UMA TRAGÉDIA COLONIAL
Passaram ontem trinta e nove anos sobre um dos episódios mais traumáticos da guerra colonial. Às 16 horas do dia 20 de Abril de 1970, no norte da Guiné (na estrada entre Pelundo e Jolmete, na região de Teixeira Pinto/Canchungo de etnia manjaca), três oficiais superiores e um alferes miliciano do exército colonial português mais três guineenses colaboracionistas (*) foram mortos por forças do PAIGC. O episódio teve um efeito psicológico assinalável entre os militares envolvidos na guerra colonial não pelo número de baixas mas pela natureza do acontecimento e pelas pessoas envolvidas. Desde logo, porque perderam simultaneamente a vida três oficiais superiores portugueses considerados como pertencendo à nata do corpo de oficias profissionais nos teatros de operações. Depois, porque o alvo da missão dos quatro militares e dos três colaboracionistas guineenses era exactamente o oposto do que aconteceu – concretizar a rendição e passagem para o lado colonial das forças do PAIGC que operavam na região, após aparentemente bem sucedidas negociações de aliciamento realizadas antes. Finalmente, com enorme carga simbólica, pelas circunstâncias em que as liquidações se concretizaram (assassinatos a sangue frio e com requintes de crueldade de pessoas que se encontravam desarmadas). O certo é que o que se previa ser um momento alto da contra-guerrilha, a desarticulação operacional da intervenção do PAIGC no norte da Guiné e com efeitos devastadores na moral e na operacionalidade dos guerrilheiros anticoloniais, transformou-se num dos mais desmoralizadores insucessos do exército colonial português, com enorme impacto psicológico negativo na convicção de combate do exército colonial.
Por razões diversas mas confluentes, este episódio marcante da guerra colonial e as suas sequelas, do ponto de vista psicológico e simbólico, nunca teve tratamento adequado quer da parte da literatura portuguesa sobre a guerra colonial (nomeadamente na componente historiográfica) como da bibliografia do PAIGC ou a ele afecta. Do lado português, entende-se que uma derrota com aquela dimensão e aqueles contornos seja difícil de digerir, embora as vitórias e as derrotas devessem ter o mesmo peso analítico e factual no tratamento histórico do passado colonial feito guerra de conservação do império. O silêncio e pudor do PAIGC perante os acontecimentos é mais difícil de entender, a não ser pela dificuldade de admissão das divisões internas que o precederam e pela forma bárbara como as execuções dos militares portugueses e dos seus colaboradores guineenses, para mais desarmados, tiveram lugar.
Entre a pouca bibliografia disponível sobre o episódio, conta-se o relatório militar (classificado, na altura, como “secreto”) feito pelo oficial que comandou a operação de recuperação dos corpos (aqui editado) e de que se transcreve uma parte:
Como se verifica pelo croqui do local (…) os corpos foram encontrados em dois grupos distintos. Num, os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e os nativos Aliu Sissé e Patrão da Costa. No outro, o Excelentíssimo Major Pereira da Silva e o Senhor Alferes Mosca. O nativo Lamine parece não fazer parte de nenhum dos grupos.
Todos os corpos se encontravam de costas (face voltada para o céu) e estendidos, com excepção do nativo Lamine que se encontrava de bruços e enrolado sobre ele mesmo.
Os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e Pereira da Silva, Sr Alferes Mosca e o nativo Patrão da Costa apresentavam o aspecto de não se terem apercebido de nada de anormal até ao momento de serem assassinados. O nativo Aliu Sissé apresentava um aspecto misto de terror e assombro, como se uns momentos antes de ser assassinado tivesse visto alguém que era seu inimigo e perigoso.
O nativo Lamine deve ter-se apercebido de que algo de anormal se ia passar pois deve ter fugido para debaixo de uma viatura, onde foi morto. A viatura apresenta diversos impactos. Nesse lugar foi depois mutilado.
As viaturas já se encontravam na posição em que foram encontradas pois uma delas (dois pneus furados) dificilmente se deslocaria sem deixar qualquer marca e estas não existiam.
Não foram vistos sinais de luta. Com excepção do nativo Lamine e do Excelentíssimo Major Passos Ramos, desconhece-se como foi morto, se com um tiro que lhe arrancou a parte posterior do crânio, se com uma catanada que lhe separaria a mesma região. Neste caso, a sua morte levaria mais tempo e o seu aspecto seria de mais sofrimento.
Julga-se também que todos foram assassinados no local em que se encontravam devido ao sangue existente no chão.
A não existência de sinais de luta e de nenhum, com excepção do nativo Lamine, ter tentado fugir leva a supor que não teriam sido mortos pelas pessoas com quem possivelmente conversavam.
O grupo assassino deve ter surgido de repente e assim se explicaria o aspecto do Aliu Sissé e a fuga do Lamine. Provavelmente retirou na direcção ESE.
Desconhece-se se houve outros mortos. A havê-los foram levados do local. Calcula-se que o morticínio bárbaro e inqualificável se tenha dado cerca das 16h00 do dia 20.
(*) Os oficiais do exército colonial Major Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos, Major Alberto Fernão Magalhães Osório, Major Joaquim Pereira da Silva e Alferes Miliciano Joaquim João Almeida Mosca, os guineenses colaboracionistas Mamadu Lamine Djuare, Aliu Sissé e Patrão da Costa.
Imagem: Foto de 1974, quando as forças do PAIGC tomam conta do Pelundo, unidade mais próxima e com o comando militar português sobre o local dos acontecimentos de 1970, consumando a descolonização da Guiné.
Publicado por João Tunes
agualisa6.blogs.sapo.pt
Passaram ontem trinta e nove anos sobre um dos episódios mais traumáticos da guerra colonial. Às 16 horas do dia 20 de Abril de 1970, no norte da Guiné (na estrada entre Pelundo e Jolmete, na região de Teixeira Pinto/Canchungo de etnia manjaca), três oficiais superiores e um alferes miliciano do exército colonial português mais três guineenses colaboracionistas (*) foram mortos por forças do PAIGC. O episódio teve um efeito psicológico assinalável entre os militares envolvidos na guerra colonial não pelo número de baixas mas pela natureza do acontecimento e pelas pessoas envolvidas. Desde logo, porque perderam simultaneamente a vida três oficiais superiores portugueses considerados como pertencendo à nata do corpo de oficias profissionais nos teatros de operações. Depois, porque o alvo da missão dos quatro militares e dos três colaboracionistas guineenses era exactamente o oposto do que aconteceu – concretizar a rendição e passagem para o lado colonial das forças do PAIGC que operavam na região, após aparentemente bem sucedidas negociações de aliciamento realizadas antes. Finalmente, com enorme carga simbólica, pelas circunstâncias em que as liquidações se concretizaram (assassinatos a sangue frio e com requintes de crueldade de pessoas que se encontravam desarmadas). O certo é que o que se previa ser um momento alto da contra-guerrilha, a desarticulação operacional da intervenção do PAIGC no norte da Guiné e com efeitos devastadores na moral e na operacionalidade dos guerrilheiros anticoloniais, transformou-se num dos mais desmoralizadores insucessos do exército colonial português, com enorme impacto psicológico negativo na convicção de combate do exército colonial.
Por razões diversas mas confluentes, este episódio marcante da guerra colonial e as suas sequelas, do ponto de vista psicológico e simbólico, nunca teve tratamento adequado quer da parte da literatura portuguesa sobre a guerra colonial (nomeadamente na componente historiográfica) como da bibliografia do PAIGC ou a ele afecta. Do lado português, entende-se que uma derrota com aquela dimensão e aqueles contornos seja difícil de digerir, embora as vitórias e as derrotas devessem ter o mesmo peso analítico e factual no tratamento histórico do passado colonial feito guerra de conservação do império. O silêncio e pudor do PAIGC perante os acontecimentos é mais difícil de entender, a não ser pela dificuldade de admissão das divisões internas que o precederam e pela forma bárbara como as execuções dos militares portugueses e dos seus colaboradores guineenses, para mais desarmados, tiveram lugar.
Entre a pouca bibliografia disponível sobre o episódio, conta-se o relatório militar (classificado, na altura, como “secreto”) feito pelo oficial que comandou a operação de recuperação dos corpos (aqui editado) e de que se transcreve uma parte:
Como se verifica pelo croqui do local (…) os corpos foram encontrados em dois grupos distintos. Num, os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e os nativos Aliu Sissé e Patrão da Costa. No outro, o Excelentíssimo Major Pereira da Silva e o Senhor Alferes Mosca. O nativo Lamine parece não fazer parte de nenhum dos grupos.
Todos os corpos se encontravam de costas (face voltada para o céu) e estendidos, com excepção do nativo Lamine que se encontrava de bruços e enrolado sobre ele mesmo.
Os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e Pereira da Silva, Sr Alferes Mosca e o nativo Patrão da Costa apresentavam o aspecto de não se terem apercebido de nada de anormal até ao momento de serem assassinados. O nativo Aliu Sissé apresentava um aspecto misto de terror e assombro, como se uns momentos antes de ser assassinado tivesse visto alguém que era seu inimigo e perigoso.
O nativo Lamine deve ter-se apercebido de que algo de anormal se ia passar pois deve ter fugido para debaixo de uma viatura, onde foi morto. A viatura apresenta diversos impactos. Nesse lugar foi depois mutilado.
As viaturas já se encontravam na posição em que foram encontradas pois uma delas (dois pneus furados) dificilmente se deslocaria sem deixar qualquer marca e estas não existiam.
Não foram vistos sinais de luta. Com excepção do nativo Lamine e do Excelentíssimo Major Passos Ramos, desconhece-se como foi morto, se com um tiro que lhe arrancou a parte posterior do crânio, se com uma catanada que lhe separaria a mesma região. Neste caso, a sua morte levaria mais tempo e o seu aspecto seria de mais sofrimento.
Julga-se também que todos foram assassinados no local em que se encontravam devido ao sangue existente no chão.
A não existência de sinais de luta e de nenhum, com excepção do nativo Lamine, ter tentado fugir leva a supor que não teriam sido mortos pelas pessoas com quem possivelmente conversavam.
O grupo assassino deve ter surgido de repente e assim se explicaria o aspecto do Aliu Sissé e a fuga do Lamine. Provavelmente retirou na direcção ESE.
Desconhece-se se houve outros mortos. A havê-los foram levados do local. Calcula-se que o morticínio bárbaro e inqualificável se tenha dado cerca das 16h00 do dia 20.
(*) Os oficiais do exército colonial Major Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos, Major Alberto Fernão Magalhães Osório, Major Joaquim Pereira da Silva e Alferes Miliciano Joaquim João Almeida Mosca, os guineenses colaboracionistas Mamadu Lamine Djuare, Aliu Sissé e Patrão da Costa.
Imagem: Foto de 1974, quando as forças do PAIGC tomam conta do Pelundo, unidade mais próxima e com o comando militar português sobre o local dos acontecimentos de 1970, consumando a descolonização da Guiné.
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Por razões diversas mas confluentes, este episódio marcante da guerra colonial e as suas sequelas, do ponto de vista psicológico e simbólico, nunca teve tratamento adequado quer da parte da literatura portuguesa sobre a guerra colonial (nomeadamente na componente historiográfica) como da bibliografia do PAIGC ou a ele afecta. Do lado português, entende-se que uma derrota com aquela dimensão e aqueles contornos seja difícil de digerir, embora as vitórias e as derrotas devessem ter o mesmo peso analítico e factual no tratamento histórico do passado colonial feito guerra de conservação do império. O silêncio e pudor do PAIGC perante os acontecimentos é mais difícil de entender, a não ser pela dificuldade de admissão das divisões internas que o precederam e pela forma bárbara como as execuções dos militares portugueses e dos seus colaboradores guineenses, para mais desarmados, tiveram lugar.
Entre a pouca bibliografia disponível sobre o episódio, conta-se o relatório militar (classificado, na altura, como “secreto”) feito pelo oficial que comandou a operação de recuperação dos corpos (aqui editado) e de que se transcreve uma parte:
Como se verifica pelo croqui do local (…) os corpos foram encontrados em dois grupos distintos. Num, os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e os nativos Aliu Sissé e Patrão da Costa. No outro, o Excelentíssimo Major Pereira da Silva e o Senhor Alferes Mosca. O nativo Lamine parece não fazer parte de nenhum dos grupos.
Todos os corpos se encontravam de costas (face voltada para o céu) e estendidos, com excepção do nativo Lamine que se encontrava de bruços e enrolado sobre ele mesmo.
Os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e Pereira da Silva, Sr Alferes Mosca e o nativo Patrão da Costa apresentavam o aspecto de não se terem apercebido de nada de anormal até ao momento de serem assassinados. O nativo Aliu Sissé apresentava um aspecto misto de terror e assombro, como se uns momentos antes de ser assassinado tivesse visto alguém que era seu inimigo e perigoso.
O nativo Lamine deve ter-se apercebido de que algo de anormal se ia passar pois deve ter fugido para debaixo de uma viatura, onde foi morto. A viatura apresenta diversos impactos. Nesse lugar foi depois mutilado.
As viaturas já se encontravam na posição em que foram encontradas pois uma delas (dois pneus furados) dificilmente se deslocaria sem deixar qualquer marca e estas não existiam.
Não foram vistos sinais de luta. Com excepção do nativo Lamine e do Excelentíssimo Major Passos Ramos, desconhece-se como foi morto, se com um tiro que lhe arrancou a parte posterior do crânio, se com uma catanada que lhe separaria a mesma região. Neste caso, a sua morte levaria mais tempo e o seu aspecto seria de mais sofrimento.
Julga-se também que todos foram assassinados no local em que se encontravam devido ao sangue existente no chão.
A não existência de sinais de luta e de nenhum, com excepção do nativo Lamine, ter tentado fugir leva a supor que não teriam sido mortos pelas pessoas com quem possivelmente conversavam.
O grupo assassino deve ter surgido de repente e assim se explicaria o aspecto do Aliu Sissé e a fuga do Lamine. Provavelmente retirou na direcção ESE.
Desconhece-se se houve outros mortos. A havê-los foram levados do local. Calcula-se que o morticínio bárbaro e inqualificável se tenha dado cerca das 16h00 do dia 20.
(*) Os oficiais do exército colonial Major Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos, Major Alberto Fernão Magalhães Osório, Major Joaquim Pereira da Silva e Alferes Miliciano Joaquim João Almeida Mosca, os guineenses colaboracionistas Mamadu Lamine Djuare, Aliu Sissé e Patrão da Costa.
Imagem: Foto de 1974, quando as forças do PAIGC tomam conta do Pelundo, unidade mais próxima e com o comando militar português sobre o local dos acontecimentos de 1970, consumando a descolonização da Guiné.
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Guiné 63/74 - P4707: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (10): Mina bailarina
1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 14 de Julho de 2009:
Na postagem desta estória pedia-te que, no poema, respeitasses os parágrafos
para não desvirtuar a intenção do autor ao destacar as duas sílabas "mina"
sempre só numa linha.
Um abraço e até para a semana.
Fernando Gouveia.
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
Foto 1 - Bafatá. A tabanca da Roccha em primeiro plano. Da rotunda à direita partia a Av. Principal que terminava junto do mercado e da piscina. Ao fundo vê-se a igreja. 1969.
10 – Mina Bailarina
Foto 2 - Bafatá vista da estrada para Geba. Aqui andava-se livremente, sem minas, apesar de essa tabanca, a uns escassos 10 Km, ser atacada regularmente. 1969.
Cabe desde já referir que o título desta pequena e simples estória se deve, não a uma mina bailarina antipessoal nem tão pouco à potente mina anticarro que faz parte da estória, mas sim ao título de um belíssimo poema bastante mais carregado de significado, de um nosso camarada Coronel na reserva, com quatro comissões na guerra colonial que, entre outras coisas, se dedica à poesia.
Terminarei com esse poema, “Mina Bailarina” incluído no livro “Incursões” da autoria de Bernardo Branco (pseudónimo) e com capa de José Rodrigues.
Se em qualquer guerra se pode considerar: a frente e a retaguarda, cada uma completando a outra, então direi que pertencia à retaguarda.
Já referi várias vezes que, desde a mobilização para a Guiné e até ao regresso à metrópole, tive sorte, sorte e mais sorte, contrariamente ao que infelizmente se passou com muitos camaradas.
Por sorte não fui comandar um Pelotão de Reconhecimento como aconteceu com a maior parte dos meus colegas do Pel Rec Inf de Mafra. Fui sim destinado às Informações, nomeadamente a Oficial de Informações do Comando de Agrupamento de Bafatá.
Entrando directamente na estória que hoje aqui me traz, começo por dizer que as minhas funções no Comando de Agrupamento eram na prática, e principalmente, receber, triar e registar de várias formas todas as notícias (informações) que iam chegando, normalmente via mensagens rádio referentes quer ao IN, quer às NT.
Abrindo aqui um parênteses, referirei que durante os dois anos em que lá exerci essas funções, nunca em caso algum tive qualquer contacto com elementos da PIDE, o que sempre achei estranho. Ainda bem que assim foi, mas não posso deixar de referir que essa indiferença por parte da PIDE era talvez um prenúncio da sua decadência, bem como do regímen que a sustentava.
Um dos registos que a toda a hora tinha que fazer era a actualização de todas as acções IN no mapa da zona leste à Esc 1/50.000, que ocupava toda uma parede da sala onde trabalhava. Havia sinais autocolantes em mica vermelha que iam sendo colocados nos locais dessas acções. Decorrido um certo tempo esses sinais eram substituídos por outros cor-de-laranja. Assim, num simples relance de olhar, podia-se detectar onde, de momento, havia mais actividade IN.
À tarde de determinado dia (do ano de 1969) chegou uma mensagem referindo a detecção e levantamento de uma mina anticarro, por uma coluna que se dirigia para um destacamento (não lembro o nome) algures no sector de Bambadinca.
Seria mais um sinal que iria colocar no mapa, mas não foi só isso. Tendo reparado que havia mais sinais cor-de-laranja de minas no mesmo itinerário e puxando da memória e dos arquivos, depressa cheguei à conclusão que todas as vezes que esse destacamento era atacado (de 2 em 2 meses, suponho), no dia seguinte a respectiva coluna de reabastecimento detectava e levantava uma mina anticarro.
Não foi difícil tirar a conclusão final: Esse aquartelamento iria ser atacado, nesse dia, ao anoitecer como era costume.
De imediato fui ter com o Cor Hélio Felgas, meu comandante, e dado que o conhecia muito bem, levei logo comigo o bloco das mensagens.
- Meu comandante, este destacamento vai ser atacado hoje. Ouviu as minhas explicações. Sem dizer uma palavra, estendeu a mão para o bloco das mensagens e escreveu:
- Prevê-se ataque IN esse hoje tome providências.
Ao anoitecer chegava uma mensagem referindo o ataque. De imediato o Cor Felgas mandou outra a perguntar quais as providências tomadas.
Não me recordo se houve ou não mais uma punição para um comandante de destacamento, caso naquele dia não tenha saído do arame.
E a propósito de mina, nada melhor para terminar que a bela e também dramática poesia que se segue.
MINA BAILARINA
Filão que paga as contas
e o rodopio.
Há muito que o mineiro
salva o salário na folha corrente
e o saldo positivo-negativo se exa-
mina.
Na febril valsa o operário,
no calafrio
em que o preço da fome se ensina,
aperta nos braços de inúmeros moldes
cruzes onde o sangue pinta o papel que deter-
mina.
Vêm assim ao de cima
as escórias do túnel
que o filão de extropiados elimina e ilu-
mina
e nas contas do fabricante
há um acordo que exter-
mina.
E só depois da valsa assassina
alimentar a dança
é que os mandantes do baile que ful-
mina
se apressam a mudar a música,
sem que de uma vez por todas rebentem
com o filão que os recri-
mina.
Na postagem desta estória pedia-te que, no poema, respeitasses os parágrafos
para não desvirtuar a intenção do autor ao destacar as duas sílabas "mina"
sempre só numa linha.
Um abraço e até para a semana.
Fernando Gouveia.
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
Foto 1 - Bafatá. A tabanca da Roccha em primeiro plano. Da rotunda à direita partia a Av. Principal que terminava junto do mercado e da piscina. Ao fundo vê-se a igreja. 1969.
10 – Mina Bailarina
Foto 2 - Bafatá vista da estrada para Geba. Aqui andava-se livremente, sem minas, apesar de essa tabanca, a uns escassos 10 Km, ser atacada regularmente. 1969.
Cabe desde já referir que o título desta pequena e simples estória se deve, não a uma mina bailarina antipessoal nem tão pouco à potente mina anticarro que faz parte da estória, mas sim ao título de um belíssimo poema bastante mais carregado de significado, de um nosso camarada Coronel na reserva, com quatro comissões na guerra colonial que, entre outras coisas, se dedica à poesia.
Terminarei com esse poema, “Mina Bailarina” incluído no livro “Incursões” da autoria de Bernardo Branco (pseudónimo) e com capa de José Rodrigues.
Se em qualquer guerra se pode considerar: a frente e a retaguarda, cada uma completando a outra, então direi que pertencia à retaguarda.
Já referi várias vezes que, desde a mobilização para a Guiné e até ao regresso à metrópole, tive sorte, sorte e mais sorte, contrariamente ao que infelizmente se passou com muitos camaradas.
Por sorte não fui comandar um Pelotão de Reconhecimento como aconteceu com a maior parte dos meus colegas do Pel Rec Inf de Mafra. Fui sim destinado às Informações, nomeadamente a Oficial de Informações do Comando de Agrupamento de Bafatá.
Entrando directamente na estória que hoje aqui me traz, começo por dizer que as minhas funções no Comando de Agrupamento eram na prática, e principalmente, receber, triar e registar de várias formas todas as notícias (informações) que iam chegando, normalmente via mensagens rádio referentes quer ao IN, quer às NT.
Abrindo aqui um parênteses, referirei que durante os dois anos em que lá exerci essas funções, nunca em caso algum tive qualquer contacto com elementos da PIDE, o que sempre achei estranho. Ainda bem que assim foi, mas não posso deixar de referir que essa indiferença por parte da PIDE era talvez um prenúncio da sua decadência, bem como do regímen que a sustentava.
Um dos registos que a toda a hora tinha que fazer era a actualização de todas as acções IN no mapa da zona leste à Esc 1/50.000, que ocupava toda uma parede da sala onde trabalhava. Havia sinais autocolantes em mica vermelha que iam sendo colocados nos locais dessas acções. Decorrido um certo tempo esses sinais eram substituídos por outros cor-de-laranja. Assim, num simples relance de olhar, podia-se detectar onde, de momento, havia mais actividade IN.
À tarde de determinado dia (do ano de 1969) chegou uma mensagem referindo a detecção e levantamento de uma mina anticarro, por uma coluna que se dirigia para um destacamento (não lembro o nome) algures no sector de Bambadinca.
Seria mais um sinal que iria colocar no mapa, mas não foi só isso. Tendo reparado que havia mais sinais cor-de-laranja de minas no mesmo itinerário e puxando da memória e dos arquivos, depressa cheguei à conclusão que todas as vezes que esse destacamento era atacado (de 2 em 2 meses, suponho), no dia seguinte a respectiva coluna de reabastecimento detectava e levantava uma mina anticarro.
Não foi difícil tirar a conclusão final: Esse aquartelamento iria ser atacado, nesse dia, ao anoitecer como era costume.
De imediato fui ter com o Cor Hélio Felgas, meu comandante, e dado que o conhecia muito bem, levei logo comigo o bloco das mensagens.
- Meu comandante, este destacamento vai ser atacado hoje. Ouviu as minhas explicações. Sem dizer uma palavra, estendeu a mão para o bloco das mensagens e escreveu:
- Prevê-se ataque IN esse hoje tome providências.
Ao anoitecer chegava uma mensagem referindo o ataque. De imediato o Cor Felgas mandou outra a perguntar quais as providências tomadas.
Não me recordo se houve ou não mais uma punição para um comandante de destacamento, caso naquele dia não tenha saído do arame.
E a propósito de mina, nada melhor para terminar que a bela e também dramática poesia que se segue.
MINA BAILARINA
Filão que paga as contas
e o rodopio.
Há muito que o mineiro
salva o salário na folha corrente
e o saldo positivo-negativo se exa-
mina.
Na febril valsa o operário,
no calafrio
em que o preço da fome se ensina,
aperta nos braços de inúmeros moldes
cruzes onde o sangue pinta o papel que deter-
mina.
Vêm assim ao de cima
as escórias do túnel
que o filão de extropiados elimina e ilu-
mina
e nas contas do fabricante
há um acordo que exter-
mina.
E só depois da valsa assassina
alimentar a dança
é que os mandantes do baile que ful-
mina
se apressam a mudar a música,
sem que de uma vez por todas rebentem
com o filão que os recri-
mina.
blogueforanadaevaotres.blogspot.pt
A mina anti-carro
As viaturas circulavam vagarosamente com a velocidade permitida pelos pachorrentos burros do mato, mantendo entre si uma distância de segurança com cerca de 50 metros.
Esta região fronteiriça do norte de Angola, era utilizada pelos guerrilheiros da FNLA, o movimento independentista chefiado
por Holden Roberto, principalmente como local de passagem vindos das suas bases do lado de lá da fronteira em território Zairense e, não era considerada uma zona de guerra de tão alta intensidade como Nambuangongo com a sua terrível e perigosa floresta dos Dembos. No entanto a situação militar ultimamente estava a alterar-se, agravando-se drasticamente no período a seguir á revolução de 25 de Abril de 1974, com violentos ataques aos aquartelamentos de fronteira. Por vezes os guerrilheiros também infligiam duras emboscadas ás nossas tropas, ou colocavam minas escondidas nos itinerários por elas frequentados.
A meio da manhã com o brilhante e intenso sol Africano quase a pique, a coluna parou num local ermo de cerrado e alto capim a roçar os canos das espingardas, não deixando ver nada para lá da ondulante cortina verdejante, a não ser a apertada picada por onde circulavam os pachorrentos burros do mato.
Com esta inesperada e repentina paragem ficamos a poucos metros da viatura que nos precedia e, adivinhando a nossa curiosidade um soldado gritou-nos.
- Parece que encontraram rastos frescos na picada.
O Farsola ao ouvir esta notícia alvitrou.
- Não querem lá ver, que estão a preparar-nos alguma emboscada, ou alguma mina – e adiantou – ou provavelmente as duas coisas em simultâneo.
A coluna avançava agora ainda com mais lentidão e o Farsola de vez em quando lançava o olhar por cima da cabina da viatura, na esperança vã de ver surgir o nosso local de destino. Agora que tinham detectado pegadas recentes na picada receava que estivéssemos prestes a enfrentar a morte, os rebentamentos e os tiros, então desejava que rápidamente tudo isso tivesse um desfecho.
Racionava friamente, se fossemos atacados agora que o sol ainda ia alto, até tínhamos hipóteses de os feridos serem evacuados pelos helicópteros que só voavam durante o dia, o pior seria se o provável ataque só surgisse perto da noite, aí teríamos que carregar com os mortos e os feridos, ou esperar pelo romper do dia seguinte.
Ao descrevermos uma apertada curva, que circundava um alto morro, o Farsola contava mais uma das suas muitas aventuras, em que mais uma vez conseguira fugir da polícia ao volante de um potente BMW roubado junto ao Casino Estoril. Repentinamente ouve-se uma enorme explosão e a viatura que seguia na nossa frente é projectada pelo ar acompanhada de uma enorme coluna de pó e de fumo.
Enquanto a nossa viatura abrandava, nós rapidamente saltamos para o chão temendo alguma daquelas terriveis e mortíferas emboscadas que por vezes se seguiam ao rebentamento destas traiçoeiras minas anti-carro.
Felizmente desta vez a explosão da mina foi um acto isolado e nós corremos para o local do impacto.
A viatura sinistrada encontrava-se reduzida a um monte de ferros retorcidos e os soldados que nela seguiam foram projectados para longe, encontrando-se espalhados pela ravina gemendo e soluçando.
Rapidamente alguns soldados subiram aos morros próximos afim de montarem a segurança, inviabilizando deste modo qualquer ataque que o inimigo pudesse desferir aproveitando-se da fragilidade da situação. Alguns dos feridos encontravam-se muito maltratados, apresentando várias fracturas, principalmente dos membros superiores e inferiores.
Eu rapidamente corri para junto do meu camarada de transmissões, auxiliando-o na montagem das antenas e na ligação via rádio com a sede. Alem dos vários feridos, todos nós nos encontrávamos muito abatidos psicologicamente.
Esta mina ao contrário do que seria de prever e, apesar de todas os veículos seguirem cuidadosamente pisando o rasto deixado pelo rodado da sua precessoura, só rebentaria á passagem daquela que seguia na nossa frente, neste caso a 3º viatura, isto deveu-se à armadilha estar munida com um sistema de trincos pré-programados.
Devido à falta de helicópteros para procederem à evacuação dos feridos, recebemos ordens via rádio para se montar segurança à viatura sinistrada, e procedermos à reorganização da coluna com vista ao seu regresso ao local de partida, onde os feridos seriam socorridos.
Entretanto de São Salvador partira ao nosso encontro uma outra coluna com uma equipa médica, que ao cair da noite se encontra connosco e de imediato iniciou a prestação dos primeiros socorros aos nossos camaradas feridos.
MANUEL ALDEIAS
manuelaldeias.blogspot.pt
PROPAGANDA NA GUERRA DE LIBERTAÇÃO
Também do lado do PAIGC não se descurava a propaganda desmoralizadora junto do exército colonial português.
Este panfleto (copiado daqui) fazia parte do material de propaganda de guerrilha na guerra de libertação na Guiné e era um incentivo à deserção dos militares portugueses, aproveitando três casos que são invocados. Repare-se a preocupação de garantir aos desertores que não ficariam em África mas sim colocados num país europeu com forte colónia emigrante portuguesa (relevo para França). Assim, a deserção é praticamente despida de significado político, além do sentido humanitário de recusar participar numa guerra criminosa e “já perdida”, sendo uma forma de concretizar aquilo que já milhares de jovens portugueses faziam clandestinamente e atravessando Espanha, quando se aproximava a incorporação militar (o “salto” para França). A distinção vincada entre portugueses e exército colonial, por sua vez, era uma forma de induzir a garantia de uma boa recepção quando da entrega ao PAIGC.
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Publicado por João Tunes
PROPAGANDA NA GUERRA COLONIAL
Este cartaz-folheto (copiado daqui) fazia parte do material de propaganda de contra-guerrilha na guerra colonial na Guiné e era um incentivo à deserção dos guerrilheiros do PAIGC através da idealização da reintegração sob o poder colonial.
Os elementos pictóricos são simplificados e impressivos. A disposição figurativa dominante é a do reencontro efusivo e afectuoso entre os africanos que continuavam sob dominação portuguesa e aqueles que regressam abandonando as armas da luta de libertação. A bandeira portuguesa, símbolo de soberania perene, é elemento vivo e colorido. No centro, destaca-se, pelo chapéu, o régulo africano como sinal da continuação da autoridade tradicional africana. Os elementos do exército colonial (desarmados e em pose de satisfação convivial) estão postados discretamente como espectadores e incluem um militar negro. A legenda é discreta, sublimando as vantagens da deserção, para os desertores e para os seus familiares e amigos, não contendo qualquer elemento reprovador forte aos guerrilheiros, apenas indicando que estavam “enganados”.
O quadro idílico traçado na ilustração servia de contraponto, sem necessidade de representação dicotómica, à realidade guerrilheira e consequentes riscos – o combate armado, a exclusão da família, do meio familiar e dos complementos afectivos, as carências da vida guerrilheira, a brutalidade da acção militar colonial, incluindo a acção dos agentes da PIDE.
Se a propaganda não resultou não foi por demérito da propaganda. Havia muito no real que resistia à melhor propaganda.
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