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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

A singular e trágica história da mulher-homem do Porto


Numa tarde primaveril de março de 1871, o chefe da primeira esquadra de Policia do Porto, José Ribeiro dos Santos, entrou numa taberna da rua do Bonjardim, pertencente a António Joaquim da Silva, onde foi “gentilmente“ atendido pelo caixeiro António Custódio das Neves. Além dos modos gentis do empregado, não passaram desapercebidos, à natural perspicácia do policia, os traços finos do rosto do moço e, nomeadamente, as formas bem torneadas do corpo, perfeitamente percetíveis, debaixo das roupas leves que envergava.
Intrigado, o chefe de esquadra, a pretexto de querer saber se o rapaz já tinha feito a tropa, levou-o à esquadra e aí deu inicio a um minucioso interrogatório que deixou seriamente embaraçado o interrogado, acabando este por confessar que era efetivamente mulher, que tinha 20 anos, que o seu nome de batismo era o de Maria Trindade mas que era mais conhecida por a Antónia Custódia das Neves, natural da Granja do Tedo, no conselho de Tabuaço.

A moça foi detida e entregue ao comissário da Policia que, por sua vez, a remeteu para o poder judicial. No dia seguinte o caso da ”mulher-homem“ ocupava o espaço mais nobre dos jornais do Porto. “É o assunto forçado de todas as conversações e não há ninguém nesta cidade que deixe de fazer os comentários mais extravagantes“, escreveu-se no “Jornal do Porto”. Outro jornal, “A Voz do Povo“, levou o caso para a brincadeira e tratou o assunto da “mulher- homem“ ao jeito de gazetilha, que começava assim: “Oh! Salve, Antónia Custódia! / Ó grande celebridade! / És pérola de virtude / Nesta perdida cidade…”
Disseram os jornais da época que Antónia Custódia, enquanto se vestiu de rapaz, trajava jaquetão de ratina (tecido felpudo de lã); calça de casimira; chapéu baixo de feltro; e camisa com peito de folhos, que sempre usou com botões de ouro. No colete ostentava uma corrente de ouro e no bolso tinha o respetivo relógio. Mais, que era bem parecido, esbelto, de maneiras expeditas, gracioso e que até derriçava moças da sua idade atribuindo-se-lhe a seguinte quadra enviada uma pretensa namorada: “Quando fores minha esposa;/serás feliz venturosa./ Terás tudo quanto possuo/ minha bela, minha rosa…”
Soube-se entretanto que a Antónia Custódia das Neves era filha de Maria Coroada, uma mulher que nos idos de cinquenta, do século XIX, criara uma estranha seita religiosa na Granja do Tedo – “o sisma da Granja do Tedo ” – de que ela era a figura principal .



Apresentada no tribunal de S. João Novo, Antónia Custódia das Neves repetiu perante o juiz tudo o que já havia dito na esquadra. Depois de submetida a um exame realizado por médicos, foi mandada em liberdade. À saída do tribunal tinha à sua espera uma enorme multidão que a tratou como uma verdadeira heroína.
Em abril de 1879, com 28 anos de idade, Antónia Custódia das Neves casou , na igreja de Santo Ildefonso, com António Joaquim da Silva Júnior, de 19 anos, filho do taberneiro da rua do Bonjardim onde trabalhara. Consta que foi feliz com o marido. Mas a desgraça bateu – lhe à porta, nove anos depois do casamento.
Na noite de 20 de março de 1888, a Antónia Custódia, já com 37 anos de idade, foi assistir a um espetáculo no então famoso teatro Baquet que se situava na rua de Sá da Bandeira, em frente ao café “A Brasileira” , onde hoje está o hotel “Teatro” assim denominado em memória do Baquet fundado por Antoine Baquet. Antónia Custódia estava na plateia com o marido, quando um violento incêndio irrompeu dos lados do palco. Em poucos segundos as chamas espalharam-se por todo o teatro. O casal morreu carbonizado e com ele mais 120 pessoas. A tragédia do Baquet chocou, não apenas a cidade do Porto, mas o país inteiro. Um poeta satírico daquele tempo evocou a infeliz Antónia Custódia nesta quadra: “Era um rapaz às direitas;/a Maria da Trindade/Todas as moças bem feitas, / Inda a choram com saudade…”


Fonte: Autor- Germano Silva in Histórias Portuense (VISÃO)

http://radioportuense.com

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