Durante uma reunião com o Bloco, o presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, coronel Lopes Dias, alertou que vários milhares de deficientes militares que estiveram na Guerra Colonial recebem pensões de miséria. Pedro Filipe Soares destacou, por sua vez, que “uma guerra injusta do passado não pode ter agora um presente e um futuro injusto para estas vidas”.
O Bloco de esquerda reuniu na quinta-feira com a direção da Associação dos Deficientes das Forças Armadas. Foto de Paula Nunes.
Na quinta-feira, o líder parlamentar bloquista Pedro Filipe Soares, o deputado Jorge Falcato e o militar de Abril Mário Tomé, mandatário do Bloco nas eleições legislativas, reuniram com a direção da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA).
A comitiva do Bloco ouviu a exposição do presidente da direção nacional da ADFA, coronel Manuel Lopes Dias, sobre os desafios para esta nova legislatura, e o que ainda há a fazer no que respeita ao reconhecimento dos direitos dos Deficientes das Forças Armadas. Francisco Janeiro, presidente da delegação da ADFA de Lisboa, deu, por sua vez, conta dos inúmeros constrangimentos burocráticos com que os DFA se confrontam no seu dia-a-dia. Na reunião, que teve lugar nas instalações da ADFA, sitas na Avenida Padre Cruz, em Lisboa, estiveram presentes outros dirigentes da Associação, entre os quais o sargento mor paraquedista e militar de Abril António Carmo Vicente, bem como vários associados da ADFA.
“República deve reconhecimento a estes homens”
O coronel Lopes Dias lembrou que foram mobilizados para a Guerra Colonial mais de um milhão de homens e que os DFA foram “obrigados a combater numa guerra injusta, inútil e evitável” contra os seus “irmãos de Angola, Moçambique e Guiné”. Para o presidente da ADFA, Associação que sempre se assumiu como “A força justa das vítimas de uma guerra injusta”, a “República deve reconhecimento a estes homens”, que nunca se consideraram “como heróis, mas sim como vítimas do regime”.
Referindo-se aos desafios para esta nova legislatura, e ao que ainda há a fazer para reconhecer os direitos dos DFA, que vieram “magoados, doentes e mutilados” da Guerra Colonial, Lopes Dias defendeu que é preciso “revisitar e aprovar um quadro que ainda venha a tempo de resolver algumas questões que afetam milhares de homens”, com idades que agora rondam agora os 72 e 74 anos.
“A Guerra Colonial ainda está bem viva e nós estamos cá. É preciso que não se meta debaixo do tapete este desastre que foi a Guerra Colonial e as suas consequências”, frisou o presidente da ADFA.
O coronel Lopes Dias fez referência a uma “situação caricata, injusta e vergonhosa”, que passa por aplicar o decreto-lei 503 aos militares do serviço militar obrigatório que serviram na Guerra Colonial. Muito ex-combatentes que estão a requerer a qualificação de deficiente militar porque estão doentes com “stress de guerra" estão a ver a sua situação enquadrada como se de uma doença profissional se tratasse, ficando com uma indemnização que, em muitos casos, não passa dos 20 euros por mês.
O dirigente da ADFA sinalizou ainda que existe um consenso na Assembleia da República que tem de ter consequências práticas, com a aprovação de um estatuto do deficiente militar que garanta “a justiça que tarde a chegar para muitos dos deficientes militares que estiveram na Guerra Colonial”.
Lopes Dias alertou que existem milhares de deficientes militares, que foram considerados como vítimas de “acidentes em serviços” e não “em campanha”, que recebem pensões de miséria, de 200, 300 euros por mês. O presidente da direção nacional da ADFA afirmou que estes militares deveriam auferir, no mínimo, o valor do salário mínimo nacional ou do indexante dos apoios sociais (IAS).
Outra das matérias abordadas prende-se com a saúde militar. Com a concentração dos serviços no Hospital das Forças Armadas (HFAR), que passou a servir a Marinha, Exército e Força Aérea, e a tentativa de desclassificar hospitais militares, os DFA são sujeitos a um pior tratamento, não existindo um devido acompanhamento dos processos.
Ainda que o Orçamento do Estado preveja uma verba de 20 milhões de euros para a assistência médica e protésica, a verdade é que falta dinheiro para produtos de apoio. No que respeita a próteses e ortóteses, para as quais apenas seria necessário canalizar 2 milhões de euros, o atraso e inexistência da verbas condiciona profundamente o dia-a-dia dos DFA, nomeadamente no que respeita à sua mobilidade.
ADFA é “parte interessada em acabar com os tabus da Guerra Colonial”
Lopes Dias recordou ainda que muitos dos associados da ADFA integraram o Movimento das Forças Armadas (MFA), participando ativamente na construção do 25 de Abril, e que a Associação continua a trabalhar no sentido da mudança de mentalidades e é “parte interessada em acabar com os tabus da Guerra Colonial e preparar os novos cidadãos para encontrar soluções de paz de justiça e dignidade para todos”. Para tal, a Associação privilegia o contacto com toda a população, inclusive a comunidade escolar, fazendo várias ações de esclarecimento em escolas.
O presidente da ADFA enfatizou que é necessário “reconciliar o país com o passado da guerra”, combater o desconhecimento, dar resposta aos “saudosistas que falam sem saber o que estão a dizer”, e denunciar que a guerra foi “imposta pelo salazarismo a este povo com base numa mentira escabrosa”.
Lembrando que a ADFA esteve na génese da criação do Secretariado Nacional de Reabilitação, em 1977, o primeiro organismo da Europa criado exclusivamente para tratar da inclusão das pessoas com deficiência, Lopes Dias destacou que a Associação continuará, como tem feito até aqui, a colaborar com os movimentos de pessoas com deficiência.
O dirigente da ADFA anunciou ainda que a Associação irá organizar, a 21 de novembro, uma conferência sobre “a literatura da Guerra Colonial e a Guerra Colonial na literatura”, que contará, entre outras, com a intervenção de Carlos Matos Gomes, João de Melo e Manuel Alegre.
DFA condenados a vários constrangimentos no seu dia-a-dia
Francisco Janeiro, presidente da delegação da ADFA de Lisboa, alertou para a morosidade dos processos a que são sujeitos os deficientes militares que estiveram na Guerra Colonial. Este périplo “humilhante” começa nos quartéis e continua no HFAR e, depois, na Caixa Geral de Aposentações (CGA). Alguns desses processos chegam a atingir os 12 anos. Essa é a situação de vários camaradas das PALOP, de Angola, Guiné e Moçambique, que estão desde 2008 a aguardar e cujos processos estão ainda “pendurados na CGA”.
Outro dos constrangimentos a que são condenados os DFA diz respeito às acessibilidades. Neste momento, os ex-combatentes que estão no lar militar ainda não podem vir à ADFA com dignidade, apesar de já ter sido reivindicada, nas várias instâncias responsáveis, a construção de uma pista para esse efeito.
“O país tem de ser maior e de responder a estas questões”
O líder parlamentar do Bloco, Pedro Filipe Soares, frisou que o país tem de assumir a sua “responsabilidade perante os deficiente militares” e que os DFA “foram penalizados na sua juventude por essa violência enorme”, ao serem obrigados a ir para a Guerra Colonial, e agora vivem com sequelas para toda a vida.
“O respeito que o Estado tem de ter por eles, e a assunção de responsabilidades por aquilo que lhes fez, tem de ser real nas suas vidas”, avançou Pedro Filipe Soares, acrescentando que “uma guerra injusta do passado não pode ter agora um presente e um futuro injusto para estas vidas”.
De acordo com o líder parlamentar do Bloco, o “problema começa pela falta de respeito”, ainda que exista a tendência de transformar tudo num problema financeiro e de esquecer os compromissos “nas gavetas do ministério das Finanças”.
“O país tem de ser maior e ser capaz de responder a estas questões”, vincou.
Salientando que se deram passos nesta legislatura, Pedro Filipe Soares reconheceu que ainda há muito para fazer e lamentou que, à última hora, o Governo tenha retirado a revisão do estatuto do deficiente militar.
No que concerne à questão das acessibilidades, o dirigente bloquista recordou que só com a entrada do deputado Jorge Falcato no Parlamento se desencadeou a adaptação das instalações da Assembleia da República para facilitar as acessibilidades, e que a sua eleição trouxe “para o debate político os protagonistas das lutas”.
Jorge Falcato elogiou o facto de a ADFA não se fechar só nas questões dos deficientes militares, recordando que a Associação deu o seu apoio a várias iniciativas do movimento dos Deficientes Indignados.
O deputado referiu ainda que é preciso que os DFA não se fechem também unicamente nas relações com o ministério da Defesa, já que em várias matérias, como é o caso das acessibilidades, devem ser envolvidos outros responsáveis governamentais.
Jorge Falcato não deixou também de assinalar a sua concordância com a ideia de que “há que avivar a memória sobre a Guerra Colonial”.
Por sua vez, o militar de Abril Mário Tomé, mandatário do Bloco nas eleições legislativas, sublinhou que “a Guerra está aqui” e recordou que os DFA, “para se afirmarem enquanto cidadãos de plenos direitos, tiveram de fazer uma grande luta logo a partir do 25 de Abril”.
Saudando a luta da ADFA, Mário Tomé assinalou que a urgência de responder aos DFA não foi reconhecida, e que o Governo, durante estes 45 anos, tem sido obrigado a fazer cedências devido à pressão a que tem sido sujeito.
O militar de Abril enfatizou que é preciso continuar a lutar para exigir o justo reconhecimento pleno dos direitos dos DFA.
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