Nada do que se segue tem muita importância. Mas pode dizer alguma coisa.
No rescaldo das polémicas declarações de Marcelo Rebelo de Saúde (MRS), de que vetaria um projecto de Lei de Bases da Saúde se votado apenas à esquerda, MRS fez estranhas declarações.
A primeira foi a de que MRS é a favor do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e está familiarmente ligado a ele: "Na Constituinte, votei a favor de um Serviço Nacional de Saúde na Constituição. E até tenho uma razão afetiva: o meu pai, ainda na ditadura, fez parte da pré-história do SNS, porque criou os centros de saúde", de onde nasceu "uma escola" que mais tarde "apoiou muito a posição do doutor António Arnaut" na criação do SNS, em 1979. A segunda é a de que, afinal, MRS já não vai vetar o projecto de Lei de Bases da Saúde à esquerda porque - depois de ler o projecto do Governo - MRS acha que não é tanto à esquerda e que até poderia ser aproveitado pela direita (ver primeiro emissão do programa "Circulatura do Quadrado"). E que a posição do PS sobre a Lei de Bases se enquadra meramente nas lutas eleitorais: "Isso é a luta político-ideológica em termos de afirmação a poucos meses de eleições". Estas mensagens requerem um comenário.
Primeiro, lendo as actas das sessões plenárias da Assembleia Constituinte (AC) de 1975/76, verifica-se que MRS não esteve na sessão plenária em que se votou o articulado relativo ao SNS.
Os debates em plenária decorriam, depois das 13 comissões parlamentares terem chegado a uma proposta de articulado, com base nos projectos do PS, PPD, PCP, MDP/CDE, CDS, UDP. No caso do SNS, a votação do seu articulado foi na sessão de 2/10/1975, (página 925). E caso se consulte a página 947, ver-se-á que MRS faltou a sessão.
Claro que, no final da Constituinte, MRS esteve na sessão em que os deputados votaram o texto completo da Constituição - no qual estava (claro!) a parte relativa ao SNS. E um MRS amalandrado dirá: "Mas votei, não votei?" E é verdade: votou. Mas também votar em 1975 no SNS não era nada de especial. Senão vejamos.
Em 1975, todos os projectos de constituição previam um SNS! Era o caso do projecto do PPD, em cuja bancada MRS estava, que no seu artigo 50º, 2.c) afirmava que cabia ao Estado... "Assegurar a cobertura médica e hospitalar de todo o país mediante a criação de um SNS". Até o projecto do CDS - partido que votou contra a Constituição - defendia (artigo 48º, 2. ) que "Compete ao Estado criar e manter um SNS geral e gratuito"(!), embora no ponto 3 se dissesse: "São admitidas a clínica livre e as actividades de saúde de carácter privado, sem prejuízo da sua regulamentação por lei, da sua fiscalização pelo Estado e da sua articulação com o SNS".
Aliás, naquela altura, o PPD defendia a "socialização dos meios de produção" e MRS votou o artigo 1º que fixava que Portugal era uma república empenhada em transformar-se "numa sociedade sem classes" que tinha por "objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras".
Dizer hoje que apoiou o SNS na Constituinte é, pois, quase nada. Todos apoiavam. Diferente foi o que aconteceu depois.
E se alguma coisa ficou na História comum entre MRS e o SNS - a par de ter omitido o SNS olimpicamente no jornal Expresso ao longo do ano em que foi criado (1979) - foi o facto de MRS (um conceituado constitucionalista) ter pertencido a um governo Balsemão como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que aprovou um diploma que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional, porque equivaleria "à destruição ou inutilização do Serviço Nacional de Saúde (SNS), criado pela Lei n.º 56/79". O assunto foi abordado no debate presidencial - aliás, muito feio e sem muitos afectos - entre Marcelo e Nóvoa nas eleições de 2016 (ver minuto 30).
No rescaldo das polémicas declarações de Marcelo Rebelo de Saúde (MRS), de que vetaria um projecto de Lei de Bases da Saúde se votado apenas à esquerda, MRS fez estranhas declarações.
A primeira foi a de que MRS é a favor do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e está familiarmente ligado a ele: "Na Constituinte, votei a favor de um Serviço Nacional de Saúde na Constituição. E até tenho uma razão afetiva: o meu pai, ainda na ditadura, fez parte da pré-história do SNS, porque criou os centros de saúde", de onde nasceu "uma escola" que mais tarde "apoiou muito a posição do doutor António Arnaut" na criação do SNS, em 1979. A segunda é a de que, afinal, MRS já não vai vetar o projecto de Lei de Bases da Saúde à esquerda porque - depois de ler o projecto do Governo - MRS acha que não é tanto à esquerda e que até poderia ser aproveitado pela direita (ver primeiro emissão do programa "Circulatura do Quadrado"). E que a posição do PS sobre a Lei de Bases se enquadra meramente nas lutas eleitorais: "Isso é a luta político-ideológica em termos de afirmação a poucos meses de eleições". Estas mensagens requerem um comenário.
Primeiro, lendo as actas das sessões plenárias da Assembleia Constituinte (AC) de 1975/76, verifica-se que MRS não esteve na sessão plenária em que se votou o articulado relativo ao SNS.
Os debates em plenária decorriam, depois das 13 comissões parlamentares terem chegado a uma proposta de articulado, com base nos projectos do PS, PPD, PCP, MDP/CDE, CDS, UDP. No caso do SNS, a votação do seu articulado foi na sessão de 2/10/1975, (página 925). E caso se consulte a página 947, ver-se-á que MRS faltou a sessão.
Claro que, no final da Constituinte, MRS esteve na sessão em que os deputados votaram o texto completo da Constituição - no qual estava (claro!) a parte relativa ao SNS. E um MRS amalandrado dirá: "Mas votei, não votei?" E é verdade: votou. Mas também votar em 1975 no SNS não era nada de especial. Senão vejamos.
Em 1975, todos os projectos de constituição previam um SNS! Era o caso do projecto do PPD, em cuja bancada MRS estava, que no seu artigo 50º, 2.c) afirmava que cabia ao Estado... "Assegurar a cobertura médica e hospitalar de todo o país mediante a criação de um SNS". Até o projecto do CDS - partido que votou contra a Constituição - defendia (artigo 48º, 2. ) que "Compete ao Estado criar e manter um SNS geral e gratuito"(!), embora no ponto 3 se dissesse: "São admitidas a clínica livre e as actividades de saúde de carácter privado, sem prejuízo da sua regulamentação por lei, da sua fiscalização pelo Estado e da sua articulação com o SNS".
Aliás, naquela altura, o PPD defendia a "socialização dos meios de produção" e MRS votou o artigo 1º que fixava que Portugal era uma república empenhada em transformar-se "numa sociedade sem classes" que tinha por "objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras".
Dizer hoje que apoiou o SNS na Constituinte é, pois, quase nada. Todos apoiavam. Diferente foi o que aconteceu depois.
E se alguma coisa ficou na História comum entre MRS e o SNS - a par de ter omitido o SNS olimpicamente no jornal Expresso ao longo do ano em que foi criado (1979) - foi o facto de MRS (um conceituado constitucionalista) ter pertencido a um governo Balsemão como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que aprovou um diploma que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional, porque equivaleria "à destruição ou inutilização do Serviço Nacional de Saúde (SNS), criado pela Lei n.º 56/79". O assunto foi abordado no debate presidencial - aliás, muito feio e sem muitos afectos - entre Marcelo e Nóvoa nas eleições de 2016 (ver minuto 30).
VÍDEO
Ora, tudo isto remete-nos para a questão: por que razão MRS sentiu necessidade de - vichyssoimente - afirmar que votara o SNS, que quase herdou uma questão "afectiva" com o SNS, e que, afinal, não há muita diferença entre o projecto do Governo e uma visão da direita? E que esta é uma luta eleitoralista que está a ser feita pelo Governo?
Será que MRS sentiu que foi longe de mais ao afirmar que vetaria uma Lei de Bases à esquerda, revelando estar ao lado de quem tem presentemente apenas 35% do eleitorado e que tudo fará para que os 65% do eleitorado não possam votar uma Lei de Bases? E que agora quer engendrar uma manobra de diversão para recuperar o "centro do tabuleiro" que perdeu nessa altura?
Siga os próximos episódios.
Ora, tudo isto remete-nos para a questão: por que razão MRS sentiu necessidade de - vichyssoimente - afirmar que votara o SNS, que quase herdou uma questão "afectiva" com o SNS, e que, afinal, não há muita diferença entre o projecto do Governo e uma visão da direita? E que esta é uma luta eleitoralista que está a ser feita pelo Governo?
Será que MRS sentiu que foi longe de mais ao afirmar que vetaria uma Lei de Bases à esquerda, revelando estar ao lado de quem tem presentemente apenas 35% do eleitorado e que tudo fará para que os 65% do eleitorado não possam votar uma Lei de Bases? E que agora quer engendrar uma manobra de diversão para recuperar o "centro do tabuleiro" que perdeu nessa altura?
Siga os próximos episódios.
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