No capítulo dedicado ao Ambiente do seu programa eleitoral, o PAN faz propostas que já estão implementadas. Exemplos? Sistemas de certificação do pescado e restrição do tráfego aéreo em período nocturno. Mas há outras incongruências
Na área "Crise Climática, Justiça Ecológica, Transição Económica" do programa do partido Pessoas, Animais, Natureza (PAN), defendem-se várias medidas de proteção do ambiente, para a próxima legislatura, que já estão em prática - algumas há largos anos. São ainda apresentadas ideias que, segundo estudos científicos, são piores para o planeta. Estes são os exemplos que a VISÃO encontrou.
"Implementar sistemas de certificação do pescado, com a identificação do método de pesca na rotulagem, nomeadamente arrasto, cerco ou aquacultura"
Já existe há cinco anos, desde que, a 1 de janeiro de 2014, entrou em vigor o Regulamento Europeu 1379/2013, relativo à rotulagem do pescado (as regras tornaram-se aplicáveis a partir de 13 de dezembro de 2014). Os rótulos incluem as artes de pesca utilizadas.
"Restringir o tráfego aéreo no período nocturno, excepto em situações de emergência"
Já é restrito por lei há 15 anos em Lisboa, há 12 anos no Porto, Funchal e Porto Santo, e há nove anos em Ponta Delgada: nestes aeroportos, "o tráfego noturno é restringido entre as 0 e as 6 horas", lê-se no site da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC). "O Regulamento Geral do Ruído proíbe a aterragem e a descolagem de aeronaves civis entre as 0 e as 6 horas, salvo por motivo de força maior."
"Actualizar o Regulamento do Seguro Escolar, garantindo a inclusão das bicicletas como meio de transporte na deslocação casa-escola"
O governo antecipou-se ao PAN: este ano letivo, as deslocações em bicicleta já estão abrangidas pelo seguro escolar.
"Limitar a disponibilização de louça descartável, de qualquer tipo de material, nos estabelecimentos de restauração e bebidas"
A lei que "determina a não utilização e não disponibilização de louça de plástico de utilização única nas atividades do setor de restauração e/ou bebidas e no comércio a retalho" foi publicada em Diário da República a 2 de setembro deste ano. O projeto-lei, aliás, foi originalmente apresentado pelo próprio líder do PAN, André Silva, em janeiro de 2018, e aprovado em julho deste ano em reunião de Comissão.
"Determinar quotas para navios de turismo nos portos portugueses, assegurando meios de controlo de poluição. (...) As emissões [poluentes] dos navios de cruzeiro na costa portuguesa foram 86 vezes superiores às emissões da frota automóvel que circula em Portugal"
A justificação da proposta dá a entender que se trata de gases com efeito de estufa, ou quando muito de emissões poluentes em geral. Mas não: estes números (emissões 86 vezes superiores às emissões de todos os automóveis em Portugal) dizem respeito a emissões de uma só substância em particular, o óxido de enxofre, que não é sequer um gás com efeito de estufa direto. Esse facto não é mencionado em qualquer lado. Os dados originais são de um comunicado da associação ambientalista Zero, divulgado em junho.
"Criar túneis ou passagens aéreas na rede rodoviária, que permitam a passagem em segurança de espécies silvestres"
Construir passagens subterrâneas para diminuir o atropelamento de animais em zonas consideradas sensíveis são, há muitos anos, medidas de minimização correntes na construção de estradas e autoestradas.
"Aumentar o período de garantia dos equipamentos eléctricos e electrónico"
A legislação relativa às garantias de produtos é da responsabilidade da União Europeia, não dos Parlamentos (que se limitam a transpor as diretivas para a ordem jurídica nacional).
"Desenvolver acções de sensibilização para a entrega nas farmácias dos resíduos das embalagens e restos de medicamentos"
Têm sido feitas repetidas campanhas de sensibilização, nos últimos anos. A principal responsável pelas ações é a Valormed, criada em 1999 para gerir os medicamentos fora de uso, constituída pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), Associação Nacional de Farmácias (ANF) e a Associação de Grossistas de Produtos Químicos e Farmacêuticos (GROQUIFAR), e tutelada pela Agência Portuguesa do Ambiente. No primeiro semestre de 2018, a Valormed recolheu 560 toneladas de medicamentos, e o diretor-geral da entidade dizia em agosto do ano passado que estava perto de atingir os objetivos de recolha definidos para 2020.
"Apoiar através de incentivos financeiros, fiscais e sociais quem pretenda instalar-se como agricultor biológico"
No programa do PAN, tenta penalizar-se a agricultura convencional e incentivar a biológica, em prol do ambiente. Mas os estudos científicos não demonstram que a agricultura biológica seja melhor para o planeta. Pelo contrário. Uma meta-análise publicada no Journal of Environmental Management conclui, por exemplo, que as emissões de amoníaco, contaminação dos solos e das águas com azoto e as emissões de óxido nitroso são maiores, por quantidade de produção, na agricultura biológica. Esta forma alternativa de agricultura também é menos produtiva, exigindo maior área de cultivo para produzir a mesma quantidade de produto, o que pode fazer aumentar a desflorestação. Segundo um estudo sueco publicado na Nature, a pegada de carbono (emissões de gases com efeito de estufa) chega a ser 70% superior no trigo biológico do que no convencional.
"Garantir que, antes da implementação da rede 5G em Portugal, sejam elaborados estudos sobre a segurança da sua utilização na saúde humana. Segundo a Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC) da Organização Mundial de Saúde, a radiação de radiofrequência utilizada pela rede 5G é considerada potencialmente cancerígena"
Segundo a IARC, a radiação de radiofrequência (qualquer uma, incluindo a emitida hoje pelas antenas de telecomunicações, e não especificamente a de 5G) entra na categoria 2B, de "possivelmente cancerígena", juntamente com o café, os pickles e o pó de talco. O fumo de lareiras e a carne vermelha encotram-se numa classe acima (provavelmente cancerígenos), enquanto álcool e salsichas estão na categoria mais alta (cancerígenos para humanos). Mas a posição oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS) não é a que o PAN indica: "Considerando os níveis de exposição muito baixos e os resultados das investigações feitas até ao momento, não há evidências científicas convincentes de que os fracos sinais de radiofrequência das estações base e redes sem fios causem efeitos adversos à saúde." Seja como for, nem a IARC nem a OMS alguma vez referiram em concreto a rede 5G como potencialmente cancerígena.
"Avaliar o custo/benefício do recurso à dessalinização da água do mar para utilização na agricultura, indústrias ou limpeza urbana, como alternativa à construção de barragens"
Dessalinizar a água do mar é um processo dispendioso (várias dezenas a algumas centenas de vezes mais caro do que captar água de rios ou aquíferos), ineficiente e que implica enormes gastos energéticos, como explica na Forbes o professor de Física Richard Muller. Devido aos custos, é particularmente inaplicável na agricultura, setor responsável por três quartos da água total consumida em Portugal.
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