora a escrever cartas e cartões-postais para os amigos e parentes, que seriam postados quando ela chegasse em Póla. Neles, Faustina escreveu sobre sua boa sorte. Além disso, especificou Leonarda, Faustina não poderia contar a ninguém a respeito, para evitar inveja e mau-olhado. Isso atrapalharia o trabalho. Faustina obedeceu de prontidão. A senhora de 73 anos nunca chegou ao seu destino.
O que faz esta história ter passado para a posteridade não foram os assassinatos em si, e sim a chocante forma como Leonarda eliminou suas vítimas. Faustina foi morta a golpes de machado; Cianciulli picou seu corpo em nove partes e recolheu o sangue em uma bacia. O que ela fez depois?
A segunda mulher assassinada define o perfil de vítimas da, agora, serial killer Leonarda Cianciulli: mulheres de meia idade e idosas, solteiras e sozinhas – sem família e com algum tipo de dificuldade que poderia ser facilmente explorada. A primeira vítima tinha problemas amorosos, já a segunda, financeiros. O método de descarte dos corpos também tem o mesmo padrão: assim como a primeira vítima, Francesca acabou dentro de uma panela; ela foi morta com um machado, esquartejada, e teve o sangue acumulado numa bacia. Por ter um corpo maior, Francesca não coube inteiramente no caldeirão da serial killer e Leonarda foi forçada a cortar a cabeça do cadáver e colocá-la dentro de um saco. O corpo rende mais sabão e mais bolos.
Dois meses depois, em 30 de Novembro de 1940, a Saponificadora de Correggio encontrou sua terceira vítima. Virginia Cacioppo, 53 anos e ex-cantora de ópera (construiu uma carreira de sucessos, atuando em óperas de Verdi, Puccini e Mozart); e cantou em países como Itália, Líbano e Egito. Aposentada, solteira e vivendo sozinha em Correggio, Leonarda a abordou dizendo que um emprego em um teatro de Florença a aguardava. Virginia não poderia dizer nada a ninguém, já que o diretor do teatro recomendava discrição.
As três vítimas de Leonarda Cianciulli. Foto: Dunheim.
Dessa vez, mais experiente, Leonarda não perdeu toda a gordura do corpo da vítima e usou-a para fazer sabão e velas. Vinte e quatro horas depois do assassinato, Leonarda começou a vender os móveis e as roupas da vítima. Tal comportamento fez crescer os boatos na cidade de que as três mulheres desaparecidas foram mortas pela cartomante. Estranho, não? Três mulheres somem e deixam tudo para Leonarda vender? A casa começava a cair para a serial killer. Assim como Francesca, Virginia não ficou de bico fechado e escreveu uma carta para sua irmã, Albertina Fanti, que morava em Nápoles, falando sobre a viagem que faria até Florença. Não recebendo mais notícias de sua irmã, Albertina foi até Correggio e deu queixa do seu desaparecimento na delegacia local. O delegado Federico Scagliarmi estava a par dos rumores que tomavam conta da cidade, mas, achando que era apenas fofoca de gente desocupada, não fez nada a respeito. Mas Albertina não desistiu: ela questionou centenas de pessoas na cidade e pagou para que mulheres entrassem na casa de Cianciulli na tentativa de descobrirem alguma coisa. Ela descobre que Leonarda vendeu todos os sapatos, roupas e chapéus de sua irmã. “Com que roupas minha irmã se mantêm em Florença?”, pensa Albertina. Assim, combinando suas descobertas com as dos amigos das outras duas mulheres desaparecidas, ela apela a Serrao, Comissário da região de Reggio Emilia. Ele abre uma investigação e descobre que as duas primeiras mulheres desaparecidas eram clientes de Cianciulli, mas isso não prova nada. Em Março de 1941, o Comissário consegue um mandato de busca na casa da cartomante. “Virginia deu-as para mim para eu vendê-las. Você não sabe que esse é o meu negócio há anos?”, responde Cianciulli ao Comissário, após este encontrar as roupas da desaparecida em sua casa. O Comissário coloca a mulher contra a parede, mas Cianciulli mostra sagacidade e frieza: “Se elas estão mortas, onde estão seus corpos? Não é fácil esconder três corpos!” Serrao interroga Giuseppe e, sem querer, o filho amado de Cianciulli acaba confirmando as suspeitas da polícia. Como sabia escrever melhor, Leonarda pediu para que o filho escrevesse cartões postais em nome de duas das vítimas. Giuseppe admite ao Comissário que foi ele quem escreveu e Serrao o prende imediatamente. Temendo que o filho fosse acusado pelas mortes, Leonarda confessa.
Na fossa de sua casa foram encontrados um pedaço de crânio, dentes e uma dentadura, que, mais tarde, foram identificados como de Faustina Setti. Dois machados, um cutelo, um martelo, uma serra e uma página de jornal do Gazzeta dello Sport, de 2 de Dezembro de 1940, manchada de sangue, contavam o resto da história.
Centenas de pessoas se acotovelavam na entrada do Tribunal, todos querendo entrar para ver o Julgamento da “Saponificadora de Correggio”. Créditos: Lombardiabeniculturali.
Policiais vigiam a entrada do Tribunal enquanto centenas de pessoas ficam do lado de fora. Créditos: Lombardiabeniculturali.
O tribunal ficou lotado de jornalistas, estudantes de Direito e curiosos. Todos ansiosos para assistir ao julgamento da “Saponificadora de Correggio”. Créditos: Lombardiabeniculturali.
Durante os cinco anos em que aguardou pelo seu julgamento, a Saponificadora de Correggio ficou trancafiada na prisão de San Tommaso. A detenta de número 993 passava seus dias escrevendo suas memórias, Confissões de uma alma amarga – um livro com mais de 700 páginas em que contava sobre seus macabros crimes, sua infância difícil e a tempestuosa relação com sua mãe. Cianciulli narra como o casamento e os filhos sobreviventes deram um novo sentido à sua vida e como ela confiou a vida de Giuseppe e dos outros filhos ao Senhor das Trevas. Enquanto esteve em San Tommaso, foi permitido a ela cozinhar. As freiras da prisão lembram que seus bolos e outras receitas eram simplesmente deliciosos, mas que nenhuma detenta se atrevia a comer – todas pensavam que a bruxa de Correggio poderia ter colocado algum tipo de magia nos quitutes.
Em 12 de Junho de 1946, o Tribunal de Reggio Emilia lotou suas cadeiras. Estudantes de Direito, mulheres, homens, pessoas com binóculos, os moradores da região, pararam para ver a mulher que fazia sabão e bolos de suas vítimas. Mãe e filho foram indiciados pela promotoria. O Ministério Público acreditava que, de alguma forma, Giuseppe também participara dos assassinatos. Assim, os dois foram colocados lado a lado, sentados num banco, atrás de grades de metal. Três policiais os cercavam.
Alberta Fanti, irmã de Virginia Cacioppo. Créditos: Lombardiabeniculturali.
Leonarda Cianciulli e seu filho Giuseppe durante julgamento. Créditos: Lombardiabenicultural.
Leonarda Cianciulli e seu filho Giuseppe durante julgamento. Créditos: Lombardiabenicultural.
Leonarda Cianciulli e seu filho Giuseppe durante julgamento. Os dois foram mantidos dentro de um cercado com grades de ferro. Créditos: Lombardiabenicultural.
A tese sustentada pelo Ministério Público era a de que a serial killer agiu por pura ganância. Ela matou as três mulheres para roubar-lhes as posses. Mas ela não poderia ter assassinado as três mulheres sozinha; ela e Giuseppe teriam agido conjuntamente, impulsionados por motivos sórdidos de interesse. A tese dos promotores de que Giuseppe a teria ajudado enfurecia Cianciulli. A mulher virava uma fera.
Perguntada sobre como se livrava dos pedaços, ela disse ter colocado num caldeirão e cozinhado-os durante toda a noite com soda cáustica e água fervente. O sabão resultante era usado na casa para banhos e lavagem de roupa num córrego próximo. Segundo ela, algumas barras de sabão não ficavam boas, eram bastante duras – o que ela descobriu serem os ossos, partes do corpo que não eram “boas para saponificar.” O sangue era geralmente misturado com chocolate, baunilha, cravo, canela e salpicado com um pó obtido a partir dos ossos das vítimas. As massas eram transformadas em bolos que, por sua, vez eram oferecidos às visitas.
Leonarda Cianciulli prestando depoimento ao Juiz. Créditos: Lombardiabenicultural.
Giuseppe conversa com um de seus advogados. Créditos: Lombardiabenicultural.
No segundo dia de audiência, Giuseppe deu o seguinte testemunho:
Vinte de Junho de 1946 é o dia D para Leonarda Cianciulli. O último dia do julgamento começa com a sala lotada de curiosos e jornalistas. Os espectadores são tantos que muitos, sem lugar para sentar, ficam de pé ao lado dos advogados. Leonarda está de braços cruzados e com a cabeça encostada na gaiola. Ela chora. Giuseppe quieto e pálido. Após duas horas e meia de deliberação, às 13h15min, o Juiz se levanta para ler o veredicto. Leonarda parece estar numa outra dimensão. Nada parece perturbá-la. Quatro minutos depois, os jornalistas escreviam em seus caderninhos: “Leonarda, 30 anos de prisão e três no manicômio. Parcialmente insana. Giuseppe absolvido por falta de provas.” As pessoas aplaudem, mas ninguém fica mais feliz do que Leonarda Cianciulli. Apesar da idade, ela pula feito uma mola, gritando: “Deus seja louvado! Bendito seja Deus! Viva a Lei! Povo de Reggio, me perdoem e eu perdoo.” Em seguida, ela se joga nos braços do filho. Giuseppe chora. A imagem abaixo resume toda a história de vida de Leonarda Cianciulli:
O abraço de filho e mãe. Cianciulli abraça seu filho Giuseppe após o veredicto do tribunal. Foto: Creative Commons.
O abraço de filho e mãe. Cianciulli abraça seu filho Giuseppe após o veredicto do tribunal. Créditos: Leonarda Cianciulli, la saponificatrice.
Foi um julgamento inovador para a época. Antes de cumprir seus 30 anos de cadeia, Leonarda teria que passar três anos se tratando num hospital psiquiátrico. Mas ela cumpriu mais do que três anos no hospício. Leonarda Cianciulli deu entrada no hospital psiquiátrico de Aversa e nunca mais saiu. Ela morreu vinte e quatro anos depois, em 15 de Outubro de 1970, aos 78 anos. Ninguém reclamou seu corpo e ela foi enterrada num cemitério para indigentes da cidade de Pozzuoli, província de Nápoles.
Um martelo, um cutelo, uma faca, dois machados e um tripé para caldeirão estão expostos no Museu de Criminologia de Roma.
O tripé do caldeirão e o cutelo, ferramentas da serial killer Leonarda Cianciulli. Créditos: Museu Criminologico.
Uma faca, uma serra e dois machados, ferramentas de morte da serial killer Leonarda Cianciulli. Créditos: Museu Criminologico.
Fotos de Leonarda Cianciulli e de suas vítimas, assim como o cutelo, machados, martelo e a faca utilizados por ela em seus crimes. Foto: Museu Criminologico.
Uma pergunta se faz pertinente: Quem realmente era Leonarda Cianciulli? O que poderia estar escondido dentro da mente doentia desta mulher? Psicólogos e criminologistas modernos concordam que o delírio criminoso de Cianciulli despertou pouco antes de a Itália entrar na Guerra e dos seus dois filhos mais velhos terem sido considerados aptos a pegar em armas. O medo de eles morrerem fez com que aquela sombra negra dormente em sua mente acordasse. Naquele momento, ela virou-se para a ideia de salvá-los sacrificando outras vidas. Raffaella Sette, socióloga, criminóloga e pesquisadora da Universidade de Bolonha, diz que “a superstição que estava incrustada em sua mente deformou sua visão de realidade o suficiente para fazer uma mulher amoral ficar incapaz de distinguir o bem do mal.” Outra pesquisadora do caso Cianciulli, a criminóloga Roberta Bisi, autora de Soda caustica, allume di rocca e pece greca. Il caso Cianciulli (Soda cáustica, alume e resina. O caso Cianciulli), diz que o livro de memórias da serial killer revela uma mulher com dupla personalidade: “Ela fala de si mesma como Nardina (o nome que ela chamava sua mãe) e Norina [apelido dado a ela por seu pai]. A primeira personalidade era a da mãe que sofria e a segunda da mulher que agia.”
Muitos criminologistas afirmam que serial killers que atacam mulheres são motivados por um grande sentimento de ódio dirigido à mãe. Muitos especialistas defendem que os crimes de assassinos psicopatas estão invariavelmente enraizados na necessidade inconsciente de “vingança” contra as mães que os rejeitaram. A premissa poderia ser aplicada ao caso Cianciulli? Se sim, Leonarda seria um caso raro de um serial killer (mulher) cujo ressentimento profundo com a mãe a levou ao assassinato.
Augusto Balloni, um dos autores de Soda cáustica…, diz que Cianciulli, no momento dos assassinatos, estava num estado mental que diminuía significativamente sua capacidade de discernimento, e diz que tal estado mental é compatível com pessoas que sofrem de graves transtornos de personalidade, tais como transtorno de personalidade histriônica e narcisista com traços sádicos, esquizoides e paranoides. Com base nesta hipótese, Roberta Bisi compartilha no livro alguns traços da personalidade de Leonarda:
Quanto ao modus operandi, extremamente cruel, não há, sem dúvida alguma, nenhum sentimento de empatia ou culpa associado. Por mais que estejamos (e infelizmente) acostumados com relatos demasiadamente cruéis de execução, esquartejar um corpo exige muito de uma pessoa, é de uma perversidade enorme, sobretudo se acrescentarmos a produção de bolos e sabão como forma de reaproveitar os restos de suas vitimas.
Do ponto de vista criminal, Leonarda Cianciulli permanece como uma das mais interessantes serial killers que se tem notícia. Diferentemente da grande maioria feminina, que utiliza do veneno para despachar suas vítimas, Cianciulli utilizava um machado (algo raro até entre os serial killers do sexo masculino). Nos filmes de Hollywood, é comum assistir assassinos psicopatas seriais que picam suas vítimas usando machados ou cutelos, mas em nosso mundo real, isso é bastante raro. Machados são pesados e difíceis de manusear, principalmente em lugares fechados. Nas ruas, o uso de tais instrumentos é mais raro ainda. Que serial killer andaria pelas ruas com um machado na mão? Ele poderia ser facilmente pego. Pensar numa senhora de idade, uma vovó de cabelos grisalhos e miúda que mata suas vítimas a machadadas, é bastante difícil, até mesmo em filmes; alguém já viu algum assim? Certamente este seria um enredo bastante assustador para qualquer filme de terror. Mais raro ainda são serial killers mulheres que esquartejam suas vítimas e praticam canibalismo, transformando seus corpos em sabão e receitas culinárias. É bem verdade a improbabilidade de mulheres que torturam suas vítimas ou mantêm relações sexuais com um cadáver – os tipos de detalhes horríveis que costumamos ver em crimes cometidos por homens e que fazem a alegria da mídia sensacionalista. Na verdade, o sexo e o prazer são motivações muito mais para os homens do que para as mulheres. Serial killers mulheres costumam ter uma abordagem mais pragmática para matar pessoas. Comumente, elas matam por lucro e poder. Na foto acima: Leonarda Cianiuclli em foto tirada em Março de 1959, no Hospital Psiquiátrico de Aversa. Creative Commons.
O estudo Lethal Ladies: Revisiting What We Know About Female Serial Murderers (Damas Letais: Revisitando o que Sabemos sobre Serial Killers Mulheres), publicado em 2011, diz que mulheres que cometem crimes em série tendem a matar pessoas próximas a elas (tanto física como emocionalmente) e usam métodos mais silenciosos de eliminação (veneno, drogas e sufocamento). Leonarda Cianciulli foge completamente deste quadro. Certamente ela não foi o primeiro caso no mundo de uma serial killer mulher que matava suas vítimas de forma horrenda e transformava seus corpos em comida, mas foi o primeiro a ser bem documentado, definindo precedentes antes desconhecidos.
A conclusão dessa história é: não subestime uma mulher. Não julgue pelas aparências, o mal pode ser agradável e bonito por fora, assim como doces envenenados ou bolos feitos com sangue.
VÍDEO
Nome: Leonarda Cianciulli
Conhecida como: A Saponificadora de Correggio
Nascimento: 14 de abril de 1894. Montella, Avellino, Itália
Vítimas: 3 confirmadas
Período: 1939 – 1940
Local: Correggio, Reggio Emilia, Itália
Captura: 3 de Março de 1941
Pena: 3 anos num hospital psiquiátrico e 30 anos em regime fechado
Obs.: Leonarda nunca cumpriu sua pena em regime fechado, permanecendo até sua morte, em 15 outubro de 1970, no hospital psiquiátrico de Aversa.
Foto: Foto datada de 22 de Abril de 1941. Esta foto foi tirada um mês após a prisão de Leonarda Cianciulli.
A italiana Leonarda Cianciulli supostamente vivenciou momentos infelizes em sua infância, mas o que a marcou profundamente foram as assustadoras palavras de uma cigana cartomante que leu a palma de sua mão quando ela ainda era uma adolescente:
“Você vai se casar e ter filhos, mas todos os seus filhos morrerão.”Leonarda se casou, engravidou 17 vezes, mas sofreu três abortos e dez dos seus filhos morreram ainda bebês ou crianças pequenas. Sobraram apenas quatro. Com medo da profecia da cigana levar os restantes, Cianciulli cuidaria deles com a ferocidade de um animal encurralado. Em 1939, na iminência da Segunda Guerra Mundial, ela soube que seu filho mais velho – e preferido -, Giuseppe, poderia ser convocado pelo exército para lutar. Ela imediatamente lembrou-se da profecia: “…todos os seus filhos morrerão.” . A italiana tinha que fazer alguma coisa.
Quase tudo o que se sabe sobre a vida de Leonarda Cianciulli veio do seu sinistro livro de memórias Confessioni di un’anima amareggiata (Confissões de uma alma amarga), escrito por ela durante o cárcere e cuja autenticidade ainda levanta dúvidas. Muitos argumentam que o livro é trabalho de seus advogados, uma tentativa de aliviar sua pena. A mulher, que tinha apenas o primário completo, não seria capaz de escrever um livro de memórias de setecentas páginas. Por outro lado, os detalhes escabrosos confirmados por especialistas fazem acreditar que os relatos contidos no livro apenas refletem a alma de uma mente perturbada.
Nascida em 14 de Abril de 1894, na pequena cidade de Montella, região de Irpina, Itália, Leonarda era filha de Mariano Cianciulli, criador de gado, e Serafina Marano, uma viúva cujo casamento com Mariano era o seu segundo. Conta-se que aos 14 anos, Serafina teria sido estuprada em Florença. Deflorada, foi obrigada pelos pais a casar-se com Salvatore Di Nolfi, um homem que teria conhecido durante um passeio de carruagem em volta do internato de freiras, em Florença. Leonarda teria sido fruto deste estupro. Em Leonarda Cianciulli. La saponificatrice (Leonarda Cianciulli. A Saponificadora), os historiadores Fabio Sanvitale e Vincenzo Mastronardi dizem que a história não passa de invenção da imprensa sensacionalista que cobriu o julgamento de Cianciulli. Segundo eles, de tanto ser contada, a história de que Leonarda nasceu de um estupro passou a ser verdadeira.
Em seu livro de memórias, Leonarda diz que sua infância foi uma completa infelicidade. Sofrendo de epilepsia, diz ela que sua mãe era uma megera. Serafina abominava a filha e, por isso, Cianciulli tentou suicídio várias vezes. Muitos historiadores duvidam de sua suposta infância infeliz. De fato, é difícil acreditar nas palavras de psicopatas assassinos e/ou insanos, principalmente quando não há maneiras de comprovar o que eles dizem; muitos enxergam as palavras de Leonarda como desculpas para justificar suas atrocidades, já outros dizem ser palavras de uma alma atormentada.
“Eu tentei me enforcar duas vezes; uma vez, alguém chegou a tempo de me salvar e, na outra, a corda arrebentou. Mamãe me fez perceber que ela estava triste por me ver viva. Uma vez comi vidro moído com a intenção de morrer. Nada aconteceu.”Em 1917, aos 23 anos, casou-se com Raffaele Pansardi, natural de Lauria. O casamento não foi aprovado pelos pais de Leonarda. Como era de costume na época, eles já haviam prometido sua filha ao seu primo. Leonarda entrou em conflito com os pais e, em seu livro, ela diz que sua mãe a amaldiçoou na véspera de seu casamento com Raffaele. Devido às brigas, ela teve que cortar todas as relações com a mãe, um fato que marcou profundamente a personalidade da futura assassina.
[Leonarda Cianciulli, Confissões de uma alma amarga]
O jovem casal viveu até 1927 em Lauria, província de Potenza, e depois em Lacedonia. Segundo ela, o terremoto de Vulture, em 1930, fez com que o casal procurasse outro lugar para viver. Assim, estabeleceram-se em Correggio, província de Reggio Emilia. Mas é possível que Leonarda tenha mentido. Por todas as cidades que passou (Montella, Lauria e Lacedonia), Cianciulli ficou conhecida como aquela a que ninguém deveria aborrecer. Relatos de moradores locais dados a jornalistas após sua prisão dizem que ela era uma mulher desonrada e de vida fácil. Se isso significa promiscuidade não está claro. Mas claro mesmo era sua autoridade extrema com a família, impulsividade, rebeldia e comportamento criminoso. Em 1912, aos 18 anos, foi condenada por roubo. Sete anos depois, em Montella, foi condenada por ameaça e roubo à mão armada (punhal). Em 1927, passou dez meses e quinze dias na prisão por fraude. Tais acontecimentos são omitidos de seu livro, portanto, é possível que ela e o marido tenham se mudado para Correggio a fim de esquecer o passado. Na foto à esquerda: a jovem Leonarda Cianciulli. Data desconhecida. Creative Commons.
A suposta maldição lançada por sua mãe, condenando-a a uma vida cheia de sofrimentos, misturou-se a uma profecia de uma cigana que dizia que ela teria filhos, mas que todos morreriam. E a previsão provou-se verdadeira. Leonarda perdeu seus 13 primeiros filhos. Foram três abortos espontâneos e 10 crianças que morreram ainda no berço. Filho após filho, a maldição de sua mãe e a fala da cigana a assombravam dia após dia. Leonarda tinha certeza que a morte dos filhos era culpa do mau-olhado lançado pela mãe. Numa tentativa de se livrar da maldição, ela decidiu procurar bruxas e feiticeiros. Após a intervenção de uma “bruxa”, Leonarda, finalmente, teve o seu primeiro filho, Giuseppe, um menino forte e saudável, que cresceu sob os olhares atentos da mãe, que não o deixava dar um passo fora de casa sem a sua supervisão. Logo, ele ganharia mais três irmãos: Bernardo, Biagio, e a mocinha Norma. O trabalho da bruxa fora um sucesso.
Na época em que a família chegou em Correggio, Raffaele contava 37 anos, Leonarda, 36, Giuseppe, 11, Bernardo, 10, e Biagio, 6. Norma nascera pouco depois e foi batizada numa cerimônia que contou com 22 convidados. Miseráveis, são ajudados pelos moradores locais. Passam a viver numa pensão que eu poderia chamar de espelunca; roupas, móveis e comida eram doados a eles por vizinhos. Raffaele logo consegue um emprego na sede do Correio local e Leonarda passa a complementar a renda da família vendendo roupas usadas. É nessa época que ela conhece uma cigana que, ao ler a palma de suas mãos, diz: “Em sua mão direita vejo a prisão e na esquerda o manicômio judiciário.”Intrigada e fascinada com a capacidade de tais mulheres em ler o futuro das pessoas, Leonarda passa a estudar com afinco o ocultismo. Logo, a preços camaradas, ela está lendo o futuro nas mãos de suas vizinhas. Pouco a pouco, a reputação de bruxa de Leonarda chega aos ouvidos da cidade e mulheres de todos os lugares vão até sua casa para pedir conselhos e amuletos contra mau-olhados, além de trabalhos de “amarração amorosa”. Seu um metro e meio de altura contrasta com sua vivacidade. Pequena no tamanho, ela era grande e visível em qualquer ambiente que frequentasse. Os olhos negros e a energia inesgotável eram um chamativo para os encontros que promovia em sua casa, cuja pobreza era disfarçada com as colchas bordadas e coloridas que fazia. Durante todo o dia, podia-se ver panelas borbulhando no fogo e, enquanto seus filhos brincavam espalhados pela casa, mulheres revezavam-se à mesa. Chás, bolos caseiros, tudo era uma fartura em sua casa. Com o marido ganhando bem no Correio, ela podia comprar doces, biscoitos e carnes, além de roupas para ela e para seus filhos. Giuseppe, o favorito (talvez por ter sido o primeiro a sobreviver), é o mais mimado pela mãe. De fato, a maternidade mudou a vida de Leonarda. Antes rebelde e praticante de pequenos crimes, agora com três filhos, ela era o retrato da boa mulher e mãe (apesar de ainda conservar seu autoritarismo).
Em 1939, por volta dos 18 anos, Giuseppe matricula-se na Faculdade de Artes de Milão. Sua irmã Norma passa seus dias num colégio para freiras e seus dois outros irmãos numa escola de ensino médio. A vida para Leonarda poderia estar as mil maravilhas, não fosse por seu marido. Alcoólatra, Raffaele sempre chega em casa tropeçando nas pernas e sem um centavo, com o dinheiro todo gasto em bares. “Basta! Um dia ou outro eu o jogo para fora de casa! Que bom exemplo para nossos filhos!”,ela grita, mas não tem coragem de enxotá-lo para fora. As brigas continuam e, durante uma discussão mais acalorada do casal, Raffaele deixa a casa da família batendo a porta com ferocidade. Ele nunca mais voltou. Na verdade, sair daquela vida de autoritarismo por parte de sua esposa foi uma libertação. Leonarda gostava de exercer o controle absoluto sob aqueles ao seu redor, reduzindo-os a meros objetos para explorar. Já ficar sozinha não significou muito para ela, seu negócio de roupas usadas e leitura de mãos lhe dava um bom dinheiro – o suficiente para uma mulher em plena década de 1930 poder viver sozinha e bem. Diferentemente da maioria, ela não precisava do dinheiro do marido. Solteira, com 45 anos e com três filhos adolescentes, ela muda-se para o número 11 da Via Cavour; e é nessa época que ela começa a ter sonhos estranhos.
O Bebê Negro
Durante anos, Leonarda sofreu com pesadelos – sonhos nos quais ela perdia seus filhos. E, após um desses pesadelos, ela chega à conclusão de que seu filho favorito, Giuseppe, corre muito, mas muito perigo. Hitler acabara de invadir a Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial. A Itália alia-se aos nazistas contra os Aliados e jovens do País inteiro estão sendo convocados. Giuseppe está na idade certa para a convocação e Leonarda entra em pânico com tal possibilidade. A profecia da cigana dizia que todos os seus filhos morreriam e, se fosse convocado para a Guerra, Giuseppe teria morte certa. O simples pensamento de tal destino para seu filho amado fez com que Leonarda caísse em desespero. Era necessária uma intervenção e ela faria tudo que estivesse ao seu alcance para proteger seu filhote. Consciente do trabalho eficiente de bruxaria que tirou o mau-olhado de sua mãe no passado, ela logo descobre a solução do seu problema: magia negra. Após um sonho em que a Virgem Maria aparece com um bebê negro em seus braços dizendo-lhe o que fazer, Leonarda toma uma macabra decisão.
“Eu não podia suportar a perda de mais um filho. Quase toda noite eu sonhava com os pequenos caixões brancos engolidos um após o outro pela terra negra; foi por isso que eu estudei magia, li livros sobre quiromancia, astronomia, feitiços, espiritismo…Eu queria aprender tudo sobre bruxaria a fim de neutralizar.”
[Leonarda Cianciulli, Confissões de uma alma amarga]
Os Assassinatos em Série
Para manter a vida de seu filho a salvo, Leonarda decide realizar sacrifícios humanos. Enquanto no passado Cianciulli tinha uma má reputação, em Correggio, ela era bem vista e respeitada por todos, considerada uma pessoa de confiança, mãe exemplar e uma fascista fervorosa. Um dos lemas do fascismo é o compartilhamento e Leonarda fazia isso muito bem. À mesa em sua casa sentavam-se todos que queriam um pedaço de bolo ou chá. Ela adorava cozinhar, mais ainda compartilhar a comida que tinha. Na verdade, por trás de sua máscara de mãe cuidadosa e respeitável existia uma personalidade bastante perturbada. E sua reputação de boa mãe, aliada à confiança que as pessoas tinham nela tornou seu trabalho em conseguir vítimas bem mais fácil.
Entre as suas clientes estava a romântica Faustina Setti, de 73 anos, que apesar da idade, ainda sonhava em encontrar seu príncipe encantado. Ela morava sozinha e era a vítima perfeita. Faustina ia muito à casa de Leonarda para que essa lhe informasse sobre as possibilidades dela encontrar sua alma gêmea. Em 20 de Dezembro de 1939, Leonarda a convidou para um chá em sua casa: “Há um homem rico que conheço há alguns anos, ele vive em Póla”, diz ela a Faustina. Para a união ser consumada, a mulher deveria vender a casa, os móveis e seu pedaço de terra, afinal, ela não poderia aparecer para o seu príncipe de mãos vazias. Cianciulli convenceu a senhora a escrever cartas e cartões-postais para os amigos e parentes, que seriam postados quando ela chegasse em Póla. Neles, Faustina escreveu sobre sua boa sorte. Além disso, especificou Leonarda, Faustina não poderia contar a ninguém a respeito, para evitar inveja e mau-olhado. Isso atrapalharia o trabalho. Faustina obedeceu de prontidão. A senhora de 73 anos nunca chegou ao seu destino.
O que faz esta história ter passado para a posteridade não foram os assassinatos em si, e sim a chocante forma como Leonarda eliminou suas vítimas. Faustina foi morta a golpes de machado; Cianciulli picou seu corpo em nove partes e recolheu o sangue em uma bacia. O que ela fez depois?
“Joguei os pedaços em uma panela, acrescentei sete quilos de soda cáustica, que havia comprado para fazer sabão, e misturei tudo até dissolver os pedaços, formando uma pasta espessa que despejei em vários baldes e joguei em um tanque séptico próximo. Quanto ao sangue na bacia, esperei coagular, sequei no forno, desidratei e misturei com farinha, açúcar, chocolate, leite e ovos, e também um pouco de margarina, formando uma massa. Fiz muitos bolos que servi às mulheres que iam me visitar, e Giuseppe e eu também os comemos.”Attilia, uma empregada de Leonarda, chegou pouco depois e descreveu posteriormente o que viu:
[Leonarda Cianciulli].
“Quando eu cheguei na casa, encontrei a panela fervendo no fogão. Toda a casa cheirava podridão. Fui até o fogão e vi uma quantidade enorme de gordura marrom-avermelhada saindo da panela. Eu notei que o chão da cozinha tinha sido lavado recentemente. Achei muito estranho, porque ela era uma fonte de orgulho para mim, sempre mantinha sua casa limpa, um exemplo para mim, uma empregada humilde. Nem em minha remota imaginação pensaria nesta terrível verdade, principalmente porque Giuseppe apareceu, levantou a tampa da panela, olhou por um tempo o seu conteúdo e voltou-se para a mãe para conversar.”Leonarda só voltaria a matar dez meses depois. Francesca Clementina Soavi, 55 anos, foi morta em 5 de Setembro de 1940. Enganada com uma falsa promessa de emprego numa faculdade de Piacenza, Leonarda a aconselhou a ir imediatamente à cidade, senão outra pessoa poderia pegar o emprego. Sua casa e seus móveis seriam vendidos por Cianciulli e o dinheiro enviado assim que as vendas fossem concretizadas. Além disso, Francesca deveria manter a boca fechada sobre sua viagem, mais uma vez, para evitar inveja e mau-olhado. Para evitar maiores suspeitas, Leonarda a convenceu a escrever cartas pedindo desculpas à família pela ausência repentina. Entretanto, Francesca não manteve sua promessa de ficar com a boca fechada e contou a um vizinho sobre sua viagem. Seu desaparecimento é esquecido. Todos pensam que ela, uma mulher solteira, em viagem pela Itália, poderia ter sido apenas mais uma vítima da guerra.
[Attilia, retirado de Leonarda Cianciulli. La saponificatrice]
A segunda mulher assassinada define o perfil de vítimas da, agora, serial killer Leonarda Cianciulli: mulheres de meia idade e idosas, solteiras e sozinhas – sem família e com algum tipo de dificuldade que poderia ser facilmente explorada. A primeira vítima tinha problemas amorosos, já a segunda, financeiros. O método de descarte dos corpos também tem o mesmo padrão: assim como a primeira vítima, Francesca acabou dentro de uma panela; ela foi morta com um machado, esquartejada, e teve o sangue acumulado numa bacia. Por ter um corpo maior, Francesca não coube inteiramente no caldeirão da serial killer e Leonarda foi forçada a cortar a cabeça do cadáver e colocá-la dentro de um saco. O corpo rende mais sabão e mais bolos.
Dois meses depois, em 30 de Novembro de 1940, a Saponificadora de Correggio encontrou sua terceira vítima. Virginia Cacioppo, 53 anos e ex-cantora de ópera (construiu uma carreira de sucessos, atuando em óperas de Verdi, Puccini e Mozart); e cantou em países como Itália, Líbano e Egito. Aposentada, solteira e vivendo sozinha em Correggio, Leonarda a abordou dizendo que um emprego em um teatro de Florença a aguardava. Virginia não poderia dizer nada a ninguém, já que o diretor do teatro recomendava discrição.
“Ela acabou em uma panela como as outras duas; sua carne era branca e gorda e, quando a derreti, acrescentei um frasco de colônia e, depois de um bom tempo de fervura, consegui preparar um sabonete cremoso bem razoável. Dei barras aos vizinhos e conhecidos. Os bolos também ficaram melhores. Aquela mulher era realmente doce.”
[Leonarda Cianciulli]
As três vítimas de Leonarda Cianciulli. Foto: Dunheim.
Na fossa de sua casa foram encontrados um pedaço de crânio, dentes e uma dentadura, que, mais tarde, foram identificados como de Faustina Setti. Dois machados, um cutelo, um martelo, uma serra e uma página de jornal do Gazzeta dello Sport, de 2 de Dezembro de 1940, manchada de sangue, contavam o resto da história.
Centenas de pessoas se acotovelavam na entrada do Tribunal, todos querendo entrar para ver o Julgamento da “Saponificadora de Correggio”. Créditos: Lombardiabeniculturali.
Policiais vigiam a entrada do Tribunal enquanto centenas de pessoas ficam do lado de fora. Créditos: Lombardiabeniculturali.
O tribunal ficou lotado de jornalistas, estudantes de Direito e curiosos. Todos ansiosos para assistir ao julgamento da “Saponificadora de Correggio”. Créditos: Lombardiabeniculturali.
Julgamento
12 de Junho de 1946
Durante os cinco anos em que aguardou pelo seu julgamento, a Saponificadora de Correggio ficou trancafiada na prisão de San Tommaso. A detenta de número 993 passava seus dias escrevendo suas memórias, Confissões de uma alma amarga – um livro com mais de 700 páginas em que contava sobre seus macabros crimes, sua infância difícil e a tempestuosa relação com sua mãe. Cianciulli narra como o casamento e os filhos sobreviventes deram um novo sentido à sua vida e como ela confiou a vida de Giuseppe e dos outros filhos ao Senhor das Trevas. Enquanto esteve em San Tommaso, foi permitido a ela cozinhar. As freiras da prisão lembram que seus bolos e outras receitas eram simplesmente deliciosos, mas que nenhuma detenta se atrevia a comer – todas pensavam que a bruxa de Correggio poderia ter colocado algum tipo de magia nos quitutes.
Em 12 de Junho de 1946, o Tribunal de Reggio Emilia lotou suas cadeiras. Estudantes de Direito, mulheres, homens, pessoas com binóculos, os moradores da região, pararam para ver a mulher que fazia sabão e bolos de suas vítimas. Mãe e filho foram indiciados pela promotoria. O Ministério Público acreditava que, de alguma forma, Giuseppe também participara dos assassinatos. Assim, os dois foram colocados lado a lado, sentados num banco, atrás de grades de metal. Três policiais os cercavam.
“Alberta Fanti estava vestida toda de preto – é uma senhora alta e magra, com um chapéu e véu… Leonarda, pálida, olhos fundos, vestindo um terno preto, cabelo grisalho penteado, ‘você sabe que meu filho é inocente’, ela fala a todo o momento, segurando um lenço em suas mãos… Sobre Setti, ela diz ‘Ela era um anjo. Eu não posso esperar para morrer e ir até lá para se tornar sua escrava’… Ela repetia diversas vezes que não fez aquilo por ela e nem por dinheiro, mas para não deixar as crianças vulneráveis.”
[Sanvitale-Mastronardi]
Alberta Fanti, irmã de Virginia Cacioppo. Créditos: Lombardiabeniculturali.
Leonarda Cianciulli e seu filho Giuseppe durante julgamento. Créditos: Lombardiabenicultural.
Leonarda Cianciulli e seu filho Giuseppe durante julgamento. Créditos: Lombardiabenicultural.
Leonarda Cianciulli e seu filho Giuseppe durante julgamento. Os dois foram mantidos dentro de um cercado com grades de ferro. Créditos: Lombardiabenicultural.
“Meu filho é inocente! Deixe-me à parte! Repetirei até a morte que eu fiz tudo sozinha, porque a verdade é essa! Giuseppe é inocente! Eu sou o monstro, a saponificadora, a bruxa. Ponha-me na cruz se você acha que isso irá restabelecer a justiça! Fiz tudo isso para salvar uma criança inocente!”Por outro lado, obviamente, a defesa da serial killer apostava na tese de insanidade. Uma mulher que acreditava que sacrifícios humanos salvariam a vida de seus filhos e que transformou as vítimas em sabão e bolos só pode ser louca. Criou-se, então, o dilema na sala de julgamento. Leonarda Cianciulli matou suas vítimas em plena lucidez para roubar-lhes os bens? Ou seria ela uma doente mental que realmente acreditava que a vida de seus filhos seria salva com sangue? E a cumplicidade de Giuseppe? Não havia provas contra ele, mas todos quebravam a cabeça para entender como uma mulher miúda poderia ter feito todo o trabalho sozinha, em poucos minutos. Um perito forense chamado Professor Croma foi convocado e disse acreditar que Leonarda não teria capacidade para cortar um corpo sozinha. A cartomante retrucou: “Ouça-me, Professor! Coloque um cadáver à minha disposição e minhas ferramentas que eu lhe mostrarei como cortar um corpo em 25 minutos!” Para sanar todas as dúvidas, reza a lenda que Cianciulli foi levada até o necrotério local, onde foi instigada a demonstrar suas habilidades. Empunhando facas e uma serra, Leonarda teria desmembrado o corpo de um mendigo recém-morto em apenas doze minutos.
[Leonarda Cianciulli]
Perguntada sobre como se livrava dos pedaços, ela disse ter colocado num caldeirão e cozinhado-os durante toda a noite com soda cáustica e água fervente. O sabão resultante era usado na casa para banhos e lavagem de roupa num córrego próximo. Segundo ela, algumas barras de sabão não ficavam boas, eram bastante duras – o que ela descobriu serem os ossos, partes do corpo que não eram “boas para saponificar.” O sangue era geralmente misturado com chocolate, baunilha, cravo, canela e salpicado com um pó obtido a partir dos ossos das vítimas. As massas eram transformadas em bolos que, por sua, vez eram oferecidos às visitas.
Leonarda Cianciulli prestando depoimento ao Juiz. Créditos: Lombardiabenicultural.
Giuseppe conversa com um de seus advogados. Créditos: Lombardiabenicultural.
“Na verdade, eu era o queridinho da minha mãe. Ela mostrava delírios inocentes. Eu tinha 12, 13 anos de idade quando cheguei em casa e soube que ela tinha tentado suicídio. Depois disso tudo, eu esperava mesmo ser preso, pois sabia que a opinião pública estava contra mim. Eu costumava chegar em casa depois do jantar. Era natural ter mau-cheiro em casa, porque o banheiro era uma fossa. Eu enviei os cartões postais porque minha mãe pediu.”O julgamento continuou com a promotoria tentando provar ao júri a culpabilidade de mãe e filho:
“A ré não está doente! Que pessoa em sã consciência faria tais atrocidades? Acreditamos ser capaz de provar que, em sua loucura, essa mulher horrível agiu com uma clareza surpreendente. Ela quer que vocês acreditem que ela havia matado para salvar seu filho, mas, na realidade, ela fez apenas pelo dinheiro – o dinheiro de suas pobres e infelizes vítimas. A ganância é o demônio que levou ela e seu filho a matar!”Convidado pela defesa, Filippo Saporito, psiquiatra e professor da Universidade de Roma, testemunhou que Leonarda Cianciulli era uma mulher incapaz de discernimento, com um instinto maternal “psiquicamente histérica”. Ela acreditava realmente que salvaria suas crianças sacrificando pessoas inocentes. Usando teorias do psiquiatra italiano Cesare Lombroso, Saporito consegue convencer o júri de que a serial killer é parcialmente insana.
[Giulio Laurens, promotor, retirado de Leonarda Cianciulli. La saponificatrice]
Vinte de Junho de 1946 é o dia D para Leonarda Cianciulli. O último dia do julgamento começa com a sala lotada de curiosos e jornalistas. Os espectadores são tantos que muitos, sem lugar para sentar, ficam de pé ao lado dos advogados. Leonarda está de braços cruzados e com a cabeça encostada na gaiola. Ela chora. Giuseppe quieto e pálido. Após duas horas e meia de deliberação, às 13h15min, o Juiz se levanta para ler o veredicto. Leonarda parece estar numa outra dimensão. Nada parece perturbá-la. Quatro minutos depois, os jornalistas escreviam em seus caderninhos: “Leonarda, 30 anos de prisão e três no manicômio. Parcialmente insana. Giuseppe absolvido por falta de provas.” As pessoas aplaudem, mas ninguém fica mais feliz do que Leonarda Cianciulli. Apesar da idade, ela pula feito uma mola, gritando: “Deus seja louvado! Bendito seja Deus! Viva a Lei! Povo de Reggio, me perdoem e eu perdoo.” Em seguida, ela se joga nos braços do filho. Giuseppe chora. A imagem abaixo resume toda a história de vida de Leonarda Cianciulli:
O abraço de filho e mãe. Cianciulli abraça seu filho Giuseppe após o veredicto do tribunal. Foto: Creative Commons.
O abraço de filho e mãe. Cianciulli abraça seu filho Giuseppe após o veredicto do tribunal. Créditos: Leonarda Cianciulli, la saponificatrice.
Um martelo, um cutelo, uma faca, dois machados e um tripé para caldeirão estão expostos no Museu de Criminologia de Roma.
O tripé do caldeirão e o cutelo, ferramentas da serial killer Leonarda Cianciulli. Créditos: Museu Criminologico.
Uma faca, uma serra e dois machados, ferramentas de morte da serial killer Leonarda Cianciulli. Créditos: Museu Criminologico.
Fotos de Leonarda Cianciulli e de suas vítimas, assim como o cutelo, machados, martelo e a faca utilizados por ela em seus crimes. Foto: Museu Criminologico.
Muitos criminologistas afirmam que serial killers que atacam mulheres são motivados por um grande sentimento de ódio dirigido à mãe. Muitos especialistas defendem que os crimes de assassinos psicopatas estão invariavelmente enraizados na necessidade inconsciente de “vingança” contra as mães que os rejeitaram. A premissa poderia ser aplicada ao caso Cianciulli? Se sim, Leonarda seria um caso raro de um serial killer (mulher) cujo ressentimento profundo com a mãe a levou ao assassinato.
Augusto Balloni, um dos autores de Soda cáustica…, diz que Cianciulli, no momento dos assassinatos, estava num estado mental que diminuía significativamente sua capacidade de discernimento, e diz que tal estado mental é compatível com pessoas que sofrem de graves transtornos de personalidade, tais como transtorno de personalidade histriônica e narcisista com traços sádicos, esquizoides e paranoides. Com base nesta hipótese, Roberta Bisi compartilha no livro alguns traços da personalidade de Leonarda:
- Energia maléfica Vs. Energia conservadora: raramente são encontrados na mesma pessoa;
- Relação com a mãe: pesquisas mostram que crianças sem afeto crescem inseguras, com possibilidade de desenvolverem transtornos mentais e comportamentos antissociais; não raramente elas repetem esse comportamento com os filhos;
- Pensamento mágico: grande ego ilusório e dilatado; Leonarda demandava a responsabilidade de um evento a algo mágico;
- Rituais obsessivos: como levar flores toda sexta-feira ao túmulo do pai;
- Local privado dos assassinatos;
- Busca pela perfeição: no terceiro assassinato, ela não desperdiçou a gordura;
- Idealização de pessoas de quem espera receber “reforços” narcisistas;
- Relacionamento com a morte: suicídio;
- Dupla personalidade: Norina Vs. Nardina: Nardina era a mulher que sofria por seus filhos (Cianciulli teve 17 gestações e apenas quatro crianças sobreviveram); Norina, a mulher que agia;
- Identificação com a Deusa Tétis: ambas queriam salvar seus filhos da morte;
- Homeostase narcisista: equilíbrio entre a busca de um sentimento, nunca plenamente alcançado, bem-estar e um sentimento persistente de inferioridade que se manifesta em atitudes narcisistas; apresentando-se como uma pessoa especial que se relaciona com outras pessoas tentando dominá-las, diminuindo-as a objetos.
Quanto ao modus operandi, extremamente cruel, não há, sem dúvida alguma, nenhum sentimento de empatia ou culpa associado. Por mais que estejamos (e infelizmente) acostumados com relatos demasiadamente cruéis de execução, esquartejar um corpo exige muito de uma pessoa, é de uma perversidade enorme, sobretudo se acrescentarmos a produção de bolos e sabão como forma de reaproveitar os restos de suas vitimas.
Do ponto de vista criminal, Leonarda Cianciulli permanece como uma das mais interessantes serial killers que se tem notícia. Diferentemente da grande maioria feminina, que utiliza do veneno para despachar suas vítimas, Cianciulli utilizava um machado (algo raro até entre os serial killers do sexo masculino). Nos filmes de Hollywood, é comum assistir assassinos psicopatas seriais que picam suas vítimas usando machados ou cutelos, mas em nosso mundo real, isso é bastante raro. Machados são pesados e difíceis de manusear, principalmente em lugares fechados. Nas ruas, o uso de tais instrumentos é mais raro ainda. Que serial killer andaria pelas ruas com um machado na mão? Ele poderia ser facilmente pego. Pensar numa senhora de idade, uma vovó de cabelos grisalhos e miúda que mata suas vítimas a machadadas, é bastante difícil, até mesmo em filmes; alguém já viu algum assim? Certamente este seria um enredo bastante assustador para qualquer filme de terror. Mais raro ainda são serial killers mulheres que esquartejam suas vítimas e praticam canibalismo, transformando seus corpos em sabão e receitas culinárias. É bem verdade a improbabilidade de mulheres que torturam suas vítimas ou mantêm relações sexuais com um cadáver – os tipos de detalhes horríveis que costumamos ver em crimes cometidos por homens e que fazem a alegria da mídia sensacionalista. Na verdade, o sexo e o prazer são motivações muito mais para os homens do que para as mulheres. Serial killers mulheres costumam ter uma abordagem mais pragmática para matar pessoas. Comumente, elas matam por lucro e poder. Na foto acima: Leonarda Cianiuclli em foto tirada em Março de 1959, no Hospital Psiquiátrico de Aversa. Creative Commons.
O estudo Lethal Ladies: Revisiting What We Know About Female Serial Murderers (Damas Letais: Revisitando o que Sabemos sobre Serial Killers Mulheres), publicado em 2011, diz que mulheres que cometem crimes em série tendem a matar pessoas próximas a elas (tanto física como emocionalmente) e usam métodos mais silenciosos de eliminação (veneno, drogas e sufocamento). Leonarda Cianciulli foge completamente deste quadro. Certamente ela não foi o primeiro caso no mundo de uma serial killer mulher que matava suas vítimas de forma horrenda e transformava seus corpos em comida, mas foi o primeiro a ser bem documentado, definindo precedentes antes desconhecidos.
A conclusão dessa história é: não subestime uma mulher. Não julgue pelas aparências, o mal pode ser agradável e bonito por fora, assim como doces envenenados ou bolos feitos com sangue.
VÍDEO
Informações
Nome: Leonarda Cianciulli
Conhecida como: A Saponificadora de Correggio
Nascimento: 14 de abril de 1894. Montella, Avellino, Itália
Vítimas: 3 confirmadas
Período: 1939 – 1940
Local: Correggio, Reggio Emilia, Itália
Captura: 3 de Março de 1941
Pena: 3 anos num hospital psiquiátrico e 30 anos em regime fechado
Obs.: Leonarda nunca cumpriu sua pena em regime fechado, permanecendo até sua morte, em 15 outubro de 1970, no hospital psiquiátrico de Aversa.
Foto: Foto datada de 22 de Abril de 1941. Esta foto foi tirada um mês após a prisão de Leonarda Cianciulli.
“Eu não matei por ódio ou ganância, mas apenas pelo amor de mãe.”
[Leonarda Cianciulli]
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