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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Rita Rato (CDU). “Ecologia sem luta de classes é jardinagem”




www.wort.lu /pt/




A deputada comunista cita a célebre frase de Chico Mendes. É deputada há dez anos. Foi durante muito tempo o rosto das questões do trabalho no Parlamento pelo PCP. Encabeça a lista do Círculo da Europa para tentar a proeza da CDU eleger o seu primeiro deputado na emigração portuguesa.

Há quanto tempo é deputada?
Desde 2009.

Foi produtivo?
Foi produtivo e foi útil. Reconheço a importância de ter desenvolvido o meu trabalho na Assembleia da República. Foi uma ação no sentido de fazer propostas políticas alternativas em relação às políticas que têm vigorado nos últimos anos, lutando pela valorização dos salários, tentando conseguir uma mais justa distribuição da riqueza, exigindo que os direitos, que existem na lei, existam de facto na vida, e denunciando situações com as quais os portugueses e as pessoas que vivem no nosso país são confrontados. Acho que ser eleito do PCP nunca é tempo perdido, tanto em termos de experiência pessoal, como sobretudo para utilizar o mandato para servir os que nos elegeram e contribuir com o nosso trabalho para a melhoria das condições de vida das pessoas.

Como chegou ao PCP?
Cheguei ao PCP depois da minha entrada no Ensino Superior e quando me confrontei com as dificuldades de acesso ao Ensino Superior. O custo das propinas e o que significava para a minha família manter uma filha deslocada para Lisboa a estudar. A partir daí, deu-se o meu envolvimento político maior devido às questões estudantis, mas também devido às questões mais gerais que propõe o PCP. Costumo dizer que cheguei ao PCP pelo estômago, coração e cabeça. Há quem chegue só por uma destas questões, eu cheguei através dessas três.

Qual é a medida que mais se orgulha de ter participado no seu trabalho de deputada?
Para além da denúncia de questões concretas, sejam elas laborais ou do acesso à habitação, se tivesse de identificar duas medidas seria a luta para a antecipação da idade da reforma para os trabalhadores das pedreiras – que foi um combate de décadas dos mineiros e das suas organizações representativas, e que agora, com a alteração da correlação de forças na Assembleia da República foi possível conseguir aprovar por proposta do PCP -, e a outra medida seria garantir o pagamento a 100% da licença de risco clínico às trabalhadoras grávidas e lactantes que estavam expostas, no seu trabalho, a riscos que decorrem da natureza da sua profissão, raio X ou produtos químicos, e que a partir do sexto ou sétimo mês tinham de ficar de baixa e só recebiam 65% do salário. Garantir essa retribuição justa foi uma conquista importante da nossa intervenção.

Com a chamada geringonça houve bastantes propostas do PCP que foram aprovadas, mas tendo em conta as eleições europeias e as sondagens o seu partido não parece ter beneficiado disso.
Relativamente às próximas eleições resta o povo português votar para se poder concluir isso. Mas na verdade é preciso dizer com franqueza que os resultados eleitorais não têm correspondido ao trabalho e à forma como exercemos o nosso mandato. Creio que é justo dizer que merecíamos mais.

Não há uma desadequação da comunicação do PCP em relação às novas situações e ao desenvolvimento da sociedade?
Eu acho que a exploração dos trabalhadores não tem nada de novo e continua a ser uma questão profundamente atual. Se calhar a forma como os trabalhadores a percecionam é diferente e temos de ter em conta essa realidade. Continua nos dias de hoje a verificar-se o facto de uma pequena minoria explorar uma grande maioria dos trabalhadores. Mas é verdade que temos de chegar a mais gente e conseguir que cada vez mais pessoas se identifiquem com a nossa forma de estar na vida e fazer política.

O que se tem verificado a nível mundial é um esvaziamento do movimento comunista internacional. Questões como a precariedade, o feminismo e o ambiente parecem passar ao lado da intervenção do PCP.
O contexto internacional só torna mais importante a nossa resistência, como partido e com a nossa identidade própria, mas torna também mais exigente a nossa intervenção. É preciso intervir, e nós temo-lo feito, em questões ambientais e da luta das mulheres, mas sem esquecer que as questões da luta de classes continuam a estruturar a sociedade de uma forma muito marcada e que isso faz parte da própria natureza do capitalismo.

Quando vemos questões como a desigualdade entre homens e mulheres, elas podem não ser todas abrangidas pela luta de classes. O PCP não se tem mostrado sempre muito alérgico a tudo o que é novo nesse sentido, como a convocação internacional de uma greve de mulheres por uma maior igualdade?
A luta da mulheres é parte integrante de um combate por uma nova sociedade, e o PCP reconhece-o de uma forma muito clara. Nós temos dentro das nossas capacidades dado força e voz a isso. A questão que referi do pagamento por inteiro da licença de risco clínico às mulheres grávidas e lactantes que trabalham em setores perigosos é exemplo disso. As denúncias que fizemos de situações discriminatórias no trabalho e no acesso a serviços públicos é também dar voz à luta das mulheres pela igualdade. Nós não negamos a nossa participação nessas lutas sociais, ainda que partindo da conceção que vivemos numa sociedade de classes que estrutura as desigualdades que vivenciamos e que as mulheres trabalhadoras e mais pobres estão confrontadas com uma série de problemas que outras não têm.

Mas nem tudo se esgota nisso.
Naturalmente que há outras questões e até momentos de convergência que extravasam isso, como a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos ou a interrupção voluntária gravidez.

Como vê as lutas ambientais que têm sido protagonizada pelos jovens?
Qualquer movimento de participação e mobilização que alerte para as características destrutivas e exploradoras do capitalismo é obviamente importante. Estes movimentos ambientais têm tornado isto mais evidente.

Mas as questões ambientais e da poluição não existiram só no capitalismo. São também visíveis em sociedades que pretendiam ser socialistas.
Mas não deixou de ser a exploração desregrada do planeta que o capitalismo faz que levou o mundo a esta situação. A exploração e a destruição sistemática dos ecossistemas, que põem em causa a nossa existência coletiva, obrigam a uma ação no sentido de parar este processo destrutivo. Tenho muito presente uma frase que li recentemente: ecologia sem luta de classes é jardinagem.

Qual é a razão que leva uma alentejana deputada por Lisboa a candidatar-se pelo círculo da Europa?
Um dia disse que se não fosse a minha militância e a minha participação no partido teria emigrado. Não o fiz, mas muitos da minha geração foram forçados a isso. Hoje, a última vaga de emigração, que entre 2011 e 2015 teve um aumento muito significativo, foi de jovens que apesar de quererem viver no seu país não encontraram em Portugal condições para isso. Nos últimos anos, já no século XXI, a emigração continua a não ser uma opção mas algo que se faz por falta de opção. A minha candidatura é, devido à minha experiência no Parlamento, uma aposta do PCP e da CDU. Continuamos a ter a perspetiva que as questões da emigração exigem medidas dentro de Portugal e fora de Portugal. É preciso que o nosso país melhore as condições de vida e que altere um modelo de produção baseado na precariedade e baixos salários de forma a que se possam criar condições para as pessoas não serem forçadas e emigrar e aquelas que o fizeram encontrem condições para regressar, se assim o quiserem. Para além disso, aqueles que emigraram têm direito a ter uma presença eficaz e célere do Estado português e isso não tem infelizmente acontecido.

A forma como nós queremos que tratem os emigrantes portugueses devia ser igual à forma como nós tratamos as pessoas que imigram para Portugal. Acha que toda a gente devia ter direitos políticos? Por exemplo, no Luxemburgo metade da população é imigrante e não pode votar nas legislativas.
É preciso lembrar que os mesmos governos que em Portugal convidavam os jovens “a sair da sua zona de conforto” e emigrar, eram os mesmos que apoiavam a Europa fortaleza que permitiram que o Mediterrâneo se tivesse transformado num cemitério de pessoas que fugiam à guerra e à fome. É preciso sublinhar que a emigração não é muitas vezes uma oportunidade, mas uma necessidade que obrigou muitos portugueses a deixar o seu país para sobreviverem. É óbvio que os portugueses e os da origem portuguesa no Luxemburgo, que são quase 20% da população, devem merecer uma reflexão sobre os espaços de participação política que têm. É preciso garantir que as questões de acesso à educação e da língua não são uma barreira para uma vida digna na sociedade luxemburguesa. É preciso também lutar por uma maior justiça social. Sabemos que nos últimos anos, embora tenha aumentado o número de emigrantes qualificados, a grande maioria das pessoas continua a trabalhar em sectores menos qualificados. Quando alguém tem de ganhar um salário que só chega para as despesas básicas e ainda tem de mandar dinheiro para apoiar a família em Portugal é muito difícil que tenha as condições mínimas para participar, em pé de igualdade, na sociedade que o acolhe.

Como analisa o falhanço, pelo menos numérico, das medidas do governo para conseguir o regresso dos emigrantes?
Esse falhanço mostra bem o caráter limitado dessas propostas. Ninguém vai voltar para Portugal se não tiver uma perspetiva de emprego qualificado, estável e com direitos. Se não tiver uma escola e serviços de saúde com qualidade. Ninguém o vai fazer para receber seis mil euros. A maioria das pessoas não emigrou por vontade mas por necessidade. Mas se não houver em Portugal um modelo económico que valorize o trabalho, é muito difícil que isso aconteça.

Em Portugal e até no Luxemburgo a questão do acesso à habitação tem piorado, como se pode resolver este problema?
O Estado tem o dever de garantir o direito à habitação, intervir nesse mercado e promover a construção de habitação pública. Essa intervenção permite combater a especulação e tem um efeito fundamental para garantir o acesso à habitação para a maioria das pessoas. Isso é muito importante, a casa é a nossa segurança primária. Verifica-se que em muitos países da Europa, não só no Luxemburgo, a habitação consome uma fatia muito grande do rendimento das pessoas, dificultando em muito a vida dos portugueses que emigraram.

Em relação à situação dos portugueses do Luxemburgo quais são as suas prioridades?
O facto do PCP e da CDU não terem eleitos no Círculo da Europa não significou inação. Continuamos a apresentar propostas e a denunciar situações. Se tivermos eleitos, mais força teremos para fazer esse trabalho. Existem problemas que têm merecido a nossa atenção ao longo deste mandato, nomeadamente o atraso que se verifica a nível de reformas e pensões. Houve pessoas com pensões de invalidez devidas que demoraram três anos a resolver a sua situação. Também relativamente à reforma antecipada. Houve situações em que demorou 621 dias para a atribuições dessas pensões. O mesmo em relação às pensões de velhice. É urgente reforçar a rede consular e dar melhores condições de trabalho para que haja um apoio consular eficiente.

A medida do governo de colocar um balcão da Segurança Social no Luxemburgo é positiva?
É, mas peca por tardia. Não se devia ter de esperar três anos para tomar medidas.

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