MEMÓRIAS DO INFERNO
Em Portugal existem cerca de 140 mil ex-combatentes que sofrem de stress pós-traumático. Alguns, 30 anos depois da Guerra Colonial, continuam a acordar a meio da noite, com pesadelos. E também há quem se enfie debaixo da cama quando ouve uma porta a bater com força ou um carro a arrancar com brusquidão. Os especialistas dizem que a 'nova guerra do Golfo' fá-los reviver esse inferno 30 de Março 2003, 15h00Nº de votos (0) Comentários (0) Por:Hugo Franco e Maria Barbosa
"A ARMA ERA NOSSA COMPANHEIRA"
NOME: Alberto Augusto Ribeiro IDADE: 54 anos
COMBATE: Guiné, 1971 "Quando tinha uma G-3 na mão, sentia-me protegido. Era logo outro homem. A arma era a nossa companheira. Felizmente, nunca tive de matar ninguém. Mas se fosse obrigado a disparar para matar não teria problema em fazê-lo. Era eu ou o inimigo. Recordo-me de um soldado branco que deu um tabefe num miúdo negro. À noite, com os copos, os ânimos exaltaram-se. A primeira coisa que fiz foi pegar na G-3. Queria resolver a situação com as próprias mãos. Não se chegou a passar nada de grave. A tensão era tal que uma vez estive três noites sem dormir. Parecia que o coração me saltava da boca. Ao terceiro dia, tomei uma dose de Valiums e então dormi sem parar. Viemos marcados para Portugal. Tenho muitos colegas que são alcoólicos por que ingeríamos muitas bebidas, por causa do calor e do stresse.
" "O INIMIGO INVISÍVEL"
NOME: Hélder Vicente IDADE: 56 anos
COMBATE: Cidade de Luena, Angola, 1969/1971; Comandante da Companhia de Intervenção Leste "Sou contra a guerra por princípio. Quando ouço pessoas dizerem que não concordam com a guerra do Iraque porque são contra a guerra, sinto que há desonestidade intelectual. É utópico pensar que deixou de haver agressores. Qualquer guerra deixa marcas. É uma experiência vivida muito intensamente. As emoções são extremamente fortes num conflito. Mas temos os nossos mecanismos de defesa. Os portugueses têm tendência para realçar os aspectos positivos. Nos encontros anuais com ex-camaradas de armas, não falamos de outra coisa senão das experiências debaixo de fogo. O mais interessante é que nos referimos sempre às situações mais anedóticas. Há como que um acordo tácito: as pessoas não falam dos aspectos negativos, que arquivaram na memória. Não me considero uma vítima do pós-stresse traumático, e acho essa matéria de uma extrema delicadeza.
” "A MINHA VIDA É UMA GUERRA"
NOME: João Gonçalves IDADE: 53 anos
COMBATE: Moçambique, 1971/1972 "No dia em que fui ferido tivemos que ser evacuados de helicóptero debaixo de fogo. Desde então, sou um mutilado de guerra e sofro os horrores que isso provoca. Fui atingido pelo rebentamento de uma mina durante uma emboscada, o que me afectou toda a parte esquerda do corpo. Passei por um complexo processo de recuperação e reintegração. Quando era atormentado pelas memórias dos violentos combates, refugiava-me na bebida. Não sei quantas pessoas matei na guerra. O objectivo não era matar, mas defender a pátria. O conflito continua a fazer parte do meu dia-a-dia. A minha vida é a guerra. As sequelas físicas graves e a dor constante relembram-me os horrores do combate. É um bicho que só morre quando eu for um dia para a cova".
"NÃO SEI QUANTAS PESSOAS MATEI"
NOME: Joaquim Cabral dos Santos IDADE: 52 anos
COMBATE: Tete, Moçambique, 1971/1974; Comandos (5.ª Companhia) "Não sei quantas pessoas matei na guerra. O que posso dizer é que disparei muitas vezes na direcção do inimigo e que vi muitos dos seus homens tombar. Estive dois anos na linha da frente, em Moçambique. Participei em dezenas de combates, alguns deles bastante violentos, mas nunca me aconteceu enfrentar um único elemento, cara-a-cara, e disparar sobre ele. Se tivesse acontecido, teria de o matar, porque se não, era eu que morria. Isso era uma certeza absoluta. Em plena guerra, não pensamos que estamos a tirar a vida a pessoas, porque, se assim fosse, seríamos simplesmente ineficazes. Quando disparamos é para cumprirmos uma missão, e também para salvar a nossa pele. Deixei o serviço militar em 1974 e nunca mais tive qualquer arma. Nunca me arrependi das minhas acções e, se fosse hoje agiria da mesma maneira.
” "VI UM HOMEM MORRER NAS MINHAS MÃOS"
NOME: José Vale d’Ovelha IDADE: 52 anos
COMBATE: Cabo Delgado, Moçambique, 1970/1974, Artilharia 2505 "A zona onde estive, Cabo Delgado, era conhecida por ‘minas gerais’, tal era a quantidade de explosivos ‘plantados’ no chão. Eu era enfermeiro e vi feridos de guerra que eram autênticos destroços humanos. O primeiro soldado que tratei tinha sete balas alojadas no corpo. Tinha os intestinos de fora e uma bala nos testículos. Fora apanhado por um guerrilheiro numa árvore. De repente, eu era chamado para a frente do pelotão, sem qualquer experiência prática. Quando vai para a guerra, um enfermeiro tem uma formação teórica muito completa, mas deveria passar primeiro pelos bancos dos hospitais militares para endurecer psicologicamente. Tive de fazer um esforço sobre-humano para não vomitar ou desmaiar. Se me fosse abaixo naquela altura, o pelotão nunca mais iria ter confiança em mim. Os soldados estavam nas mãos dos enfermeiros, uma vez que só havia um médico por batalhão e eles nunca iam para o mato. Nós éramos os guardiões das suas vidas. Eles viam-nos com essa auréola. Mas era pura ilusão. Entre os oito mortos do meu pelotão, houve um que morreu nos meus braços.
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" "A GUERRA PORQUÊ ?"
Tenho consciência de que não nos quiseram matar
NOME: José Luís Costa Ribeiro IDADE: 53 anos
COMBATE: Lazage, Leste de Angola (1972/1974); Membro da Companhia de Caçadores 3438 "A 20 de Agosto de 1972, o meu pelotão de 18 elementos da Companhia de Caçadores 3438, sediada em Angola, participava numa operação de rotina. Na manhã do terceiro dia o alferes que comandava o grupo foi evacuado, com uma entorse num tornozelo, e ficamos um pouco à deriva. Às 16 horas, inesperadamente, descobrimos um acampamento do MPLA e ávidos de emoção, atacámos. Fomos rechaçados para a orla da mata, na nascente do Rio Mufueje, e em pouco tempo vimo-nos cercados por quatro lados. Tenho consciência de que não nos quiseram matar, tal a fragilidade em que nos colocaram. Após duas horas de desespero começámos a ser sobrevoados por helicópteros Puma (que inundaram a zona com reforços de todos os ramos das forças armadas) e dois aviões que metralharam todo o espaço envolvente, matando indiscriminadamente tudo quanto mexesse. A nós, pelotão da 3438, coube-nos a missão de contar as baixas entre o ‘inimigo’ e recuperar material de guerra. Por entre um odor indiscritível a carne queimada, contámos 58 vítimas mortais, (homens, mulheres e crianças). Muitas noites acordei com aquela imagem na memória. Hoje pergunto: por que é que isto aconteceu?"
"MARCAS PARA TODA A VIDA"
NOME: Mário Brito Lopes IDADE: 54 anos
COMBATE: Bembe, Totó e Caixto, no norte de Angola; Membro da Companhia 2693 "Todas as guerras deixam fortes marcas para o resto da vida e, sem querermos, esses resquícios reflectem-se no nosso dia-a-dia. De 1970 a 1972 permaneci no norte de Angola, 27 meses em zona de mato, integrado na Companhia 2693 que foi alvo de várias emboscadas. Só por mera sorte elas não tiveram consequências mais graves. Porque a guerra colonial, tal como todas as outras guerras, são feitas para matar. Nunca mais esquecerei uma das emboscadas, em que tivemos de saltar do veículo em que seguíamos. Ainda me escondi por detrás de uma das rodas da viatura, e um dos disparos só não me atingiu por menos de um palmo. Nós respondíamos com fogo para dentro do mato, onde estariam os nossos inimigos, e é natural que alguns fossem abatidos. Depois de regressar da guerra de Angola, e durante longos anos, continuei a vivê-la de outra forma. Por exemplo, quando me encontrava a dormir e alguém me acordava, saltava precipitadamente da cama, como se fosse alertado para qualquer acto de combate. Mais: sempre que ouvia um estampido ou um tiro, mesmo de caçador, atirava-me logo ao chão naquele habitual instinto de defesa.
" "HOUVE MUITOS EXCESSOS"
NOME: Mário Vitorino Gaspar, IDADE: 59 anos
COMBATE: Guiné, 1967; Brigada de Minas e Armadilhas "Estive no ‘corredor da morte’, no sul da Guiné. Um local sinistro, com crateras feitas por granadas e árvores perfuradas por balas. Era responsável da Brigada de Minas e Armadilhas. Tinha de mexer em explosivos, montar e desmontar minas. Elas para mim eram como que um segundo amor. Não podia tremer. O meu outro companheiro era o cigarro. Fumava cigarros uns atrás de outros, enquanto as montava. Por três vezes, estive mesmo na iminência de morrer. Tive sorte. Recordo que após o levantamento de uma granada só desejava rebentá-la pela raiva e excitação do momento. Um gesto imprudente que quase me iria tirar a vida. Hoje questiono-me: quantos é que morreram ou ficaram deficientes com as minas montadas por mim? Na guerra houve muitos excessos e nós só íamos preparados para matar. Se não matássemos, éramos mortos. Quando víamos um soldado do nosso batalhão a morrer ao nosso lado, ficávamos cegos de raiva e só pensávamos em vingança. Queríamos sair à noite pelo mato e matar quem surgisse pela frente. Se não existisse autocontrolo, teríamos chegado a um ponto perigoso."
FAMÍLIAS SÃO FUNDAMENTAIS
"Eu e o Alípio conhece-mo-nos na ‘Primavera’ das nossas vidas, eu com 17 anos e ele com 19". Foi assim que Maria Odete Martins iniciou o seu discurso no colóquio ‘O Caminho para o Stresse Pós-Traumático’, realizado em Leiria a 31 de Janeiro. Odete e Alípio, ex-militar na guerra do Ultramar, estão juntos há mais de 30 anos mas o trágico dia 12 de Março de 1969 mudou para sempre o rumo das suas vidas. Alípio estava mobilizado na província de Moçambique há dez meses quando foi ferido em combate. A explosão de uma mina deixou-o cego e com o rosto dilacerado. "Foi um choque. Nunca estamos preparados para ouvir uma notícia desta natureza", confessa Maria Odete, que apesar da tenra idade, se prontificou para o ajudar em tudo. "Nunca tive dúvidas de que queria acompanhá-lo. Quando chegou à capital, o Alípio foi internado no Hospital Militar e ficou lá cinco anos. Estive sempre ao seu lado. Foi uma fase complicada", conta Odete, que sempre fez tudo para lhe proporcionar inúmeros momentos de alegria. O mais significativo foi o nascimento da filha, Susana, hoje com 31 anos. "Foi uma criança muito desejada pelos dois. E deu-nos muitas felicidades", revela esta mulher. Graças ao seu esforço e dedicação, Alípio é hoje capaz de desempenhar inúmeras tarefas sem precisar de ajuda. "Ele é uma pessoa muito activa. Depois de ter passado pela rádio, é o actual presidente da Associação 1.º de Maio, uma das mais antigas da região. Além disso, sabe cozinhar, cortar lenha e é pescador", realça Maria Odete, orgulhosa do seu marido, que há dois anos conseguiu concretizar um sonho: publicar um livro. ‘Uma Guerra, Duas Vidas’ é uma homenagem à mulher que o acompanhou nos bons e maus momentos. "Eu costumo dizer que, actualmente, os casais não se amam. Simplesmente adoram-se. E quando passa essa adoração, cansam-se e separam-se. No nosso caso, acho que conseguimos ultrapassar as dificuldades e seguir em frente", reforça
CM
M526 - Noções sobre Minas e Armadilhas - Parte 1, por Carlos Nabeiro
Noções sobre Minas e Armadilhas - Parte 1
por Carlos Nabeiro
1º Cabo da CCAÇ 2357 do BCAÇ 2842
Vila Gamito - Moçambique - 1967/70
Da autoria do nosso Amigo Carlos Nabeiro, aqui apresentado na mensagem M504, 1º Cabo da CCAÇ 2357 do BCAÇ 2842, Vila Gamito, Moçambique, 1967/70, recorrendo às suas memórias do tempo da Guerra do Ultramar, enviou-nos mais uma mensagem e alguns esboços sobre uma matéria daquele tempo, que, infelizmente, é ainda hoje uma triste e dramática realidade - as minas -, que passamos a publicar:
Não sou um perito nesta matéria, mas vou tentar estabelecer alguns termos de comparação, entre a forma, tipo e efeitos destes "sujos" artefactos explosivos, sem recorrer a muitos pormenores, visto que a minha especialidade não foi minas e armadilhas, ou sapador.
Assim, vou apenas escrever sobre o que vi e aprendi na "minha" zona operacional (ZO) sobre este grande flagelo.
Os dois tipos de minas eram destinados a tornar inoperacionais viaturas (anti-carro ou A/C), ou a estropiar seres humanos (anti-pessoal ou A/P).
Esta praga, era também designada, erradamente, por “Fornilhos”, cuja classe incluía outro tipo de armadilhas explosivas.
Este tipo era montado nas estradas e picadas, em buracos efectuados no subsolo, onde eram colocados engenhos explosivos e todas a classes de munições, geralmente já obsoletos, que serviam, uns como explosivos, outros como estilhaços.
Com estas últimas, fomos muitas vezes castigados, a montagem era fácil pois bastava um detonador, que podia ser uma granada de mão defensiva, que era despoletada através do arranque da golpilha de segurança, dando-se a detonação, ou por petardos de TNT com detonador, previamente preparados para rebentar ao serem pressionados.
monumento aos mortos em combate
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A nossa companhia nunca "levantou" nem "accionou" nenhuma, das minas clássicas que nos mostraram no tempo dos nossos cursos militares de então e eram fabricadas na indústria de material de guerra.
Já quanto aos Fornilhos, todos eles como é óbvio de fabrico artesanal, tão letais como um engenho vindo da fábrica, eram de muito difícil detecção, mesmo recorrendo à preciosa ajuda de um detector de metais.
Os Fornilhos, são classificados, a par com as minas, eram entre todas as classes de armas e engenhos bélicos, o mais "sujo" de todos.
Escondidos traiçoeiramente no subsolo, como foi já dito, ao contrário da minas anti-carro, que geralmente tinham a regulação dos seus detonadores para actuarem com algumas centenas de quilos, um Fornilho causava muitos danos, quase sempre irreparáveis.
Para detonarem eram autónomos, ao contrário do que vem nos manuais, não eram accionados por alguém escondido á distância, que ao ver passar uma coluna os fazia explodir, no momento que mais lhe aprouvesse de modo a causarem maiores danos, quer materiais, quer pessoais.
Estes tanto destruíam uma viatura de grande porte – por exemplo uma Berliet -, como pulverizavam um ou mais homens que estivessem nas proximidades.
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propaganda portuguesa para as populações
Os detonadores destes explosivos/artefactos, eram de dois tipos: eléctricos ou de compressão, com uma sensibilidade enorme.
Eram vulgares os Fornilhos por activação eléctrica, cujo rudimentar mas engenhoso "interruptor", actuava com uma pressão que rondasse os vinte quilos, e por vezes menos, fazendo deflagrar sete a dez quilos de petardos de TNT, contidos num cunhete (caixa de munições de armas ligeira), idêntico aos das actuais armas.
Geralmente, para agravar o perigo das suas eventuais desmontagens, eram colocadas por baixo destas "caixas" de madeira, uma granada sem cavilha de segurança, em que o peso da dita caixa sustinha a respectiva alavanca de segurança.
No caso de ser detectado o Fornilho e se fosse feito o seu levantamento, sem se ter detectado a granada, esta deflagrava e por "simpatia" rebentava todo o restante material ali depositado.
O funcionamento do Fornilho com detonador eléctrico, como se pode ver no croqui - letra a) -, por baixo da roda da viatura, é o "interruptor", repetido mais em baixo.
a) Interruptor.
b) Cunhete com o detonador e a pilha seca de 4,5 volts.
c) Granada armadilha.
Vê-se duas ripas de madeira, ou tábuas, de 5 a 10 cm de largura no máximo, com o comprimento de 30 cm (a largura de um pneu).
As ditas ripas ou tábuas, até podiam ser as da tampa do Cunhete (não desperdiçando assim nada), eram envolvidas na zona do meio, por dois pedaços de chapa de ferro (que podiam ser as das rações de combate que a nossa malta negligentemente durante as suas idas para o mato, muitas vezes não as enterrava).
Com um prego, ou uma ponta perfurante, eram abertos dois furos em cada pedaço de lata, sem soldaduras de qualquer tipo, onde eram ali ligados (atados) os dois condutores eléctricos, como se pode ver no rascunho.
Um vai ao detonador, que está introduzido no orifício de um dos petardos dentro do cunhete e o outro condutor é ligado á outra tábua com corrente eléctrica de uma pilha de 4,5 volts (uma derivação eléctrica ou Interruptor).
Nas extremidades das duas tábuas, com um canivete ou faca de mato eram abertos: na tábua que ficava voltada da para cima, um buraco, como disse em cada extremidade, com o diâmetro suficiente para passar apertado um pau da espessura de um lápis.
Na tábua inferior, eram abertos somente encaixes.
Mais pormenores se podiam descrever, mas basta olhar o anexo com figuras de componentes do Fornilho, o modelo da pilha seca eléctrica e do encaixe das tábuas do cunhete, onde não há um prego, só cola.
A caixa, sendo de madeira, não é assinalada por qualquer detector, pese embora haver componentes metálicos, mas sendo estes são de massa reduzida podem escapar ao detector de metais.
A granada contra-armadilha também pode escapar à detecção, porque se for uma granada ofensiva é de plástico.
Na próxima mensagem continuo este relato, descrevendo outro tipo de Fornilho, que é actuado por detonador de pressão.
coisasdomr.blogspot.pt
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Vê-se duas ripas de madeira, ou tábuas, de 5 a 10 cm de largura no máximo, com o comprimento de 30 cm (a largura de um pneu).
M14 - Moedas mais usadas na Guiné nos anos 1960/70
M13 - Notas da GUINÉ - 50$00 e 100$00 - Anos1964 e 1971
Guerra Colonial - O Inferno das Minas
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Nas zonas de guerra, qualquer deslocação era extremamente perigoso, devido às "minas" que o inimigo instalava nas "picadas".
A detonação dos engenhos explosivos era uma tragédia que esfacelava os corpos, deixando-os desfeitos ou cravados de estilhaços. Os sobreviventes ficaram com as marcas físicas e psíquicas para o resto das suas vidas.
Quantas angústias, quantos mortos, quantos estropiados, quantos dias de carências sem o reabastecimento, quantos milhares de quilómetros percorridos na "picagem", por causa do flagelo das "MINAS".
Para que as memórias não esqueçam que houve uma guerra que afectou a vida dos jovens duma geração de gente boa, apresentamos uma amostragem dos estragos materiais resultantes do rebentamento de "minas".
Os Combatentes não esquecem... porque estiveram lá.
ultramarlembrar2.blogspot.pt
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Minas anticarro
No início de Maio de 1973, a guarnição militar de Guidaje era constituída por uma companhia de caçadores do recrutamento local, a Companhia de Caçadores 19 e pelo Pelotão de Artilharia 24, equipado com obuses de 10,5 cm.
Guidaje estava sob o comando operacional do COP3, que tinha sede em Bigene. Com o agravamento da situação, o comandante, tenente-coronel Correia de Campos, deslocou-se para Guidaje em 10 de Maio, com o seu posto de comando avançado, onde se manteve até 12 de Junho.
O PAIGC dispunha, concentradas, as seguintes forças na região de Cumbamori:
PSICO MOVIMENTO NACIONAL FEMININO
- Corpo de Exército (CE) 199/B/70, com quatro bigrupos de infantaria e uma bateria de artilharia;
- Corpo de Exército (CE) 199/C/70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bateria de artilharia;
- Grupo de Foguetes da Frente Norte, com quatro rampas;
- Três bigrupos de infantaria, um grupo de reconhecimento e uma bateria de artilharia do CE 199/A/70, deslocadas de Sare Lali (Zona Leste).
Foram ainda referenciados em Cumbamori um pelotão de morteiros de 120 mm, um grupo especial de sapadores e diversos elementos recém-chegados do estrangeiro.
Em termos de efectivos, a guarnição portuguesa teria cerca de duzentos homens, na maioria do recrutamento da província, com as suas famílias, existindo em redor do quartel uma pequena aldeia com cada vez menos habitantes.
Do lado do PAIGC estimavam-se em cerca de seiscentos e cinquenta a setecentos os efectivos que empenhou nesta operação, comandados por Francisco Mendes (Chico Te) e pelo comissário político Manuel dos Santos, que era o responsável pelos mísseis em todo o território.
O primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, cuja localização era excelente, situada em cima da fronteira, o que diminuía a frente de um possível contra-ataque ou de um reforço. Dada a inibição das forças portuguesas em manobrar pelo território do Senegal, elas só poderiam vir de sul, ou seja de Binta e de Cufeu. Nesta zona, sensivelmente a meio caminho entre as duas localidades, o PAIGC havia instalado forças significativas e lançado vasto campo de minas. O ataque a Guidaje por norte garantia contínuo fluxo de reabastecimento de munições e efectivos, dado que podiam efectuar-se por viatura a partir de Zinguichor, Cumbamori, Yeran ou Kolda, o que permitia manter o cerco durante largo período de tempo.
PSICO MOVIMENTO NACIONAL FEMININO
Para cercar Guidaje, o PAIGC começou por cortar o itinerário de Binta e instalar sistemas antiaéreos com mísseis Strella.
O isolamento aéreo de Guidaje iniciou-se com o abate de um avião T-6 e de dois DO-27 e o terrestre acentuou-se em 8 de Maio, quando uma coluna que partira de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina anti-carro e foi emboscada, sofrendo doze feridos. Em 9 de Maio, a mesma força foi de novo emboscada, mantendo-se o contacto durante quatro horas.
A coluna portuguesa sofreu mais quatro mortos, oito feridos graves, dez feridos ligeiros e quatro viaturas destruídas, deslocando-se então para Binta, em vez de subir para Guidaje.
Em 10 de Maio, no deslocamento de Binta para Guidaje, o conjunto de unidades envolvidas, sob o comando do comandante do batalhão de Farim, sofreu mais um morto e dois feridos e encontrou a picada cortada por abatises. Entretanto, as forças da CCaç 19, saídas de Guidaje para proteger o itinerário na sua zona de acção, tiveram cinco contactos, sofrendo oito mortos e nove feridos.
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No relatório desta acção, o seu comandante descreve assim a violência do contacto de fogo: « (...) em relação às NT, o IN estava de frente, dos dois lados da picada, e foi impossível fazer uma reacção conveniente pelo fogo. A primeira sessão pelo fogo causou-nos imediatamente três mortos ( ... ) o IN voltou à carga com maior ímpeto, mas as NT já estavam preparadas para o receber e aqui teve as primeiras baixas. Estando um cabo gravemente ferido com um estilhaço no pescoço, o soldado auxiliar de enfermeiro correu para junto dele a fim de o socorrer. Estando ajoelhado a seu lado foi atingido por uma rajada que lhe provocou a morte.
Começavam a escassear as munições e foi dada ordem para fazer fogo de precisão, tanto quanto possível. Quando o fogo parou por escassos segundos um dos furriéis tentou chegar junto dos mortos para recuperar os corpos. Quando se levantava para realizar esta acção, pela terceira vez o IN atacou as nossas posições. Notando a impossibilidade de recuperar os corpos dos mortos e porque a falta de munições era quase total, o comandante viu-se coagido a ordenar a retirada... ».
Em 12 de Maio, chegou a Guidaje uma coluna de reabastecimentos constituída pelos destacamentos de fuzileiros especiais 3 e 4. Em 15, no regresso a Farim, accionaram duas minas e sofreram dois feridos graves e numa emboscada entre Guidaje e Binta, cinco feridos.
Uma coluna que entretanto saiu de Binta alcançou Guidaje no mesmo dia. Contudo, em 19, no regresso, accionou várias minas e sofreu emboscada violenta. Teve um morto e sete feridos, esgotou as munições e regressou a Guidaje.
PSICO MOVIMENTO NACIONAL FEMININO
Em 23 de Maio, saiu uma coluna de Binta para Guidaje protegida por uma companhia de pára-quedistas. A coluna regressou ao ponto de partida, porque a picada estava minada em profundidade, e a companhia de pára-quedistas, apesar de ter sofrido violenta emboscada feita por um grupo de cerca de setenta elementos, que lhe causou quatro mortos, chegou a Guidaje.
Em 29 de Maio, foi organizada uma grande operação para reabastecer Guidaje. Constituíram-se quatro agrupamentos com efectivos de companhia em Binta e dois agrupamentos em Guidaje, estes para apoiar a progressão na parte final do itinerário. A coluna alcançou Guidaje nesse dia, tendo sofrido dois mortos e vários feridos.
Em 30 de Maio, em virtude da informação de agravamento da situação no Sul (Guileje), estas forças regressam às suas bases para serem de novo empregues.
Em 12 de Junho, considerou-se terminada a operação de cerco a Guidaje. Uma coluna partiu desta guarnição para Binta, trazendo o tenente-coronel Correia de Campos, que comandara o COP3 durante este difícil período.
Baixas das colunas de e para Guidaje, entre 8 de Maio e 8 de Junho de 1973:
Mortos 22
Feridos 70
Viaturas destruídas 6
Em suma, o primeiro objectivo do PAIGC foi isolar Guidaje, o segundo foi flagelar a posição e destruir o espírito de resistência das forças portuguesas e o último seria conquistar a povoação. Guidaje sofreu, entre o dia 8 e o dia 29 de Junho, 43 flagelações com artilharia, foguetões e morteiros. Logo no dia 8, esteve debaixo de fogo por cinco vezes, num total de duas horas, em 9, sofreu quatro ataques, em 10, três e até ao final todos os dias foi atacada. No total dos 43 ataques, a guarnição de Guidaje sofreu sete mortos, trinta feridos militares e quinze entre a população civil. Foram causados estragos em todos os edifícios do quartel.
Em Maio de 1973, a guarnição de Gadamael, constituída pela Companhia de Caçadores 4743, que dependia operacionalmente do COP 5, com sede em Guileje, constituía a retaguarda deste posto e era o seu único ponto de apoio para o reabastecimento depois de a acção do PAIGC ter tornado intransitáveis as ligações por terra para Bedanda e Aldeia Formosa.
O interesse militar de Gadamael resumia-se a servir de ponto de reabastecimento a Guileje, pois situava-se no último braço de mar do rio Cacine que permitia a navegação a embarcações de transporte.
O interesse militar de Guileje tornara-se, por sua vez, muito discutível, pois a guarnição fora ali instalada ainda no tempo do dispositivo territorial montado pelo general Schulz, para anular as infiltrações de guerrilheiros vindos da grande base de Kandiafara, na Guiné-Conacri, pelo célebre «Corredor de Guileje». Mas os guerrilheiros tinham conseguido ultrapassar esse obstáculo, fixando-se em toda a zona da península do Cantanhez, o que reduziu Guileje a um ponto forte onde as forças portuguesas resistiam e marcavam presença territorial. Em 1973, não servia já como base de apoio a operações lançadas na margem sul do rio Cacine, limitando-se a assegurar a presença das tropas portuguesas entre este rio e a fronteira com a Guiné-Conacri, em conjunto com as guarnições de Cacine e Gadamael. Mantinha-se naquele local aguardando situação mais favorável que permitisse a sua transferência, sem ser como resultado directo da pressão do adversário, dispondo, como ponto forte, de instalações defensivas, que lhe permitiram resistir sem baixas significativas a fortes ataques de artilharia.
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Tinha contudo, a grave limitação do abastecimento de água, que era transportada em depósitos a partir de uma fonte situada no exterior do quartel, e este movimento diário constituía a grande vulnerabilidade das tropas ali entrincheiradas.
Após a retirada de Guileje, a guarnição de Gadamael ficou constituída por duas companhias (a CCav 8350, vinda de Guileje, e a CCaç 4743, que ali se encontrava do antecedente), um pelotão de canhões S/R, com cinco armas, e um pelotão de artilharia de 14 cm, com três bocas de fogo. Este conjunto de forças passou a constituir o COP5, tendo sido nomeado para o seu comando o capitão Ferreira da Silva, em substituição do major Coutinho de Lima.
Ao contrário de Guileje, Gadamael dispunha de más condições de defesa, por se situar em zona pantanosa onde era difícil construir abrigos. Se as condições já eram más para os militares da guarnição, a situação piorou significativamente com a chegada da coluna vinda de Guileje, que não dispunha de abrigos, nem de condições de alojamento para ali permanecer. Pior ainda, a duplicação de efectivos aumentou a concentração de pessoal dentro do espaço exíguo do quartel e tornou-o alvo altamente remunerador para ataques de artilharia do PAIGC.
De facto, as forças do PAIGC, moralizadas pela vitória obtida em Guileje, transferiram para Gadamael os seus esforços e entre as 14 horas, de 31 de Maio e as 18 horas, de 2 de Junho bombardearam o quartel com setecentas granadas, uma média de treze por hora, provocando cinco mortos e catorze feridos, além de avultados prejuízos materiais.
A violência destes bombardeamentos fez com que a guarnição de Cacine, a cerca de dez quilómetros para jusante do rio, difundisse uma mensagem a comunicar que Gadamael fora destruída, no entanto, a posição manteve-se, embora com o aquartelamento parcialmente destruído e a defesa imediata com brechas.
Em 1 de Junho foram lá colocados os capitães Monge e Caetano, para enquadrar os militares ali reunidos.
Em 2 de Junho foram recolhidos pela lancha Orion cerca de trezentos militares que se haviam refugiado nas bolanhas em redor de Gadamael, para escapar aos ataques.
Ainda neste dia desembarcou uma companhia de pára-quedistas e um pelotão de artilharia, passando o comando do COP5 para o comandante dos pára-quedistas.
Entre 3 e 4 de Junho caíram em Gadamael duzentas granadas, que provocaram mais dois mortos e quatro feridos. Em 4 de Junho, o PAIGC realizou uma emboscada a menos de um quilómetro do aquartelamento, causando quatro mortos e quatro feridos e capturando três espingardas G-3 e um emissor de rádio. O comandante do COP5 pediu autorização para retirar de Gadamael, o que não lhe foi concedido, recebendo ordem para defender a posição a todo o custo.
Em 5 de Junho, uma lancha da Marinha, botes dos fuzileiros e embarcações sintex do Exército evacuaram de Gadamael os mortos e os feridos, além de militares que não se encontravam em condições de combater, passando o COP5 a ser comandado pelo tenente-coronel Araújo e Sá. No mesmo dia ocorreu novo ataque com setenta granadas, que provocaram cinco feridos graves e cinco ligeiros.
A partir de 12 de Junho, foi colocada uma terceira companhia de pára-quedistas na região, ficando todo o Batalhão de Pára-Quedistas 12, empenhado no Sul, para «segurar» Gadamael.
As forças portuguesas sofreram nesta acção vinte e quatro mortos e cento e quarenta e sete feridos.
O PAIGC conseguira ocupar uma posição militar portuguesa e apresentar esse feito na conferência da OUA, lograra esgotar as reservas de forças de intervenção portuguesas (o Batalhão de Comandos mantinha-se inoperacional depois das baixas sofridas no ataque a Cumbamori de 19 de Maio) e limitara seriamente a acção aérea. Estavam, pois, reunidas as condições para se realizar uma grande acção política no interior do território, o que aconteceu em Madina do Boé, em Setembro, com a declaração unilateral da independência, na presença de numerosos convidados estrangeiros.