MORTOS EM COMBATE NA GUERRA COLONIAL
ANGOLA
MOÇAMBIQUE
GUINÉ
TOTAL
GUINÉ - Zonas de Operações
Na Guiné, exceptuando o arquipélago dos Bijagós (sem interesse militar), o terreno define duas zonas militarmente diferenciadas:
- A litoral - da costa até uma linha definida de norte para sul por Cuntima - Jumbembem - Porto Gole - Xime - Xitole - Aldeia Formosa;
- O interior - para leste da linha anterior até às fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conacri.
Contudo, durante a guerra, quer os comandos militares portugueses, quer o PAIGC dividiram o território em três zonas, separando o litoral em Norte e Sul pelo rio Geba.
A divisão da Guiné em zonas de operações obedeceu à compartimentação do terreno, mas teve em consideração as importantes clivagens étnicas e religiosas dos grupos humanos da Guiné e os apoios que os países vizinhos deram à luta militar.
Foram assim estabelecidas três zonas de operações:
- Zona Norte: São Domingos (fronteira) Farim - Teixeira Pinto (Canchungo) - Oio Morés - Bissau
- Zona Sul: Fulacunda (Quinara) - Cubisseco - Catió Cantanhez - Quitafine - fronteira
- Zona Leste: Bafatá - Gabu (Nova Lamego) - Madina - fronteira norte (Pirada) - fronteira leste (Buruntuma).
O papel dos vários grupos na guerra
A presença portuguesa na Guiné foi sempre fraca dado o seu pouco interesse económico e a insalubridade do clima.
A administração colonial executiva foi entregue aos cabo-verdianos, o comércio estava nas mãos das comunidades libanesa e síria e os poucos portugueses trabalhavam como quadros da administração ou ao serviço das grandes empresas, em especial da CUF (Casa Gouveia).
Os Guineenses, divididos por ancestrais conflitos, dedicavam-se à agricultura de subsistência nas bolanhas ou a trabalhos indiferenciados de apanha de produtos agrícolas para as grandes empresas.
Foi nestas massas que o PAIGC recrutou os seus militantes e combatentes.
www.guerracolonial.org
ATENÇÃO
PASSE O RATO, COPIE E COLE NO MOTOR DE BUSCA GOOGLE O LINK ABAIXO QUE O LEVARÁ A VÍDEOS E MAIS MATÉRIA SOBRE A GUERRA COLONIAL
PROCURE O VÍDEO
SPÍNOLA UMA NOVA MANEIRA DE FAZER A GUERRA
http://www.guerracolonial.org/index.php?content=2174
Dados geográficos
Situada na costa ocidental de África, a Guiné ocupa uma superfície de 36 125 quilómetros quadrados, dos quais apenas 28000 quilómetros quadrados são constituídos por terras permanentemente emersas. Confina a norte com o Senegal, a leste e sudeste com a República da Guiné, e a oeste e sudoeste com o oceano Atlântico.
A Guiné faz fronteira com o Senegal, a norte, e a República da Guiné-Conacri, a sul. Descontando a vasta área que é periodicamente coberta pelas marés, e que se encontra revestida por mangais e tarrafo, a área emersa é de cerca de 28 000 quilómetros quadrados. O território inclui um cordão de ilhas: Geta, Pecixe, Bissau, Bolama, Como e o arquipélago dos Bijagós.
As fronteiras com os países vizinhos são convencionais, sem obstáculos naturais e resultam da Convenção Luso-Francesa de 1905. Só entre 1929 e 1933 foram efectuadas as delimitações, com a colocação dos marcos fronteiriços, facto que facilitou, durante o período da guerra, o trânsito entre os países vizinhos e o interior do território, tanto dos guerrilheiros do PAIGC como dos seus apoios.
O terreno na Guiné não apresenta elevações de relevo e a sua compartimentação é feita pelos rios. Podem, no entanto, considerar-se as seguintes zonas:
- Planícies do litoral: zonas baixas, pantanosas, na foz dos rios;
- Planalto de Bafatá: zona de transição entre o litoral e o interior;
- Planalto do Gabu (Nova Lamego): continuação do planalto de Bafatá para o interior;
- Colinas do Boé: encostas do Futa Jalon.
Com interesse militar, é de referir a zona do Oio-Morés, de matas densas, cercadas de pântanos (bolanhas), onde os guerrilheiros criaram estruturas de apoio e refúgio, muito difíceis de atingir pelas forças portuguesas.
A vegetação na zona litoral e nas margens dos rios é muito cerrada, enquanto na zona interior planaltos de Bafatá e do Gabu é constituída por savana.
O clima, na Guiné, apresenta duas zonas diferenciadas: tropical, com elevadas temperaturas e humidade nas zonas costeiras, e continental, seco e quente, subsariano no interior. Existem duas estações: a seca, entre Dezembro e Fevereiro, em que as temperaturas chegam a descer aos 15 graus e a das chuvas. A partir de Fevereiro, o calor, associado ao vento leste, torna a atmosfera «irrespirável», com temperaturas de 35 graus a 40 graus à sombra.
O regime de monções provoca tornados no início e no fim das estações, que dificultam particularmente o tráfego aéreo.
A Guiné é sulcada por enorme profusão de cursos de água, embora exista apenas como verdadeiro rio o sistema Geba/Corubal. Os restantes são braços de mar que penetram mais ou menos profundamente no território e cujo conjunto constitui a base do sistema de transportes da Guiné.
O Cacheu é o braço de mar mais extensamente navegável, possibilitando a navegação de navios de grande calado até Binta, a 80 milhas da costa, por onde, antes do início da guerra, era escoada a madeira das plantações e concessões da CUF.
O Mansoa facilita o acesso à zona do Oio-Morés.
O Rio Grande de Buba permite o acesso à zona do Boé.
O Cacine possibilita o acesso a Cacine, Gadamael-Porto e Guileje.
www.guerracolonial.org
Testemunho de Carlos Fortunato
O acontecimento com maior número mortos durante a guerra, ocorreu na retirada de Madina de Boé, a 6 de Fevereiro de 1969, no qual morreram 47 militares quando uma das jangada que fazia a travessia do Rio Corubal se virou, devido a excesso de pessoal na mesma, a seguir nesta lista negra, vem a "invasão" da Guiné-Conackry com 30 mortos.
A emboscada ao Pelotão 58, em 12/10/1970, originando 10 mortos, 9 feridos graves, 8 feridos ligeiros, e 1 soldado capturado, foi também um dos momentos trágicos da guerra da Guiné, pois foi a emboscada que originou maior numero de mortos, e que marcou quem estava naquela zona na altura.
O Pelotão de Caçadores 58, era constituído por soldados naturais da Guiné, enquadrados por graduados vindos da metrópole, e defendia o aquartelamento de Infandre.
O PCAÇ 58 criado em 1967, e estava integrado desde 1969 dentro do sistema defensivo de Mansôa.
Pelotão de Caçadores 58
Guiné 1967/1974 (2)
Guiné 1967/1974 (2)
A missão Pelotão 58 era a defesa do aquartelamento de Infandre, e da zona circundante, onde viviam muitos populares.
O quartel de Infandre, era um pequeno aquartelamento, talvez o mais correcto seja até classifica-lo como um posto avançado, que estava localizado a cerca de 10 kms de Mansôa, junto à tabanca de Infandre, e o seu acesso fazia-se através da estrada entre Mansôa e Bissorã, havendo um desvio que depois levava ao seu aquartelamento.
Em 1970 o PCAÇ estava enquadrado na CCAÇ 2589, tendo como seu comandante desde 06/70 o alferes miliciano nº 16831968 Eduardo Ribeiro Manuel Cardoso Guerra.
O sector de Mansôa era controlado pelo BCAÇ 2885, que estava sedeado em Mansôa.
Perto de Infandre existia o aquartelamento de Braia, localizado junto à ponte de Braia, a cerca de 4 kms de Mansôa, onde a CCAÇ 2589 defendia esta ponte e a zona.
1970 (?) - Braia - César Dias do pelotão de sapadores da CCS do BCAÇ 2885,
carrega um saco com explosivos, para ajudar a cortar umas palmeiras para
construir um abrigo em Braia, ao seu lado o alferes do seu pelotão Montezuma Carvalho dos Santos, acompanhados de elementos do pelotão de milícia, e da população (4)
O aquartelamento de Braia, além de defender a estratégica ponte sobre o rio Braia, fundamental para a ligação entre Bissorã e Mansôa, servia de "tampão" de protecção às povoações entre Braia e Mansôa, dado que o rio Braia dificultava a passagem da guerrilha. A guerrilha embora podendo sempre desencadear ataques naquela zona, se fizesse uma incursão a sua retirada era muito perigosa, dada a dificuldade de fuga face a uma reacção das tropas ali aquarteladas, nomeadamente em Mansôa.
O rio Braia é um dos afluentes do rio Mansôa, é um rio de águas calmas quase paradas; perto do aquartelamento de Braia, o rio em determinadas alturas do ano transforma-se num "lago", povoado por nenúfares e cegonhas, tornando-se num local fascinante. É o local mais bonito daquela zona.
O filme está em mpg-2, e funciona com o Windows Media Player. Se necessitar de instalar o Windows Media Player, ou actualizar a sua versão pode faze-lo na Microsoft:
A partir de Braia até Bissorã, era a zona de maior risco, pois a estrada entre Mansôa e Bissorã tinha a partir dali ao seu lado direito o mítico Morés, onde estava o QG da zona norte do PAIGC, e à esquerda o Queré, uma base com um bigrupo reforçado com uma unidade de artilharia, o que colocava Braia e Infandre na linha da frente.
22/11/2006 - Estrada de Infandre, a mais bonita estrada da região (1) | 22/11/2006 - Populares da tabanca de Infandre (1) |
Infandre estava assim localizada numa zona de elevado risco, e a estrada até lá era uma potencial zona de ataque, embora a principal actividade da guerrilha, fosse as flagelações aos aquartelamentos.
A emboscada foi realizada na estrada Bissorã/Mansôa,
entre o quartel de Braia e a estrada para Infandre.
Extraída do mapa militar de Mansôa existente na altura (1)
A zona entre Braia e Mansôa, era a zona da estrada onde tínhamos maior controlo, e as colunas que a CCAÇ 13 escoltava entre Bissorã e Mansôa, habitualmente paravam nesta zona perto de Braia, para nos reorganizarmos, pois havia sempre algumas viatura que se atrasavam.
A 12 de Outubro de 1970 um grupo de milicias do PAIGC (FAL - Forças Armadas Locais), vindos da zona do Morés, bem armados, emboscaram o PÇAÇ 58 que se dirigia de Braia para Infandre de honimog.
Segundo os relatos que chegaram à CCAÇ 13 na altura, o PAIGC colocou dois elementos na estrada pedindo boleia, e fingindo ser elementos da população.
A coluna confiante nas boas relações que possuía com a população, e na proximidade do aquartelamento de Braia, parou, e de imediato os guerrilheiros do PAIGC que estavam escondidos junto à estrada abriram fogo, matando ou ferindo a quase totalidade das nossas tropas, que estavam sentadas nos honimogs.
Os soldados do PCaç. 58 apanhadas de surpresa não tiveram tempo de reagir, apesar de os honimogs possuírem 2 bancos onde os soldados se sentavam virados para os lados, para se poder reagir rapidamente.
Aproveitando a quase total destruição de capacidade de resposta das NT, o PAIGC fez a seguir um assalto às viaturas, no qual mataram os feridos com armas brancas, havendo lutas corpo a corpo, apenas escaparam os que conseguiram fugir para o mato.
O aquartelamento de Braia ao ouvir os tiros partiu rapidamente em socorro dos camaradas, mas também eles ficaram debaixo de fogo inimigo, o qual retirou com o armamento capturado.
1970 (?) - Mansôa - Viaturas (4)
|
1970 - Mansôa - Fogo dos obuses de Mansôa
Os obuses 14, chegaram a Mansoa com o 28º Pel Art 14, em Junho de 1970 (4)
|
Mansôa também enviou apoio, e a sua artilharia bateu a zona, mas tudo já estava consumado.
As nossas tropas sofreram 10 mortos, 9 feridos graves, 8 feridos ligeiros, e 1 soldado capturado, sem dúvida uma das mais mortíferas emboscadas.
A 20/11/1970 a caminho de Bissau para participar na operação "Mar Verde", o 3º e o 4º pelotões da CCAÇ 13 passaram pelo local, onde uma granada de RPG espetada num tronco, por não ter explodido, assinalava o local dos confrontos. A memória já não é clara sobre o local exacto onde vi a granada de RPG, mas creio que foi a cerca de 3 kms do quartel de Braia.
A 22/11/2006, 36 anos depois, passei novamente pelo local acompanhado de um ex-elementos das FAL do PAIGC da zona do Morés (Ingoré), Clodé Duque este disse-me lembrar-se deste ataque, e do estratagema usado para fazer parar a coluna, mas que apesar de este ter sido executado pelas FAL a que ele pertencia, não tinha participado no ataque, não sabia pormenores, mas sabia que tinham sido capturadas muitas armas.
Testemunho de César Dias
César Dias, ex-furriel miliciano do BCAÇ 2885, que na altura estava em Mansôa, lembra-se bem desta data, pois é das coisas que nos ficam gravadas na memória:
"12-10-1970 é uma data que recordo com tristeza.
Como muitas outras era mais uma coluna a passar naquele itinerário, ( Braia-Infandre), mas daquela vez havia à volta duma centena de guerrilheiros emboscados com morteiros, lança granadas foguete e armas automáticas.
Chegaram mesmo a lutar corpo a corpo. Sofremos 10 mortos ( entre os quais do Pel Caç Nat 58 o 1º cabo José Mamede, o 1º cabo Joaquim Baná, e os soldados Cumba, Seidi, Mundi, e Baldé, da C CAÇ 2589 o meu amigo Furriel Milic de Op Esp Dinis Castro, e os soldados Joaquim M. Silva, Joaquim J. Silva, Duarte Gualdino, a quem presto sentida homenagem ), 9 feridos graves, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado.
Braia e Infandre eram dois destacamentos que estavam permanentemente a ser incomodados. Tinham a missão de protecção ás tabancas e ao itinerário Mansoa-Bissorã, pois a proximidade das bases de Morés e Queré convidava a que os nossos "amigos" se viessem abastecer a essas tabancas.
Indo no sentido Mansoa-Bissorã, o destacamento de Braia ficava do lado direito e a tabanca do lado esquerdo (podemos ver na tua foto), mais á frente tínhamos o cruzamento de Infandre, e foi neste troço que se deu a tragédia.
Como já disse, 10 mortos, 9 feridos graves, e 8 ligeiros. Sobre os dados que relatei só posso acrescentar que dos nove feridos graves um era outro Furriel Milic, penso que do Pel Caç Nat 58 pois o Henrique Martins de Brito foi evacuado para a Metrópole em 20-11-70. Foram ainda transferidos para o Hospital de Bissau o 2º Sargento Milic Augusto Ali Jaló, o 1º cabo Jamba Seidi e 4 soldados, todos do Pel Nat 58, quanto aos outros já relatei, são os documentos que tenho.
Sobre o que aconteceu, a esta distância foi assim: a coluna dirigia-se mesmo para o destacamento de Infandre, caíram na emboscada e imediatamente a guarnição de Braia (C CAÇ 2589) foi em socorro, estou mesmo a ver, o Dinis foi-se a eles de peito aberto, tinha nascido para aquilo, mas uma rajada cortou-lhe o peito na diagonal, e lá ficaram mais uns amigos. Resumindo o Pel Caç Nat 58 foi bastante massacrado, em 12-10-1970 foi duro demais."
Testemunho de António Gomes
O Afonso M. Ferreira Sousa, recolheu um testemunho importante, do furriel miliciano António Luís Fernandes Silva Gomes, que foi um dos elementos que partiu de Braia em socorro, do pelotão 58, e que se transcreve a seguir:
"Estive a falar com com o ex-furriel António LFS Gomes - natural de Lisboa. No momento do telefonema, estava em Estarreja (provavelmente em serviço).
Confirma que a coluna era composta por apenas duas Unimog (com taipais laterais) onde iam elementos do Pel. Caç. Nat. 58 e população de Infandre que vinha com eles de Mansoa/Braia.
A emboscada ocorreu 5 a 10 minutos depois das viaturas terem partido do destacamento de Braia, onde tinham estado a almoçar. O António Gomes confirma que não houve qualquer paragem para dar boleia a qualquer elemento do PAIGC. Depois de (em Braia) ouvirem o som do tiroteio, imediatamente se deslocaram para o local, na tentativa de auxiliar a coluna.
Andaram cerca de 1,3 Km, pararam as viaturas e deslocaram-se a pé. Já à vista das 2 viaturas emboscadas, elementos do PAIGC que estavam em cima dessas viaturas começaram a atirar para os militares que partiram de Braia, em socorro.
O António Gomes diz que o fogo estava a direccionar para ele e foi disso alertado - teve que reposicionar-se para não ser atingido. Continuaram a progressão e os elementos do PAIGC debandaram (tanto mais que o seu principal objectivo estava atingido). Os taipais das viaturas encontravam-se extremamente esburacados.
A emboscada foi feita a escassos 2 ou 3 metros da picada, aproveitando o capim alto de cerca de 2,5 metros - a pouco mais de 1,5 a 2 Km de Braia, após uma ligeira curva à
direita, aonde começa de uma recta da estrada. A coluna estava a escassos 1,5 Km de Infandre e, segundo o testemunho do António Gomes, o "pessoal" seguia talvez excessivamente descontraído (vulgo estilo bandalheira), tendo até as munições algo cobertas com os haveres que os elementos da população transportavam nas duas viaturas.
direita, aonde começa de uma recta da estrada. A coluna estava a escassos 1,5 Km de Infandre e, segundo o testemunho do António Gomes, o "pessoal" seguia talvez excessivamente descontraído (vulgo estilo bandalheira), tendo até as munições algo cobertas com os haveres que os elementos da população transportavam nas duas viaturas.
Os guerrilheiros do PAIGC procederam à emboscada, posicionados do lado direito da estrada, logicamente do lado de onde terão procedido, a base do Morés. Talvez para despiste ou para dar qualquer sinal, terão, antes, feito rebentar uma mina logo após a ponte do Rio Braia.
Logo após o surgimento da nossa coluna na zona de morte, a intensidade do ataque chegou quase a requintes de malvadez para não dizer massacre. Cinco dos nossos militares que vinha na parte de trás das viaturas tiveram a sorte de se atirarem para o capim do lado esquerdo.
Foram recolhidos com ferimentos. Um deles (Costa - que está em França) terá contado que o furriel mil.º Dinis Castro, porque se recusou a tirar a farda (solicitado pelos guerrilheiros) foi, pura e simplesmente, cortado de lado a lado, com rajadas."
Lista de mortos do PCAÇ 58 e da CCAÇ 2589 (5)
As listas dos combatentes falecidos no Ultramar, que podem ser consultas no site da APAV, ou da Liga dos Combatentes, nem sempre são rigorosas, neste caso omitiram o falecimento do Joaquim M. Silva da C CAÇ 2589.
Nome | Batalhão/ Companhia | Data Falec. |
JOSÉ DA CRUZ MAMEDE | PelCaç 58 | 12-10-1970 |
JOAQUIM BANAM | PelCaç 58 | 12-10-1970 |
JOAQUIM DA SILVA MAGALHÃES | PelCaç 58 | 30-08-1969 |
IDRISSA SEIDI | PelCaç 58 | 12-10-1970 |
BOMBORO JOAQUIM | PelCaç 58 | 21-08-1969 |
TANGINA MUTE | PelCaç 58 | 12-10-1970 |
BETAQUETE CUMBÁ | PelCaç 58 | 12-10-1970 |
GILBERTO MAMADU BALDÉ | PelCaç 58 | 12-10-1970 |
NATCHA QUEFIQUE | PelCaç 58 | 20-11-1970 |
SERIFO DJALÓ | PelCaç 58 | 17-10-1970 |
Nome | Batalhão/Companhia | Data Falec. |
DINIS CÉSAR DE CASTRO | CCaç2589/BCaç2885 | 12-10-1970 |
JOSÉ LUCIANO VERÍSSIMO FRANCO | CCaç2589/BCaç2885 | 29-05-1969 |
DUARTE RIBEIRO GUALDINO | CCaç2589/BCaç2885 | 12-10-1970 |
ANTÓNIO JOSÉ PENHASCO COSTA | CCaç2589/BCaç2885 | 09-11-1969 |
JOAQUIM MOREIRA MARQUES | CCaç2589/BCaç2885 | 09-11-1969 |
JOAQUIM JOÃO DA SILVA | CCaç2589/BCaç2885 | 12-10-1970 |
Publicado em 24/02/2003, e revisto em 17/07/2007 por Carlos Fortunato e César Dias
Crónica dos ex-furriéis Carlos Fortunato e César Dias
(1) Fotos do ex-furriel Carlos Fortunato, da CCAÇ 13
(2) Fotos do ex-furriel Benjamim Durães, Bambadinca Maio/1970 a Março/1972
(3) Foto do Livro "Guerra Colonial", de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes
(3) Foto do Livro "Guerra Colonial", de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes
(4) Fotos do ex-furriel César Dias, da BCAÇ 2885
(5) Lista de mortos da APVG (http://www.apvg.pt/index.php)
Nota:
Recuar 36 anos e reconstruir o que se passou a 12/10/1970 ao PCAÇ 58, é algo extraordinário, apenas conseguido graças ao espírito existente na "caserna virtual" construída pelo Luís Graça (blog "Luís Graça & Camaradas"), a qual se mobilizou para responder à pergunta do Afonso M. F. Sousa (também ele um antigo combatente que conheceu a Guiné), que queria conhecer as circunstâncias em que faleceu o seu amigo e conterrâneo José Mamede, à 36 anos, por isso esta historia é também o resultado da ajuda dada pelo Benjamim Durães, o Paulo Raposo, o Paulo Reis, o Eduardo Ribeiro, o Benjamim Reis, e pelo Humberto Reis, sempre presente através dos seus preciosos mapas militares.
O Afonso M. F. Sousa continua na sua pesquisa, para conseguir reconstruir com o maior rigoroso possível, o que se passou neste dia fatídico, pelo que se espera que um dia se possa rever novamente este texto, e dar-lhe uma versão tão detalhada e próxima da verdade quanto possível.
Web site: http://leoesnegros.com.s
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1972/1974 > BCAÇ 4612 (1972/74) > Imagens da chegada de mortes e feridas, na sequência a uma emboscada a um coluna de reabstecimento, na estrada de Mansoa-Farim, possivelmente em 15 de julho de 1973.
Fotos: © Jorge Canhão (2011). Todos os direitos reservados
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso amigo e camarada Jorge Canhão, que vive em Oeiras (ex-Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74).
Estas fotos, relativas a Mansoa, chegaram-nos às mãos através de outro grã-tabanqueiro, o Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), residente em Leiria. Os nossos especiais agradecimentos aos dois, e muito em especial ao nosso camarada Jorge Canhão-
Não sabemos quem é o autor (ou quem são aos autores) das fotos,,, Estas fotos constam de um CD, do Agostinho Gaspar, estão sob um ficheiro com a seguinte designação: Jorge Canhão > Vários Batalhão. Também não sabemos a que emboscada se referem. Sabemos, pela história da unidade, que houve uma violenta emboscada no dia 15/7/1973, na estrada Farim-Mansoa, no troço entre Mansabá e Mansoa...Mas nessa ocasião houve 1 morto (e não mortos) e 8 feridos graves, conforme se pode ler na HU- Cap II / Fasc VIII, pág. 60:
- (...) Às l5 de julho de 1973, às 13h30 na região de Mansoa 8HO.65, um grupo IN estimado em 60 elementos emboscou no regresso a coluna de reabastecimento a Farim, com armas automáticas, RPG-2, Mort 60 e Granadas de Mão.
O IN iniciou a emboscada com uma granada de mão. A emboscada estava montada do lado direito da estrada Mansabá/Mansoa com um pequeno grupo IN no lado esquerdo. As NT sofreram 1 morto (Fur Mil), 8 feridos graves (1 Oficial e 7 Praças). 2 viaturas ficaram danificadas (1 Berliet que ardeu; e Unimog 404).
O IN deixou no terreno 1 morto, fardado de amarelo e armado de LGF RPG-2, vários rastos de sangue, 2 Minas A/P PMD-6 e 2 granadas de RPG-2. Retirou na direcção do Morés, sendo executado tiro de artilharia sobre o itinerário de retirada. (...)
Talvez o Jorge Canhão nos possa esclarecer a que data se referem estas fotos. Nas colunas a Farim houve diversas emboscadas de que resultaram baixas. A do 15 de julho de 1973 pareceu-me a mais grave, a avaliar pelo nº de baixas das NT e das viaturas atingidas.
____________
Nota do editor:
Últmo poste da série > 9 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11222: Álbum fotográfico do Jorge Canhão (ex-fur mil inf, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) (5): Balantas, mandingas e mansoancas
"Numa emboscada morreram seis"
Guiné > Ilha do Como > 1964 >
Na tabanca de Cauane, após a acção descrita. Estou eu, (de óculos) encostado a uma palhota, visivelmente cansado. A meu lado, a comer uma bolacha da ração de combate - não havia mais nada - o 1º cabo fotocine Raimundo que estava destacado pelo QG a fim de fazer a cobertura da operação, e que se juntou ao nosso grupo nunca mais deixando de nos acompanhar.
© Mário Dias (2005)
Nada a fazer. Tivemos que ordenadamente retirar e regressar às nossas posições na tabanca de Cauane. Nesta acção, os fuzileiros sofreram 2 mortos e 3 feridos graves. Dos guerrilheiros não se sabe pois ninguém conseguiu lá chegar e verificar o que entre eles se passou.
O PAIGC estava a opor grande resistência. Foi necessária a ajuda da aviação e artilharia para que aos poucos se fosse tornando possível a nossa progressão para o interior do Como. Recordo algumas noites em que nos era recomendado não acender fogueiras, nem sequer cigarros, pois os P2V5 vinham (à socapa pois eram da NATO) bombardear a mata. As explosões eram tão fortes que o chão onde estávamos deitados estremecia.
Durante o dia actuavam os F86 e T6 bombardeando e metralhando todos os movimentos que detectassem.
Uma noite, não sei se numa atitude provocatória ou se por terem frio, acenderam uma enorme fogueira mesmo na orla da mata à nossa frente. Via-se nitidamente a passagem de silhuetas humanos à sua volta. O cmdt. dos fuzileiros (1º Ten. Alpoim Calvão) chamou o Saco, apontador da instalaza(lança granadas foguete, como a nossa bazuca - aportuguesemos a palavra - mas com algumas diferenças: era de cor cinzenta, metalizada, com um óculo de pontaria mais perfeito e tinha um escudo para protecção do apontador.)
Chegou o Saco - engraçado como os fuzileiros tinham quase todos nomes de guerra pelos quais se chamavam! Era o Régua, o Setúbal, o Pistas, o Sono e outros que de momento já não recordo - e, municiada a arma, colocou-se de joelho em terra fazendo cuidadosa pontaria. Pum … lá vai ela. Segundos depois um tremendo estoiro. Então onde está a fogueira? Desapareceu. A granada acertou bem no meio e o sopro encarregou-se de a apagar. Nunca mais acenderam outra.
Um dos pontos que pretendíamos dominar era a picada que, partindo das imediações da casa Brandão, seguia para Norte em direcção a Cassaca e Cachil. Tarefa difícil pois o inimigo tinha instaladas à entrada da mata metralhadoras no enfiamento da picada. No dia 23 o grupo de comandos reforçado com uma secção da CCAV 488 e uma secção de fuzileiros dirigiu-se ao local para tentar alcançar e destruir as metralhadoras. Escondidos na casa Brandão, fomos progredindo de um e outro lado do ourique. Porém, ao chegarmos junto ao rio que atravessa a bolanha tínhamos que subir para o ourique e passar por umas tábuas que faziam de ponte. Como era de esperar, as metralhadoras entraram em funcionamento. Zás. Tudo a saltar de novo para o desnível do ourique.
E agora? Não podíamos prosseguir na relativa segurança de “encostados ao raio do ourique” porque as margens do pequeno rio e a bolanha que seguia até à mata estavam muito alagadas e eram lodosas. Nova tentativa e novas rajadas. Respondíamos ao fogo mas eles estavam abrigados e escondidos e nós a descoberto. Vantagem deles.
Chamou-se o apoio aéreo que não tardou. Dois F86 metralharam a zona de onde partiam as rajadas. Depois de algumas passagens, foram embora e ficou um T6. Largou as bombas. Subiu e rasou o solo metralhando. Subiu de novo e metralhou. Ao ganhar altura, ouviram-se gritos de júbilo na mata. Virou à esquerda e desapareceu da nossa vista. Pensei: bom, deve ter acabado as munições ou ter pouco combustível e foi-se embora. Vamos lá, que já devem ter ”amochado”. Qual quê? Tudo como dantes. Rajadas e mais rajadas que não deixavam sequer levantar a cabeça. Feita uma rápida avaliação, concluiu-se que daquela forma era impossível. Teríamos que voltar de noite ou madrugada para que não nos vissem e assim ser possível chegar às posições que defendiam à entrada da mata.
Quando estávamos a iniciar o regresso, surge ao nosso encontro o cmdt dos fuzileiros com mais homens do seu destacamento que nos pediu para o acompanharmos pois o avião T6 que nos apoiava tinha sido abatido. Percebi então o porquê dos gritos que os guerrilheiros tinham soltado. Rapidamente chegámos ao local, que não era longe, e deparámos com a avião ainda a fumegar, embora não totalmente ardido. Carbonizado, sim, estava no chão o corpo do infeliz piloto, alferes Pité, que encontrou a morte ao tentar proteger-nos. Ainda hoje me emociono ao lembrar este triste acontecimento. O corpo foi recuperado, o avião destruído com explosivos e nós regressamos a Cauane tentando esquecer.
O pior era a alimentação. 23 dias seguidos a ração de combate. Quem passou por isso poderá imaginar os problemas de saúde que isso causa pois ao fim de algum tempo já estamos enjoados e não conseguimos engolir nada. O corpo ressentia-se do esforço diário e ficámos debilitados. Água também era pouca pois só havia a que vinha de Bissau em barcaças. Mas um dia, o pessoal da minha equipa conseguiu cozinhar. Que luxo!... Juntámos os pacotinhos de canja que vinham nas rações e, com um pouco de arroz que desencantámos numa palhota, fizemos uma bela canja. Maravilha, sopinha de canja bem quentinha. Fomos para o nosso buraco com a preciosa iguaria numa marmita. Não sei já quem foi, mas um comensal mais apressado, com a “fussanga” de meter a colher, entornou a marmita. Sopa espalhada no pano de tenda que, por ser impermeável graças ao muito óleo e sujidade acumulados, reteve a abençoada canja. Pois foi mesmo do pano de tenda que foi comida e saboreada. Há muito tempo que nada me sabia assim tão bem.
As acções continuavam e começou a notar-se um certo fraquejar nas hostes do PAIGC, submetidos a um permanente assédio, não só pelos que estavam em Cauane mas também os de Curcô, Cachil e Uncomene sem contar com a aviação e artilharia entretanto instalada na base logística. E foi assim que em 26, de manhã, o grupo de comandos conseguiu entrar na mata junto de Cauane. Passámos pelo local onde, no combate em que participámos em auxílio dos fuzileiros, o inimigo teve a sua força instalada. Sem novidade. Continuámos a internar-nos na mata em direcção a S. Nicolau.
Mais à frente fomos atacados. A nossa reacção foi imediata e provocámos 3 mortos aos guerrilheiros que retiraram. Estava quebrado o mito de que não era possível entrar naquela mata. A partir desse momento, as nossas tropas não mais foram impedidas nas suas iniciativas atacantes.
Nesse dia, à tarde, fomos mandados regressar à Base Logística que passou a ser a nossa “morada” durante o resto da Op Tridente.
Aqui é que se está bem. Não somos “fogachados”, não precisamos de fazer sentinelas nem vigia durante a noite e, ainda melhor, podemos tomar banho no mar.
Era esta a opinião geral. Para o conforto ser completo faltava-nos material para construir barracas que não tínhamos e improvisar camas na areia da praia. Numa das minhas deambulações de reconhecimento do local, encontrei na mata de palmeiras que bordejava a praia, um enorme acampamento abandonado, pelos vistos à pressa, pois estava repleto de inúmeros daqueles panos que usam na Guiné como vestuário. Lavadinhos, a cheirar a sabão e, espanto!...passados a ferro. Tudo muito bem arrumado, chão varrido, dava gosto andar por ali. Nem sequer faltavam galinhas que lá ficaram, nem tiveram tempo de as levar.
Era mesmo o que eu precisava. Trouxe alguns panos para fazer uma barraca e me servirem de vestuário de "turista". A palha da cobertura das casas de mato, que eram muito baixas, serviu às mil maravilhas para improvisar um belo colchão. Alguns trouxeram mesmo catres para dormir. Quanto às galinhas, foram servindo de alimento para quebrar a monotonia das rações de combate. Mas tudo tem o seu preço. Onde há galinhas e areia, há matacanhas que não tardaram a fazer estragos. Poucos de nós se livraram delas e, diariamente, tínhamos que passar revista aos pés e proceder à sua extracção. A média diária era de 8 ou 10.
A Base Logística onde também funcionava o posto de comando, estava ampliada e melhorada. Pousavam lá os aviões ligeiros (Auster e Dornier) bem como helicópteros desde que a maré não estivesse totalmente cheia. A areia molhada formava uma excelente pista de aterragem. Também já lá estavam duas bocas de fogo de obus 8,8cm, comandadas pelo Alf Mil Carvalinho, exímio tocador de guitarra e igualmente exímio tocador de garrafa de cerveja que nunca abandonava.
Uma tarde, depois de almoço, estava eu a descansar um pouco e ouvi um tiro de obus.
Fui ver. O Alf Carvalinho, de calções, tronco nu, indispensável cerveja na mão, alguns passos atrás das peças ia ordenando ao apontador:
- Pá, levanta um bocadinho… não, foi demais, baixa… um pouco para a direita… está bom. Fogo!
E a granada partiu rumo ao seu destino. Salta de lá o Tenente-coronel Cavaleiro:
- Ó Carvalinho, você ainda me mata algum homem, temos tropas na mata.
- Calma meu Tenente coronel, isto vai ter aonde eu quero . - E continuou:
- Eh pá, baixa um pouco… está bom. Fogo! - E foi assim até disparar 4 granadas. Acercando-me dele perguntei:
- Meu alferes, para onde foram esses tiros? - Mostrando-me a carta indicou:
- Para o cruzamento destes caminhos. - E apontou um cruzamento de um caminho com a picada de Cassaca.
Não é que, alguns dias depois, ao passar pelo referido local, lá estavam, muito próximos uns dos outros, os 4 impactos das granadas?!
Uma tarde, interrogavam um prisioneiro na tenda de campanha que servia de posto de comando/sala de operações. Perguntavam-lhe:
- Onde está o Nino?
Era um dos objectivos a que a operação se propunha. A captura do Nino era essencial.
Resposta do prisioneiro:
- Foi no chão francês (Guiné Conacri) buscar morteiro.
Gargalhada de um dos oficiais de alta patente presentes:
- Agora… pode lá ser?!.. Estes gajos alguma vez têm capacidade para manobrar um morteiro?
Ainda não tinha decorrido uma semana e já a CCAV 488 instalada em Cauane estava a levar com eles. Era noite e 4 granadas de morteiro caíram com grande estrondo nas imediações da tabanca. Não houve feridos nem estragos. Vim a saber o motivo alguns dias depois quando, ao passar por lá, me mostraram as granadas. Observei e não foi difícil concluir que se tratava de granadas de instrução ou talvez já muito velhas e com perda do poder explosivo. O corpo das granadas estava simplesmente aberto, mas inteiro, sem ter provocado qualquer fragmentação ou estilhaço. Pareciam bananas descascadas. Ainda bem.
Foram as primeiras “morteiradas” na guerra da Guiné. Ainda durante o resto do tempo que durou a Op Tridente, foram referenciados mais alguns ataques de morteiro, sempre sem consequências para as NT.
A batalha continuava. No dia 28 à meia-noite saímos com o pelotão de paraquedistas em direcção de Cauane para montar emboscadas num poço de água existente na picada Cauane/Cassaca. Passado o ourique de triste memória onde dias antes fora abatido o T6, entramos na mata e nada, nem ao menos um tiro de sentinela a avisar da nossa presença. Progredimos mais e chegados à zona do poço instalámo-nos a aguardar a comparência dos guerrilheiros. Não compareceram para a festa que lhes estava preparada.
Pelas 17 horas de 29 regressámos à base (espera praia, já aí vamos) sem ter havido qualquer contacto nem sinal de actividade do inimigo.
Em 4 de Fevereiro, em mais uma incursão na mata de Cauane, o grupo de comandos ficou emboscado após a retirada das outras forças (CCAV 489). Surpreendemos elementos avançados do IN a quem provocámos 3 feridos. (Não sei se terão morrido mais tarde.)
Boas notícias. Vamos passar a ter uma refeição quente por dia: o almoço. Já não era sem tempo. Como estávamos instalados junto ao 8º Dest de Fuzileiros com quem nos dávamos extraordinariamente bem, tanto no aspecto operacional como no convívio diário, resolvemos também “juntar os trapinhos” na confecção da comida.
À vez, à volta dos caldeiros de campanha, armados em cozinheiros, lá íamos mostrando os nossos dotes. E, acreditem, tudo correu maravilhosamente. E nem sequer faltava marisco para petiscarmos. Quando a maré vazava e não estavamos em operações, era só ir até à linha de baixa-mar onde colhíamos grandes quantidades de combé que por lá abundava. Para quem não conhecer,combé é um bivalve parecido com o berbigão mas muito maior e de casca bastante grossa. Uma delícia. Atendendo à situação, claro.
No dia 6 de Fevereiro, o grupo de comandos com pelotão de paraquedistas, embarcou na LDM (2) ao fim da tarde com destino a Curcô para, a partir desse local atingir Cachida tentando surpreender o In. pela retaguarda. Chegamos a Curcô onde estava instalada a CCAV 489. Aí pernoitámos, aguardando a madrugada para iniciar a progressão.
Talvez o nosso amigo Joaquim Ganhão (3), que lá esteve, se recorde desta nossa passagem.
Madrugada. Antes do dia romper, verificação cuidadosa do armamento, equipamento, munições… os cantis estão cheios? Tudo em ordem?
Partimos, em silêncio como convinha, e embrenhámo-nos na mata. Olhos e ouvidos atentos, mão firme nas armas, prontos a reagir. Tudo vimos com cuidado, explorando indícios e tentando descobrir onde se acoitavam. Trilhos bem pisados pelo uso, mas as poucas palhotas que fomos encontrando estavam abandonadas, algumas recentemente, outras há semanas. Contacto, nenhum. Nem vê-los. De vez em quando soava um tiro isolado, talvez de aviso, e nada mais. Ao fim da manhã atingimos Cachida, que se encontrava abandonada, e derivámos em direcção à picada que liga Cassaca a Cachil.
Desde a manhã que nessa zona da mata de Cachil o 7º Dest de Fuz. estava fixado por um grupo de cerca de 50 guerrilheiros, bem armados e municiados, que os flagelava a partir da orla da mata de Cassaca. Uma secção dos fuz. chegou a estar isolada e cercada cerca de 45 minutos.
Conseguimos chegar ao local e detectamos a retaguarda do In. que atacámos causando-lhes baixas. Como a reacção não foi grande, deduzimos - ingenuamente como em breve viríamos a verificar - que se tinham posto em fuga e iniciámos a travessia de uma zona descampada, lisa como um campo de futebol e de capim muito rasteiro, com o intuito de nos juntarmos aos fuzileiros que nos aguardavam do outro lado. Ainda não íamos a meio quando estalou a fuzilaria vinda de um ponto mais a oeste da orla da mata que acabávamos de deixar.
Chão… rebolar…responder ao fogo… procurar alguma abrigo… não há nada, tudo liso como a careca de um careca. Eles não paravam o fogo, nós também não. Mas estávamos a descoberto, alvos fáceis.
O alferes Godinho gritando para o Saraiva:
- Porra, que estamos aqui a fazer? Vamos embora. - E fomos. Em lanços, uma equipa correndo em zigue-zague, as outras cobrindo, a equipa instala-se, outra se levanta e a ultrapassa, instala-se, outra faz o mesmo e assim conseguimos percorrer os 200 metros daquela maldita clareira, debaixo de cerrado fogo, sem qualquer arranhão, juntando-nos aos fuzileiros.
Quando recordo este episódio, lembro-me sempre do logro em que fiz cair um guerrilheiro e que me salvou a vida. Faltando-me alguns metros para atingir a orla da mata onde teria abrigo seguro, vi no chão os impactos de uma rajada mesmo junto aos meus pés. Bom, esta não é à toa, é mesmo apontada para mim. De imediato, nem sei mesmo como me ocorreu tal estratagema, armei-me em artista de cinema quando atingido por disparos e, abrindo os braços, mandei um salto deixando-me cair de costas desamparado. Remédio santo. A rajada que me era dirigida parou. Fiquei no chão alguns instantes, quietinho, e de repente, ala que se faz tarde. Alcancei a segurança da mata onde já estavam quase todos os elementos do grupo. Os restantes não tardaram a juntar-se a nós.
Os paraquedistas tiveram menos sorte. Como vinham atrás de nós, ao ouvir o tiroteio que nos atingia na clareira, resolveram atravessá-la um pouco mais a leste. O resultado foi terem demorado mais tempo permitindo a reorganização do IN que lhes dificultou seriamente a travessia da clareira. Tiveram um morto e um ferido grave.
Juntas todas as tropas, caminhámos até Cachil, onde estava em construção uma espécie de quartel para uma companhia que lá ficaria instalada, ocupando e patrulhando a ilha, uma vez terminada a Op Tridente. Era uma construção sui generis pois não passava de uma enorme paliçada feita com troncos de palmeira a pique para servir de abrigo. Parecia um cenário de filme de índios contra a cavalaria americana.
No rio esperava-nos uma LDM que nos trouxe de volta à base. Oh praia, lá vamos nós.
A 17 de Fevereiro, o grupo de comandos recebeu a missão de bater a mata desde o Norte de Curcô até Cauane. Confirmando a nossa convicção de que os guerrilheiros do PAIGC estavam a ficar enfraquecidos, não houve oposição à nossa penetração na mata que, até há pouco tempo, tinha sido um santuário que não deixavam profanar.
Apenas a cerca de 1 km a Norte de S. Nicolau se ouviram dois disparos de espingarda - código por eles usado para avisar que andava por ali a tropa e se esconderem. Prosseguimos a nossa patrulha em direcção a Cauane onde, sensivelmente no local do nosso primeiro contacto com o IN nesta operação (quando morreram dois fuzileiros), fomos flagelados com alguns tiros de PPSH (3) e Metralhadora, mais com o propósito de nos manter afastados do que nos enfrentar. Reagindo, abatemos um elemento IN. Alcançamos Cauane e daí a praia da Base Logística.
Estávamos de novo “ em casa”.
Dia 23 de Fevereiro novamente embarcados numa LDM com o Pelotão de de Paraquedistas e 8º Destacamento de Fuzileiros, rumo a Curcô onde pernoitámos.
No dia seguinte, com mais um grupo de combate da CCAV 488, iniciámos uma batida à mata. Por duas vezes tivemos contacto com um numeroso grupo de guerrilheiros que dispunham de um morteiro 82 e 1 metralhadora pesada 12,7mm. As NT causaram 7 mortos confirmados, sendo 3 caboverdeanos, armados com pistola-metralhadora, dois deles fardados de caqui. Nesta acção, o Pel Paraquedistas teve 1 morto, 1 ferido grave e 1 ferido ligeiro. Uma rajada de PPSH inutilizou a arma do comandante dos páras, que ficou ferido na cabeça.
Quando me recordo, à distância dos anos, do que aconteceu a seguir, dá-me vontade de rir da cena caricata que devemos ter feito.
Eu conto: tendo nós conseguido sempre levar a melhor nos contactos com o IN, eis que um enorme enxame de abelhas se abateu sobre nós. Toda a gente a sacudir-se, ferroadas de criar bicho, correria desenfreada. Quem diria… pequenos insectos conseguiram aquilo que o IN nunca foi capaz: pôr-nos em fuga. Com o pessoal todo picado, já havia muitos olhos tumefactos, nada poderíamos fazer a não ser o regresso a Curcô. Ganharam as abelhas.
Na orla da mata perto de Curcô, ainda descobrimos uma plataforma construída sobre palafitas, com cerca de 1,80m de altura, e que servia como posto de vigia sobre aquela localidade. Deixámo-la ficar armadilhada. Não sei se a armadilha chegou ou não a ser activada. Hoje, faço votos para que não.
Que bem dormia eu quando, naquela madrugada do dia 27 de Fevereiro, “às 4 da matina” me acordaram:
- Porra… são lá horas de acordar um pacato cidadão embrenhado em sonhos tão deliciosos!...
- Vamos embora! - Mais uma vez a mata espera por nós. E fomos.
Sol já a brilhar, movimentos suspeitos no tarrafe. Avançámos cautelosamente para averiguar. Apenas algumas pegadas de 2 ou 3 pessoas que devem ter fugido com a nossa aproximação.
Nesse dia, juntamente com o Pel Paraq e 1 grupo de combate de elementos das CCCAV 487 e 489 foi destruída a tabanca de Catabão Segundo onde fizemos um prisioneiro e apreendemos 2 binóculos, 1 cantil, 1 espingarda G3 com 4 carregadores, e 3 granadas de mão. Mais uma acção em que o IN não deu sinais de vida.
....
Progressão silenciosa, escondidos, calma, devagar, parar e escutar com frequência. Sem surpresa é impossível um golpe de mão bem sucedido.
Acampamento atingido e assaltado às 9 horas, praticamente sem resistência (o IN fugiu). Era constituído por cerca de 50 casas de mato com uma centena de camas de madeira e de ferro. Viva o luxo!...até havia mosquiteiros, colchões, lençóis, colchas e outras “mordomias”. Espalhados por diversos locais, máquina de escrever, máquinas de costura, roupa já confeccionada e peças de tecido, muitos livros de instrução primária em português, muita correspondência, e os habituais utensílios de uso doméstico. O acampamento estava rodeado por alguns abrigos e tinha postos de observação nas árvores.
Incendiadas as casas de mato começou o habitual estoiro de munições e granadas que ali se encontravam escondidas escapadas à nossa observação.
Nas proximidades estava um cemitério com 30 sepulturas recentes.
Desta acção, realizada no dia 1 de Março, trouxemos para a base (rica praia!): 1 cunhete com 800 cartuchos 7,9; 80 cartuchos 7,62; muitas munições de diversos calibres; 1 granada de mão incendiária; 1 cantil USA; catanas.
Aos poucos, a forte resistência inicial do PAIGC vai caindo por terra. Mostram já sinais evidentes da falta de agressividade, que é parte da doutrina da guerrilha: “ataca quando o IN está fraco; esconde-te se ele é mais forte”.
Mensagem de Nino aos seus guerrilheiros em poder de um prisioneiro por nós capturado:
“Hoje faz 48 dias que os nossos camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Camaradas, tenham paciência, porque não tenho outra safa senão o vosso auxílio… As tropas estão a aumentar cada vez mais as suas forças…camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que de um dia para o outro vamos ficar sem a população e sem os nossos guerrilheiros. Já estamos a contar com as baixas de 23 camaradas… do vosso camarada, Marga - Nino “,
Emboscadas do grupo de comandos na mata de S. Nicolau, na noite de 5 de Março até à tarde do dia seguinte, mais uma vez os guerrilheiros não compareceram.
Um agrupamento constituído pelo grupo de comandos, 8º Dest. Fuz, e um grupo de combate da CCAV 489, iniciaram, por volta das 8 da manhã de 12 de Março, uma acção sobre Catunco Papel e Catunco Balanta a fim de cercar e bater todas a zona destruindo tudo quanto possa constituir abrigo ou abastecimento para o IN e que não seja possível recuperar pelas NT.
Cercada a tabanca de Catundo Papel e de seguida Catunco Balanta, foram as casas revistadas e destruídas, tarefa que demorou quase 5 horas. Foram recuperadas 5 toneladas de arroz; capturado um elemento IN e apreendidas 2 granadas de mão, livros escolares em português, cadernos, fotografias, facturas, recibos de imposto indígena, e um envelope endereçado a BIAQUE DEHETHÉ, sendo remetente MUSSA SAMBU de Conakry.
...
Às 03H30 do dia 16 de Março, chegados a Curcô, aguardamos a aurora pondo-nos a caminho com a CCAV 489 (-). A missão era bater a mata até Cassca e daí virar a Sul até Cauane, eliminando ou aprisionando qualquer elemento IN e detectar e destruir tudo quanto possa oferecer abrigo ou recursos para o IN. Resistência ?...mais uma vez, nada.
Foi encontrado um acampamento com 15 casas de mato. Uma delas bem grande que nos pareceu ser destinada a reuniões onde estava um molho de panfletos de acção psicológica das NT, recentemente lançados na ilha pelos nossos aviões. Numa outra barraca, um caderno de cópias de INÁCIO BATALÉ, datado de 12 de Novembro de 1963. Nas imediações foram descobertos e destruídos 3 depósitos de arroz, estimando-se serem cerca de 15 toneladas.
Progredindo para Sul, dentro da mata da região de Cauane, e a cerca de 600 metros da tabanca, detectou-se um grupo de 7 elementos armados de espingarda e de pistola-metralhadora. Fogo…pum. Dois tiros chegaram e caiu um. Mais dois tiros e caiu outro armado de PPSH e de farda camuflada. Mais um tiro e outro ferido que fugiu aos gritos.
Os sobrantes puseram-se em fuga. O inimigo não parecia o mesmo das primeiras semanas da batalha do Como. Estava de facto enfraquecido e fugia ao contacto.
Com a operação a chegar ao fim previsto, o Comandante das Forças Terrestres, Ten Cor Cavaleiro, saiu com o grupo de comandos e o pelotão de paraquedistas às 23H30 do dia 20 de Março, atravessando a mata de Cauane, Cassaca e Cachil com a finalidade de verificar pessoalmente a capacidade de combate do IN.
Passagem e pequena paragem na tabanca de Cauane, troca de informações com o comandante da CCAV 488, dono da casa, e iniciámos a penetração na mata à 1 hora do dia 21, partindo da casa Brandão. Reacção do IN?...nenhuma. Progredimos até Cassaca que foi alcançada às 02H30. Feita uma batida cuidadosa à região, encontraram-se a Norte algumas casas de mato quase destruídas e há muito abandonadas.
Siga a tropa. Para a frente é que é o caminho. Já próximo da orla da mata de Cachil, ao “romper da bela aurora”, detectados 3 elementos IN um armado de PPSH e os outros dois de espingarda. Meia dúzia de tiros foram suficientes para fugirem. Um deles, ferido, deixou para trás a espingarda Mauser 7,9mm e 5 cartuchos da mesma. Tinha sangue na coronha.
Mais tarde, outro grupo de 5 elementos, avistados um pouco à distância, foram alvejados e fugiram sem responder ao nosso fogo. Levaram dois feridos.
Atingimos Cachil, na outra extremidade da ilha, que foi atravessada pacificamente de Sul para Norte sem qualquer beliscadura nem qualquer oposição à nossa presença por parte dos guerrilheiros.
Embarcados na LDM, lá fomos nós de regresso à praia. Foi a última operação da batalha do Como.
Por brincadeira dizíamos que tínhamos ido “fechar as portas da guerra”.
Foram também os últimos banhos.
No dia 22 de Março, o grupo de comandos regressou a Bissau, aproveitando a boleia da Dornier e alguns hélis que em diversas vagas nos transportaram. O Grupo de Comandos não teve baixas, nem feridos, nem nenhum elemento evacuado por doença, fazendo juz ao nosso lema: “Audaces fortuna juvat” (2)
Para as restantes tropas foram mais dois dias de trabalho a “desmontar o arraial.” Creio que foi o que menos lhes custou.BAIXAS DE AMBOS OS LADOS
Das NT:
8 Mortos
15 FeridosDo IN:
76 Mortos (confirmados)
29 Feridos
9 PrisioneirosCONCLUSÕES
De tudo quanto descrevi, e que corresponde à realidade por mim vivida durante a Operação Tridente, podemos verificar que nem sempre, ou quase nunca, a história é escrita com isenção. Na verdade, tem-se especulado muito sobre o que realmente se passou no Como. Derrota para as tropas portuguesas, dizem uns, grande vitória, contrapõem outros.
Para mim, nem uma coisa nem outra, porque na guerra, em qualquer guerra, não há vencedores: todos são vencidos pela existência da própria guerra.
Porém, analisando a Operação Tridente no âmbito estritamente militar, facilmente se chega à conclusão que:
- O PAIGC dominava a Ilha do Como em 1963;
- Nas primeiras duas semanas opôs feroz resistência às NT, a quem causou baixas, não
permitindo a nossa progressão pela mata onde estava fortemente instalado;
- Graças à nossa persistência no combate, favorecida pela superioridade de meios que
na altura ainda tínhamos, fomos aos poucos dominando a situação;
- A partir da 3ª semana já conseguíamos entrar e progredir na mata;
- Sensivelmente na 5ª semana, já nos movimentávamos facilmente por toda a ilha e os
guerrilheiros opunham esporádica e fraca resistência;
- Começou a notar-se, a partir da 7ª semana, uma completa desagregação da
capacidade de combate dos guerrilheiros: basta ler a mensagem do Nino dirigida ao
seu pessoal e transcrita nesta crónica;
- No final da operação o PAIGC já não dominava a ilha;
A teoria defendida por alguns, sobretudo pelo PAIGC (mas essa não é de admirar) que as tropas portuguesas se viram forçadas a abandonar a ilha, não é verdadeira:
1) As tropas retiraram por ter terminado a operação e não se justificar a sua continuação uma vez alcançado o objectivo: o domínio da ilha pelas NT;
2) A ilha não foi abandonada pois ficou instalada em Cachil (na tal “fortaleza” de troncos de palmeira) uma companhia para patrulhar e não deixar que o IN se reorganizasse naquela região;
3) Se mais tarde se veio a verificar o recrudescer da actividade no local, isso deve-se ao facto de a Companhia que lá ficou se ter refugiado na “fortaleza”, nunca de lá saindo a não ser para ir para Catió quando era substituída por outra (Mas isso, é outra história);
..." (5)
apo.pt
destaques.com.sapo.pt
M202 - História de uma emboscada na Guiné - RANGER Fernando Araújo
(região entre Jumbembem e Farim)
Fernando Costa Gomes de Araújo, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74
Lamel > 1974 > 02FEV, Emboscada no “Alto de Lamel” (1 morto e vários feridos)
2-02-1974 - 10h00 -, O meu pelotão, que estava reduzido a 15 ou 17 unidades, e um pelotão de Madeirenses que nos tinha vindo reforçar recentemente, saímos para fazer contra-penetração no trilho de Lamel, numa acção motivada por informações recolhidas de que um dos quadros superiores, de maior nomeada do PAIGC - Luís Cabral -, ia passar ali para o interior da Guiné.
Ao fim de algumas horas de marcha, paramos para almoçar (uma ração de combate individual) e descansarmos um pouco entre as habituais conversas e algumas anedotas.
Findo este período deslocamo-nos pela picada até ao “alto de Lamel”.
Ao chegarmos lá, o primeiro homem da coluna - o Reis -, avistou um vulto suspeito aninhado na picada, que, aparentemente, estava a colocar uma mina.
Pousámos o equipamento que trazíamos, além do normal nestas saídas, e, de armas em punho, fomo-nos aproximando do local onde o Reis tinha avistado o tal suspeito. Este ao aperceber-se da nossa presença fugiu de imediato para o interior do mato.
Quando o Reis – o nosso homem da metralhadora HK-21 -, chegou ao local onde tinha estado o tal suspeito, estalou um “fogachal” medonho.
Abrigamo-nos rapidamente do fogo inimigo e respondemos de imediato do mesmo modo.
A nossa sorte nesta emboscada, foi o Reis andar sempre com a HK-21 limpa e lubrificada, coisa que eu sabia bem, pois quando passava na caserna do 2º pelotão via-o sempre a limpar esta sua atribuída arma, e eu rotineiramente perguntava-lhe: “Reis essa arma está bem limpa?”
Ele sorria e respondia invariavelmente: “Furriel está limpinha e bem lubrificada.”
A compensação deste trabalho dava agora os seus frutos, na reacção a esta emboscada, pois o Reis quando via os inimigos levantarem-se, para avançar em nossa direcção, disparava curtas e certeiras rajadas, obrigando-os a deitarem-se novamente, tendo abatido assim 2 ou 3 dos guerrilheiros atacantes.
A troca de fogo estava cerrada e começou a instalar-se a confusão.
Em determinado momento reparei que o homem das transmissões - o Marante -, havia deixado cair a antena do rádio AVP-1, sem se aperceber.
Avisei-o, apanhei a antena e entreguei-lha ao mesmo tempo que lhe gritei: “É a única hipótese que temos de contactar com o quartel!”
O PAIGC lançava em nossa direcção sucessivas granadas de RPG 2 e RPG 7, e, confesso, perante aquele cenário infernal só pensei que não ia sair vivo dali.
Para agravar o nosso estado psíquico e anímico, vimos a nossa força ficar substancialmente reduzida, já que o pelotão de Madeirenses, quando a emboscada rebentou, desatou a fugir em debandada pelo meio da picada fora, deixando-nos ali sozinhos em pleno combate contra um inimigo muito superior, quer pelo poder de fogo em cena, quer pelo número de activos que se deduzia estar ali em grande número.
Comecei a chamá-los e a insultá-los aos berros ferozmente, com todo os nomes feios e depreciativos de que me lembrei e possam estar a imaginar.
Apesar de toda a confusão instalada, notei que a tropa avançada do PAIGC estava a tentar envolver-nos atravessando a picada em posição de técnica de combate.
Disse ao homem do morteiro: “Martins, bate a zona para onde eles se estão a dirigir… rápido!
O Martins assim fez e como não obtivemos resposta, fomos retirando lenta e atentamente para o lado de Farim.
A dado momento só tínhamos 2 ou 3 granadas de morteiro de 60 mm, porque no início da emboscada a rapaziada começou a disparar, tudo o que tinha à mão, indiscriminadamente, sobre a mata sem ainda sequer terem avistado qualquer IN.
Como eu não tinha avistado nenhum alvo, também não tinha disparado qualquer tiro e até deu para dispensar 3 dos meus carregadores da G3 a três dos meus homens.
Mais ou menos a meio da emboscada, o 1º Cabo Ferreira, que nesse dia foi escalado para levar a bazuca, levou um tiro num pé e, em vez de rastejar até nós como mandam as “regras”, não o fez, tendo-se posto em pé, sendo logo alvejado com uma granada de RPG no peito, o que lhe provocou a morte instantânea.
Fomos obrigados a continuar a retirar para o lado oposto (Farim), com vários feridos graves, já que o inimigo estava a utilizar a táctica de envolvimento (vulgar meia-lua), cortando-nos a retirada para o nosso quartel.
Entrei então na picada de Lamel onde se cruzava o trilho, com mais dois ou três homens armados de G3, em posição de rajada.
Comecei a sentir o coração mais acelerado, pois sabia que se estivessem ali meia dúzia de “turras”, era o suficiente para nos apanharem à mão.
Rezando para que não fosse necessário, eu ia disposto a vender cara a minha vida se preciso fosse.
A certa altura chegou junto de mim um soldado com um buraco no braço esquerdo manifestamente originado por um estilhaço.
Amarrei-lhe o meu lenço verde-preto dividido em diagonal, que usava habitualmente para me camuflar, a fim de lhe estancar o sangue e amparei-o segurando-lhe também a sua arma, porque a sua vontade era abandoná-la ali, dadas as terríveis dores de que estava a padecer.
Atravessamos o trilho de “Lamel” sem problemas, e atingimos a ponte do mesmo nome, que era o ponto de encontro das duas picagens vindas de Jumbembem e de Farim.
Fiquei preocupado quando cheguei à ponte de Lamel só com dois ou três soldados, pois não sabia da localização dos restantes.
O que seria feito do resto do pelotão? – perguntei-me.
Passados uns 10 a 15 minutos aparecem mais 4 ou 5, que me narraram uma história de arrepiar.
Contaram-me então, que não tiveram tempo de fugir para um lugar mais seguro e refugiaram-se numa grande cova natural, que existia na parte inferior ao lado da picada, e, ali anichados silenciosamente, ouviram os guerrilheiros do PAIGC, murmurando entre si, a aproximarem-se daquele local.
O que lhes valeu foi que eles iam tão obcecados para capturarem os nossos despojos (bornais, cobertores, etc), que largáramos na picada quando retiramos durante o confronto na emboscada, que nem deram por eles.
Quando eles acabaram de falar, gelou-se-me o sangue nas veias só de imaginar esta “peripécia”, porque caso tivessem sido detectados, ou teriam sido mortos, ou apanhados à mão. “Há gajos com muita sorte!” – pensei eu.
Finda a emboscada, saíram do quartel em nosso auxílio a CCAÇ 51 (que sofreu também uma forte emboscada), e o Grupo Especial de Milícias 322 (Jumbembem), que foi igualmente emboscado.
Enfim, aquela zona esteve toda a ferro e fogo… um autêntico inferno.
Mais tarde, chegaram finalmente reforços de Farim, tendo-nos escoltado (2ª Companhia do BCAÇ 4512), até ao nosso aquartelamento em Jumbembem.
Chegado ao quartel, continuava obcecado pela morte do 1º Cabo Ferreira, que, além de tudo o mais, era casado e deixou à sua esposa dois filhos para criar.
Este sensível e terrível facto, aliado a alguns remorsos e mau estar que eu sentia, porque uns dias antes eu tinha optado por castigá-lo com dois reforços, para evitar o seguimento de uma participação por abandono de um posto de vigia, se tivesse agravado numa punição superiormente agravada pelas nossas hierarquias, fez com que eu não conseguisse conter algumas lágrimas.
Foram as primeiras e as últimas que derramei na Guiné!
Foto 35 > Jumbembem > 1974 > FEV02, Chegada de operação em Lamel
Foto 36 > Jumbembem > 1973 > Saída de um grupo em direcção de Lamel
Foto 37 > Jumbembem > 1973 > O 1º cabo Ferreira, aqui a lançar areia com uma pá para uma Berliet e que viria a falecer combate (02FEV74), na emboscada aqui descrita
Foto 38 > Jumbembem > 1974 > Estado em que ficou uma Berliet destruída por uma mina A/C, em Lamel
Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
coisasdomr.blogspot.pt
Guiné 63/74 - P11260: Álbum fotográfico do Jorge Canhão (ex-fur mil inf, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) (6): Vítimas da emboscada na estrada de Farim-Mansabá-Mansoa, em 15 de julho de 1973: 1 morto, 8 feridos graves, 2 viaturas danificadas
- Foto s/ nº >Chegada a Mansoa dos mortos na emboscada à coluna de Farim (1)
Foto s/ nº >Chegada a Mansoa dos mortos na emboscada à coluna de Farim (2)
Foto s/ nº > Evacuação dos feridos da emboscada à coluna de Farim (1)
Foto s/ nº - Evacuação dos feridos da emboscada à coluna de Farim (2)
Foto s/ nº - Constantino_Veira_da_Rocha,. sold cond auto, da 3ª CCAC/BCAÇ 4612 (1972/74), subindo para a sua Berliet
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1972/1974 > BCAÇ 4612 (1972/74) > Imagens da chegada de mortes e feridas, na sequência a uma emboscada a um coluna de reabstecimento, na estrada de Mansoa-Farim, possivelmente em 15 de julho de 1973.
Fotos: © Jorge Canhão (2011). Todos os direitos reservados
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso amigo e camarada Jorge Canhão, que vive em Oeiras (ex-Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74).
Estas fotos, relativas a Mansoa, chegaram-nos às mãos através de outro grã-tabanqueiro, o Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), residente em Leiria. Os nossos especiais agradecimentos aos dois, e muito em especial ao nosso camarada Jorge Canhão-
Não sabemos quem é o autor (ou quem são aos autores) das fotos,,, Estas fotos constam de um CD, do Agostinho Gaspar, estão sob um ficheiro com a seguinte designação: Jorge Canhão > Vários Batalhão. Também não sabemos a que emboscada se referem. Sabemos, pela história da unidade, que houve uma violenta emboscada no dia 15/7/1973, na estrada Farim-Mansoa, no troço entre Mansabá e Mansoa...Mas nessa ocasião houve 1 morto (e não mortos) e 8 feridos graves, conforme se pode ler na HU- Cap II / Fasc VIII, pág. 60:
- (...) Às l5 de julho de 1973, às 13h30 na região de Mansoa 8HO.65, um grupo IN estimado em 60 elementos emboscou no regresso a coluna de reabastecimento a Farim, com armas automáticas, RPG-2, Mort 60 e Granadas de Mão.
O IN iniciou a emboscada com uma granada de mão. A emboscada estava montada do lado direito da estrada Mansabá/Mansoa com um pequeno grupo IN no lado esquerdo. As NT sofreram 1 morto (Fur Mil), 8 feridos graves (1 Oficial e 7 Praças). 2 viaturas ficaram danificadas (1 Berliet que ardeu; e Unimog 404).
O IN deixou no terreno 1 morto, fardado de amarelo e armado de LGF RPG-2, vários rastos de sangue, 2 Minas A/P PMD-6 e 2 granadas de RPG-2. Retirou na direcção do Morés, sendo executado tiro de artilharia sobre o itinerário de retirada. (...)
Talvez o Jorge Canhão nos possa esclarecer a que data se referem estas fotos. Nas colunas a Farim houve diversas emboscadas de que resultaram baixas. A do 15 de julho de 1973 pareceu-me a mais grave, a avaliar pelo nº de baixas das NT e das viaturas atingidas.
____________
Nota do editor:
Últmo poste da série > 9 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11222: Álbum fotográfico do Jorge Canhão (ex-fur mil inf, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) (5): Balantas, mandingas e mansoancas
blogueforanadaevaotres.blogspot.pt
Quando saíamos nunca sabíamos o que íamos encontrar. Podíamos nunca mais voltar, como aconteceu a vários camaradas de guerra. 15 de Setembro 2013, 15h00Nº de votos (0) Comentários (7) Por:Carlos Crispim (depoimento recolhido por Marta Martins Silva) No dia 27 de julho de 1970 (dia em que morreu Salazar) assentei praça na Companhia de Instrução Auto2 da Figueira da Foz. Passei por várias unidades antes de ser mobilizado para Angola. Embarquei no navio Vera Cruz no dia 7 de julho de 1971, na Companhia de Comando e Serviços do Batalhão de Caçadores 3847. O jovem serralheiro de bancada, agora Mec-Auto ia conhecer uma nova vida. Os poucos dias que passei em Luanda, deram para conhecer a bela vida dos habitantes que lá viviam. Dias depois, abalámos para o Leste (Cazombo) – conhecido como o ‘Quadrado da Morte’ Demorámos cinco dias a chegar. Passámos por lindas cidades, entre elas as que mais gostei – Nova Lisboa e Sá da Bandeira. No Cazombo, mal tivemos tempo para nos ambientarmos à 1ª coluna, de onde fomos encaminhados para destruir Caripande. Na 2ª coluna fomos com o Dr. Ruah à picada da Lóvua, tirar um camarada morto que se encontrava debaixo de uma Berliet. Essa, posso dizer hoje, foi a primeira ‘injeção’ que eu recebi sobre a perda de camaradas, sensação que, infelizmente, ia voltar a viver várias vezes ao longo dos dois anos e alguns meses que passei em Angola. De cada vez que isso acontecia ficávamos com a moral em baixo e, claro, temíamos pela nossa vida. Cada vez que saíamos nunca sabíamos o que ia acontecer no caminho, não sabíamos se íamos sequer voltar, era uma incerteza, dia após dia. PERIGOSAS MINAS Noutra picada, passados poucos dias, rebentou a primeira de muitas minas. As minas eram o nosso maior problema na guerra: imprevisíveis, tiravam a vida a muitos homens e provocavam muitos estragos materiais. Nas picadas Cavungo e Massibi, Lunache e Lumbala, Caianda e Gimbo, Calunda e Maconde, Marco e Teixeira e Chicá-Luége esse era o nosso dia a dia. Felizmente, a sorte foi-me protegendo ao longo dos meses, mesmo nos locais mais perigosos. Foi o caso da subida da Calunda, onde um carro civil saiu para fora da picada. Ao tirá-lo, o cabo de aço da Berliet 4×4 rebentou e por sorte só o apanhei de raspão. No dia 31 de maio de 1973, fomos à Lumbala combater Catangas – tropas mercenárias – e acabámos por dormir aí. Voltei para Cazombo no dia 1 de junho. No dia seguinte, numa emboscada na picada Lumbala-Xilombo morreram seis camaradas fuzileiros entre eles, o Tenente Fuzileiro Piteira. Atravessei xanas – grandes extensões de capim a perder de vista –, rios e fiz milhares de quilómetros na picada. Não houve um único destacamento do batalhão que não tivesse lá ido e muitas vezes dormido. Quando voltámos a passar pelo local onde morreram os fuzileiros foi impossível não sentir revolta. Podíamos ter sido nós a ficar ali. Nos últimos meses de comissão, nem os jogos de futebol me acalmavam. Discutia com os outros camaradas até por simples brincadeiras. Regressei no dia 13 de setembro de 1973. Hoje recordo as 200 e tal rações de combate que comi – o muito arroz – mas também a sã camaradagem que a guerra me deu. Conheci a Rainha Luena, o Zambeze, Catangas, Zambianos. Andei com todas as forças militarizadas com quem passei bons e maus momentos. Conheci locais lindos, mas como a área do Cazombo há poucas no Mundo. Mágoa não sinto, fiz coisas boas e más (foi a situação a impô-las). Mágoa sinto ao ver como os veteranos de guerra são tratados pelos nossos governantes. Fomos obrigados a deixar as nossas profissões e a ir para uma guerra que não escolhemos, mas lutámos pelo País, demos o melhor de nós e hoje somos esquecidos. CARLOS CRISPIM Comissão Angola (1971-73) Força Batalhão de Caçadores 3847
A batalha da ilha do Como - 14/01/1964
Apresentam-se a seguir 4 textos, sobre a batalha travada na ilha do Como:
- A ilha do Como - texto introdutório de Carlos Fortunato
- Actividades ao sul do Geba - texto de Hélio Felgas
- Op. Tridente (Ilha do Como, 1964) - testemunho de Mário Dias
- Operação Tridente - testemunho de Alpoim Calvão
A ilha do Como - texto introdutório Carlos Fortunato
A ilha do Como e a operação Tridente no livro escolar do PAIGC (1)
Como se pode verificar pelo texto apresentado no livro escolar, a ilha do Como assume um papel destacado entre os símbolos da luta do PAIGC, devido à Operação Tridente ai realizada no principio de 1964, a qual tinha por objectivo a reocupação da ilha pelas tropas portuguesas.
Embora sob o ponto de vista militar da estratégia militar ilha não tivesse importância, sob o ponto de vista politico a visão já era diferente, pois representava uma zona libertada para o PAIGC.
A versão referida no livro escolar do PAIGC, descreve o resultado final como "a tropa vencida fugiu", era a sua versão para propaganda, na verdade a ilha não possuía forças militares portuguesas quando o PAIGC a ocupou, e após a "Operação Tridente", a ilha estava sobre controlo das NT, e tinha agora um aquartelamento instalado em Cachil.
A operação iniciada a 14/01/1964, teve como resultado uma pesada derrota para o PAIGC, não só pela perda do controlo da ilha, mas também pelos 76 mortos (confirmados), 29 feridos e 9 prisioneiros, no entanto este nunca admitiu tal derrota, pelo contrário tentou sempre manipular os factos, e considerou o fim da operação, como a derrota das NT.
Esta versão para propaganda tornou-se a versão oficial do PAIGC, e nem mesmo em recente livro Aristides Pereira, antigo secretário-geral do PAIGC, apesar de desligado do partido, altera a versão oficial do mesmo:
"A resistência tenaz dos guerrilheiros e as perdas humanas e materiais obrigaram as tropas coloniais a abandonar a ilha do Komo"
Fonte: livro "Uma luta, um partido, dois países", Aristides Pereira, Noticias Editorial, 2002
As nossas forças terrestres envolveram nesta operação cerca de 1000 a 1200 homens, com forte presença de forças especiais dos fuzileiros, comandos e páras.
Comandante das Forças Terrestres era o tenente coronel Fernando Cavaleiro (Comandante do Batalhão de Cavalaria 490).
A marinha deu apoio à operação com uma fragata, 10 lanchas, e mais algumas embarcações civis.
A Força Aérea Portuguesa, teve igualmente um papel importante nesta operação, fazendo centenas de saídas em apoio às forças terrestres, para tal contou com os aviões T6, F86, PV2 e PV2-5 (Apoio de combate), dos helicópteros Alouette II (transporte e evacuações), e dos aviões Auster e Dornier (transporte e reconhecimento).
Guerrilheiros do PAIGC na ilha do Como, foto do livro escolar do PAIGC (1)
O PAIGC possuía na ilha cerca de 300 guerrilheiros bem armados, a comanda-los estava um dos seus mais prestigiados combatentes, Nino Vieira. Apesar da evidente inferioridade de meios da guerrilha face aos envolvidos pelas NT, estes tinham a seu favor o conhecimento do terreno, e a protecção que este lhes dava, a qual souberam aproveitar, oferecendo uma forte resistência inicial.
No início a batalha foi muito dura e a progressão lenta, sofrendo as nossas forças algumas baixas, para além disso as dificuldades com a alimentação, criaram problemas adicionais, mas ao fim de 71 dias a ilha estava sobre o total controlo das NT, contudo a "conquista" tinha custado 8 mortos e 15 feridos.
O controlo da ilha foi temporário, pois terminada a operação as tropas retiraram, deixando um quartel em Cachil, mas a guerrilha voltaria poucos meses depois a reforçar novamente as suas posições na ilha.
As densas matas da Guiné transformavam estas num esconderijo perfeito, pois tornavam impossível, a detecção e eliminação total da guerrilha.
Esta foi sem dúvida uma das mais longas batalhas travadas na Guiné, que marcará a sua e a nossa história.
Actividades ao sul do Geba - texto de Hélio Felgas
(1)
Apresenta-se a seguir um extracto do livro "Guerra na Guiné" do coronel Hélio Felgas, sobre a ilha do Como, publicado em 1967, no qual o autor dá uma visão global da operação, reflectindo a visão portuguesa dos acontecimentos, embora o mesmo não tenha participado na operação.
"Algumas palavras nos merece a operação realizada pelas forças portuguesas no princípio de 1964 contra a ilha do Como – que o PAIGC considerava como “região libertada” e onde dispunha de uma “guarnição” composta por elementos escolhidos e bem armados e municiados.
Situada a sudoeste de Catió, a ilha de Como engloba também as de Caiar e Catunco. Por falta de efectivos e também porque, além de produzir algum arroz, pouca importância tem - a ilha não dispunha de qualquer força militar.
O PAIGC aproveitou esse facto para nela instalar um acampamento (normalmente designado por «base») que, além de actuar como centro de reabastecimento servia também para a instrução dos novos elementos terroristas.
A presença do PAIGC na ilha de Como era por nós conhecida não só porque elementos inimigos flagelavam por vezes os nossos barcos no rio Cobade (que separa a ilha da península de Catió), como também porque em reconhecimento efectuado pelos nossos soldados, os bandoleiros haviam reagido com certa violência.
Mas talvez o que tivesse pesado mais na decisão de reocupar o Como - sem valor militar, como dissemos - foi o facto de Amílcar Cabral ter apontado a ilha como «área libertada que estaria sob completo controle do PAIGC”.
Não tendo o inimigo qualquer outra área da Guiné nestas condições parecia necessário desalojá-lo da ilha e lá colocar uma força militar.
A operação foi levada a cabo por forças terrestres, aéreas e navais tendo a natureza do terreno constituído adversário mais difícil para as tropas portuguesas que o próprio inimigo. De facto, a ilha apresenta diversos maciços florestais quase impenetráveis, rodeados por bolanhas pantanosas que se estendem praticamente até ao mar. Desta forma a aproximação até às matas (onde os grupos terroristas se encontravam escondidos) tinha de ser feito a peito descoberto. E depois a penetração não oferecia menores dificuldades pelo menos até se descobrirem os trilhos utilizados pelos guerrilheiros.
A resistência oferecida pelo adversário foi porém esporádica. Só raramente um grupo ou outro revelou espirito combativo, logo aliás neutralizado pelo comportamento corajoso dos nossos soldados. O normal foi a flagelação, a emboscada, jamais a defesa a todo o custo desta ou daquela posição.
Para aqueles que esperavam do PAIGC uma resistência compatível com o pretensiosismo manifestado nos comunicados onde o Como era anunciado como «área libertada», a operação foi uma desilusão militar. Afinal PAIGC não defendeu aquilo que já anunciava como sendo seu. Parece-nos porem que não seria de esperar outra coisa. O papel dos grupos de guerrilhas não e outro senão atacar o fraco e fugir do forte. Nada de grandes operações, resistências tenazes empenhamentos difíceis. Seja no Como ou em qualquer outra parte.
Quando a operação foi dada por finda, o PAIGC já não se revelava apesar dos nossos soldados cruzarem as matas em todos os sentidos. Muitos bandoleiros haviam sido mortos e algum material apreendido. Mas a maior parte conseguira fugir da ilha, apesar da vigilância dos nossos navios de guerra. E outros teriam ficado escondidos nas próprias matas. Ninguém podia ter a pretensão de ter limpo a ilha de terroristas nem de evitar que os fugidos regressassem novamente logo que as tropas saíssem.
O resultado final foi francamente favorável para as forças portuguesas que mais uma vez, haviam mostrado ao PAIGC serem capazes de desalojar os seus grupos fosse de que área fosse. Além disso, como prova da nossa soberania, construímos em Cachil um aquartelamento e aí deixámos uma guarnição com a missão de patrulhar a ilha.
Situada a sudoeste de Catió, a ilha de Como engloba também as de Caiar e Catunco. Por falta de efectivos e também porque, além de produzir algum arroz, pouca importância tem - a ilha não dispunha de qualquer força militar.
O PAIGC aproveitou esse facto para nela instalar um acampamento (normalmente designado por «base») que, além de actuar como centro de reabastecimento servia também para a instrução dos novos elementos terroristas.
A presença do PAIGC na ilha de Como era por nós conhecida não só porque elementos inimigos flagelavam por vezes os nossos barcos no rio Cobade (que separa a ilha da península de Catió), como também porque em reconhecimento efectuado pelos nossos soldados, os bandoleiros haviam reagido com certa violência.
Mas talvez o que tivesse pesado mais na decisão de reocupar o Como - sem valor militar, como dissemos - foi o facto de Amílcar Cabral ter apontado a ilha como «área libertada que estaria sob completo controle do PAIGC”.
Não tendo o inimigo qualquer outra área da Guiné nestas condições parecia necessário desalojá-lo da ilha e lá colocar uma força militar.
A operação foi levada a cabo por forças terrestres, aéreas e navais tendo a natureza do terreno constituído adversário mais difícil para as tropas portuguesas que o próprio inimigo. De facto, a ilha apresenta diversos maciços florestais quase impenetráveis, rodeados por bolanhas pantanosas que se estendem praticamente até ao mar. Desta forma a aproximação até às matas (onde os grupos terroristas se encontravam escondidos) tinha de ser feito a peito descoberto. E depois a penetração não oferecia menores dificuldades pelo menos até se descobrirem os trilhos utilizados pelos guerrilheiros.
A resistência oferecida pelo adversário foi porém esporádica. Só raramente um grupo ou outro revelou espirito combativo, logo aliás neutralizado pelo comportamento corajoso dos nossos soldados. O normal foi a flagelação, a emboscada, jamais a defesa a todo o custo desta ou daquela posição.
Para aqueles que esperavam do PAIGC uma resistência compatível com o pretensiosismo manifestado nos comunicados onde o Como era anunciado como «área libertada», a operação foi uma desilusão militar. Afinal PAIGC não defendeu aquilo que já anunciava como sendo seu. Parece-nos porem que não seria de esperar outra coisa. O papel dos grupos de guerrilhas não e outro senão atacar o fraco e fugir do forte. Nada de grandes operações, resistências tenazes empenhamentos difíceis. Seja no Como ou em qualquer outra parte.
Quando a operação foi dada por finda, o PAIGC já não se revelava apesar dos nossos soldados cruzarem as matas em todos os sentidos. Muitos bandoleiros haviam sido mortos e algum material apreendido. Mas a maior parte conseguira fugir da ilha, apesar da vigilância dos nossos navios de guerra. E outros teriam ficado escondidos nas próprias matas. Ninguém podia ter a pretensão de ter limpo a ilha de terroristas nem de evitar que os fugidos regressassem novamente logo que as tropas saíssem.
O resultado final foi francamente favorável para as forças portuguesas que mais uma vez, haviam mostrado ao PAIGC serem capazes de desalojar os seus grupos fosse de que área fosse. Além disso, como prova da nossa soberania, construímos em Cachil um aquartelamento e aí deixámos uma guarnição com a missão de patrulhar a ilha.
Claro que o PAIGC, actuando dentro da mais perfeita técnica subversiva logo difundiu comunicados em que transformava a derrota dos seus grupos do Como em retumbantes vitória. Em um destes comunicados, Amilcar Cabral afirmava que a ilha fora atacada por 3000 soldados portugueses, os quais ao fim de três meses de combate, haviam sido derrotados e postos em fuga. Além do comandante teriam sido mortos centenas de soldados portugueses.
Na realidade, à parte do inevitável desgaste físico, as nossas tropas não chegaram a ter meia dúzia de baixas. As indicadas no comunicado do PAIGC eram superiores ao efectivo total empregue! E o comandante continua vivo e de boa saúde. " (6)
Na realidade, à parte do inevitável desgaste físico, as nossas tropas não chegaram a ter meia dúzia de baixas. As indicadas no comunicado do PAIGC eram superiores ao efectivo total empregue! E o comandante continua vivo e de boa saúde. " (6)
Op. Tridente (Ilha do Como, 1964) - testemunho de Mário Dias
Um excelente testemunho sobre o que se passou nesta operação, é dado pelo furriel Mário Dias dos comandos, que participou nesta operação, do qual apresentamos um extracto:
"...
1. A caminho
Ao princípio da noite de 14 de Janeiro de 1964, a fragata Nuno Tristão deixava para trás o Ilhéu dos Pássaros e, dirigindo-se para a Ponta Oeste da Ilha de Bolama, rumou a Sul.
A bordo, instalados como era possível, os elementos que formavam o Grupo de Comandos (20 homens) escutavam atentamente as indicações (poucas) que o alferes Saraiva, comandante do grupo, ia debitando. Ninguém sabia o que nos poderia esperar no Como mas a boa disposição reinava e a confiança nas nossas capacidades era grande.
A avaliar pelo aparato que tinha reinado na ponte-cais de Bissau durante o embarque de tantas unidades militares, equipamentos, caixas, caixotes, cunhetes de munições e demais tralha afanosamente encafuada, sem contar com as lanchas de desembarque e alguns navios requisitados para o efeito cheios de pessoal e de material que já haviam zarpado, pessoalmente eu antevia que não seria pêra doce.
Não foi fácil conciliar o sono. A expectativa era grande e grande era também uma certa "raiva" por não nos ser dito exactamente qual a nossa verdadeira missão nem os objectivos definidos o que, para quem não gosta de trabalhar às cegas, constituía sério embaraço.
Sabíamos apenas que íamos desembarcar na Ilha do Como para a sua reocupação. Nem ao menos nos foi dito por quanto tempo se estenderia esta missão pelo que não levávamos connosco o indispensável para uma longa permanência, como acabou por acontecer.
As manobras do "lançar ferro" da fragata acordaram-me. Devido à pouca profundidade do mar, a Nuno Tristão ancorou um pouco longe de terra. Começaram os preparativos da transferência das unidades que fariam parte da 1ª vaga de assalto para as LDM.
Ao nascer do dia 15, surgiram os aviões de ataque ao solo ao mesmo tempo que as peças de bordo e artilharia de Catió bombardeavam os locais de desembarque cobrindo o avanço das tropas que iam ao assalto das praias para instalarem testas de ponte que permitissem a chegada do grosso dos efectivos e instalação da logística.
O Grupo de Comandos não fez parte desta 1ª vaga. Como disse o alferes Saraiva, estávamos guardados para outras missões. Nem fazíamos uma pequena ideia de como elas se viriam a revelar tão difíceis.
Estando, pois, a bordo da Nuno Tristão, encostado à amurada, fui acompanhando as lanchas rumo à ilha, cuja vegetação em que dominavam as palmeiras, se recortava no horizonte não muito distante. Os aviões largavam a sua carga mortífera, os obuses de Catió flagelavam a parte da ilha junto ao canal que a separa do continente. Na linha da costa mandavam as peças da Nuno Tristão e os “picanços” dos aviões metralhando. Julguei-me num cenário do dia D na Normandia. Era idêntico, salvas as devidas proporções.
Quando acabaram os fogos de apoio, começou a ouvir-se o crepitar de rajadas num tiroteio impressionante. Muito ao longe, é certo, mas ouviam-se. De imediato pensei: pronto, já chegaram. Vão conseguir? Haverá muitas baixas? A incerteza do que se passava deixou-me muito mais nervoso do que se lá estivesse a combater. Preferia ter ido com eles.
Suspiro de alívio quando soubemos que tinham conseguido e que o inimigo não tinha oferecido muito resistência retirando-se para o interior da ilha. Era de esperar. O PAIGC, certamente sabedor do que se iria passar, deve ter deixado apenas alguns guerrilheiros junto à praia, só “para chatear”, instalando o grosso do efectivo na densa mata do centro da ilha. As lanchas de desembarque continuaram em sucessivas levas a transportar o pessoal embarcado na fragata para terra, nesse dia e no seguinte.2 – Fervet opus
Finalmente. Chegou a nossa vez. No bojo de uma LDM rumámos a terra. Alcançada, baixada a rampa de desembarque, pisámos a areia do Como. Nada de tiros. O IN, naquele local, já não mandava nada. Populações e guerrilheiros que se encontravam na orla do mar já se haviam refugiado na densa mata do interior. Não fora a azáfama da tropa e dos carregadores a amontoar caixas de ração de combate, cunhetes de munições e de granadas, jericãs de plástico com água, barris de vinho, grades de cerveja – que tanto jeito deu para compensar a tremenda falta de água potável naquela ilha - não fora essa azáfama, e julgaria estar numa paradisíaca ilha do Pacífico. Linda praia… local de sonho.
Rajadas, não muito longe, acordaram o meu devaneio. Era em Cauane, disserem, onde se encontrava a CCAV 488 e o 8º Dest Fuz na tabanca que era o posto mais avançado e próximo do IN e que viria a ser o local de maior resistência à nossa penetração na mata. Era para lá que iríamos.
Enquanto na base logística, junto ao mar, se montavam as tendas de campanha que serviriam de posto de primeiros socorros, sala de operações, instalações para o comando e outras, se cavavam abrigos à volta do perímetro defensivo, se instalavam postos de vigia, se abriam as indispensáveis latrinas, iniciámos a marcha para Cauane.
Atravessado o palmar que bordejava a linha de costa, encontrámo-nos num terreno bastante arenoso e com pouca vegetação, onde os pés se enterravam exigindo redobrado esforço muscular.
Um pouco mais à frente surgiu um braço de ria, na altura com pouca água por ser baixa-mar, com o indispensável e habitual lodo e tarrafe. Para atravessar, bem no fundo daquela vala, um tronco de árvore já muito gasto pelo uso e que só permitia passagem na maré vazia. Devido a esse inconveniente, mais tarde, juntamente com os fuzileiros, cortámos alguns troncos de palmeira – abundantes nas margens desse e de outros cursos de água – e com eles foi improvisada uma ponte que permitia a passagem a qualquer hora. Mais tarde ainda, essa ponte foi substituída por outra construída por pessoal da Engenharia com tubos de andaime e madeira.
Atravessado sem percalços este obstáculo natural, eis – nos na extensa bolanha que se estende até Cauane e à mata de Cachil mais a Norte. Aí, só era possível andar sobre os estreitos ouriques pelo que lá vamos nós em coluna por um (a célebre "bicha de pirilau", na gíria militar) nada aconselhável em terrenos descobertos.
Ao princípio da noite de 14 de Janeiro de 1964, a fragata Nuno Tristão deixava para trás o Ilhéu dos Pássaros e, dirigindo-se para a Ponta Oeste da Ilha de Bolama, rumou a Sul.
A bordo, instalados como era possível, os elementos que formavam o Grupo de Comandos (20 homens) escutavam atentamente as indicações (poucas) que o alferes Saraiva, comandante do grupo, ia debitando. Ninguém sabia o que nos poderia esperar no Como mas a boa disposição reinava e a confiança nas nossas capacidades era grande.
A avaliar pelo aparato que tinha reinado na ponte-cais de Bissau durante o embarque de tantas unidades militares, equipamentos, caixas, caixotes, cunhetes de munições e demais tralha afanosamente encafuada, sem contar com as lanchas de desembarque e alguns navios requisitados para o efeito cheios de pessoal e de material que já haviam zarpado, pessoalmente eu antevia que não seria pêra doce.
Não foi fácil conciliar o sono. A expectativa era grande e grande era também uma certa "raiva" por não nos ser dito exactamente qual a nossa verdadeira missão nem os objectivos definidos o que, para quem não gosta de trabalhar às cegas, constituía sério embaraço.
Sabíamos apenas que íamos desembarcar na Ilha do Como para a sua reocupação. Nem ao menos nos foi dito por quanto tempo se estenderia esta missão pelo que não levávamos connosco o indispensável para uma longa permanência, como acabou por acontecer.
As manobras do "lançar ferro" da fragata acordaram-me. Devido à pouca profundidade do mar, a Nuno Tristão ancorou um pouco longe de terra. Começaram os preparativos da transferência das unidades que fariam parte da 1ª vaga de assalto para as LDM.
Ao nascer do dia 15, surgiram os aviões de ataque ao solo ao mesmo tempo que as peças de bordo e artilharia de Catió bombardeavam os locais de desembarque cobrindo o avanço das tropas que iam ao assalto das praias para instalarem testas de ponte que permitissem a chegada do grosso dos efectivos e instalação da logística.
O Grupo de Comandos não fez parte desta 1ª vaga. Como disse o alferes Saraiva, estávamos guardados para outras missões. Nem fazíamos uma pequena ideia de como elas se viriam a revelar tão difíceis.
Estando, pois, a bordo da Nuno Tristão, encostado à amurada, fui acompanhando as lanchas rumo à ilha, cuja vegetação em que dominavam as palmeiras, se recortava no horizonte não muito distante. Os aviões largavam a sua carga mortífera, os obuses de Catió flagelavam a parte da ilha junto ao canal que a separa do continente. Na linha da costa mandavam as peças da Nuno Tristão e os “picanços” dos aviões metralhando. Julguei-me num cenário do dia D na Normandia. Era idêntico, salvas as devidas proporções.
Quando acabaram os fogos de apoio, começou a ouvir-se o crepitar de rajadas num tiroteio impressionante. Muito ao longe, é certo, mas ouviam-se. De imediato pensei: pronto, já chegaram. Vão conseguir? Haverá muitas baixas? A incerteza do que se passava deixou-me muito mais nervoso do que se lá estivesse a combater. Preferia ter ido com eles.
Suspiro de alívio quando soubemos que tinham conseguido e que o inimigo não tinha oferecido muito resistência retirando-se para o interior da ilha. Era de esperar. O PAIGC, certamente sabedor do que se iria passar, deve ter deixado apenas alguns guerrilheiros junto à praia, só “para chatear”, instalando o grosso do efectivo na densa mata do centro da ilha. As lanchas de desembarque continuaram em sucessivas levas a transportar o pessoal embarcado na fragata para terra, nesse dia e no seguinte.2 – Fervet opus
Finalmente. Chegou a nossa vez. No bojo de uma LDM rumámos a terra. Alcançada, baixada a rampa de desembarque, pisámos a areia do Como. Nada de tiros. O IN, naquele local, já não mandava nada. Populações e guerrilheiros que se encontravam na orla do mar já se haviam refugiado na densa mata do interior. Não fora a azáfama da tropa e dos carregadores a amontoar caixas de ração de combate, cunhetes de munições e de granadas, jericãs de plástico com água, barris de vinho, grades de cerveja – que tanto jeito deu para compensar a tremenda falta de água potável naquela ilha - não fora essa azáfama, e julgaria estar numa paradisíaca ilha do Pacífico. Linda praia… local de sonho.
Rajadas, não muito longe, acordaram o meu devaneio. Era em Cauane, disserem, onde se encontrava a CCAV 488 e o 8º Dest Fuz na tabanca que era o posto mais avançado e próximo do IN e que viria a ser o local de maior resistência à nossa penetração na mata. Era para lá que iríamos.
Enquanto na base logística, junto ao mar, se montavam as tendas de campanha que serviriam de posto de primeiros socorros, sala de operações, instalações para o comando e outras, se cavavam abrigos à volta do perímetro defensivo, se instalavam postos de vigia, se abriam as indispensáveis latrinas, iniciámos a marcha para Cauane.
Atravessado o palmar que bordejava a linha de costa, encontrámo-nos num terreno bastante arenoso e com pouca vegetação, onde os pés se enterravam exigindo redobrado esforço muscular.
Um pouco mais à frente surgiu um braço de ria, na altura com pouca água por ser baixa-mar, com o indispensável e habitual lodo e tarrafe. Para atravessar, bem no fundo daquela vala, um tronco de árvore já muito gasto pelo uso e que só permitia passagem na maré vazia. Devido a esse inconveniente, mais tarde, juntamente com os fuzileiros, cortámos alguns troncos de palmeira – abundantes nas margens desse e de outros cursos de água – e com eles foi improvisada uma ponte que permitia a passagem a qualquer hora. Mais tarde ainda, essa ponte foi substituída por outra construída por pessoal da Engenharia com tubos de andaime e madeira.
Atravessado sem percalços este obstáculo natural, eis – nos na extensa bolanha que se estende até Cauane e à mata de Cachil mais a Norte. Aí, só era possível andar sobre os estreitos ouriques pelo que lá vamos nós em coluna por um (a célebre "bicha de pirilau", na gíria militar) nada aconselhável em terrenos descobertos.
Precauções redobradas, chegada a Cauane festivamente saudada pelos guerrilheiros com nutrido fogo de PPSH (1) e de outras armas a partir da mata em frente, distanciada cerca de 200 metros da nossa posição. Felizmente os tiros saíam muito altos e só o som irritante das chicotadas incomodava.
Instalados em abrigos expeditos cavados no chão arenoso, as tropas montavam guarda aquele local estratégico por ficar próximo da mata, um pouco elevado, o que permitia domínio sobre o terreno circundante. Sob orientação do cmdt. do 8º Dest.Fuz. que aí se encontrava já há 3 dias, foram-nos indicadas as nossas posições. Cavamos abrigos, o que não foi difícil, o terreno era mole, ficando uma equipa em cada abrigo. Sempre em mente o princípio sagrado de nunca se separarem os elementos de uma equipa.
A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como.
Mesmo em ruínas, as palhotas de Cauane foram úteis para guardar muito do nosso material e sempre proporcionavam alguma sombra. Junto a uma das casas, foi colocado um tosco mastro, bem alto, onde flutuava orgulhosamente a bandeira nacional. Creio que tal “provocação” irritava os guerrilheiros que para lá disparavam longas rajadas de metralhadora, sensivelmente de hora a hora. Nós, ao fim de algum tempo habituámo-nos ao festival e até já sabíamos que horas eram, sem necessidade de consultar o relógio. Bastava contar as rajadas. As munições que assim gastaram, e foram milhares delas, (nós nem respondíamos) nunca atingiram o pessoal instalado na tabanca de Cauane. Milagre ou falta de pontaria. Ou ambas as coisas.
No dia 20 de Janeiro de 1964, o 8º Dest. Fuz. Esp. saiu para uma incursão na mata entre Cauane e S. Nicolau. Como era de esperar, um numeroso grupo estimado em cerca de 100 guerrilheiros nos quais foram referenciados alguns brancos e caboverdeanos, recebeu-os com nutrido fogo que durou aproximadamente 2 horas. Devido à gravidade da situação, saímos em reforço. A distância não era grande e rapidamente chegamos ao combate que estava mesmo feroz. Os guerrilheiros não paravam o fogo. Escondidos na densa mata, eram alvos difíceis de atingir. Progredindo por lanços, de árvore em árvore ou qualquer pequena elevação de terreno que nos protegesse, fomos tentando a aproximação à mata onde se encontrava o in. Impossível.
Instalados em abrigos expeditos cavados no chão arenoso, as tropas montavam guarda aquele local estratégico por ficar próximo da mata, um pouco elevado, o que permitia domínio sobre o terreno circundante. Sob orientação do cmdt. do 8º Dest.Fuz. que aí se encontrava já há 3 dias, foram-nos indicadas as nossas posições. Cavamos abrigos, o que não foi difícil, o terreno era mole, ficando uma equipa em cada abrigo. Sempre em mente o princípio sagrado de nunca se separarem os elementos de uma equipa.
A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como.
Mesmo em ruínas, as palhotas de Cauane foram úteis para guardar muito do nosso material e sempre proporcionavam alguma sombra. Junto a uma das casas, foi colocado um tosco mastro, bem alto, onde flutuava orgulhosamente a bandeira nacional. Creio que tal “provocação” irritava os guerrilheiros que para lá disparavam longas rajadas de metralhadora, sensivelmente de hora a hora. Nós, ao fim de algum tempo habituámo-nos ao festival e até já sabíamos que horas eram, sem necessidade de consultar o relógio. Bastava contar as rajadas. As munições que assim gastaram, e foram milhares delas, (nós nem respondíamos) nunca atingiram o pessoal instalado na tabanca de Cauane. Milagre ou falta de pontaria. Ou ambas as coisas.
No dia 20 de Janeiro de 1964, o 8º Dest. Fuz. Esp. saiu para uma incursão na mata entre Cauane e S. Nicolau. Como era de esperar, um numeroso grupo estimado em cerca de 100 guerrilheiros nos quais foram referenciados alguns brancos e caboverdeanos, recebeu-os com nutrido fogo que durou aproximadamente 2 horas. Devido à gravidade da situação, saímos em reforço. A distância não era grande e rapidamente chegamos ao combate que estava mesmo feroz. Os guerrilheiros não paravam o fogo. Escondidos na densa mata, eram alvos difíceis de atingir. Progredindo por lanços, de árvore em árvore ou qualquer pequena elevação de terreno que nos protegesse, fomos tentando a aproximação à mata onde se encontrava o in. Impossível.
O terreno até lá era descoberto e as metralhadoras varriam tudo. Perto de mim, um fuzileiro, temerariamente em terreno descoberto, fazia fogo. Quando reparei e lhe gritava para sair dali e se abrigar, só o vi a virar-se de barriga para o ar e ali ficou atingido com um tiro na cabeça. Fiz um disparo com o lança-roquetes (a minha arma, além da indispensável G3) para quebrar o ímpeto do IN e permitir que fosse socorrido. Resultou, e alguns elementos dos fuzileiros foram buscá - lo. Estava morto.
(Nota: apresentamos no fim deste texto, um outro um texto de autoria do comandante dos fuzileiros que esteve envolvido na acção descrita anteriormente, o comandante do Destacamento de Fuzileiros 8, Alpoim Calvão).
Guiné > Ilha do Como > 1964 >
Na tabanca de Cauane, após a acção descrita. Estou eu, (de óculos) encostado a uma palhota, visivelmente cansado. A meu lado, a comer uma bolacha da ração de combate - não havia mais nada - o 1º cabo fotocine Raimundo que estava destacado pelo QG a fim de fazer a cobertura da operação, e que se juntou ao nosso grupo nunca mais deixando de nos acompanhar.
© Mário Dias (2005)
Nada a fazer. Tivemos que ordenadamente retirar e regressar às nossas posições na tabanca de Cauane. Nesta acção, os fuzileiros sofreram 2 mortos e 3 feridos graves. Dos guerrilheiros não se sabe pois ninguém conseguiu lá chegar e verificar o que entre eles se passou.
O PAIGC estava a opor grande resistência. Foi necessária a ajuda da aviação e artilharia para que aos poucos se fosse tornando possível a nossa progressão para o interior do Como. Recordo algumas noites em que nos era recomendado não acender fogueiras, nem sequer cigarros, pois os P2V5 vinham (à socapa pois eram da NATO) bombardear a mata. As explosões eram tão fortes que o chão onde estávamos deitados estremecia.
Durante o dia actuavam os F86 e T6 bombardeando e metralhando todos os movimentos que detectassem.
Uma noite, não sei se numa atitude provocatória ou se por terem frio, acenderam uma enorme fogueira mesmo na orla da mata à nossa frente. Via-se nitidamente a passagem de silhuetas humanos à sua volta. O cmdt. dos fuzileiros (1º Ten. Alpoim Calvão) chamou o Saco, apontador da instalaza(lança granadas foguete, como a nossa bazuca - aportuguesemos a palavra - mas com algumas diferenças: era de cor cinzenta, metalizada, com um óculo de pontaria mais perfeito e tinha um escudo para protecção do apontador.)
Chegou o Saco - engraçado como os fuzileiros tinham quase todos nomes de guerra pelos quais se chamavam! Era o Régua, o Setúbal, o Pistas, o Sono e outros que de momento já não recordo - e, municiada a arma, colocou-se de joelho em terra fazendo cuidadosa pontaria. Pum … lá vai ela. Segundos depois um tremendo estoiro. Então onde está a fogueira? Desapareceu. A granada acertou bem no meio e o sopro encarregou-se de a apagar. Nunca mais acenderam outra.
Um dos pontos que pretendíamos dominar era a picada que, partindo das imediações da casa Brandão, seguia para Norte em direcção a Cassaca e Cachil. Tarefa difícil pois o inimigo tinha instaladas à entrada da mata metralhadoras no enfiamento da picada. No dia 23 o grupo de comandos reforçado com uma secção da CCAV 488 e uma secção de fuzileiros dirigiu-se ao local para tentar alcançar e destruir as metralhadoras. Escondidos na casa Brandão, fomos progredindo de um e outro lado do ourique. Porém, ao chegarmos junto ao rio que atravessa a bolanha tínhamos que subir para o ourique e passar por umas tábuas que faziam de ponte. Como era de esperar, as metralhadoras entraram em funcionamento. Zás. Tudo a saltar de novo para o desnível do ourique.
E agora? Não podíamos prosseguir na relativa segurança de “encostados ao raio do ourique” porque as margens do pequeno rio e a bolanha que seguia até à mata estavam muito alagadas e eram lodosas. Nova tentativa e novas rajadas. Respondíamos ao fogo mas eles estavam abrigados e escondidos e nós a descoberto. Vantagem deles.
Chamou-se o apoio aéreo que não tardou. Dois F86 metralharam a zona de onde partiam as rajadas. Depois de algumas passagens, foram embora e ficou um T6. Largou as bombas. Subiu e rasou o solo metralhando. Subiu de novo e metralhou. Ao ganhar altura, ouviram-se gritos de júbilo na mata. Virou à esquerda e desapareceu da nossa vista. Pensei: bom, deve ter acabado as munições ou ter pouco combustível e foi-se embora. Vamos lá, que já devem ter ”amochado”. Qual quê? Tudo como dantes. Rajadas e mais rajadas que não deixavam sequer levantar a cabeça. Feita uma rápida avaliação, concluiu-se que daquela forma era impossível. Teríamos que voltar de noite ou madrugada para que não nos vissem e assim ser possível chegar às posições que defendiam à entrada da mata.
Quando estávamos a iniciar o regresso, surge ao nosso encontro o cmdt dos fuzileiros com mais homens do seu destacamento que nos pediu para o acompanharmos pois o avião T6 que nos apoiava tinha sido abatido. Percebi então o porquê dos gritos que os guerrilheiros tinham soltado. Rapidamente chegámos ao local, que não era longe, e deparámos com a avião ainda a fumegar, embora não totalmente ardido. Carbonizado, sim, estava no chão o corpo do infeliz piloto, alferes Pité, que encontrou a morte ao tentar proteger-nos. Ainda hoje me emociono ao lembrar este triste acontecimento. O corpo foi recuperado, o avião destruído com explosivos e nós regressamos a Cauane tentando esquecer.
O pior era a alimentação. 23 dias seguidos a ração de combate. Quem passou por isso poderá imaginar os problemas de saúde que isso causa pois ao fim de algum tempo já estamos enjoados e não conseguimos engolir nada. O corpo ressentia-se do esforço diário e ficámos debilitados. Água também era pouca pois só havia a que vinha de Bissau em barcaças. Mas um dia, o pessoal da minha equipa conseguiu cozinhar. Que luxo!... Juntámos os pacotinhos de canja que vinham nas rações e, com um pouco de arroz que desencantámos numa palhota, fizemos uma bela canja. Maravilha, sopinha de canja bem quentinha. Fomos para o nosso buraco com a preciosa iguaria numa marmita. Não sei já quem foi, mas um comensal mais apressado, com a “fussanga” de meter a colher, entornou a marmita. Sopa espalhada no pano de tenda que, por ser impermeável graças ao muito óleo e sujidade acumulados, reteve a abençoada canja. Pois foi mesmo do pano de tenda que foi comida e saboreada. Há muito tempo que nada me sabia assim tão bem.
As acções continuavam e começou a notar-se um certo fraquejar nas hostes do PAIGC, submetidos a um permanente assédio, não só pelos que estavam em Cauane mas também os de Curcô, Cachil e Uncomene sem contar com a aviação e artilharia entretanto instalada na base logística. E foi assim que em 26, de manhã, o grupo de comandos conseguiu entrar na mata junto de Cauane. Passámos pelo local onde, no combate em que participámos em auxílio dos fuzileiros, o inimigo teve a sua força instalada. Sem novidade. Continuámos a internar-nos na mata em direcção a S. Nicolau.
Mais à frente fomos atacados. A nossa reacção foi imediata e provocámos 3 mortos aos guerrilheiros que retiraram. Estava quebrado o mito de que não era possível entrar naquela mata. A partir desse momento, as nossas tropas não mais foram impedidas nas suas iniciativas atacantes.
Nesse dia, à tarde, fomos mandados regressar à Base Logística que passou a ser a nossa “morada” durante o resto da Op Tridente.
Aqui é que se está bem. Não somos “fogachados”, não precisamos de fazer sentinelas nem vigia durante a noite e, ainda melhor, podemos tomar banho no mar.
Era esta a opinião geral. Para o conforto ser completo faltava-nos material para construir barracas que não tínhamos e improvisar camas na areia da praia. Numa das minhas deambulações de reconhecimento do local, encontrei na mata de palmeiras que bordejava a praia, um enorme acampamento abandonado, pelos vistos à pressa, pois estava repleto de inúmeros daqueles panos que usam na Guiné como vestuário. Lavadinhos, a cheirar a sabão e, espanto!...passados a ferro. Tudo muito bem arrumado, chão varrido, dava gosto andar por ali. Nem sequer faltavam galinhas que lá ficaram, nem tiveram tempo de as levar.
Era mesmo o que eu precisava. Trouxe alguns panos para fazer uma barraca e me servirem de vestuário de "turista". A palha da cobertura das casas de mato, que eram muito baixas, serviu às mil maravilhas para improvisar um belo colchão. Alguns trouxeram mesmo catres para dormir. Quanto às galinhas, foram servindo de alimento para quebrar a monotonia das rações de combate. Mas tudo tem o seu preço. Onde há galinhas e areia, há matacanhas que não tardaram a fazer estragos. Poucos de nós se livraram delas e, diariamente, tínhamos que passar revista aos pés e proceder à sua extracção. A média diária era de 8 ou 10.
A Base Logística onde também funcionava o posto de comando, estava ampliada e melhorada. Pousavam lá os aviões ligeiros (Auster e Dornier) bem como helicópteros desde que a maré não estivesse totalmente cheia. A areia molhada formava uma excelente pista de aterragem. Também já lá estavam duas bocas de fogo de obus 8,8cm, comandadas pelo Alf Mil Carvalinho, exímio tocador de guitarra e igualmente exímio tocador de garrafa de cerveja que nunca abandonava.
Uma tarde, depois de almoço, estava eu a descansar um pouco e ouvi um tiro de obus.
Fui ver. O Alf Carvalinho, de calções, tronco nu, indispensável cerveja na mão, alguns passos atrás das peças ia ordenando ao apontador:
- Pá, levanta um bocadinho… não, foi demais, baixa… um pouco para a direita… está bom. Fogo!
E a granada partiu rumo ao seu destino. Salta de lá o Tenente-coronel Cavaleiro:
- Ó Carvalinho, você ainda me mata algum homem, temos tropas na mata.
- Calma meu Tenente coronel, isto vai ter aonde eu quero . - E continuou:
- Eh pá, baixa um pouco… está bom. Fogo! - E foi assim até disparar 4 granadas. Acercando-me dele perguntei:
- Meu alferes, para onde foram esses tiros? - Mostrando-me a carta indicou:
- Para o cruzamento destes caminhos. - E apontou um cruzamento de um caminho com a picada de Cassaca.
Não é que, alguns dias depois, ao passar pelo referido local, lá estavam, muito próximos uns dos outros, os 4 impactos das granadas?!
Uma tarde, interrogavam um prisioneiro na tenda de campanha que servia de posto de comando/sala de operações. Perguntavam-lhe:
- Onde está o Nino?
Era um dos objectivos a que a operação se propunha. A captura do Nino era essencial.
Resposta do prisioneiro:
- Foi no chão francês (Guiné Conacri) buscar morteiro.
Gargalhada de um dos oficiais de alta patente presentes:
- Agora… pode lá ser?!.. Estes gajos alguma vez têm capacidade para manobrar um morteiro?
Ainda não tinha decorrido uma semana e já a CCAV 488 instalada em Cauane estava a levar com eles. Era noite e 4 granadas de morteiro caíram com grande estrondo nas imediações da tabanca. Não houve feridos nem estragos. Vim a saber o motivo alguns dias depois quando, ao passar por lá, me mostraram as granadas. Observei e não foi difícil concluir que se tratava de granadas de instrução ou talvez já muito velhas e com perda do poder explosivo. O corpo das granadas estava simplesmente aberto, mas inteiro, sem ter provocado qualquer fragmentação ou estilhaço. Pareciam bananas descascadas. Ainda bem.
Foram as primeiras “morteiradas” na guerra da Guiné. Ainda durante o resto do tempo que durou a Op Tridente, foram referenciados mais alguns ataques de morteiro, sempre sem consequências para as NT.
A batalha continuava. No dia 28 à meia-noite saímos com o pelotão de paraquedistas em direcção de Cauane para montar emboscadas num poço de água existente na picada Cauane/Cassaca. Passado o ourique de triste memória onde dias antes fora abatido o T6, entramos na mata e nada, nem ao menos um tiro de sentinela a avisar da nossa presença. Progredimos mais e chegados à zona do poço instalámo-nos a aguardar a comparência dos guerrilheiros. Não compareceram para a festa que lhes estava preparada.
Pelas 17 horas de 29 regressámos à base (espera praia, já aí vamos) sem ter havido qualquer contacto nem sinal de actividade do inimigo.
Em 4 de Fevereiro, em mais uma incursão na mata de Cauane, o grupo de comandos ficou emboscado após a retirada das outras forças (CCAV 489). Surpreendemos elementos avançados do IN a quem provocámos 3 feridos. (Não sei se terão morrido mais tarde.)
Boas notícias. Vamos passar a ter uma refeição quente por dia: o almoço. Já não era sem tempo. Como estávamos instalados junto ao 8º Dest de Fuzileiros com quem nos dávamos extraordinariamente bem, tanto no aspecto operacional como no convívio diário, resolvemos também “juntar os trapinhos” na confecção da comida.
À vez, à volta dos caldeiros de campanha, armados em cozinheiros, lá íamos mostrando os nossos dotes. E, acreditem, tudo correu maravilhosamente. E nem sequer faltava marisco para petiscarmos. Quando a maré vazava e não estavamos em operações, era só ir até à linha de baixa-mar onde colhíamos grandes quantidades de combé que por lá abundava. Para quem não conhecer,combé é um bivalve parecido com o berbigão mas muito maior e de casca bastante grossa. Uma delícia. Atendendo à situação, claro.
No dia 6 de Fevereiro, o grupo de comandos com pelotão de paraquedistas, embarcou na LDM (2) ao fim da tarde com destino a Curcô para, a partir desse local atingir Cachida tentando surpreender o In. pela retaguarda. Chegamos a Curcô onde estava instalada a CCAV 489. Aí pernoitámos, aguardando a madrugada para iniciar a progressão.
Talvez o nosso amigo Joaquim Ganhão (3), que lá esteve, se recorde desta nossa passagem.
Madrugada. Antes do dia romper, verificação cuidadosa do armamento, equipamento, munições… os cantis estão cheios? Tudo em ordem?
Partimos, em silêncio como convinha, e embrenhámo-nos na mata. Olhos e ouvidos atentos, mão firme nas armas, prontos a reagir. Tudo vimos com cuidado, explorando indícios e tentando descobrir onde se acoitavam. Trilhos bem pisados pelo uso, mas as poucas palhotas que fomos encontrando estavam abandonadas, algumas recentemente, outras há semanas. Contacto, nenhum. Nem vê-los. De vez em quando soava um tiro isolado, talvez de aviso, e nada mais. Ao fim da manhã atingimos Cachida, que se encontrava abandonada, e derivámos em direcção à picada que liga Cassaca a Cachil.
Desde a manhã que nessa zona da mata de Cachil o 7º Dest de Fuz. estava fixado por um grupo de cerca de 50 guerrilheiros, bem armados e municiados, que os flagelava a partir da orla da mata de Cassaca. Uma secção dos fuz. chegou a estar isolada e cercada cerca de 45 minutos.
Conseguimos chegar ao local e detectamos a retaguarda do In. que atacámos causando-lhes baixas. Como a reacção não foi grande, deduzimos - ingenuamente como em breve viríamos a verificar - que se tinham posto em fuga e iniciámos a travessia de uma zona descampada, lisa como um campo de futebol e de capim muito rasteiro, com o intuito de nos juntarmos aos fuzileiros que nos aguardavam do outro lado. Ainda não íamos a meio quando estalou a fuzilaria vinda de um ponto mais a oeste da orla da mata que acabávamos de deixar.
Chão… rebolar…responder ao fogo… procurar alguma abrigo… não há nada, tudo liso como a careca de um careca. Eles não paravam o fogo, nós também não. Mas estávamos a descoberto, alvos fáceis.
O alferes Godinho gritando para o Saraiva:
- Porra, que estamos aqui a fazer? Vamos embora. - E fomos. Em lanços, uma equipa correndo em zigue-zague, as outras cobrindo, a equipa instala-se, outra se levanta e a ultrapassa, instala-se, outra faz o mesmo e assim conseguimos percorrer os 200 metros daquela maldita clareira, debaixo de cerrado fogo, sem qualquer arranhão, juntando-nos aos fuzileiros.
Quando recordo este episódio, lembro-me sempre do logro em que fiz cair um guerrilheiro e que me salvou a vida. Faltando-me alguns metros para atingir a orla da mata onde teria abrigo seguro, vi no chão os impactos de uma rajada mesmo junto aos meus pés. Bom, esta não é à toa, é mesmo apontada para mim. De imediato, nem sei mesmo como me ocorreu tal estratagema, armei-me em artista de cinema quando atingido por disparos e, abrindo os braços, mandei um salto deixando-me cair de costas desamparado. Remédio santo. A rajada que me era dirigida parou. Fiquei no chão alguns instantes, quietinho, e de repente, ala que se faz tarde. Alcancei a segurança da mata onde já estavam quase todos os elementos do grupo. Os restantes não tardaram a juntar-se a nós.
Os paraquedistas tiveram menos sorte. Como vinham atrás de nós, ao ouvir o tiroteio que nos atingia na clareira, resolveram atravessá-la um pouco mais a leste. O resultado foi terem demorado mais tempo permitindo a reorganização do IN que lhes dificultou seriamente a travessia da clareira. Tiveram um morto e um ferido grave.
Juntas todas as tropas, caminhámos até Cachil, onde estava em construção uma espécie de quartel para uma companhia que lá ficaria instalada, ocupando e patrulhando a ilha, uma vez terminada a Op Tridente. Era uma construção sui generis pois não passava de uma enorme paliçada feita com troncos de palmeira a pique para servir de abrigo. Parecia um cenário de filme de índios contra a cavalaria americana.
No rio esperava-nos uma LDM que nos trouxe de volta à base. Oh praia, lá vamos nós.
A 17 de Fevereiro, o grupo de comandos recebeu a missão de bater a mata desde o Norte de Curcô até Cauane. Confirmando a nossa convicção de que os guerrilheiros do PAIGC estavam a ficar enfraquecidos, não houve oposição à nossa penetração na mata que, até há pouco tempo, tinha sido um santuário que não deixavam profanar.
Apenas a cerca de 1 km a Norte de S. Nicolau se ouviram dois disparos de espingarda - código por eles usado para avisar que andava por ali a tropa e se esconderem. Prosseguimos a nossa patrulha em direcção a Cauane onde, sensivelmente no local do nosso primeiro contacto com o IN nesta operação (quando morreram dois fuzileiros), fomos flagelados com alguns tiros de PPSH (3) e Metralhadora, mais com o propósito de nos manter afastados do que nos enfrentar. Reagindo, abatemos um elemento IN. Alcançamos Cauane e daí a praia da Base Logística.
Estávamos de novo “ em casa”.
Dia 23 de Fevereiro novamente embarcados numa LDM com o Pelotão de de Paraquedistas e 8º Destacamento de Fuzileiros, rumo a Curcô onde pernoitámos.
No dia seguinte, com mais um grupo de combate da CCAV 488, iniciámos uma batida à mata. Por duas vezes tivemos contacto com um numeroso grupo de guerrilheiros que dispunham de um morteiro 82 e 1 metralhadora pesada 12,7mm. As NT causaram 7 mortos confirmados, sendo 3 caboverdeanos, armados com pistola-metralhadora, dois deles fardados de caqui. Nesta acção, o Pel Paraquedistas teve 1 morto, 1 ferido grave e 1 ferido ligeiro. Uma rajada de PPSH inutilizou a arma do comandante dos páras, que ficou ferido na cabeça.
Quando me recordo, à distância dos anos, do que aconteceu a seguir, dá-me vontade de rir da cena caricata que devemos ter feito.
Eu conto: tendo nós conseguido sempre levar a melhor nos contactos com o IN, eis que um enorme enxame de abelhas se abateu sobre nós. Toda a gente a sacudir-se, ferroadas de criar bicho, correria desenfreada. Quem diria… pequenos insectos conseguiram aquilo que o IN nunca foi capaz: pôr-nos em fuga. Com o pessoal todo picado, já havia muitos olhos tumefactos, nada poderíamos fazer a não ser o regresso a Curcô. Ganharam as abelhas.
Na orla da mata perto de Curcô, ainda descobrimos uma plataforma construída sobre palafitas, com cerca de 1,80m de altura, e que servia como posto de vigia sobre aquela localidade. Deixámo-la ficar armadilhada. Não sei se a armadilha chegou ou não a ser activada. Hoje, faço votos para que não.
Que bem dormia eu quando, naquela madrugada do dia 27 de Fevereiro, “às 4 da matina” me acordaram:
- Porra… são lá horas de acordar um pacato cidadão embrenhado em sonhos tão deliciosos!...
- Vamos embora! - Mais uma vez a mata espera por nós. E fomos.
Sol já a brilhar, movimentos suspeitos no tarrafe. Avançámos cautelosamente para averiguar. Apenas algumas pegadas de 2 ou 3 pessoas que devem ter fugido com a nossa aproximação.
Nesse dia, juntamente com o Pel Paraq e 1 grupo de combate de elementos das CCCAV 487 e 489 foi destruída a tabanca de Catabão Segundo onde fizemos um prisioneiro e apreendemos 2 binóculos, 1 cantil, 1 espingarda G3 com 4 carregadores, e 3 granadas de mão. Mais uma acção em que o IN não deu sinais de vida.
....
Progressão silenciosa, escondidos, calma, devagar, parar e escutar com frequência. Sem surpresa é impossível um golpe de mão bem sucedido.
Acampamento atingido e assaltado às 9 horas, praticamente sem resistência (o IN fugiu). Era constituído por cerca de 50 casas de mato com uma centena de camas de madeira e de ferro. Viva o luxo!...até havia mosquiteiros, colchões, lençóis, colchas e outras “mordomias”. Espalhados por diversos locais, máquina de escrever, máquinas de costura, roupa já confeccionada e peças de tecido, muitos livros de instrução primária em português, muita correspondência, e os habituais utensílios de uso doméstico. O acampamento estava rodeado por alguns abrigos e tinha postos de observação nas árvores.
Incendiadas as casas de mato começou o habitual estoiro de munições e granadas que ali se encontravam escondidas escapadas à nossa observação.
Nas proximidades estava um cemitério com 30 sepulturas recentes.
Desta acção, realizada no dia 1 de Março, trouxemos para a base (rica praia!): 1 cunhete com 800 cartuchos 7,9; 80 cartuchos 7,62; muitas munições de diversos calibres; 1 granada de mão incendiária; 1 cantil USA; catanas.
Aos poucos, a forte resistência inicial do PAIGC vai caindo por terra. Mostram já sinais evidentes da falta de agressividade, que é parte da doutrina da guerrilha: “ataca quando o IN está fraco; esconde-te se ele é mais forte”.
Mensagem de Nino aos seus guerrilheiros em poder de um prisioneiro por nós capturado:
“Hoje faz 48 dias que os nossos camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Camaradas, tenham paciência, porque não tenho outra safa senão o vosso auxílio… As tropas estão a aumentar cada vez mais as suas forças…camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que de um dia para o outro vamos ficar sem a população e sem os nossos guerrilheiros. Já estamos a contar com as baixas de 23 camaradas… do vosso camarada, Marga - Nino “,
Emboscadas do grupo de comandos na mata de S. Nicolau, na noite de 5 de Março até à tarde do dia seguinte, mais uma vez os guerrilheiros não compareceram.
Um agrupamento constituído pelo grupo de comandos, 8º Dest. Fuz, e um grupo de combate da CCAV 489, iniciaram, por volta das 8 da manhã de 12 de Março, uma acção sobre Catunco Papel e Catunco Balanta a fim de cercar e bater todas a zona destruindo tudo quanto possa constituir abrigo ou abastecimento para o IN e que não seja possível recuperar pelas NT.
Cercada a tabanca de Catundo Papel e de seguida Catunco Balanta, foram as casas revistadas e destruídas, tarefa que demorou quase 5 horas. Foram recuperadas 5 toneladas de arroz; capturado um elemento IN e apreendidas 2 granadas de mão, livros escolares em português, cadernos, fotografias, facturas, recibos de imposto indígena, e um envelope endereçado a BIAQUE DEHETHÉ, sendo remetente MUSSA SAMBU de Conakry.
...
Às 03H30 do dia 16 de Março, chegados a Curcô, aguardamos a aurora pondo-nos a caminho com a CCAV 489 (-). A missão era bater a mata até Cassca e daí virar a Sul até Cauane, eliminando ou aprisionando qualquer elemento IN e detectar e destruir tudo quanto possa oferecer abrigo ou recursos para o IN. Resistência ?...mais uma vez, nada.
Foi encontrado um acampamento com 15 casas de mato. Uma delas bem grande que nos pareceu ser destinada a reuniões onde estava um molho de panfletos de acção psicológica das NT, recentemente lançados na ilha pelos nossos aviões. Numa outra barraca, um caderno de cópias de INÁCIO BATALÉ, datado de 12 de Novembro de 1963. Nas imediações foram descobertos e destruídos 3 depósitos de arroz, estimando-se serem cerca de 15 toneladas.
Progredindo para Sul, dentro da mata da região de Cauane, e a cerca de 600 metros da tabanca, detectou-se um grupo de 7 elementos armados de espingarda e de pistola-metralhadora. Fogo…pum. Dois tiros chegaram e caiu um. Mais dois tiros e caiu outro armado de PPSH e de farda camuflada. Mais um tiro e outro ferido que fugiu aos gritos.
Os sobrantes puseram-se em fuga. O inimigo não parecia o mesmo das primeiras semanas da batalha do Como. Estava de facto enfraquecido e fugia ao contacto.
Com a operação a chegar ao fim previsto, o Comandante das Forças Terrestres, Ten Cor Cavaleiro, saiu com o grupo de comandos e o pelotão de paraquedistas às 23H30 do dia 20 de Março, atravessando a mata de Cauane, Cassaca e Cachil com a finalidade de verificar pessoalmente a capacidade de combate do IN.
Passagem e pequena paragem na tabanca de Cauane, troca de informações com o comandante da CCAV 488, dono da casa, e iniciámos a penetração na mata à 1 hora do dia 21, partindo da casa Brandão. Reacção do IN?...nenhuma. Progredimos até Cassaca que foi alcançada às 02H30. Feita uma batida cuidadosa à região, encontraram-se a Norte algumas casas de mato quase destruídas e há muito abandonadas.
Siga a tropa. Para a frente é que é o caminho. Já próximo da orla da mata de Cachil, ao “romper da bela aurora”, detectados 3 elementos IN um armado de PPSH e os outros dois de espingarda. Meia dúzia de tiros foram suficientes para fugirem. Um deles, ferido, deixou para trás a espingarda Mauser 7,9mm e 5 cartuchos da mesma. Tinha sangue na coronha.
Mais tarde, outro grupo de 5 elementos, avistados um pouco à distância, foram alvejados e fugiram sem responder ao nosso fogo. Levaram dois feridos.
Atingimos Cachil, na outra extremidade da ilha, que foi atravessada pacificamente de Sul para Norte sem qualquer beliscadura nem qualquer oposição à nossa presença por parte dos guerrilheiros.
Embarcados na LDM, lá fomos nós de regresso à praia. Foi a última operação da batalha do Como.
Por brincadeira dizíamos que tínhamos ido “fechar as portas da guerra”.
Foram também os últimos banhos.
No dia 22 de Março, o grupo de comandos regressou a Bissau, aproveitando a boleia da Dornier e alguns hélis que em diversas vagas nos transportaram. O Grupo de Comandos não teve baixas, nem feridos, nem nenhum elemento evacuado por doença, fazendo juz ao nosso lema: “Audaces fortuna juvat” (2)
Para as restantes tropas foram mais dois dias de trabalho a “desmontar o arraial.” Creio que foi o que menos lhes custou.BAIXAS DE AMBOS OS LADOS
Das NT:
8 Mortos
15 FeridosDo IN:
76 Mortos (confirmados)
29 Feridos
9 PrisioneirosCONCLUSÕES
De tudo quanto descrevi, e que corresponde à realidade por mim vivida durante a Operação Tridente, podemos verificar que nem sempre, ou quase nunca, a história é escrita com isenção. Na verdade, tem-se especulado muito sobre o que realmente se passou no Como. Derrota para as tropas portuguesas, dizem uns, grande vitória, contrapõem outros.
Para mim, nem uma coisa nem outra, porque na guerra, em qualquer guerra, não há vencedores: todos são vencidos pela existência da própria guerra.
Porém, analisando a Operação Tridente no âmbito estritamente militar, facilmente se chega à conclusão que:
- O PAIGC dominava a Ilha do Como em 1963;
- Nas primeiras duas semanas opôs feroz resistência às NT, a quem causou baixas, não
permitindo a nossa progressão pela mata onde estava fortemente instalado;
- Graças à nossa persistência no combate, favorecida pela superioridade de meios que
na altura ainda tínhamos, fomos aos poucos dominando a situação;
- A partir da 3ª semana já conseguíamos entrar e progredir na mata;
- Sensivelmente na 5ª semana, já nos movimentávamos facilmente por toda a ilha e os
guerrilheiros opunham esporádica e fraca resistência;
- Começou a notar-se, a partir da 7ª semana, uma completa desagregação da
capacidade de combate dos guerrilheiros: basta ler a mensagem do Nino dirigida ao
seu pessoal e transcrita nesta crónica;
- No final da operação o PAIGC já não dominava a ilha;
A teoria defendida por alguns, sobretudo pelo PAIGC (mas essa não é de admirar) que as tropas portuguesas se viram forçadas a abandonar a ilha, não é verdadeira:
1) As tropas retiraram por ter terminado a operação e não se justificar a sua continuação uma vez alcançado o objectivo: o domínio da ilha pelas NT;
2) A ilha não foi abandonada pois ficou instalada em Cachil (na tal “fortaleza” de troncos de palmeira) uma companhia para patrulhar e não deixar que o IN se reorganizasse naquela região;
3) Se mais tarde se veio a verificar o recrudescer da actividade no local, isso deve-se ao facto de a Companhia que lá ficou se ter refugiado na “fortaleza”, nunca de lá saindo a não ser para ir para Catió quando era substituída por outra (Mas isso, é outra história);
..." (5)
Operação Tridente - testemunho de Alpoim Calvão
Alpoim Calvão e o seu grupo de combate (4)
"O meu destacamento entrou na mata para fazer reconhecimento. Tínhamos desembarcado a 14 de Janeiro e esta operação foi a 19. Levei duas secções cerca de 25 homens. Andámos entre 100 a 150 metros e tivemos um choque frontal com uma força inimiga que calculei num numero de 60 a 70 homens. Foi um combate que durou 2 horas e meia. Foi um embate muito forte que me custou dois mortos e cinco feridos - cheguei a estar a dez metros de distância do inimigo. Tentei fazer um movimento de envolvimento pela direita, mas faltava-me massa de manobra. Pedi um reforço e enviaram-me um grupo de comandos - cerca de 20 homens - comandado por um extraordinário oficial, alferes Maurício Saraiva, e assim já pude fazer a manobra de envolvimento. Certo é que acabaram por retirar. Comigo estava o chefe de Estado-Maior da Defesa Marítima da Guiné, um capitão-tenente já com uma certa idade, Costa Santos. Era raro os altos comandos participarem nas operações, mas alguns iam, como era o caso deste.
Verificaram-se actos de extrema bravura, por exemplo quando um dos meus homens, o Botelho, foi abatido, e o cadáver, que era um trofeu apreciável. Do meu lado, houve gente - o Abranches Pinto, o sargento André - que, debaixo de fogo, foi buscar o corpo.
O destacamento de fuzileiros comandado por Alpoim Calvão, o DF8, participa em 25 combates. Os militares portugueses, na totalidade, sofrem várias baixas - nove mortos e 47 feridos. Um avião T-6 foi abatido, tendo o piloto morrido carbonizado. As doenças foram um segundo inimigo, obrigando à evacuação de cerca de 200 homens. Do lado do PAIGC, as baixas foram muito pesadas: 76 mortos confirmados, 15 feridos e nove prisioneiros. No entanto, devido aos bombardeamentos, o número de baixas deve ter sido maior.
...
Transcrição da carta de Nino Vieira, interceptada pelas forças militares portuguesas
... " (4)
Publicado no site em 21/05/2006, e revisto em 21/07/2006 por Carlos Fortunato
Texto do furriel Carlos Fortunato
(1) Fotos do furriel Carlos Fortunato
(2) Fotos de Francisco Leiria 1º Cabo Radiotelegrafista e Radarista da Força Aérea
(3) Fotos do Tenente Coronel da Força Aérea, Miguel Fortunato
(4) Fotos e texto do livro "Operação Mar Verde - Um documento para a história"
(5) O texto completo de onde foi retirado o extracto apresentado, pode ser encontrado no blog http://blogueforanada.blogspot.com/, nas páginas editadas entre 14 e 16/12/2005:
Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias) 14 Dezembro 2005
Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias) 15 Dezembro 2005
Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias) 16 Dezembro 2005
(6) Livro "Guerra na Guiné" do coronel Hélio Felgas
destaques.com.sapo.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário